A revolta da vacina revoolta popular

A Revolta da Vacina aconteceu em 1904 e foi motivada pela insatisfação da população com a campanha de vacinação obrigatória. Essa insatisfação foi gerada por falta de informação e aconteceu em um momento de agitação no Rio de Janeiro, resultado das reformas conduzidas na cidade por Rodrigues Alves e Pereira Passos.

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Contexto: situação do Rio de Janeiro no começo do séc. XX

No começo do século XX, o Rio de Janeiro era a capital e a maior cidade do Brasil. A cidade tinha passado por eventos significativos nas últimas décadas, como a Proclamação da República e a Revolta da Armada. No ano de 1904, mais um desses eventos significativos marcou essa cidade.

A revolta da vacina revoolta popular
No começo do século XX, o Rio de Janeiro tinha 800 mil habitantes, sofria com vários problemas sanitários e presenciou a Revolta da Vacina.

Nesse período, o Rio de Janeiro tinha por volta de 800 mil habitantes e a fama de ser uma cidade onde as pessoas padeciam de diferentes doenças. O crescimento desordenado e a grande circulação de pessoas, somados à falta de estrutura da cidade e saneamento precário, fizeram com que diferentes epidemias se espalhassem por lá todos os anos.

Doenças como varíola, tuberculose, malária, febre amarela, cólera, entre outras, espalhavam-se facilmente, causando a morte de milhares de pessoas anualmente. Inúmeros dados estatísticos comprovam isso|1|.

  • Em 1850-51, 1/3 da cidade contraiu febre amarela (90 mil dos 270 mil habitantes). Desses, mais de 4 mil morreram.

  • Em 1873, 3.659 pessoas morreram de febre amarela e, em 1876, 3.476 pessoas morreram pela mesma doença.

  • Em 1891, mais de 11 mil pessoas morreram de diferentes doenças: febre amarela, varíola, tuberculose e malária.

A medicina da época mostrou-se incapaz de solucionar o problema das doenças que tanto afetavam a capital do Brasil. Muitos médicos cogitavam que o grande número de epidemias no Rio de Janeiro tinha relação com os miasmas, os odores pútridos que circulavam pelos ares da cidade. Os médicos culpavam os pântanos como emissores dos miasmas e falavam que os morros os impediam de se dissiparem.

Além disso, muitos médicos falavam que a aglomeração de pobres na região central e os seus “maus hábitos” contribuíam para deixar aquela região da cidade como uma das mais castigadas pelas doenças. Assim, muitas áreas pantanosas no Rio de Janeiro foram aterradas e ideias de expulsar os pobres do centro do Rio de Janeiro ganharam força.

A ideia de reforma do Rio de Janeiro ganhou força com Rodrigues Alves, presidente eleito em 1902. Ele prometeu realizar a reforma da capital inspirando-se no exemplo da reforma de Paris. Para isso, ele nomeou Francisco Pereira Passos como prefeito do Rio de Janeiro.

A revolta da vacina revoolta popular
O Theatro Municipal do Rio de Janeiro foi um dos lugares construídos durante a reforma da cidade na gestão Pereira Passos.

A reforma do Rio de Janeiro foi concentrada na região central, local que possuía ruas estreitas e grande concentração populacional por conta dos cortiços, construções residenciais que abrigavam milhares de pessoas. Esses locais eram habitados exclusivamente por pobres, incluindo ex-escravos e seus descendentes.

Esse empreendimento colocou em prática todo o autoritarismo do presidente e do prefeito. Dezenas de prédios foram demolidos para que novas avenidas fossem construídas, assim como novos prédios, como o Theatro Municipal. A prefeitura também fez exigências que afetaram comerciantes e usou a polícia para reprimir manifestações culturais, como as festas de Carnaval.

A reforma arquitetônica do Rio de Janeiro forçou os moradores pobres do centro a se mudarem para locais mais precários no centro, mas muitos foram obrigados a se mudar para os morros da cidade. Além disso, junto da reforma arquitetônica, a cidade passou por uma grande operação sanitarista, que ficou a cargo da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) e seu chefe, o sanitarista Oswaldo Cruz.

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→ Campanha sanitarista

Quando Oswaldo Cruz foi nomeado para lidar com os problemas sanitários do Rio de Janeiro, três doenças foram eleitas os alvos principais: febre amarela, varíola e peste bubônica. Para a febre amarela, a DGSP realizou a formação de brigadas de mata-mosquitos, que tinham como função passar de residência em residência atrás de focos do mosquito responsável pela transmissão da doença.

Os mata-mosquitos invadiam casas à força atrás dos focos e para fazer a higienização. Eles também poderiam exigir a reforma de uma construção, assim como sua interdição. Por fim, os mata-mosquitos ainda levavam todos os doentes para hospitais localizados em Caju (bairro no Rio de Janeiro) e Niterói. Os que contraíam doenças contagiosas mais graves, como a varíola, eram levados para outros hospitais.

Para combater a peste bubônica, foi iniciada uma campanha de extermínio de ratos no Rio de Janeiro. A população foi incentivada a capturar e entregar os ratos para a DGSP e, em troca, receberia uma compensação financeira. Logo, muitos moradores fizeram criadores de ratos para garantir uma renda extra.

No caso da varíola, a campanha foi bem controversa e desagradou à população, levando-a a se rebelar. Oswaldo Cruz propôs a vacinação obrigatória, e a população, insatisfeita com isso, foi às ruas.

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Estouro da Revolta da Vacina

Em junho de 1904, foi proposta a lei que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola. A lei não agradava muito à população, principalmente pelo amplo desconhecimento e desinformação a respeito da vacina. A insatisfação popular se manifestou pela formação de instituições que atuavam contra a obrigatoriedade da vacina.

Essa insatisfação popular seguiu até que, no dia 9 de novembro, a imprensa divulgou que uma nova lei seria debatida: essa lei criava restrições para as pessoas que não se vacinassem. Assim, os não vacinados não poderiam, por exemplo, casar-se. Isso foi o estopim para que a população fosse às ruas para protestar contra a vacina.

Os locais que concentraram os protestos foram o Centro e a região portuária. Do dia 10 até o dia 16, protestos intensos aconteceram em vários locais e houve destruição de bondes, lampiões da iluminação pública e até do chão das ruas. Manifestantes e polícia trocaram tiros e até paralelepípedos foram lançados contra as forças de repressão.

Desfecho

O presidente Rodrigues Alves mobilizou o Exército para conter a situação e, só depois do decreto do estado de sítio, no dia 16, a situação ficou sob controle. No meio dos protestos, militares insatisfeitos, sob a liderança do marechal Hermes da Fonseca, tentaram realizar um golpe contra o presidente. Ele chegou cogitar a fugir, mas permaneceu na capital e os golpistas foram derrotados.

O saldo da Revolta da Vacina foi:

  • 31 mortos;

  • 110 feridos;

  • 461 degredados para o Acre.

A campanha de vacinação conseguiu erradicar a varíola do Rio de Janeiro.

Notas

|1| BENCHIMOL, Jaime Larry. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In.: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). Brasil Republicano: o tempo do liberalismo oligárquico: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, p. 215-272.

Créditos da imagem

[1] R.M. Nunes e Shutterstock 

Por Daniel Neves Silva
Professor de História

A Revolta da Vacina aconteceu em 1904, no Rio de Janeiro, na época capital do Brasil, e teve como motivação a insatisfação da população com a campanha de vacinação obrigatória proposta por Oswaldo Cruz, líder da Diretoria Geral de Saúde Pública. Durante uma semana, a população carioca promoveu protestos, mas a repressão policial colocou fim na revolta popular.

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Rio de Janeiro e problemas sanitários

No começo do século XX, o Rio de Janeiro era a maior cidade brasileira e tinha passado por um crescimento populacional vertiginoso a partir do final do século XIX. Esse crescimento populacional deu-se de maneira desorganizada, e a questão sanitária logo se tornou um problema importante para a capital.

O Rio de Janeiro tinha fama nacional e internacional de ser uma cidade onde se proliferavam as pestes. Diferentes doenças espalhavam-se pela população carioca e causavam epidemias frequentemente, resultando na morte de milhares de pessoas. Na década de 1850, por exemplo, cerca de 1/3 da cidade contraiu febre amarela e quase cinco mil pessoas morreram.

Muitos médicos acreditavam nas teorias miasmáticas e falavam que eram os miasmas, gases pútridos que circulavam pela cidade, que causavam tantas doenças. Para solucionar isso, eles  propunham o aterramento dos pântanos e reformas urbanas para eliminar-se as residências mais pobres do centro da cidade e criar-se avenidas mais largas. Isso permitiria maior circulação de ventos, e os miasmas seriam dissipados.

Apesar de as teorias miasmáticas não terem sido comprovadas, pois logo se descobriu que as doenças eram causadas por micróbios, a proposta de reforma e modernização da cidade ganhou força, impulsionada ainda pelo projeto de modernização que tinha sido realizado em Paris, na França, ainda no século XIX.

Reforma Pereira Passos

Os projetos de reforma ganharam força com Rodrigues Alves, eleito presidente do Brasil em 1902. Ele defendeu a reforma da cidade durante a campanha e reforçou esse desejo na sua posse. Depois de assumir, o projeto virou realidade, e o executor da reforma do Rio de Janeiro foi o prefeito da cidade, o arquiteto Pereira Passos.

A reforma tinha como objetivo modernizar o Rio de Janeiro, embelezando a cidade ao estilo da reforma de Paris. Avenidas largas e novos prédios foram construídos na região central, até então ocupada por cortiços — moradias coletivas onde moravam os pobres, sobretudo negros ex-escravizados ou descendentes de escravizados.

As novas obras só foram possíveis por meio do desalojamento dessa população em um processo violento e autoritário. Centenas de prédios foram destruídos, e grande parte da população desalojada não tinha condições de morar nos subúrbios. A solução encontrada por muitos foi mudar-se para residências em condições piores ou para os morros da cidade.

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Oswaldo Cruz e o projeto sanitário

A revolta da vacina revoolta popular
O presidente Rodrigues Alves convocou polícia e exército para reprimir a população que se rebelou no Rio de Janeiro, em 1904.[1]

Com a reforma do centro do Rio de Janeiro, estava o combate contra as doenças que afetavam a cidade. Esperava-se que, com o embelezamento da capital e o combate das doenças, a cidade tornar-se-ia mais atrativa para os estrangeiros. Para combater as doenças, Oswaldo Cruz foi nomeado como chefe da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP).

Oswaldo Cruz decidiu apostar em três frentes de combate: febre amarela, varíola e peste bubônica. Para combater a febre amarela, formaram-se equipes para destruir os focos que permitiam a proliferação do mosquito que disseminava a doença. No caso da peste bubônica, foi criada uma verdadeira operação para exterminar os ratos da cidade.

No caso da varíola, a forma encontrada de combater-se a doença foi pela vacinação obrigatória da população. Essa medida foi apresentada como projeto de lei em junho de 1904 e aprovada e transformada em lei em 31 de outubro do mesmo ano. A proposta não agradou à população do Rio de Janeiro.

Isso porque a campanha de vacinação, como acontecia com a reforma da cidade, deu-se de maneira autoritária, o que gerou irritação na população. Além disso, a população não teve acesso a informações sobre a importância da vacinação, o que deu espaço para que uma série de boatos espalhassem-se. Temia-se, por exemplo, que as mulheres fossem vacinadas nas coxas, o que seria uma desonra para elas, dentro dos padrões de moral da época.

Foi formada uma liga de moradores contra a vacinação no começo de novembro, e, no dia 9 do mesmo mês, uma notícia saiu informando que a prefeitura pretendia aprovar uma lei que estabeleceria restrições públicas a todos que não se vacinassem. Nessa lei, a população seria obrigada a ter um comprovante de vacina para conseguir casar-se, arranjar um emprego, viajar etc.

A revolta popular foi imediata e iniciou-se em dois lugares do Rio de Janeiro: primeiro no Largo do São Francisco, depois na Praça Tiradentes. No dia 10 de novembro, os primeiros protestos aconteceram e as primeiras vozes contra a vacina levantaram-se. Os protestos seguiram-se, e, no dia 12 de novembro, cerca de quatro mil pessoas já protestavam.

O presidente convocou a polícia e o exército para intervir na situação, e até soldados de outros estados foram enviados para o Rio de Janeiro. Os protestos ganharam volume e força no dia 13 de novembro, o que fez com que a violência se espalhasse pelas ruas do Rio de Janeiro. Prédios públicos foram invadidos, houve vandalismo nas ruas, bondes foram incendiados, e barricadas foram formadas em diferentes bairros da cidade.

Alguns dos manifestantes estavam com armas de fogo e houve troca de tiros contra a polícia. Muitos arrancaram os paralelepípedos do chão e lançavam-nos contra as forças de polícia. Muitas ruas ficaram no escuro durante a noite porque os lampiões que as iluminavam foram destruídos pela população rebelada.

Os trabalhadores organizaram-se durante os dias de revolta, e militares insatisfeitos com o presidente aproveitaram-se da situação e tentaram um golpe militar em meio ao caos. Esse golpe foi conduzido pelo marechal Hermes da Fonseca, presidente do Brasil de 1910 a 1914. O golpe falhou depois de confrontos nas ruas da capital.

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Desfecho

Em 16 de novembro, Rodrigues Alves conseguiu dos parlamentares a aprovação do pedido de estado de sítio. Isso deu novos poderes ao presidente, permitindo que ele pudesse atuar de maneira mais repressiva. Nos dias seguintes, a revolta foi controlada, mas uma semana dela deixou um saldo de 31 mortos. Apesar de tudo, a campanha de vacinação teve sucesso em erradicar a varíola do Rio de Janeiro.

Crédito da imagem

[1] Galeria dos Presidentes