A efetividade dos direitos fundamentais de segunda dimensão tem sua aplicabilidade atrelada

Introdução

Os direitos (fundamentais) sociais na Constituição Federal de 1988, no âmbito jurídico-dogmático, não têm discurso uníssono quanto ao seu caráter fundamental. As objeções a seu status fundamental residem em argumentos acerca de uma interpretação restritiva da CF/88, um apego a uma classificação ultrapassada de direitos fundamentais, já rechaçada, por exemplo, por Jorge Reis Novais quando se fala em um Estado Democrático de Direito contemporâneo, bem como a aspectos políticos ligados ao planejamento orçamentário estatal.

Destarte, o caminhar dos direitos fundamentais no Brasil é muito recente e imaturo, em razão do período pré-Constituição de 1988 ser marcado pelo regime ditatorial, com uma gama ínfima de direitos fundamentais (se é que eram efetivados), e pós-Constituição de 1988, o Brasil tem um texto constitucional audacioso e que promete mudar o contexto social, abrangendo uma gama muito maior e complexa de direitos fundamentais1.

Na Alemanha, por exemplo, o caminhar de uma teoria de direitos fundamentais é mais maduro, vem desde 1949 com a promulgação da Lei Fundamental de Bonn (também promulgada posteriormente ao período nazista-fascista na Alemanha, que trouxe enormes sequelas ao povo), que não contempla direitos não contempla direitos sociais, econômicos e culturais expressamente positivados mas consegue ter um índice satisfatório de efetividade desses direitos, muito maior que o Brasil.

Entre a teoria de direitos fundamentais brasileira e alemã existem pontos de convergência, a exemplo de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais e utilização do princípio da proporcionalidade (LIMA, 2007), e pontos discrepantes, como a positivação de um amplo rol de direitos fundamentais na Constituição de 1988, o que não se encontra na Lei Fundamental de Bonn.

Entretanto, cumpre ressaltar que a teoria germânica de direitos fundamentais tem mais de 50 anos, e muito bem consolidade juridicamente e socialmente, e no Brasil, essa teoria é prematura, e marcado por um “um grande descompasso entre a norma constitucional e a realidade socioeconômica brasileira” (LIMA, 2007, p. 140).

Isso justifica a remissão a um período histórico do reconhecimento dos direitos sociais como fundamentais, que segundo Novais (2010), surgiu na Alemanha, por meio de um fenômeno chamado “paraconstitucionalização”, onde, mesmo não positivados os direitos sociais, eles o eram efetivados em razão do ideal de Estado Social assumido pela Alemanha, calcado também no princípio da dignidade humana.

A situação dos direitos fundamentais em solo brasileiro é preocupante e precária, e a análise do difícil reconhecimento dos direitos sociais enquanto fundamentais no Brasil tem o intento de tentar esclarecer o seu caráter fundamental bem como a sua (in)efetividade no plano prático. Nesse espectro, será tratado nesse trabalho esse perspectiva do difícil reconhecimento dos direitos sociais como fundamentais no prisma dogmático-jurídico, e uma abordagem política da crise sanitária brasileira e um cenário sócio-economico, que também obsta a efetividade desses direitos.

Cumpre apontar que esse artigo não esgota o tema, e também não tem o condão de dar uma solução a esse problema (pois, no atual contexto brasileiro, uma solução é uma tarefa demasiadamente complicada e complexa), mas sim discutir o tema e buscar elucidar questões relevantes sobre essa discussão de grande importância no cenário jurídico brasileiro.

Desenvolvimento

Para começar a trilhar o desenvolvimento desse trabalho, uma breve revisão sobre a historicidade dos direitos fundamentais mostra-se necessário, apontando os aspectos emblemáticos de enlevo ao mundo jurídico.

A transição do Estado Liberal para o Estado Social trouxe ao mundo jurídico uma grande mudança, uma vez que o posicionamento estatal no período liberal era de se abster de intervir na vida de seus cidadãos e não primava pela promoção de ações destinadas ao bem-estar social. A sociedade, em virtude dessa abstenção, ficou coberta por desigualdades sociais, discrepâncias sociais e o desconhecimento de uma justiça social. Nesse panorama surge o Estado Social, objetivando a promoção do bem-estar social, buscando uma melhora de vida da sociedade com a promoção de direitos como direito à educação, à liberdade e a saúde.

Nessa perspectiva, os direitos fundamentais surgem nesse cenário, como meio de transformação social e garantia de um princípio da dignidade da pessoa humana, buscando romper um passado repleto de desigualdades sociais e nula justiça social.

Nesse transcorrer histórico, os direitos fundamentais foram evoluindo, e é comum encontrar em escritos as expressões “dimensões” e “gerações” de direitos fundamentais como modo de classificar – equivocadamente - esses direitos, como conceitos fechados e determinados onde um direito fundamental apresente apenas uma natureza negativa, e outro apenas a positiva.

De certo, adota-se a classificação de Canotilho e Alexy que divide, em um primeiro momento, os direitos fundamentais em direitos negativos e direitos positivos, e esse último grupo, em direitos positivos em sentido amplo e em sentido estrito. Esses conceitos serão vistos mais a frente, mas o que importa asseverar é que ainda que estejam assim divididos, são interdependentes porque os direitos negativos podem possuir uma seara positiva e vice-versa.

Assim, os direitos sociais encontram dificuldades para esse reconhecimento como fundamentais, em razão de interpretação ainda liberal-individualista pré-Constituição de 1988 (onde os direitos de segunda e terceira geração eram opcionais), em descompasso com o novo constitucionalismo inerente a Constituição de 1988 e as características e direcionamentos que trouxe consigo.

O Reconhecimento dos Direitos Sociais enquanto Fundamentais: Involução Histórica

A discussão sobre a jusfundamentalidade dos direitos sociais, segundo Novais, ganhou contornos na Alemanha, no pós-segunda guerra mundial, onde o legislador alemão “optou por não consagrar explicitamente os direitos sociais” (NOVAIS, 2010, p. 75-76) no rol de garantias fundamentais da Lei Fundamental de 1949, a chamada Grundgesetz. Nesse sentido, a efetivação dos direitos sociais partia muito mais de uma vontade política oriunda do ideal da constituição do que da vontade do legislador propriamente dita.

Buscava-se, portanto, face “um fundo de recusa de uma consideração plena dos direitos sociais como direitos fundamentais” (NOVAIS, 2010, p. 76-77), efetivá-los baseados em uma fundamentação subsidiária, ou seja, com base em outros princípios basilares para a formação da identidade constitucional alemã, como por exemplo o princípio do Estado Social.

A exploração da primeira via – dedução dos direitos sociais como direitos constitucionais através de uma interpretação/concretização criativas do princípio Estado Social – permitia deduzir deveres e tarefas ou encargos objectivos que o legislador e os órgãos políticos estariam obrigados a realizar, mas dificilmente permitia conferir a esses comandos constitucionais uma vinculatividade justiciável; a formula era muito mais consentânea com abertura e flexibilidade próprias da realização política com fins constitucionais genericamente enunciados do que vinculatividade jurídica estrita. (NOVAIS, 2010, p. 77).

Nesse passo, ainda que fundamentados subsidiariamente, faltava força jurisdicional aos direitos sociais intrínsecos à Grundgesetz, criando outro impasse, portanto, no plano jurídico para o reconhecimento dos direitos (fundamentais) sociais. Entretanto, muitas vezes o Estado Alemão necessitou intervir em situações imersas na tutela de um direito social, fazendo com que a jurisprudência alemã fosse pioneira ao reconhecer, formalmente, a “existência de um direito constitucional a um mínimo vital” (NOVAIS, 2010, p. 77), no Brasil conhecido como mínimo existencial.

Assim, nota-se que, não encontrando uma fundamentação para a efetividade dos direitos (fundamentais) sociais no plano jurídico, subsidiariamente, encontrava-se argumentos no plano político, baseado nos princípios, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana. estrutura e perfil estatal. Destarte, Novais pondera que o plano político e jurídico relativo aos direitos sociais, ainda que suscitem a uma interpretação conjunta, são autônomos e há “necessidade de uma separação clara entre plano político e plano jurídico na compreensão da natureza dos direitos sociais como direitos fundamentais” (NOVAIS, 2010, p. 81).

Ademais, inevitável afirmar que os direitos sociais derivam problemas políticos, assim como problemas jurídicos, entretanto, os argumentos usados para os debates e discursos em cada situação especifica, seja política ou jurídica, são diferentes e não se podem confundir. No presente trabalho, será abordado os direitos sociais como problema jurídico, ressaltando as consequências decorrentes desse status de direito fundamental.

Assim, a natureza fundamental dos direitos sociais estaria vinculada a atuação do legislador, ainda, em um momento em que se buscava a observância pelo Poder Público das garantias e direitos constitucionais, especificamente dos direitos sociais, que despendem por parte do Estado grande esforço econômico, a vinculatividade estaria inerente a boa vontade do legislador em abarcar os direitos sociais no rol dos direitos fundamentais nas Constituições.

Destarte, no cenário constitucional mundial, há discrepância quanto essa positividade dos direitos sociais nas Constituições, a exemplo dos textos constitucionais da Alemanha e dos Estados Unidos que “mantém os direitos sociais afastados de acolhimento positivo” (NOVAIS, 2010, p. 77), há também o contraponto, qual seja a Constituição Brasileira que agloba grande gama de direitos sociais no seu texto constitucional.

Destarte a não constitucionalização dos direitos sociais na Lei Fundamental de 1949, os direitos sociais não ficaram carentes de efetividade no plano jurídico. Buscou-se, portanto, suprir a ausência de amparo constitucional dos direitos fundamentais em questões principiológicas do Estado Social de Direito, políticas públicas bem como as jurisprudências, que compensaram o déficit no rol de direitos fundamentais desses sociais, consubstanciando-se esse fenômeno então, em uma paraconstitucionalização dos direitos sociais.

É conclusivo, portanto, que a ausência dos direitos sociais no texto constitucional alemão – mesmo as várias Constituições dos Lander anteriormente tivessem positivados esses direitos como fundamentais – não obstruiu a sua efetividade no plano prático jurídico. No entanto, essa efetividade era baseada em primeiro momento, numa vontade política e posteriormente amparado no perfil de Estado Social, buscando-se fundamentar de modo diverso a recepção constitucional dos direitos sociais, não através de um fundamento jurídico propriamente dito.

De facto, a discussão germânica sobre os direitos sociais enquanto fundamentais era fortemente condicionada pela necessidade de, no contexto especifico do sistema constitucional alemão pós-guerra, responder à questão fundamental da efectividade ou normatividade dos direitos fundamentais: podiam ou não as eventuais violações dos ditos direitos sociais ser judicialmente sindicáveis, designadamente pelo Tribunal Constitucional através da queixa constitucional directa?[...] (NOVAIS, 2010, p. 78).

Para esse questionamento, os “adversários” dos direitos sociais enquanto fundamentais defendiam a posição de que não podiam ser judiciáveis em função de não serem direitos fundamentais, mas sim normas programáticas sociais, no entanto, até mesmo os contrários ao caráter fundamental dos direitos sociais asseguravam que, quando houvessem situações extremas de violação dos direitos sociais (acende-se a centelha da proteção de um mínimo existencial inerente ao indivíduo) – aqui embasado na dignidade humana – aí sim caberia uma intervenção judicial estatal, como direito subjetivo do cidadão.

Nessa lavra, a congruência entre a efetividade de direitos sociais entre Alemanha e Brasil, em uma análise sintética desse item, é que ambas (em um primeiro momento) buscam alcançar uma expectativa satisfação de direitos sociais, como o direito à saúde, através de uma vontade política e de uma prática legiferante. Ao passo que, a omissão do Estado na promoção desses direitos, dá ensejo ao Judiciário atuar na defesa e efetividade dos direitos sociais, como guardião de um texto constitucional e do perfil de um Estado Democrático (Social) de Direito.

No próximo subitem, os direitos sociais e seu reconhecimento como direitos fundamentais serão especificamente no Brasil, tentando esclarecer a posição desses direitos enquanto problema jurídico, e, na sequência, os reflexos desse difícil reconhecimento em razão do problema político.

Os Direitos (Fundamentais) Sociais no Brasil: Reconhecimento enquanto Problema Jurídico e Político

Duas perspectivas serão aqui trabalhadas: os direitos fundamentais sociais e seu problema jurídico de reconhecimento como tais, assentado no âmbito dogmático-jurídico, e os problemas políticos à sua efetividade, tratando da crise brasileira, a escassez de recursos financeiros e a precariedade da saúde.

Problema Jurídico de Reconhecimento dos Direitos Sociais enquanto Fundamentais

O discurso que envolve o problema jurídico de reconhecimento dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais será agora trazido ao Brasil, buscando a análise de pontos circunstanciais dessa análise a fim de esclarecer o caráter dos direitos (fundamentais) sociais na Constituição Federal de 1988.

De maneira introdutória, importante frisar um conceito de direitos sociais no contexto constitucional, para, em momento seguinte, apontar e contrapor as objeções a esse reconhecimento da fundamentalidade material dos direitos sociais. Serão trabalhadas quatro objeções centrais: uma primeira quanto o caráter positivo dos direitos (fundamentais) sociais; segundo, a sua indeterminabilidade de conteúdo constitucional; a terceira objeção diz respeito a sua dependência de recursos financeiros para sua promoção e a reserva do (financeiramente) possível; e, por fim, a negativa do regime jurídico privilegiado aos direitos (fundamentais) sociais.

Adotando uma análise conceitual de Novais, direitos sociais, para iniciar os debates, são aqueles direitos fundamentais que geram ao Estado o dever de respeitar, proteger e realizar os bens (jurídicos) inerentes à sociedade como um todo, quais sejam, por exemplo, o direito à saúde e o direito à educação. Desse conceito, analiticamente se extrai uma concepção de uma seara negativa dos direitos sociais, ao passo que, de acordo com esse conceito de Novais, o Estado tem o dever de proteger os direitos sociais. Ao analisar semanticamente o conceito de “proteger”, pode-se atribuir sinônimos como “preservar”, “cuidar”, por exemplo, corroborando, portanto, a classificação defendida por Canotilho e Alexy de dois grupos de direitos.

Embasado nessa concepção, os direitos sociais, de maneira não exclusiva, evidenciam aspectos de prestações positivas por parte do Estado para a sua promoção, ou seja, é dizer que exigem do Estado a dispensa de orçamento e ações para sua mantença, além de também possuir uma dimensão negativa, que enseja ao Estado uma postura de abstenção, de não intervenção.

Preliminarmente, importante dedicar atenção para uma classificação antiquada de direitos fundamentais ainda defendida. Atualmente, defender uma classificação dos direitos fundamentais com base nas suas dimensões (ou gerações) é incompatível com as avançadas teorias do Direito e de uma concepção de Estado Democrático (Social) de Direito. Os direitos fundamentais, inseridos em uma ordem constitucional, devem ser compreendidos como um rol único e direcionado em um mesmo objetivo, em razão de que não se pode mais falar em direitos fundamentais unicamente negativos ou positivos, pois essas possibilidades de natureza se confundem, são interdependentes, como falado anteriormente.

[...] trata-se de uma classificação que, além de inconvincente, historicamente indemonstrável e juridicamente infundada, ainda tem servido de válvula de escape para que muitos governos, descomprometidos com a efetivação dos direitos sociais, nada façam para concretizá-los, a pretexto de que o mais importante é cuidar dos direitos civis e políticos — o que eles já "fazem"—, até porque, para observá-los, na quase-totalidade dos casos, basta "não fazer nada", ou seja, não cometer violências contra os cidadãos (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 759-760).

Nesse sentido, o rol de direitos fundamentais deve ser visto a partir do prisma de um único rol, sem classificações partidas e separatistas, defendendo, a classificação de Canotilho e Alexy, que classificaram os direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos positivos, interdependentes. Aqui, nessa discussão quanto a natureza positiva e negativa dos direitos sociais, bem como da (negativa) de uma dupla dimensão a esses direitos, objetiva e subjetiva, aponta o tema da (in)justiciabilidade dos direitos sociais. Ou seja, não podem ser objetos de tutela jurisdicional os direitos sociais, por serem considerados direitos da sociedade, ao passo que apenas os direitos individuais poderiam ser objetos de demandas ao Judiciário, sendo essa concepção muito engendrada numa concepção liberal-individualista de de Teoria Consitucional do Estado, onde direitos econômicos, sociais e culturais ficavam em segundo plano, inadequada com a Constituição de 1988.

Nesse sentido, os direitos sociais, segundo Cibelle Gralha Mateus e Konrad Hesse (MATEUS, 2008, p. 61), podem ser arquitetados em dupla dimensão (simultâneas), uma objetiva e outra subjetiva. Enquanto a primeira dimensão diz respeito a um “limite do poder e como diretriz para a sua ação” (MENDES, 2014) em um Estado Democrático de Direito, a segunda, dimensão subjetiva, “[...] engloba a possibilidade de o titular do direito fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades, ou mesmo o direito à ação ou ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora de um direito fundamental [...]” (SARLET, 2014, p. 309).

Nesse sentido, os direitos sociais, enquanto fundamentais, e, por consequência, dotados de uma dupla dimensão, objetiva e subjetiva, podem ser objeto de tutelas de demandas judiciais e/ou administrativas individuais ou coletivas (aqui outro debate efervescente quanto à titularidade individual ou transindividual dos direitos sociais, e sua tutela jurisdicional adequada, individual ou coletiva).

Uma compreensão de Estado Democrático e Social de Direito deve-se partir da premissa de que todos os direitos fundamentais estão no mesmo degrau da escada e possuem destaque no ordenamento constitucional brasileiro, bem como não pode ser entendidos e ensinados como conceitos fechados, pois demonstraram-se, com a evolução do direito, complexos e ramificados, não podendo dar vazão a um entendimento heterogêneo de direitos fundamentais, mas sim homogêneo2.

Avançando o diálogo, a indeterminabilidade do conteúdo constitucional diz respeito a alguns fatores como a (não) consideração dos direitos (fundamentais) sociais nos limites de reforma constitucional do artigo 60, § 4º da CF/88, bem como a sua realização condicionada a um orçamento estatal disponível para concretização desse direito, partindo de uma vontade política executora (configurando problema político também, que será abordado mais a frente), a atribuição de uma aplicabilidade imediata a esses direitos fundamentais socias. Essas questões acima suscitadas, em grande parte, dizem respeito a uma fundamentalidade material desses direitos, ou seja, situações referentes a seu conteúdo, e serão a seguir abordadas.

O artigo 60, § 4º da Constituição Federal de 19883 dispõe que os direitos e garantidas fundamentais não serão objetos de emenda constitucional, constituindo-se assim limites materiais à reforma constitucional, portanto, cláusulas pétreas. Importante – tentar – delimitar o que seriam os direitos e garantias individuas consagrados na Constituição Brasileira de 1988.

Precípuo é apontar o Título II do texto constitucional, intitulado como “Dos direitos e garantias fundamentais” apresenta um vasto rol de direitos fundamentais, a exemplo dos direitos fundamentais individuais no artigo 5º, direitos sociais no 6º, direito dos trabalhadores no 7º e direitos de nacionalidade, em razão da sua abertura constitucional disposta no artigo 5º, § 2º que não exclui outros direitos e garantias “[...] decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988). O que se afirma para obstacular os direitos sociais serem reconhecidos como direitos fundamentais nesse aspecto é que o inciso IV do § 4º do artigo 60 da CF/88 trata apenas das garantias individuais do capítulo III do Título II do texto constitucional, não incluindo os direitos sociais (inseridos no capítulo II do Título II da CF/88), e caso o legislador realmente quisesse consagrá-los como limites materiais a CF/88 assim teria expressamente feito, no entanto, a leitura e interpretação constitucional, principalmente do título específico que trata dos direitos fundamentais, mostra a intenção do legislador em elencar inúmeros direitos como fundamentais, não só o rol do artigo 5º e incisos da CF/88.

O que se aduz dessa argumentação é uma interpretação restritiva as normas constitucionais, em especial do referido artigo, devido a uma concepção liberal-individualista (onde os direitos econômicos, sociais e culturais ficavam em segundo plano para a atuação estatal), em disparidade com a que a Constituição de 1988 foi promulgada, ou seja, com base no novo constitucionalismo. Partindo de uma concepção exegética-restritiva constitucional, o artigo 60, § 4º, IV da CF/88 apenas contemplaria como cláusulas pétreas os direitos individuais do artigo 5º. No entanto, na esteira de Sarlet (2008, p. 15-19), três postulados derrubam tal edíficio limitador dos direitos fundamentais sociais: a) a Constituição Brasileira de 1988, já em seu preambulo, assume o perfil – também – do Estado Social, assumindo perante os cidadãos sua obrigação na realização dos direitos sociais, ou seja, a vinculação dos direitos fundamentais sociais a uma concepção de Estado constituem identidade constitucional brasileira, sendo limites materiais da reforma constitucional; b) Outro aspecto, é que mesmo sendo considerados – os direitos sociais – direitos da sociedade, possuem titularidade individual e transindividual, assim como tantos outros direitos da coletividade como por exemplo o meio ambiente, os direitos dos trabalhadores, direitos de nacionalidade possuem uma titularidade individual, mesmo sendo considerados direitos do todo; c) E, reforçando o dizer nos parágrafos anteriores acerca da característica dúplice dos direitos fundamentais (dupla expectativa, positiva e negativa, bem como dimensão objetiva e subjetiva) atrelada na compreensão de um rol de direitos fundamentais homogêneo, não estanque, pode-se concluir que também os direitos fundamentais sociais são cláusulas pétreas constitucionais brasileiras.

Outro aspecto que deriva de direitos sociais positivos ou direitos a prestações em sentido estrito, é que estes dependem de recursos financeiros, de um planejamento orçamentário estatal e da dispensa de grande esforço financeiro para a efetividade desses direitos, seja na sua injeção em políticas públicas, como o Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS), ou então nas condenações em tutelas judiciais de saúde, por exemplo, em que o Poder Judiciário impõe ao Estado o fornecimento de um fármaco a determinado cidadão.

Nesse contexto, Sarlet bem enfatiza que, em razão dessa dispensa de esforço econômico pelo Estado, o caráter fundamental dos direitos sociais é posto em xeque.

[...] bastou fossem contemplados nas Constituições os denominados direitos sociais, especialmente [...] a saúde [...], enfim, todos os direitos fundamentais que dependem, para sua efetividade, do aporte de recursos materiais e humanos, para que se começasse a questionar até mesmo a própria condição de direitos fundamentais destas posições jurídicas. (SARLET, 2002, p. 2).

E nesse mesmo linear Travincas enfatiza que “[...] o argumento dos custos constitui um dos mais enfatizados critérios de diferenciação entre direitos de liberdade e direitos sociais, comprometendo a fundamentalidade destes últimos [...]”(TRAVINCAS, 2010, p. 206), o que ratifica a ideia de que, a partir do momento que a efetividade dos direitos sociais necessita de forte orçamento estatal, as objeções residem no fato de que os direitos de liberdade não dependem desse esforço econômico, o que já se refuta, pois como visto anteriormente, também os direitos de liberdade possuem dimensão positiva e implicam em custos ao Estado, claro, de maneira mais branda e não tão escancarada.

Por conseguinte, essa dimensão positiva (não exclusiva) dos direitos (fundamentais) sociais despenderam o surgimento do instituto da reserva do (financeiramente) possível, originada na Alemanha4. O significado desse instituto pode ser construído a partir de três aspectos pontuais: a) a disponibilidade fática de recursos para efetividade dos direitos fundamentais; b) disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, aqui entendida como a equação entre competências tributárias, planejamento orçamentário; c) proporcionalidade e razoabilidade na prestação ao titular do direito fundamental (SARLET, 2008, p. 24).

As discussões sobre o instituto da reserva do (financeiramente) possível estão sendo cada vez mais tecidos e mais sólidos no intento de entender o tema, que enseja grandes diálogos nos ambitos dogmático-jurídico e até político. Portanto, o que importa apontar nesse trabalho sobre o tema, de maneira sucinta, buscando sanar tal ponto importante, é que esse instituto não é parte do núcleo essencial dos direitos fundamentais, mas atua como “limite jurídico e fático” (FIGUEIREDO; SARLET, 2007, p. 189) desses direitos.

Limite fático, pois, diz respeito as condições reais para efetivação dos direitos fundamentais, qual sejam, a disponibilidade de recursos financeiros. Já o limite jurídico pode repousar em dois aspectos: um primeiro aponta para as questões de receita, planejamento orçamentário, competências dentro do sistema constitucional brasileiro, e um segundo sobre a proporcionalidade da prestação da prestação no caso concreto, calcada em parâmetros de adequação, necessidade de proporcionalidade em sentido estrito, a conhecida máxima de proporcionalidade de Alexy (ALEXY, 2015).

Entretanto, a reserva do (financeiramente) possível não pode obstar a efetividade dos direitos sociais, a exemplo do direito à saúde, intimamente ligado ao direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Tal direito fundamental prevalece frente a reserva do possível na maior parte das condições em que são postos.

O recente entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que a reserva do possível não pode constituir óbice a prestação do direito à saúde quando a efetividade de tal direito fundamental não se dá por políticas públicas, fruto de uma gestão ineficiente5, nem tampouco, em razão de tal teoria eximir o ente estatal da pretensão a que é obrigado constitucionalmente.

E, de modo a tratar da última objeção aqui trabalhada, os argumentos que negam uma fundamentalidade aos direitos sociais associam a esses um regime jurídico diferenciado daquele dos direitos de liberdade, lhe destituindo desse regime jurídico privilegiado aos direitos fundamentais, qual seja a aplicabilidade imediata, eficácia plena, a vinculatividade e observância por todos os órgãos e entes do Estado.

Nessa contextualização, para iniciar o diálogo acerca do regime jurídico privilegiado dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, importante atentar para a abertura para um rol sem número – previamente – de direitos fundamentais assim defendidos pela Constituição, em razão da abertura do artigo 5º, § 2º da Constituição[6]. Nesse espectro, como visto anteriormente, tal norma constitucional ratifica de sobremaneira o caráter fundamental dos direitos sociais, pois reconhece “a existência de direitos fundamentais positivados em outras partes do texto constitucional e até mesmo em tratados internacionais [...]” (SARLET, 2012, p. 57), além daqueles elencados no artigo quinto.

Por conseguinte, o artigo 5º, § 1º da Constituição Federal define que as normas de direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata, acentuando Sarlet que tal característica é ponto diferencial e de deferência dos direitos fundamentais, pois atribui aos direitos fundamentais uma “juridicidade reforçada” (SARLET, 2012, p. 58), diferenciando-os das demais normas constitucionais, e causando destaque no sistema constitucional brasileiro. Ainda, em razão desse princípio (da aplicabilidade imediata) enseja uma juridicidade diretamente aplicável, da mesma forma, como ocorre, então com o direito fundamental social à saúde, que em ineficiência (omissão ou ação insuficiente) das políticas públicas, enseja uma tutela jurisdicional de tal direito (daí também porque podem os direitos fundamentais ser justiciáveis).

Por derradeiro cumpre pontuar a vinculação do Poder Público às normas de direitos fundamentais. A Constituição não previu expressamente essa vinculatividade no texto constitucional, ao contrário do que fez a Lei Fundamental Alemã de 1949, no seu artigo 1º, inciso III7. Assim, os direitos fundamentais sociais, dotados das características acima expostas, asseguram uma observância por todo Poder Público e uma atuação destinada à sua efetivação e não a sua discricionariedade administrativa ou política, pois, se suscetíveis de discricionariedade pelo ente público, os direitos fundamentais seriam fórmulas vazias, sem qualquer peso e valor constitucional. E quando assim realizados – de maneira discricionária, a via judicial é a melhor maneira de almejar a efetividade do direito fundamental.

Ainda, essa observância e direção de ações dos poderes do Estado com base na Constituição e nos direitos fundamentais surge com o novo constitucionalismo, ou neoconstitucionalismo, onde as Constituições ganham caráter normativo “[...] como forma de assegurar a máxima vinculação de todos os poderes do Estado [...]” (CADEMARTORI; CANUT, 2011, p. 12). À guisa dessa concepção neoconstitucional, os poderes públicos estão amarrados pelo que dispõe a Constituição e pelo seu ethos, superando o pensamento liberal-individualista pré-Constituição de 1988 (onde direitos de segunda e terceira dimensão eram desconhecidos), e uma concepção de Constituição como documento político, significando opções de atuação do Poder Público.

Com base nos argumentos ora ventilados, os direitos sociais previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988 são direitos fundamentais, e, portanto, comungam de um regime jurídico privilegiado em razão da aplicabilidade imediata, vinculatividade do Poder Público, ratificada pelo entendimento do Ministro do STF, Gilmar Mendes8, às suas disposições e sua atuação, via políticas públicas rumo a efetivação.

Esse último ponto considera-se nefrálgico, pois as políticas públicas brasileiras são ineficientes, atuam de maneira insatisfatória, não proporcionando, em alguns casos, sequer o mínimo existencial ou a proteção do núcleo essencial9 do direito à saúde, por exemplo, o que contribui negativamente para o agravamento da crise sanitária que assola o Brasil.

Problema Político do Reconhecimento dos Direitos Fundamentais Sociais

É de conhecimento majoritário que o Brasil vivencia um grande crise econômica, política e social. Cada vez ouve-se com mais frequência os noticiários de desvios de dinheiro por parte dos políticos brasileiro, esquemas fraudulentos de tributos e, o que mais afeta ao tema do trabalho, fraudes dentro do sistema de saúde do Brasil (aqui pode-se citar a máfia das próteses10, a superfaturamento para reforma/construção de hospitais, superfaturamento de orçamentos para realização de cirurgias, onde o paciente paga até dez vezes mais do que realmente devia, etc.). Um retrato da atual situação caótica da saúde no Brasil pode ser elucidado por Marcus Vinícius Poglinano, que ressalta a “[...]escassez de recursos financeiros, materiais e humanos para manter os serviços de saúde operando com eficácia e eficiência[...]” (POGLINANO, p. 1), insuficiência de leitos hospitalares, equipamentos, falta de médicos[11], má gestão do SUS, além de outros problemas que obstam a efetividade da promoção do direito à saúde à população.

O mais impactante, em termos de efetividade e eficácia do direito à saúde é a seara econômica. O setor econômico brasileiro alavanca todo o funcionamento das políticas públicas direcionadas a promoção do direito (fundamental social) à saúde, pois como tratado anteriormente, trata-se de um direito que possui como dimensão principal – e não exclusiva - a positiva, ou nas palavras de Alexy, um direito a prestações em sentido estrito, que exige do Estado o despende econômico.

Nesse diapasão, Virgílio Afonsa da Silva ressalta uma perspectiva interessante e relevante ao analisar a falta de efetividade dos direitos sociais, e em especial do direito à saúde, podendo ser atrelada a um panorama economico estatal concomitante, uma vez que diz os investimentos e gastos com o sistema de saúde brasileiros, tal como a contratação de médicos, compra de equipamentos, manutenção e construção de hospitais, só “é aproveitado para a realização de um único direito social, o direito à saúde” (SILVA, 2005, p. 319-320).

O que se permite aferir é que a promoção com efetividade – frise-se – exige do Estado a dispensa de um esforço econômico considerável, bem como somente será aproveitado para aquele direito, ou seja, é caro efetivar de maneira suficiente e satisfatória o direito à saúde. Contudo, tais constatações não são justificativas para a ineficácia e insuficiência das políticas públicas brasileiras e da situação deplorável da saúde brasileira.

Decerto, avançando nesse raciocínio, assim como as ações estatais voltadas para a efetividade do direito à saúde, direito social trabalhado, também “os serviços de saúde são prestados de maneira individual a quem deles necessite, e a infraestrutura para a prestação do referido serviço não pode ser compartilhada para sua oferta a todos indistintamente” (MANICA, p. 10).

Não se almeja o entendimento da ideia de que os serviços públicos de saúde são pra alguns, certo é que não é esse o objetivo do Sistema Único de Saúde (que um dos seus princípios é a universalidade), muito pelo contrário, os serviços de saúde são para toda a sociedade, no entanto são prestados de forma individualizada, porque o Estado “deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão” (BRASIL, 2008, p. 6), e isso gera a “insuficiência de sua prestação pelo Estado” (MANICA, p. 11).

Na atual conjuntura do cenário econômico-político-social brasileiro, o fato mais impactante aos direitos fundamentais sociais é a escassez de recursos públicos (aptos) para a busca de sua efetividade. O Brasil imergiu em uma crise tão grande, que medidas trágicas estão sendo ensaiadas, como por exemplo o PEC 241/201612, chamada de “Novo Regime Fiscal”, que, um de seus objetivos, é alterar o financiamento da saúde de piso para teto, ou seja, ao invés de estabelecerem um percentual mínimo de investimento no segmento no exercício seguinte, instituem um teto máximo a ser gasto.

De maneira sucinta, o ethos do projeto é o reajuste fiscal para redirecionamento das verbas orçamentárias, objetivando a retomada de crescimento econômico e fretamento da inflação. A consequência, com enfoque importante para a saúde, é a delimitação do gasto com o segmento, não haverá um mínimo a ser gasto, mas um gasto máximo, baseado no exercício anterior atualizado da inflação. Ou seja, um sistema já deficiente, em falência, é proposto e desenhado para atuar sempre com base em um limite, o que no caso da saúde, ainda mais brasileira, onde respira desigualdades sociais e atendimento à saúde precário, parece ser inviável.

Premissas basilares aqui devem ser apontadas para o debate: a) todos os direitos fundamentais exigem, direta ou indiretamente do Estado (latu sensu) gastos públicos13; b) a vinculatividade do direito fundamental social por todos os órgãos do Estado, em todas as esferas, sejam eles Executivo, Legislativo e Judiciário; e c) no atual cenário brasileiro, na esteira de Calabresi e Bobbit (CALABRESI; BOBBIT, 1978), devem ser feitas “escolhas trágicas”.

Nesse sentido, as escolhas orçamentárias do Estado, por meio do Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual, previstas no texto constitucional, tem o papel de organizar todo o desempenhar econômico estatal para o exercício seguinte, além de objetivar a efetividade dos direitos fundamentais.

[...] fixa prioridades dos gastos públicos, permitindo maior controle, efetividade, segurança e, acima de tudo, uma maior democratização na escolha do destino das verbas públicas que serão alocadas, inclusive, no que tange à efetivação dos direitos fundamentais, dentre os quais, o direito à saúde (NETO, 2012, p. 117).

Nessa passagem de Neto, pode-se acentuar que uma boa gestão e escolhas pelos representantes do povo na construção do planejamento orçamentário Estatal (em todos os entes federativos) influenciam drasticamente a realização e efetividade dos direitos fundamentais, que devem ser prioridades na composição desse programa, o que se percebe, empiricamente (até pela PEC antes apresentada e outras decisões políticas táteis no cotidiano), que não acontece.

Ao passo que as políticas públicas não engrenam, não proporcionando um atendimento aceitável à população, tendo em vista a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais14, o acesso à justiça torna-se meio subsidiário de ter o direito fundamental tutelado15. Consequentemente, as demandas judiciais para a tutela de medicamentos, por exemplo, aumentam, e o Estado-Juiz, frente a um nítido direito fundamental social, analisando outras variáveis do caso, profere em maior escala sentenças procedentes, condenando o ente federado ao fornecimento ou prestação do tratamento pleiteado. Isso gera, em razão da quantidade de demandas individuais ajuizadas, um descompasso orçamentário, agravando ainda mais a crise do Brasil, talvez o maior “doente” de todo esse cenário.

Considerações finais

Na perspectiva de trabalho desse artigo, onde foram abordadas três ramificações do reconhecimento dos direitos sociais como fundamentais, qual sejam a histórica, jurídica e política, cabe salientar que as discussões suscitadas não esgotam o tema, que tem um espaço cada vez maior nos ambientes acadêmicos-dogmáticos.

A Constituição de 1988 surgiu como futuro garantidor de direitos fundamentais, amparada em uma teoria neoconstitucional, onde os direitos fundamentais são o centro da atuação estatal, no sentido de dirigi-la e limitá-la, bem como teve um aumento da jurisdição constitucional e uma constitucionalização do Direito (BARROSO, [2005?], p. 16).

Um dos grandes problemas para a falta de efetividade constitucional vem amparada na teoria da “baixa constitucionalidade” de Lênio Streck (STRECK, 2014, p. 83), onde postula que a Constituição de 1988 ainda é vista com olhos do passado, e então não foram criadas condições e possibilidaes para a efetividade de suas disposições.

A teoria Constitucional Brasileira ainda tem resquícios de um pensamento liberal-individualista, onde os direitos econômicos, sociais e culturais não tinham espaço no atuar estatal e jurídico, e a negativa de fundamentalidade dos direitos sociais é eivo dessa teoria antiquada do Direito Constitucional Brasileiro.

Por fim, à guisa de todo exposto, no Brasil, os direitos sociais são direitos fundamentais, em caráter formal de maneira absoluta, no entanto, ao tratar da seara material, de conteúdo e alcance, as visões são partídes, muito em razão de uma atuação executiva de políticas públicas ineficientes, bem como de um abismo enorme entre Constituição Federal de 1988 e atual cenário brasileiro, demonstrado no trabalho pelo direito fundamental à saúde.

Referências

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Notas

1 Sobre esse espírito da Constituição Brasileira de 1988, Vieira aponta que “[...] a Constituição transcendeu os temas propriamente constitucionais e regulamentou pormenorizada e obsessivamente um amplo campo das relações sociais, econômicas e públicas, em uma espécie de compromisso maximizador”. VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, jul../dez. 2008, p. 446.

2 Jairo Schäfer elenca postulados para uma compreensão unitária dos direitos fundamentais, consubstanciados em um “caráter incindível dos direitos fundamentais [...]”, “Inexistência de diferenças estruturais entre os distintos tipos de direitos fundamentais, dada a presença das diferenças expectativas [...]”, “Interligação [...] entre todas as espécies de direitos fundamentais [...]”, o entendimento dos direitos fundamentais como “mandados de otimização”, adotando a ideia de Alexy na perspectiva da realização na maior medida possível, e, por fim, “Inadequação das teorias classificatórias que tenham por embasamento teórico a compartimentalização estanque dos direitos fundamentais”. SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário: uma proposta de compreensão. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, pg. 95-96.

3 Art. 60. [...]§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

[...]

IV - Os direitos e garantias individuais. (grifo nosso).

4 Surgiu na Alemanha em 1970, consistindo na prestação dos direitos sociais positivos condicionada a real disponibilidade de recursos e capacidade financeira do Estado em fornecer a prestação pretendida pelo indivíduo. SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/artigo_Ingo_DF_sociais_PETROPOLIS_final_01_09_08.pdf. Acesso em: 26 de jul. 2016.

5 APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES PÚBLICOS. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A assistência à saúde é direito de todos garantido constitucionalmente, devendo o Poder Público custear os medicamentos e tratamentos aos necessitados. Inteligência do art. 196 da CF. 2. Em razão da responsabilidade solidária estabelecida entre os Entes Federados para o atendimento integral à saúde, qualquer um deles possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda que busca o acesso à saúde assegurado pela Constituição. 3. O fato do tratamento não constar na lista de competência do Município não é óbice à concessão do provimento postulado na demanda, pois tal argumento viola direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal. 4. A ausência de previsão orçamentária e reserva do possível, são argumentos que não constituem óbice ao dever da administração de prestar assistência à saúde, não podendo ser utilizados para justificar gestões ineficientes, pois as políticas públicas que não concretizam os direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana desatendem o mínimo existencial, assegurado pela Carta Magna. 5. Deve ser reduzido o valor dos honorários advocatícios arbitrados em favor do FADEP, para adequar aos parâmetros adotados pela Câmara, observados os critérios do artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC, correspondente ao artigo 85, §§ 2º e 8º do NCPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. CONFIRMADA A SENTENÇA, NO MAIS, EM REMESSA NECESSÁRIA. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70070061353, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 21/07/2016) (grifo nosso).

6 Art. 5º. [...]

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

7 Artigo 1 [Dignidade da pessoa humana – Direitos humanos –Vinculação jurídica dos direitos fundamentais] [...] (3) Os direitos fundamentais, discriminados a seguir, constituem direitos diretamente aplicáveis e vinculam os poderes legislativo, executivo e judiciário. Disponível em https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80208000.pdf. Acesso em 02 de agosto de 2016.

8 Gilmar Mendes ressalta em sua obra Curso de Direito Constitucional acerca da vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais. Nesse sentido, especificamente no que tange o Poder Legislativo, deve o legislador dar ensejo a concretização dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo que deve promulgar e editar normas infraconstitucionais que estejam emolduradas nos direitos fundamentais positivados pela Constituição Federal Brasileira. No entanto, pontua também que, mesmo que sem regulamentação infraconstitucional, ainda assim teriam aplicabilidade imediata, pelo simples fatos de serem normas constitucionais. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

9 Também tal princípio foi devidamente positivado na Lei Fundamental de Bonn de 1949, no artigo 19, inciso 2: “(2) Em nenhum caso, um direito fundamental poderá ser violado em sua essência”. Disponível em https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80208000.pdf. Acesso em 02 de agosto de 2016.

10 O esquema Máfia das Próteses era organizado por médicos e fabricantes de próteses ortopédicas, onde os cirurgiões realizam cirugias desnecessárias para a instalação de próteses nos pacientes, ou então os pacientes com problemas e que necessitavam de próteses eram aconselhados a buscar no Poder Judiciário a realização da cirurgia para colocamento da prótese, no entanto esse procedimento era superfaturado e, posteriormente cobrado do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPE), vindo a causar um rombo de, aproximadamente, um milhão de reais. Disponível em http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/02/cpi-sobre-mafia-das-proteses-e-concluida-com-sete-indiciados-no-rs.html e http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/06/policia-do-rs-indicia-12-pessoas-por-envolvimento-na-mafia-das-proteses.html. Acesso em 24 de julho de 2016.

11 Uma medida tomada e em andamento para suprir a falta de médicos nos postos de saúde e nos hospitais é o Programa Mais Médicos, que consiste em “busca resolver a questão emergencial do atendimento básico ao cidadão, mas também cria condições para continuar a garantir um atendimento qualificado no futuro para aqueles que acessam cotidianamente o SUS. Além de estender o acesso, o programa provoca melhorias na qualidade e humaniza o atendimento, com médicos que criam vínculos com seus pacientes e com a comunidade”, com a vinda – provisória – de médicos cubanos para ajudar na crise sanitária brasileira. Disponível em http://maismedicos.gov.br/conheca-programa. Acesso em 24 de julho de 2016.

12 A PEC 241/16 busca transformar o gasto mínimo com a saúde, prevista no artigo 198, § 2º, I da CF/88, que dispõe que a União deve dispor de, no mínimo, 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro para esse financiamento. No entanto, a redação do projeto objetiva que “A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 98 e o caput do art. 212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do § 3º e do § 5º do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. BRASIL. PEC 241/16. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=35A6D5C32D1E5DB17B9FC81C1A38BAD8.proposicoesWeb1?codteor=1468431&filename=Tramitacao-PEC+241/2016. Acesso em 02 de agosto de 2016.

13 Aqui já ressaltado no presente trabalho a dual perspectiva dos direitos fundamentais, dotados de uma dimensão positiva e negativa. Um exemplo de direito individual na dimensão negativa é o direito à propriedade, onde o Estado aparelha sua polícia para que, em caso de violação, consiga garantir esse direito. Tal direito individual, de maneira indireta, acarreta gastos ao Estado. SUNSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton & Company, 1999.

14 Nesse aspecto, Barroso assevera que ao atribuir as normas a sua máxima densidade normativa, forte a aplicabilidade direta e imediata, também assim, mediante a violação do direito, tem o cidadão a faculdade de requerer o provimento jurisdicional para reparar a lesão ou ter efetivado seu direito. BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que chegamos. RDE. Revista de Direito do Estado, v. 10, p. 25-66, 2008.

15 FERREIRA relaciona a judicialização à saúde, como tal fenômeno é denominado, a “inserção no texto constitucional associada à doutrina da efetividade dos direitos sociais, como indicadora do reforço de sua qualificação enquanto direito fundamental”. FERREIRA, Marina Costa. Direito à proteção da saúde pela via judicial: em busca de efetividade e equidade. Revista de Estudos Jurídicos Unesp, ano 15, n. 22, jul-dez de 2011, p. 235-263.

Ligação alternative

http://periodicos.uninove.br/index.php?journal=prisma&page=article&op=view&path%5B%5D=7962&path%5B%5D=3673 (pdf)

O que é efetividade dos direitos fundamentais?

A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social.

O que se deve entender por mínimo existencial e o que poderá ocorrer quando verificada a omissão por parte do Estado no que se refere a sua efetivação?

O mínimo existencial possui uma dimensão negativa, impedindo que Estado e outros indivíduos atuem contra a obtenção ou manutenção de condições materiais indispensáveis para uma vida digna e uma dimensão positiva, que abarca prestações materiais vocacionadas à realização deste mínimo.

Qual a dimensão dos direitos estatais prestacionais?

Os direitos estatais prestacionais, ligados ao Estado Liberal de Direito, nasceram atrelados ao princípio da igualdade formal perante a lei, perfazendo a primeira dimensão de direitos. Democrático Social de Direito.

O que são direitos fundamentais na CF 88?

Os direitos fundamentais são direitos protetivos, que garantem o mínimo necessário para que um indivíduo exista de forma digna dentro de uma sociedade administrada pelo Poder Estatal. Conheça os principais direitos e garantias fundamentais, de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana.