Homens circuncidados apresentam menor probabilidade de adquirir dst por quê

Há evidências de que a circuncisão atua no sentido de proteger contra a transmissão do vírus da aids, tornando-se uma possível indicação em áreas de alta incidência da doença.

Quanto mais íntimo o contato do HIV com as mucosas genitais, maior a probabilidade de infecção. Se o vírus da aids fosse altamente transmissível, a epidemia teria se espalhado pelos cinco continentes da forma devastadora com que se dissemina nos países africanos situados abaixo do deserto do Saara. Bactérias como o gonococo, vírus como o HPV(papilomavírus) ou fungos como a Cândida albicans penetram as mucosas genitais com muito mais facilidade do que o HIV.

Tal característica explica por que mulheres casadas com homens infectados ou maridos de esposas portadoras do vírus podem permanecer HIV-negativos depois de anos de relacionamento sexual.

O HIV presente nas secreções sexuais precisa de contato íntimo e prolongado com as mucosas para invadi-las e estabelecer infecção crônica. Por esse motivo, transmite-se do homem para a mulher com mais facilidade do que no sentido inverso: a superfície representada pelas paredes vaginais e pelo colo uterino é mais extensa do que a da mucosa de revestimento da glande peniana.

No início dos anos 1980, quando eclodiu a epidemia africana de aids, foi aventada a hipótese de que a circuncisão, ao reduzir a área de contato da glande com as secreções sexuais femininas, protegeria os homens da infecção.

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Embora os dados fossem ocasionalmente contraditórios, na maioria das vezes em que se procurou avaliar a prevalência da infecção pelo HIV nos últimos 20 anos, em populações de homens circuncidados pertencentes a grupos socioeconômicos semelhantes e sujeitos a fatores de risco comparáveis aos de outros não submetidos à circuncisão, os resultados mostraram que entre estes a prevalência era mais elevada.

Esses trabalhos, no entanto, foram recebidos com reserva pela comunidade científica por causa de um viés metodológico: foram realizados com participantes previamente circuncidados, por razões religiosas. Como é possível assegurar que a circuncisão seria a única responsável pelos resultados? Será que aspectos religiosos não estariam associados a diferenças de comportamento sexual capazes de interferir?

Para esclarecer essas dúvidas foram conduzidos quatro estudos: um no Quênia, um na África do Sul e dois em Uganda. Ao contrário dos anteriores, todos foram prospectivos, isto é, não partiram da comparação de homens circuncidados anteriormente: ao entrar no estudo, a cirurgia foi realizada em metade dos participantes, sorteados ao acaso, para que pudessem ser comparados com o grupo controle.

Os estudos foram abrangentes. Por exemplo, o inquérito conduzido na África do Sul, a partir de agosto de 2003, pela agência francesa ANRS, envolveu mais de 3000 homens de 18 a 24 anos.

O grupo que recebeu circuncisão foi beneficiado de forma tão clara que o estudo precisou ser interrompido por razões éticas. Depois de 21 meses, apenas 18 homens circuncidados tinham adquirido o HIV, contra 51 do grupo-controle. Houve redução de 65% na probabilidade de contrair o vírus, dado especialmente significante quando se leva em conta que a atividade sexual do grupo submetido à operação foi 18% maior.

Um dos estudos de Uganda conduzidos por pesquisadores americanos obteve resultados semelhantes. É provável que os demais cheguem às mesmas conclusões.

Dois pontos merecem consideração antes de adotarmos a circuncisão como procedimento universal em zonas de alta prevalência da infecção pelo HIV.

Primeira: A operação, embora simples, deve ser feita por médicos treinados. A circuncisão por motivos religiosos, geralmente realizada por pessoas que desrespeitam regras básicas de assepsia, está associada a complicações bem conhecidas da medicina.

Segunda: Será que por terem sido operados os homens não se julgarão imunes às doenças sexualmente transmissíveis e abandonarão definitivamente o uso de técnicas de sexo seguro, correndo mais risco pessoal e expondo suas mulheres?

De qualquer forma, os resultados desses estudos são tão contundentes que a circuncisão em regiões de alta prevalência da infecção pelo HIV talvez se torne a primeira indicação de cirurgia em massa na história da medicina.

Homens circuncidados apresentam menor probabilidade de adquirir dst por quê
Os pesquisadores observaram tamb�m que, entre os tipos de bact�rias presentes na regi�o, os homens circuncidados tiveram uma grande diminui��o dos micro-organismos anaer�bicos e um aumento dos aer�bicos (clique para ver o infogr�fico) (foto: Anderson Ara�jo / CB/ DA Press)

A circuncis�o masculina reduz de 50% a 60% o risco de infec��o por HIV em homens e diminui a incid�ncia e a preval�ncia do v�rus herpes simplex 2 (HSV-2) e do papilomav�rus humano (HPV). Estudos mostram o impacto do procedimento tamb�m nas infec��es bacterianas transmitidas sexualmente mais comuns, como a clamid�ase, a gonorreia, a s�filis e a infec��o pelo protozo�rio causador da tricomon�ase. O benef�cio � estendido �s mulheres com parceiros circuncidados – elas apresentam menor risco de contrair essas DSTs. Apesar de comprovado cientificamente, o processo que leva a essa prote��o nunca foi compreendido pela comunidade m�dica. Cientistas de um grupo formado por diversas institui��es americanas de pesquisa acreditam que a resposta para esse enigma pode estar em altera��es no conjunto de micro-organismos que habitam o p�nis ap�s a cirurgia de circuncis�o.

As descobertas foram descritas na edi��o deste m�s da revista cient�fica da Sociedade Americana de Microbiologia. A equipe liderada por Lance Price, do Instituto de Pesquisa Gen�mica Translacional e da Universidade George Washington, contou com mais de 156 volunt�rios em Uganda, na Regi�o Central africana, inicialmente n�o circuncidados. A ideia era estudar os efeitos da circuncis�o masculina sobre os tipos de bact�rias que vivem no prep�cio antes e depois da cirurgia, tamb�m conhecida como postectomia cl�ssica. Primeiramente, foram recolhidas amostras da microbiota do sulco coronal peniano, regi�o logo abaixo da glande, de todos os participantes. Em seguida, 79 homens foram circuncidados e 77 volunt�rios selecionados para o grupo de controle – n�o submetido ao procedimento.

Um ano depois, os volunt�rios foram novamente recrutados para uma segunda coleta da microbiota, que teve o resultado comparado com o do material inicial. Enquanto todos estavam na mesma condi��o, isso �, antes da cirurgia, a microbiota dos dois grupos de homens tinha �ndices bastante parecidos tanto em diversidade quanto em quantidade de micro-organismos. Ap�s a cirurgia, a carga bacteriana de todos os homens sofreu um decl�nio, sendo que nos circuncidados essa queda foi muito mais expressiva. Os pesquisadores observaram tamb�m que, entre os tipos de bact�rias presentes na regi�o, os homens circuncidados tiveram uma grande diminui��o dos micro-organismos anaer�bicos e um aumento dos aer�bicos (veja infogr�fico).

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“A mudan�a nas comunidades � muito caracterizada pela perda de anaer�bicos. � dram�tico. Do ponto de vista ecol�gico, � como rolar uma pedra e ver o todo o ecossistema mudar. Voc� remove o prep�cio e aumenta a quantidade de oxig�nio, diminuindo a umidade. Estamos mudando o ecossistema”, analisa Price. O l�der do estudo considera que, para a sa�de p�blica, os resultados s�o realmente interessantes, j� que alguns dos micro-organismos decrescentes s�o aqueles que podem causar inflama��es. “Estamos acostumados a pensar em como interromper o microbioma intestinal pode tornar algu�m mais suscet�vel a uma infec��o. Agora, acho que talvez esse dist�rbio (no microbioma do p�nis) possa ser uma coisa boa. Poderia ter um efeito positivo”, complementa.

Fim da cirurgia
Os pr�ximos planos da equipe, segundo Price, � entender se as bact�rias presentes no p�nis afetam a transmiss�o do HIV. Isso ser� feito por meio do estudo de poss�veis liga��es entre as mudan�as no microbioma e as respostas de citocinas – mecanismos que podem ativar o processo de sinaliza��o do sistema imunol�gico. O pesquisador acredita que compreender as mudan�as no microbioma seguinte � cirurgia poderia, eventualmente, levar a interven��es que tornem o procedimento cir�rgico desnecess�rio. “O trabalho que estamos fazendo, por potencialmente revelar os mecanismos biol�gicos subjacentes, pode revelar alternativas � circuncis�o que teriam o mesmo impacto biol�gico. Em outras palavras, se achar que um grupo de anaer�bicos � respons�vel por aumentar o risco de HIV, podemos encontrar formas alternativas para derrub�-los”. Dessa forma, segundo Price, seria poss�vel prevenir a infec��o pelo HIV em todos os homens sexualmente ativos.

Para o professor de urologia da Universidade Estadual de Feira de Santana Jos� de Bessa J�nior, os resultados desse estudo, de alguma maneira, confirmam pesquisas mais robustas realizadas na �frica subsaariana que demonstram a redu��o da contamina��o pelo HIV por meio da circuncis�o. Mas ele n�o acredita que o trabalho tenha um impacto importante na pr�tica cl�nica de imediato, j� que seu n�vel de evid�ncia cient�fica � menor do que o de estudos anteriores. “Dif�cil prever o impacto futuro desses achados. Entendo que ser� menor do que os estudos j� publicados anteriormente que demonstraram os benef�cios ‘cl�nicos’ da circuncis�o na diminui��o da transmiss�o do HIV e de outras doen�as sexualmente transmiss�veis tanto para os sujeitos operados quanto para as suas parceiras.”

Bessa J�nior esclarece que dados precisos quanto � incid�ncia da circuncis�o no Brasil s�o desconhecidos, mas ele acredita que, no caso brasileiro, os benef�cios populacionais do procedimento s�o m�nimos, dada a baixa preval�ncia de circuncidados. Segundo o especialista, dados iniciais, ainda n�o publicados, no estudo que ele conduz sobre a preval�ncia de postectomizados indicam que a preval�ncia � menor do que 3%, o que faz com que os benef�cios do procedimento se limitem aos circuncidados. “A cirurgia tem algum papel na ‘preven��o individual’ do c�ncer de p�nis, mas um efeito m�nimo na diminui��o das DSTs e na incid�ncia do c�ncer de p�nis quando analisamos a popula��o como um todo”, avalia Bessa.

S� 10 minutos

A circuncis�o � um procedimento cir�rgico em que o prep�cio, a pele que recobre a glande (cabe�a do p�nis), � removido. A cirurgia � r�pida e simples, com dura��o de cerca de 10 minutos. Ela apresenta taxas de complica��es cir�rgicas abaixo de 0,5%, sendo as mais comuns sangramentos, infec��es e insatisfa��o est�tica. Como qualquer outra cirurgia, � feita sob anestesia.

Palavra de especialista

Jos� Murillo Bastos Netto, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora: preocupa��o maior com a higiene


“Acho o estudo importante, pois mostra altera��es sofridas na flora peniana ap�s a circuncis�o. Mas s� isso n�o � suficiente para justificar a diminui��o de doen�as sexualmente transmiss�veis, o que n�o foi avaliado pelo estudo. Os autores encontraram uma diminui��o da microbiota, principalmente de bact�rias anaer�bicas, nos homens circuncidados, sendo que as bact�rias que mais responderam positivamente foram os estafilococos. Acredito que os homens devem se preocupar mais com os aspectos de higiene peniana e com o uso de preservativo. S�o poucos os estudos, at� o momento, que justificam a realiza��o rotineira de circuncis�o apenas com o objetivo de prevenir doen�as virais sexualmente transmiss�veis. Na minha opini�o, a circuncis�o deve ser indicada como preven��o de DSTs ou de c�ncer de p�nis apenas em �reas de alta preval�ncia dessas doen�as, como na �frica para HIV e no Norte e no Nordeste do Brasil para c�ncer de p�nis.”

O que acontece quando o homem é circuncidado?

A circuncisão é uma intervenção cirúrgica em que se remove o prepúcio, a pele que cobre a glande. Avança-se para esta técnica quando o orifício do prepúcio é tão estreito e fibroso que não permite a exposição da glande, o que poderá dificultar a micção ou as relações sexuais.

O que a circuncisão evita?

Uma pesquisa realizada por cientistas em Uganda e pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, sugere que a circuncisão pode ajudar a evitar um número maior de doenças sexualmente transmissíveis do que se acreditava antes.

É melhor ser circuncidado ou não?

Hoje, estima-se que um em cada sete adultos no mundo seja circuncisado por diferentes razões. Homens circuncidados tem mais facilidade de fazer a higiene, menos chances de contrair infecções e doenças sexualmente transmissíveis. No entanto, os médicos recomendam a retirada do prepúcio somente em casos em que a fimose.

Quais as vantagens é desvantagens da circuncisão?

A circuncisão, quando feita na infância, apresenta alguns benefícios, entre eles, podemos citar:.
Redução das infecções urinárias..
Redução das infecções do pênis..
Redução do câncer peniano e do câncer do colo do útero nas parceiras..
Redução de DST e HIV..
Perda de sensibilidade após a circuncisão..