IMPRISONMENT AND THE PROVINTIAL LEGISLATIVE ASSEMBLY OF MINAS GERAIS (1835-1889)ResumoO presente trabalho possui como objetivo analisar o desenvolvimento do sistema carcerário na Província de Minas Gerais no período do Brasil Imperial, em especial após o ano de 1830, quando a edição do Código Criminal ampliou as hipóteses de aplicação das penas de prisão, mas não cuidou de um regramento específico para o regime de cumprimento dessa pena, criando, assim, dificuldades para a implementação das prisões em todas as unidades da federação. Para isso, a pesquisa valeu-se de busca da legislação editada na referida Província, bem como de documentos produzidos pelos Presidentes de tais unidades regionais, declarações elaboradas por Ministros da Justiça e notícias publicadas em jornais à época. Ao final, conclui-se, após exposição a respeito de como Minas Gerais lidou com essa temática e quais questões foram priorizadas pelo poder legislativo estadual, que a inexistência de normatização adequada sobre o assunto provocou efeitos nefastos ao sistema penitenciário brasileiro, dando azo ao surgimento de um modelo prisional, desde a sua origem, defeituoso. Show
Palavras-chave
AbstractThe present work intends to analyze how the prison system developed in the Province of Minas Gerais in the period of the Empire of Brazil, especially after the year of 1830, when the publication of the Criminal Code did not create a specific regulation of the imprisonment, which by its turn hindered the improvement of prisons in all federate states. This article resorted to a research of laws edited at that time, as well as to documents produced by the Presidents of the beforementioned Province, statements of Attorney Generals, and articles published in newspapers at that time. It is concluded, after exposing how Minas Gerais acted regarding this theme and which issues were prioritized by the legislative power, that the absence of specific laws concerning this subject provoked problematic results to the penitentiary system, favoring the development of a structurally defective prison system. Keywords IntroduçãoA conjuntura hodierna do cárcere, fruto das condições socioeconômicas, políticas e legais, alimentada por ineficazes políticas públicas e incrementos punitivistas, é prova inconteste do fracasso estatal na condução do cumprimento de penas privativas de liberdade. No entanto, isso não é um fenômeno exclusivo da atualidade, mas consequência de uma construção histórica. Com efeito, diversas fontes e formas envolvem a progressiva construção de um instituto. E com o cárcere não é diferente. A realidade contemporânea é oriunda de vicissitudes vividas na implementação da prisão no país e das influências nacionais e estrangeiras sobre a forma de pensá-lo. O trato da história carcerária é, então, de importante medida, fornecendo uma melhor compreensão dessa figura. Buscou-se, neste trabalho, a investigação de uma fração dessa história carcerária a fim de melhor conhecer o seu todo, avaliando-se o cárcere nos tempos da Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais. Não é coincidência que o período escolhido diz respeito à instalação do instituto no país, como será visto mais à frente. Tomam-se, portanto, como limites de estudo, os seguintes marcos: o cárcere no tempo de atuação da Assembleia Legislativa Provincial que vigorou de 1835 a 1889 na Província de Minas Gerais. Havia, à época, a necessidade de se modernizar a estrutura carcerária para o cumprimento das leis, pois a nação brasileira não possuía, excetuando-se alguns parcos exemplos, locais adequados para tanto. A situação se complicava ainda mais na medida em que o Código Criminal de 1830 ampliou as hipóteses de aplicação das penas de prisão, omitindo-se, entretanto, de estabelecer um regramento específico para o cumprimento das penalidades, papel relegado, em grande parte, como se mostrará, às próprias províncias, o que culminou no desamparo não só dos sentenciados, como também do próprio sistema carcerário, que se viu fadado ao fracasso frente à indeterminação legal. Este trabalho persegue, nesse espeque, uma análise sobre a forma de desenvolvimento do cárcere na Província de Minas Gerais, o que permitirá, de certo modo, pela compreensão da matéria a nível regional, aproximar-se da condição carcerária a nível nacional. Para tanto, aplicou-se a metodologia discriminada a seguir. Sobre os limites apontados, iniciou-se, junto a plataformas de pesquisa de arquivos e materiais históricos, em especial o Sistema Integrado de Acesso do Arquivo Público Mineiro1 1 A plataforma Sistema Integrado de Acesso do Arquivo Público Mineiro pode ser acessada no seguinte link: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/>. - em função de sua especificidade e afinidade temática, além de sua qualidade -, a busca por materiais relacionados ao objeto de pesquisa.2 2 Outras plataformas utilizadas são as seguintes: Biblioteca Digital da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (http://dspace.almg.gov.br/xmlui/handle/11037/121), Plataforma da Biblioteca Nacional (http://www.bn.br/) e Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica, integrado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – Cedeplar/Face/UFMG (http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/). Complementarmente, optou-se pela análise de jornais de época, a fim de desvelar o que se asseverava sobre o cárcere na época trabalhada. Para tanto, os jornais disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional foram examinados. Outra fonte de pesquisa foram os relatórios dos Ministros da Justiça e dos Presidentes da Província de Minas Gerais, relativos ao período pesquisado. Por fim, quando da referência a Leis e Decretos de âmbito nacional, formulados à época, a busca valeu-se do acervo disponibilizado nos sites do Palácio do Planalto, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Intende-se, a partir disso, retratar a realidade do sistema carcerário vivido pela Província de Minas Gerais de 1835 a 1889, a fim de melhor compreender as facetas históricas do instituto do cárcere. 1 A pena de prisão no Código de 1830A Constituição Imperial de 1824, elaborada após a Independência do Brasil, trouxe a previsão, em seu art. 179, § 18°, de que se deveria conceber um novo diploma penal, prescrição essa posteriormente atendida com o Código Criminal de 1830. Enquanto este não foi publicado, permaneceram vigentes, no que tange ao Direito Penal, as regras contidas no livro V das Ordenações Filipinas de 1603 (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2016VASCONCELOS, Karina Nogueira; OLIVEIRA, Rodrigo Teles. Penalidade e colônia: da liberdade punitiva às Ordenações Filipinas numa análise da punibilidade dos homens livres na Capitania de Pernambuco. Revista Brasileira de História do Direito, v. 2, p. 261-283, 2016., p. 267-268), as quais representavam, conforme lição de A. Bandeira Filho (1881BANDEIRA FILHO, Antonio Herculano de Souza. A questão penitenciária no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. de J. D. de Oliveira, 1881., p. 29), a negação de um sistema penitenciário, um modelo cujas penas, inspiradas na Lei de Talião, poderiam assumir a forma de castigos físicos. Com o advento do Código Criminal de 1830, de influência claramente liberal (COSTA, 2015COSTA, Pedro Jorge. Notas sobre a Parte Geral do Código Criminal do Império. Revista IHGB, Rio de Janeiro, ano 176, v. 467, p. 41-62, abr./jun. 2015., p. 47),3 3 A influência liberal do Código Criminal de 1830 também é apontada por Z. M. T. Machado Neto (1970, p. 78-79), que, após detida análise das discussões legislativas que discutiram os projetos e pareceres que culminaram no Código Criminal de 1830, pronuncia: “As idéias de Beccaria e as doutrinas iluministas e enciclopedistas do século XVIII, os princípios da Declaração de direitos do homem e, provavelmente o próprio código francês de 1791 e o código da Louisiania como expressões do humanismo de que transborda o direito penal, através das novas definições do próprio direito de punir e de uma espécie de redefinição do ato criminoso em termos do próprio agente como unidade física e moral, tudo isso, associado, ao que tudo indica, às teorias utilitaristas de Bentham teria trabalhado o espírito dos deputados brasileiros quando da elaboração do código criminal de 1830”. a então nova legislação exibiu grandes novidades relativamente às espécies de penas, tornando consideravelmente concreto o debate intelectual que se travava em torno do fenômeno da punição estatal. Sobre esse destaque da pena de prisão no Código Criminal de 1830, Z. M. T. Machado Neto (1970MACHADO NETO, Zahidé Maria Torres. Direito penal e estrutura social: comentário sociológico ao código criminal de 1830. Tese apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia para o concurso de Professor Assistente do Departamento de Sociologia. [s.l.; s.n.], 1970., p. 104) ressalta que:
Antes, vale destacar também que a Constituição de 1824 já alavancava as discussões acerca das formas de punição estatal, abolindo,4 4 “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. […] XIX. Desde já ficam abolidos os açoutes, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis” (BRASIL, 1824). a princípio, a possibilidade das penas de açoite, tortura, marca de ferro quente e quaisquer outras de índole cruel. Contudo, tal mandamento foi obedecido em parte pelo Código Criminal de 1830, que, a despeito da vedação constitucional, previa, em seu art. 60,5 5 “Art. 60. Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou de galés, será condemnado na de açoutes, e depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a traze-lo com um ferro, pelo tempo, e maneira que o Juiz designar. O numero de açoutes será fixado na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta” (BRASIL, 1831). a possibilidade de aplicação excepcional da pena de açoite aos réus escravos.6 6 A pena de açoite, apesar de proibida pela Constituição, era comumente aplicada aos escravos, “expediente que tem como função social no sistema de relações e de contrôle daquela sociedade” (MACHADO NETO, 1970, p. 98). Com isso, o escravo, por não dispor de quaisquer direitos civis e políticos (não é cidadão), está, nas palavras de Z. M. T. Machado Neto (1970, p. 97-98), “fora da contemplação legal mais geral, e assim sendo dispositivos existirão para normar em casos específicos suas condutas, exatamente naquêles aspectos em que ela venha de afetar a própria instituição da escravidão que por sua vez é um dos fundamentos da estrutura econômica agrária do país. […] o Código criminal de 1830, embora influenciado pelas ideias penais mais avançadas de sua época, por fôrça da pressão da estrutura social econômica colonial do país admite dispositivos e penas específicas para alcançarem uma camada da população que por ser escrava está fora do alcance da proteção geral dos direitos civis e políticos dos cidadãos”. Além disso, inovou a Constituição de 1824 ao estabelecer que as cadeias deveriam possuir condições mínimas para a detenção dos réus, devendo, ainda, haver a separação destes em conformidade à gravidade dos delitos imputados. M. B. Motta (2011MOTTA, Manoel Barros da. Crítica da razão punitiva: nascimento da prisão no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011., p. 78) demonstra que o complexo de penas se organizava da seguinte maneira:
Na mesma linha do que já vinha ocorrendo em alguns países europeus, o engrandecimento da importância da pena de prisão fez-se ressoar no Código Criminal de 1830, quando foi estipulada, pela primeira vez, a pena de prisão com trabalho, inaugurando uma nova concepção de punição no Brasil. M. B. Motta (2011MOTTA, Manoel Barros da. Crítica da razão punitiva: nascimento da prisão no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011., p. 81) assevera que se trata, de fato, de um posicionamento que adere à postura de diversos Estados no século XIX, quando a pena de prisão passa a ocupar um dos mais importantes polos de discussão do sistema penal. A razão de ser da redistribuição da “economia do castigo” (FOUCAULT, 2004FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2004., p. 11) – que culminou na substituição do modelo de pena de inflição espetaculosa e pública de sofrimento físico aos condenados, por um sistema de penas centrado no encarceramento em instituições disciplinares e totais – está diretamente relacionada às influências iluministas liberal e utilitarista que emergem a partir de meados do século XVIII e que muito influenciam os legisladores do Código Criminal de 1830. Para esses, a pena de prisão era o modelo mais afeito aos ideais de humanização e proporcionalidade defendidos pelo movimento das luzes e, portanto, mais adequado ao estágio de civilidade que se acreditava ter alcançado,7 7 Essa influência pode ser notada no pensamento dos juristas da época do Império, que, como destaca R. Sontag (2016, p. 65): “Considerar o encarceramento a pena ‘civilizada’ por excelência significava, para vários dos juristas da época imperial, criticar, principalmente, a pena de morte, as galés e os açoites. O potencial crítico da noção de ‘civilização’ poderia variar de acordo com a postura assumida pelo discurso jurídico diante dos regimes excepcionais, em particular no que diz respeito ao escravo, mas o significado do que deveria ser um direito penal ‘civilizado’ demonstrou-se bastante estável entre todos os juristas analisados”. ainda que as terras brasileiras as recebessem com algumas adaptações (especialmente no que diz respeito à figura do escravo). Sobre a concepção ideológica do Código Criminal de 1830, expõe Z. M. T. Machado Neto (1970MACHADO NETO, Zahidé Maria Torres. Direito penal e estrutura social: comentário sociológico ao código criminal de 1830. Tese apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia para o concurso de Professor Assistente do Departamento de Sociologia. [s.l.; s.n.], 1970., p. 98) que:
Sob a égide do estatuto repressivo de 1830, a pena de prisão foi progressivamente alçada ao papel de protagonista, não obstante o fato de as penas de morte e de galés terem continuado a ser aplicadas até o início da República. Ademais, interessante notar que os castigos físicos restaram previstos, a despeito do mandamento constitucional, para os escravos, como já mencionado, incongruência essa que seria afastada definitivamente somente com a Constituição de 1891 e o Código Criminal de 1890. Não obstante, apesar de ter surgido como uma das grandes novidades, a pena de prisão continuou ocupando um papel extremamente problemático no esquema de aplicação de penas. Tal era ainda a sua incipiência que se observa a ausência de normas jurídicas tratando especificamente da regulamentação da sua respectiva aplicação.8 8 Sobre essa ausência, Z. M. T. Machado Neto (1970, p. 104-105) destaca que, apesar da influência do utilitarismo de Bentham na promulgação do novo código, o mesmo não aconteceu com “as idéias benthanianas da prática de um sistema penitenciário”, uma vez que o Código de 1830 não faz referência a qualquer sistema penitenciário. Aliás, no contexto da promulgação do Código Criminal de 1830, ainda não havia sido criado um Código de Processo de Criminal consentâneo à determinação da Constituição de 1824. A. Bandeira Filho9 9 Segundo A. V. A. S. Blake (1883, p. 188-189), António Herculano Bandeira Filho foi um jurista que recebeu o grau de Bacharel (1873) e de Doutor pela Faculdade de Pernambuco. Durante sua carreira, foi diretor da 2ᵃ seção da secretaria de estado dos negócios da justiça, além de ter sido nomeado “professor de philosophia e direito natural publico e constitucional da escola normal”. pontua, trazendo à baila as lições de Friedrich Carl von Savigny, que a Constituição de 1824, ao desenvolver preceitos considerados avançados para a época em torno da temática das penas, trouxe igualmente uma série de inconvenientes, em especial no que concerne à aplicabilidade de tais dispositivos. Tratava-se, como observou o apontado jurista (BANDEIRA FILHO, 1881BANDEIRA FILHO, Antonio Herculano de Souza. A questão penitenciária no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. de J. D. de Oliveira, 1881., p. 29), de uma codificação que prendia o futuro a uma série de conhecimentos ainda bastante limitados em uma época de transição, de modo que a efetividade do novo regramento restou gravemente limitada em face dos inúmeros problemas de índole política e orçamentária. Vale assinalar que a multiplicidade de penas estabelecidas no citado Código consistia em verdadeiro atestado da transição pela qual passava o Brasil. Apesar de ocupar posição realçada entre as penas, a prisão dificilmente poderia vir disposta como única forma de punição, tendo em vista que, no referido período, o sistema prisional nacional ainda era extremamente precário. Os poucos edifícios destinados ao aprisionamento estavam em péssimas condições e, frequentemente, não eram dotados de estrutura adequada para deter prisioneiros, consistindo em casas que serviam como depósito de pessoas (KOERNER, 2006KOERNER, Andrei. Punição, disciplina e pensamento penal no Brasil do século XIX. Lua Nova, n. 68, p. 205-242, 2006., p. 209). Daí a advertência de A. Bandeira Filho (1881BANDEIRA FILHO, Antonio Herculano de Souza. A questão penitenciária no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. de J. D. de Oliveira, 1881., p. 30), para quem era altamente imprudente qualquer tentativa de eliminar as penas de morte ou de galés, ainda que evidentemente retrógradas e em descompasso com o ideal humanitário tão amplamente discutido em tal época, uma vez que, no Brasil, a incapacidade de se levar a cabo uma recuperação eficiente dos presos certamente inviabilizava a opção por um modelo unitário baseado na pena de prisão. Em face da ausência de normas específicas dispondo sobre a matéria,
em particular no que tange à pena de prisão, foi editado o Ato Adicional de 1834 (BRASIL, 1834BRASIL. Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional à Constituição). Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de outubro de 1832. Lex: Coleção de Leis do Império do Brasil – 1834, v. 1, p. 15. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-16-12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html>.
Acesso em: 20 jun. 2015. 2 As Assembleias Legislativas Provinciais: história, contexto e competênciasNos anos que sucederam ao fim do período colonial, a independência e a formação do Estado do Brasil, o cenário político nacional enfrentou substanciais mudanças. O surgimento das Assembleias Legislativas Provinciais foi uma delas, impactando a dinâmica de governo do Império ao instituir, desde seus primórdios, um instrumento de ação e voz para os membros das oligarquias regionais, detentores do poder econômico. A criação das Assembleias Legislativas Provinciais ocorreu no Governo Regencial, timbrado, sobretudo,
pela sua conjuntura política conturbada e reviravoltas políticas. Naquele governo, sob forte influência liberal e com propostas de cunho descentralizador no âmbito político-administrativo, promulgou-se a Lei n. 16/1834 (BRASIL, 1834BRASIL. Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional à Constituição). Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de outubro de 1832. Lex: Coleção de Leis do Império do Brasil –
1834, v. 1, p. 15. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-16-12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html>. Acesso em: 20 jun. 2015.
O Ato Adicional, em seu levante descentralizador, almejou distribuir competências de relevância política e administrativa às Assembleias Legislativas Provinciais, possibilitando maior poder deliberativo aos poderes regionais. Todavia, nos termos do art. 12 do mesmo ato
(BRASIL, 1834BRASIL. Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional à Constituição). Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de outubro de 1832. Lex: Coleção de Leis do Império do Brasil – 1834, v. 1, p. 15. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-16-12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html>. Acesso em: 20 jun.
2015.
O desenho da política interna posto pelo Ato Adicional à Constituição era marcado por três instâncias de poder, com os municípios ocupando o menor grau, seguidos das províncias, que tinham amplos poderes para interferir e tutelar aqueles, e, por fim, o poder central do Império, com força sobre todos os demais. No entanto, essa segmentação política de maior autonomia durou pouco, pois, fragilizado pelas exacerbações políticas decorrentes dos constantes impasses políticos e rebeliões,12 12 O governo imperial enfrentava constantes impasses políticos, que tencionavam a relação entre o poder central e as regiões, fenômenos atribuídos à existência de inúmeras zonas de indeterminação de poder. Tratava-se de herança de uma confusa divisão territorial quando da delimitação das Províncias, que se agravou com a descentralização administrativa e a natural luta por influência/controle das zonas de penumbra pelos poderes regionais. O governo da regência apresentava-se bastante fragilizado e as exacerbações políticas, oriundas de todos os fatores apresentados acima, tomaram a forma de rebeliões, revoltas e conflitos, que envolviam as Províncias e o governo central; v.g. Cabanagem, Balaiada, Revolução Farroupilha e a Sabinada. o governo da regência deparou com o for tale cimento e as pressões do Movimento Regressista.13 13 Com ideais contrários aos da descentralização, o Movimento Regressista acreditava que a autonomia levaria à ruína do Império brasileiro e que, para evitar isso, deveriam restringir a autonomia das províncias e as atribuições de suas Assembleias Legislativas. A chamada Reação Conservadora ou Reação Monárquica ocorreu com a união de Conservadores com Liberais moderados que se articularam em combate à “‘anarquia’13 que vicejou no país após a lei do processo criminal de 1832 e o ato adicional de 1834” (FARIA, 2005, p. 36). O movimento não logrou seus objetivos de imediato e a instabilidade política se manteve até meados da década de 1940. O Movimento Regressista propunha, em suma, uma imediata reestruturação do poder imperial, prezando
por um poder central preponderante frente às demais instâncias de poder do Império, e tinha força, inclusive, nas Assembleias Provinciais Legislativas, encontrando grande apoio entre os parlamentares das províncias, até mesmo a Mineira. Nesse levante, sob a batuta de Bernardo Pereira de Vasconcelos, o mesmo que deu redação ao Ato Adicional, agora aliado ao Movimento Regressista, surge, então, a Lei de Interpretação ao Ato Adicional – Lei n. 105/1840 (BRASIL,
1840BRASIL. Lei n. 105, de 12 de maio de 1840 (Lei de Interpretação ao Ato Adicional). Interpreta alguns artigos da Reforma Constitucional. Lex: Secretaria de Estado dos Negocios de Imperio a folhas 78 v. do Liv. 7° de Leis, Alvarás, e Cartas. Rio de Janeiro, 20 de maio de 1840. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM105.htm>. Acesso em: 20 jul.
2015. Essa Lei, promulgada inicialmente a pretexto de esclarecer o Ato Adicional à Constituição, teve, como advertem M. A. Faria e O. S. Dulci (2005FARIA, Maria Auxiliadora de; DULCI, Otávio Soares. Diálogo com o tempo: 170 anos do Legislativo Mineiro. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2005., p. 36), como real intento “[…] infundir a reforma de 1834, significando o oposto ao que antes propusera”, ou seja, reescrever e substituir a função descentralizadora do Ato Adicional à Constituição, restabelecendo maior concentração do poder político e administrativo do Império em uma figura central. M. A. Faria e O. S. Dulci (2005FARIA, Maria Auxiliadora de; DULCI, Otávio Soares. Diálogo com o tempo: 170 anos do Legislativo Mineiro. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2005., p. 19) destacam o impacto dessa política na Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais, com as seguintes palavras: “Em decorrência da hipertrofia do governo Imperial, sua Assembléia Legislativa [Minas Gerais], a exemplo do que ocorreu em outras províncias, não teve desempenho significativo, principalmente depois de 1840”. Pode-se dizer que as Assembleias Legislativas Provinciais viveram dois períodos distintos. O primeiro de cinco anos (1835 a 1840), marcado por certa autonomia política e administrativa. E o segundo, vivenciado a partir de 1840, no qual seus poderes de autodeterminação foram novamente restringidos pelo poder central e, notadamente, pela Lei de Interpretação do Ato Adicional. Embora possa se pontuar a existência desses dois momentos – o primeiro de maior liberdade e o segundo de maior restrição –, a influência e a intervenção do poder central sempre estiveram muito presentes nas Assembleias Legislativas Provinciais.14 14 No entanto, é válido ressaltar que diversos historiadores notam que, na prática, ainda assim havia considerável margem de autonomia nas Províncias, circunstância essa que é alvo de interessante debate historiográfico. V. M. Gregório, por exemplo, explicita essa peculiaridade com amparo nas lições de Miriam Dolhnikoff, segundo a qual “embora o Regresso de fato tivesse possuído grande significação para o contexto político da época, seu objetivo era tão somente centralizar o judiciário, e não todas as esferas de poder do Estado. E, para isso, ele contava com a concordância tanto das elites provinciais quanto dos líderes do partido liberal, uma vez que representava um esforço para preservar a integridade do império. Neste sentido, a centralização absoluta, tão preconizada por José Murilo e Ilmar Matos, não teria sido uma realidade, uma vez que o pacto federativo instituído com o Ato Adicional de modo algum teria sido anulado pelas reformas conservadoras” (GREGÓRIO, 2012, p. 207). As deliberações do órgão regional encontravam esse óbice mesmo antes da Lei de Interpretação, oriundo de vários instrumentos. O próprio texto constitucional vedava, por meio de seus arts. 83 e 84,15 15 “Art. 83. Não se podem propôr, nem deliberar nestes Conselhos Projectos: I. Sobre interesses geraes da Nação; II. Sobre quaesquer ajustes de umas com outras Provincias; III. Sobre imposições, cuja iniciativa é da competencia particular da Camara dos Deputados. Art. 36. I V. Sobre execução de Leis, devendo porém dirigir a esse respeito representações motivadas á Assembléa Geral, e ao Poder Executivo conjunctamente. Art. 84. As Resoluções dos Conselhos Geraes de Provincia serão remetidas directamente ao Poder Executivo, pelo intermedio do Presidente da Provincia” (BRASIL, 1824). a deliberação de assuntos de vultosa relevância política, econômica ou administrativa pelas Províncias (incisos I, II e III), prevendo seu controle pelos poderes Executivo (geral) e Legislativo (geral) (inciso IV). Essa última medida também era prevista no próprio Ato Adicional, que, em seu art. 20,16 16 “Art. 20. O Presidente da Província enviará à Assembléia e Governo Geral cópias autênticas de todos os atos legislativos provinciais que tiverem sido promulgados, a fim de se examinar se ofendem à Constituição, os impostos gerais, os direitos de outras Províncias ou tratados, casos únicos em que o Poder Legislativo Geral os poderá revogar” (BRASIL, 1824). estabelecia o Poder Legislativo Geral como órgão de controle das deliberações das Assembleias Legislativas Provinciais. Assim:
Nesse sentido, é possível afirmar que os constantes embates políticos – entre Liberais e Conservadores e poderes centrais e regionais –, que marcaram a mudança de um momento mais livre para outro mais restrito, desenvolveram-se sobre uma legislatura já muito rígida. A briga se relacionava, portanto, a um exercício de competências de gênese muito limitada, que foi cerceado com a Lei de Interpretação. Dessa forma, a efetiva atuação das Assembleias sobre as matérias de sua competência, apesar de seu extenso rol de atribuições, cingia-se a legislações de menor importância. Porém, a limitação não se punha como empecilho ao debate de matérias relevantes, nem mesmo a provocações da instância superior pelo órgão Provincial, solicitando-se medidas sempre que se julgava necessário (FARIA; DULCI, 2005FARIA, Maria Auxiliadora de; DULCI, Otávio Soares. Diálogo com o tempo: 170 anos do Legislativo Mineiro. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2005., p. 54). Fato é que, contudo, a autonomia transmitida às Províncias pelo Ato Adicional à Constituição, apesar de restrita, foi, ante a tensão crescente entre o poder central e o regional,17 17 Vide nota de rodapé n. 15. suficiente para incomodar e agitar os setores mais conservadores da política brasileira, ainda que se defenda que a atuação das Assembleias não teve grande expressão. As Assembleias Legislativas Provinciais, formadas em 1835 pelo Ato Adicional à Constituição, perduraram durante todo o Império e tiveram seu fim com a Proclamação da República em 1889, quando as Províncias deram lugar aos Estados e as Assembleias Legislativas Provinciais passaram a ser denominadas de Assembleias Legislativas Estaduais. 2.1 A competência relativa ao cárcereNo tocante à temática ora
analisada, há de se destacar a competência expressa das Assembleias Legislativas Provinciais acerca da matéria relativa ao cárcere. O art. 10, § 9°, do Ato Adicional pontua a atribuição da Assembleia para legislar sobre a “construção de casas de prisão, trabalho, correição e regime delas” (BRASIL, 1834BRASIL. Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional à Constituição). Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos termos da Lei
de 12 de outubro de 1832. Lex: Coleção de Leis do Império do Brasil – 1834, v. 1, p. 15. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-16-12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html>. Acesso em: 20 jun. 2015. Não obstante isso, a novidade de previsão do cárcere veio acompanhada de uma espantosa lacuna acerca de seu regime de cumprimento, dificultando-se a realidade dos estabelecimentos prisionais nas províncias, pelo que se afirmava ser premente a sua normatização, como advertiu o Ministro da Justiça em exercício no ano de 1832:
Tal fato contribuiu para que, posteriormente, o Ato Adicional atribuísse às Assembleias Legislativas a competência para disciplinar tal matéria. Ressalte-se que se tratava de delegação absolutamente primordial, na medida em que o sistema jurídico de aplicação de penas demanda a formalização de alguma espécie de regulamentação. Como visto, a Lei de Interpretação do Ato Adicional buscou tolher a autonomia das Províncias, restringindo as atribuições das Assembleias Legislativas Provinciais. Contudo, o referido diploma não fez referência à competência das Assembleias em relação à organização do cárcere, permanecendo válido o disposto no Ato Adicional. Depreende-se de texto do Ministro da Justiça Manuel Antônio Duarte de Azevedo, em relatório do ano de 1873, apresentado à
Assembleia Geral Legislativa, que, mesmo havendo um forte controle do poder central sobre as províncias, a competência das províncias relativa à matéria afeta ao cárcere (art. 10, item 9° do Ato Adicional) era respeitada. No entanto, salientou o Ministro que deveria o governo central inspecionar tal seara a fim de se garantir o rigoroso cumprimento da normatização constitucional e legal, além da possibilidade de imposição e execuções de regras de natureza geral, como as realizadas no Regulamento
n. 120/1842 (BRASIL, 1842BRASIL. Regulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842. Regula a execução da parte policial e criminal da Lei n. 261 de 3 de dezembro de 1842. Lex: Coleção da Leis do Brasil de 1842. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Regulamentos/R120.htm>. Acesso em: 24 jun. 2015.
O governo geral, desta forma, acabou invadindo competência das Assembleias Legislativas Provinciais por intermédio do Regulamento n. 120/1842 (BRASIL, 1842BRASIL. Regulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842. Regula a execução da parte policial e
criminal da Lei n. 261 de 3 de dezembro de 1842. Lex: Coleção da Leis do Brasil de 1842. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Regulamentos/R120.htm>. Acesso em: 24 jun. 2015. O regulamento cuida de forma geral da execução e do regime das penas. Dentre suas disposições, havia, por exemplo, a forma de inspeção das unidades, a forma geral (ideal) de como deve ser feita a divisão dos presos, as responsabilidades e deveres dos carcereiros, as regras gerais de obediência e sua forma de sanção, os procedimentos após a condenação e as regras gerais de regime e conversão de pena. Consoante sublinhou o Ministro da Justiça, a competência das Assembleias deveria, entretanto, obedecer aos
regramentos gerais impostos, não os desrespeitando quando do exercício de suas atribuições. O regulamento não cuidou de toda a matéria afeta ao cárcere, restando silente sobre diversos aspectos e legando a regulamentações especiais o trato de inúmeras outras questões. Nesse ponto, impõe-se apontar o art. 148 do Regulamento n. 120/1842 (BRASIL, 1842BRASIL. Regulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842. Regula a execução da parte policial e criminal da Lei n. 261
de 3 de dezembro de 1842. Lex: Coleção da Leis do Brasil de 1842. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Regulamentos/R120.htm>. Acesso em: 24 jun. 2015.
Mesmo após o regulamento indicado, fazia-se imprescindível a construção de um sistema carcerário em todo o país, de situação ainda precária, sendo que a Assembleia Legislativa Provincial era o órgão a frente dessa tarefa, devendo não só determinar a construção de cadeias pelo seu território, mas também regular o funcionamento dos estabelecimentos prisionais, inspecionando, junto ao governo geral, o cumprimento das normas. 3 O cárcere na Província de Minas Gerais de 1835 a 1889A Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais foi instalada em 31 de janeiro de 1835, e figurou, a despeito de suas limitações institucionais e políticas, como importante órgão de discussão e deliberação de assuntos respeitantes à realidade regional da Província durante sua vigência. O trabalho daquele órgão era de, juntamente com o Presidente da Província, organizar e dirigir, ainda que com as limitações impostas pelo poder central, a política administrativa, econômica, social e de segurança da Província. A economia da Província de Minas Gerais, àquela época, era composta por uma estrutura dinâmica, prosperando por meio de uma gama diversificada de atividades produtivas. Embora já iniciado o arrefecimento da mineração (CARRARA, 2001CARRARA, Angelo Alves. A capitania de Minas Gerais (1674-1835): modelo de interpretação de uma sociedade agrária. História Econômica & História de Empresas, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 47-63, 2001., p. 47), o fomento a atividades econômicas diversas auxiliou a recuperação econômica da Província, o “[…] que transformou a economia da Província em algo distinto e com especificidade muito própria da no cenário do Império” (FARIA; DULCI, 2005FARIA, Maria Auxiliadora de; DULCI, Otávio Soares. Diálogo com o tempo: 170 anos do Legislativo Mineiro. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2005., p. 20). Dona da maior população do país e de um grande plantel de escravos, a Minas Gerais oitocentista desenvolvia-se por um mosaico de atividades produtivas, um positivo diferencial, que garantiu a autossuficiência econômica da região. O fervilhar econômico e a grande população de homens livres e escravos, além da autossuficiência econômica da Província, são fatores que contribuíram para o desenvolvimento de papel relevante da Assembleia na discussão de diversos assuntos de significativa importância, dentre os quais se encontrava o cárcere. A situação carcerária assumida pela Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais era problemática, já que havia pouquíssimas e precárias unidades para o cumprimento de penas na província. Demonstrando isso, confira-se o seguinte relato na Villa de S. João d'EL Rei.
Agravando essa realidade, havia, ainda, a eminente necessidade nacional de construir um aparato para a imposição das penas elencadas em seu Código Criminal, que, acompanhando a já mencionada tendência carcerocentrista do século XIX, ampliara, em seu rol de sanções, a importância da pena de prisão. Assim, salvo poucos exemplos, o território brasileiro não possuía locais aptos para o cumprimento de tal sanção, o que tornava a situação bastante problemática, pois não havia apenas a necessidade de manter um sistema carcerário, mas também de construí-lo e discipliná-lo. Os anseios pela sua implementação eram evidentes, conforme se exemplifica com a notícia a seguir:
O sistema carcerário, como hoje, tomava, à época, a pauta jornalística constantemente, com as notícias de ausência de cadeias para a execução das penas, a má condição dessas, as frequentes fugas de presos e a ausência de regulação dos regimes de cumprimento. Assim, as notícias de jornal refletem não só um relato dos anseios sociais, como também um panorama da situação carcerária da província de Minas. Vejam-se alguns exemplos:
A Assembleia Legislativa Provincial era a responsável por gerenciar essa situação. Por meio da documentação catalogada, foi possível observar que esse órgão dedicou extensa legislação para cuidar da matéria carcerária, em conformidade com a autorização estabelecida no Ato Adicional. A busca permitiu verificar quais eram os temas que mais chamavam a atenção das autoridades provincianas, demonstrando também, indiretamente, que determinados assuntos, apesar de sua importância, não eram tratados com o necessário cuidado ou nem mesmo recebiam alguma espécie de regramento. Em primeiro lugar, a existência de poucos estabelecimentos carcerários no início do Império, reflexo da não utilização da prisão como modalidade principal de pena, acabou por pautar significativamente a política legislativa na Província de Minas Gerais até o início da República. Vale pontuar aqui que a falta de estabelecimentos em absoluto18 18 Vale destacar que se trata de fenômeno generalizado àquela época, bem destacado na obra coletiva História das prisões no Brasil, a exemplo dos textos de Amy Chazkel (2013, p. 7), a respeito da Casa de Detenção no Rio de Janeiro, e de Flávio de Sá Cavalcanti de Albuquerque Neto (2013, p. 39), que menciona o interessante caso dos porões navios como alternativas à falta de “prisões de terra”. e de estruturas adequadas é constante em todo o Império, sendo comum que presos de municípios e vilas interioranas fossem cumprir sua pena na capital da Província,19 19 Esse fenômeno de transferência de presos para estabelecimentos mais adequados, não necessariamente em capitais, contudo, foi observado por Tiago da Silva Cesar em estabelecimentos prisionais no Rio Grande do Sul (CESAR, 2014, p. 64-66). como destaca a notícia abaixo:
A falta de estabelecimentos também é reiteradamente apontada nos relatórios dos Ministros da Justiça na época retratada. Abaixo, exemplos desse relato, nos quais se faz referência a 1866, já na metade do período averiguado:
Percebe-se a referência expressa do Ministro à atribuição das Assembleias Legislativas Provinciais e sua tarefa na urgente construção e regulação de um sistema carcerário nas Províncias. No exercício dessa atribuição pela Assembleia Legislativa, constata-se um extenso conjunto de leis, regulamentos, resoluções e decisões que cuidaram, basicamente, de destinar parte do orçamento disponível na Província à construção de cadeias em vilas e municípios que não possuíam tais edifícios ou que, quando os possuíam, não os tinham em conformidade ao preceito constitucional que impunha uma estrutura adequada para o recebimento de presos. Uma das leis mais importantes decretadas pela Assembleia Legislativa foi a de n. 189/1840 (MINAS GERAIS, 1840aMINAS GERAIS. Lei n. 189, de 6 de abril de 1840. Manda construir em cada Comarca da Província no lugar designado pelo Governo, uma cadeia com as comodidades recomendadas pela Constituição do Império, contendo outras disposições sobre o mesmo objeto. Lex: Tomo 6. Parte 1. Ouro Preto: Tipografia do Correio de
Minas, 1840a, p. 83-84. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras/brtacervo.php?cid=719> Acesso em: 24 jun. 2015. A grande importância concedida às cadeias também pode ser verificada na Lei n. 1.977/ 1873 (MINAS GERAIS, 1873MINAS GERAIS. Lei n. 1.977, de 10 de novembro de 1873. Declara não poder ser instalada nenhuma Vila, sem que os respectivos habitantes, além da Casa da Câmara e Cadeia, apresentem
edifícios próprios para as escolas de instrução primária de ambos os sexos, e contém outras disposições. Lex: Tomo 40. Parte 1. Ouro Preto: Tipografia de J. F. de Paula Castro, 1873, p. 14-15. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras/brtacervo.php?cid=2973 >. Acesso em: 24 jun. 2015. Pela pesquisa realizada, é possível constatar que, desde o primeiro momento em que foi atribuída a competência para legislar acerca da matéria de execução, o Governo Provincial apresentou grandes dificuldades de, por intermédio de suas próprias forças, construir todas as cadeias necessárias para dar cumprimento às sentenças criminais. São inúmeros os diplomas normativos nos quais se autorizou que o Presidente da Província destinasse verbas a sua disposição para ressarcir ou pagar particulares pelas obras por eles levadas a cabo nos municípios e vilas. Foram encontradas, por exemplo, as Resoluções
n. 135/1839 (MINAS GERAIS, 1839bMINAS GERAIS. Resolução n. 135, de 2 de abril de 1839. Autoriza a Câmara Municipal da Vila de Queluz a rescindir o contrato feito com o cidadão Adriano Joze de Oliveira sobre a construção de uma cadeia. Lex: Tomo 5. Parte 1. Ouro Preto: Tipografia do Correio de Minas, 1839b, p. 51-52. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras/brtacervo.php?cid=662>. Acesso em: 24 jun.
2015. Também se logrou observar grande preocupação da Assembleia com os gastos de pessoal nas cadeias, bem como em relação às quantias a serem
destinadas às próprias pessoas reclusas. A Lei n. 96/1838 (MINAS GERAIS, 1838MINAS GERAIS. Lei n. 96, de 6 de março de 1838. Aprova o ordenado anual de oitenta mil réis, arbitrado ao carcereiro da cadeia da Vila Diamantina pela Câmara Municipal respectiva, e eleva de igual quantia o do carcereiro da cadeia da Vila do Príncipe. Lex: Tomo 4. Parte 1. Ouro Preto: Tipografia do Correio de Minas, 1838, p. 23-24. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/leis_mineiras/brtacervo.php?cid=617>.
Acesso em: 24 jun. 2015. O maior número de leis, todavia, destinou-se a determinar a construção ou a reforma de cadeias nas diversas vilas e municípios da Província de Minas Gerais, unidades urbanas essas que tiveram um aumento considerável ao longo do século XIX.20 20 Nesse sentido, foi possível encontrar 33 diplomas: as Leis n.: 619/1853, 664/1854, 691/1854, 705/1855, 722/1855, 951/1858, 1.428/1867, 1.585/1868, 1.816/1871, 1.978/1873, 2.017/1873, 2.018/1873, 2.091/1875, 2.104/1875, 2.293/1876, 2.347/1876, 2.496/1878, 2.608/1880, 2.609/1880, 2.720/1880, 2.735/1880, 2.745/1880, 2.832/1881, 2.849/1881, Lei n. 3.149/1883, 3.156/1883, 3.158/1883, 3.188/1884, 3.390/1886, 3.391/1886, 3.508/1887, 3.606/1888 e 3.724/1889; e o Regulamento n. 93/ 1881. Todos estão disponíveis para consulta no sítio eletrônico do Arquivo Público Mineiro. A grande preocupação com a construção de estabelecimentos
carcerários resta também evidenciada em diversos relatórios elaborados pelos Presidentes da Província de Minas Gerais no período analisado. Na fala dirigida à Assembleia Provincial em 1840, pelo Presidente da Província Bernardo Jacintho da Veiga, nota-se que uma das políticas estratégicas da Província era a construção de, pelo menos, uma cadeia em cada Comarca (MINAS GERAIS, 1840bMINAS GERAIS. Fala dirigida á Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais na
sessão ordinária do ano de 1840, pelo presidente da província, Bernardo Jacintho da Veiga. Ouro Preto, Typ. do Correio de Minas, 1840b. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/443/>. Acesso em: 20 jun. 2015. Dois anos depois, o Relatório do Presidente da Província possui conteúdo bastante desalentador, no qual se expõe que a
falta de recursos financeiros tem prejudicado sobremaneira as obras nas Comarcas, onde quase não se observaram avanços significativos (MINAS GERAIS, 1842MINAS GERAIS. Fala dirigida á Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais na sessão ordinária do ano de 1842, pelo vice-presidente da província, Herculano Ferreira Penna. Ouro Preto, Typ. do Correio de Minas, 1842. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/445/>. Acesso em: 20 jun.
2015. Como se pode observar, a despeito da grande margem de discricionariedade concedida à Assembleia Legislativa da
Província para legislar acerca da execução penal por meio do Ato Adicional de 1834 (BRASIL, 1834BRASIL. Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional à Constituição). Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de outubro de 1832. Lex: Coleção de Leis do Império do Brasil – 1834, v. 1, p. 15. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-16-12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html>.
Acesso em: 20 jun. 2015. A inexistência de regramento específico acerca da execução das penas no Código Penal de 1830 ou em qualquer outro diploma legislativo deu origem a uma grande lacuna no ordenamento jurídico nacional, a qual não veio a ser colmatada por qualquer lei da Província de Minas Gerais, cujos atos normativos produzidos se resumiram essencialmente a questões financeiras relacionadas à construção de cadeias. Tal fato denota, consoante apontado anteriormente, a fase de transição pela qual ainda passava o Brasil, que ainda testemunhava o lento desenvolvimento do carcerocentrismo. Além disso, a preocupação predominantemente orçamentária revela que, desde os primórdios do desenvolvimento do sistema prisional brasileiro, a reeducação dos detentos foi relegada a um papel subsidiário, haja vista a desastrosa inexistência de recursos materiais e pessoais para levar a cabo a recuperação dos presos. Em relatório apresentado no ano de 1873, o Ministro da Justiça assinala a ausência de programas de reeducação dos detentos, além da situação de superlotação e precariedade das cadeias, o que, segundo consta da exposição, estimularia a perversão dos prisioneiros e aumentaria seus vícios e a delinquência no país:
Dessa maneira, é possível relacionar parte da responsabilidade pela falência do sistema prisional brasileiro à incapacidade originária do Brasil em lidar com a questão penitenciária, que apresenta, desde o seu início, um modelo inevitavelmente falho e imerso em deficiências. É certo que muitos outros fatores e episódios ocorridos desde essa gênese contribuíram e contribuem para o atual estado do nosso sistema prisional e devem ser considerados em qualquer pesquisa a respeito dos motivos da realidade prisional brasileira. Todavia, é possível identificar, nas impropriedades e omissões do poder público ao implementar inicialmente o instituto, um fator que auxiliou para que o sistema prisional se desenvolvesse com inúmeros vícios. Nesse sentido, a legislação do Governo Provincial é bastante sintomática no sentido de indicar a ausência de estabelecimentos suficientes e adequados nos Municípios e Vilas, os quais, não obstante terem sido obrigados, desde a sua fundação, a construírem cadeias, por diversas vezes, desobedeciam a tal determinação por limitações econômicas. Nessa senda, a opção política de multiplicidade de penas do Código Penal de 1830 se justifica não só em razão do incipiente carcerocentrismo, mas da inabilidade do país em desenvolver, naquele momento histórico, uma organização penitenciária minimamente adequada, razão pela qual a expressa previsão de prisão com trabalho veio acompanhada, por exemplo, da possibilidade de sua conversão em prisão simples justamente em face da inviabilidade de construção de estabelecimentos para o cumprimento adequado da primeira modalidade de pena. Não por outro motivo também que, embora não se trate de posicionamento defendido por estes autores, compreende-se, com evidentes ressalvas, o porquê de A. Bandeira Filho (1881BANDEIRA FILHO, Antonio Herculano de Souza. A questão penitenciária no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. de J. D. de Oliveira, 1881., p. 32) destacar que a pena de morte jamais poderia ter sido excluída do Código, ainda que já se notasse, à época, a sua ineficiência e o seu caráter humanitário duvidoso, porquanto a pena de prisão ainda não era capaz de responder aos anseios de tranquilidade social da população brasileira. ConclusãoTal como se dá na atualidade, o sistema carcerário, também no âmbito da Assembleia Legislativa Provincial mineira, ocupou posição destacada na pauta de discussões da época. Era premente a implementação de uma estrutura que atendesse aos anseios de um incipiente carcerocentrismo do Código Criminal de 1830. A situação se fazia ainda mais urgente em função da impropriedade e insuficiência das unidades existentes, bem como em razão das variadas atribuições conexas igualmente precárias, a exemplo da regulamentação dos regimes de execução, a inspeção dos estabelecimentos, entre tantas outras. Apesar da afligente necessidade descrita acima, a atuação da Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais despendeu a maior fração de seu trabalho, ao tratar de matéria carcerária, a medidas para a construção de novas unidades prisionais. As normas destinadas a temáticas distintas, na área de sua competência examinada, foram arquitetadas, contudo, de forma desajustada. Assim, a Assembleia mineira acabou por ignorar tais matérias em sua atuação, prejudicando sobremaneira a implementação do sistema carcerário na Província. Importante ressaltar, adicionalmente, que o desarranjo instalado no período imperial assumiu contornos ainda mais graves quando se analisa o panorama jurídico da época, cenário esse que ganha linhas nefastas no que tange ao sistema carcerário. Do levantamento realizado acerca da normatização das Assembleias Provinciais, bem como pelos Relatórios elaborados pelos Presidentes das Províncias, constatou-se que a inexistência de um regramento legal específico acerca da matéria de execução da pena, que se perpetuaria por longo tempo, contribuiu, dentre outros fatores, para que, desde os primórdios do boom da pena de prisão, a situação carcerária estivesse relegada a um segundo plano, abandonada no campo legislativo e na efetivação de políticas públicas por parte dos governantes. Além disso, quando existente o interesse em criar dispositivos legais respeitantes à temática, a produção legislativa se circunscreveu a questões orçamentárias, voltadas primordialmente para a construção de estabelecimentos carcerários com uma estrutura minimamente adequada para o acolhimento de presos, mas, ainda assim, sem o substrato necessário para se colocar em prática o ideal de reeducação de detentos que já permeava o imaginário da sociedade. Tal situação veio a reforçar o já lacunoso tratamento da matéria, importando drásticas consequências na administração prisional. O quadro fático das cadeias durante todo o Império era instável, já que essas não atendiam aos requisitos mínimos de segurança, salubridade e higiene. Constantes, à época, relatos de superlotação nas cadeias existentes. O ambiente era pernicioso, já vigorando a ideia do cárcere como escola do crime, de modo que a estrutura não promovia o ideal de reeducação e reinserção dos condenados. As unidades funcionavam como verdadeiros depósitos de humanos que deveriam tão somente aguardar o cumprimento total de suas penas. As cadeias sequer tinham estrutura para cumprir as determinações mais básicas da lei, como a divisão dos presos por natureza do crime e modalidade de pena, além de que eram rotineiros os episódios de fuga e destruição. Toda essa conjuntura punha em xeque a efetividade de seu emprego até mesmo naquela época. Portanto, o sistema carcerário dos tempos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais viveu problemas de ordem institucional, estrutural e legal. O exercício das competências atribuídas foi tímido, o que agravou a instável situação carcerária, gerando efeitos lesivos para a administração da justiça, a segurança da sociedade e o propósito de recuperação dos detentos. REFERÊNCIAS
Datas de Publicação
Histórico
O que foi a criação das assembleias provinciais?Após a abdicação do Imperador, em 7 de abril de 1831, o Conselho de Regência promulgou Ato Adicional, em 12 de agosto de 1834, modificando a Constituição imperial e ampliando os poderes dos Conselhos Gerais, que passaram a denominar-se Assembleias Legislativas provinciais.
Quem era a favor da autonomia das províncias?As províncias não tinham autonomia e eram inteiramente subordinadas ao governo nacional. Com a emenda constitucional de 1834, conhecida como Ato Adicional, os Conselhos Gerais de Províncias foram suplantados pela Assembleias Legislativas Provinciais.
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