Quais as práticas adotadas por Nise da Silveira para tratamento e entendimento dos transtornos mentais?

Já dizia Machado de Assis que “De médico e louco todo mundo tem um pouco”. O ditado ficou famoso pelo livro O Alienista, de 1882, que faz um debate sobre a loucura. Uma frase parecida é da nordestina Nise da Silveira, grande admiradora do autor brasileiro: “Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.”

Nise Magalhães da Silveira nasceu em 1905 e ajudou a escrever e revolucionar a história da psiquiatria no Brasil e no mundo. Nascida em Maceió, Alagoas, ela ficou conhecida por humanizar o tratamento psiquiátrico e era contrária às formas agressivas usadas em sua época, como o eletrochoque.

De uma inteligência rara e inquietação gigantesca, Nise também inspirou quem conviveu com ela, como é o caso de Gonzaga Leal, artista e terapeuta ocupacional. Ele foi amigo pessoal da alagoana e afirma que "estar junto dela era objeto de amor". "A Nise, para mim, é uma grande inspiração. Ela era uma mulher de uma cultura muito superior e de uma curiosidade absurda; uma mulher que, como ela dizia, era um Lampião, no melhor sentido da coragem, de ser destemida e, além de tudo, uma nordestina; uma mulher que andava de braços colados com o seu desejo."

Quais as práticas adotadas por Nise da Silveira para tratamento e entendimento dos transtornos mentais?

Gonzaga Leal e Nise da Silveira/Arquivo Pessoal Gonzaga Leal

Inspirada em Carl Jung, um dos pais da psiquiatria, Nise foi uma das primeiras mulheres a se formar em medicina no Brasil. Em meados de 1940, ela foi pioneira na terapia ocupacional, método que utiliza atividades recreativas no tratamento de distúrbios psíquicos. A alagoana se destacou por usar a arte como uma forma de expressão e de dar voz aos conflitos internos vivenciados principalmente pelos esquizofrênicos, que tiveram suas obras expostas ao redor do mundo.

A revolucionária frequentava grupos marxistas e ficou presa por dois anos acusada de envolvimento com o comunismo. Afastada da psiquiatria, ela continuou seus estudos enquanto estava no presídio Frei Caneca. Para Mariana Sgarioni, jornalista e pesquisadora, Nise da Silveira continua atual por ter quebrado paradigmas muito à frente de seu tempo. "O legado dela como mulher, estudiosa e médica, a gente colhe até hoje. Exemplo disso é o Movimento Antimanicomial, que começou com ela. Nise era incômoda, isso incomodava muita gente, por isso que ela acaba presa e, logo depois da prisão, ela ficou meio escondida e viveu na clandestinidade durante muito tempo."

De Nise da Silveira, muitos movimentos, exposições, filmes e ocupações surgiram na resistência contra os manicômios. Um deles é a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), que luta contra o aprisionamento e a exclusão dos chamados loucos, como destaca Beatriz Viana, integrante da organização. "A Renila está com uma lema levantando a bandeira de que a democracia é antimanicomial. Não existe um modelo antimanicomial em uma situação que não seja a democrática. A luta é não só pela desconstrução dos manicômios com muros, mas da cultura manicomial, para romper o estigma que o louco tem na sociedade."

Em 1956, Nise fundou a Casa das Palmeiras, um passo na direção da luta contra os hospícios, que chegaria a seu ápice com a Lei Antimanicomial, de 2001. Do esforço da psiquiatra e de seus pacientes foi criado o Museu do Inconsciente, aberto até hoje no Rio de Janeiro junto ao Instituto Municipal Nise da Silveira, atual nome do Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro, onde a médica construiu seu projeto.

Obra de Adelina Gomes, uma das pacientes de Nise da Silveira/Acervo Museu de Imagens do Inconsciente

Gonzaga Leal conta que Nise era muito ligada ao sagrado e tinha consciência plena da finitude do ser humano. Ele lembra que a amiga queria passar os últimos dias de vida em um mosteiro. "Por ela ser uma defensora dos animais e um amor profundo pelos gatos, ela dizia sempre que queria morrer como um gato, que se recolhe e morre sozinho."

Em 15 de fevereiro deste ano, Nise completaria 113 anos, mas a sua luta reflete os avanços que a psiquiatria já alcançou e o caminho que ainda precisa trilhar. Nise da Silveira é mais do que atual, é sinônimo de resistência atemporal e expansão do pensamento, como destaca o amigo. "A Nise é uma das grandes brasileiras, ela continua vivíssima e acho que temos muitas provas da existência dela."

Para conhecer um pouco mais sobre a psiquiatra alagoana, assista ao filme Nise - O coração da Loucura, lançado em 2016 e dirigido por Roberto Berliner. Confira o trailer:

Edição: Anelize Moreira


Quais os procedimentos adotados por \Nise da Silveira no tratamento de pessoas com transtornos psicóticos?

Avessa aos eletrochoques, isolamentos, lobotomias e camisas de força, foi transferida para a área de terapia ocupacional, considerada uma repreensão.

O que Nise da Silveira usava para tratar seus pacientes?

Jung, Nise valorizava o tratamento humanizado e inseriu a pintura e modelagem em argila como técnicas de atendimento. Isso possibilitava que as pessoas se expressassem através da arte, transmitindo em cores, formas e símbolos suas angústias mais profundas, no que mais tarde foi chamado de arteterapia.

Qual método Nise adotou para tratar de forma mais humanizada os pacientes?

Foi nesse momento que Nise começou a revolucionar o tratamento de doenças mentais. Com o auxílio da então enfermeira, e depois aclamada sambista, Ivone Lara, distribuiu pincéis, tinta e telas para que os clientes – forma pela qual Nise gostava de chamar seus pacientes – pudessem se expressar através da arte.

Como Nise da Silveira compreendia o uso da arte nas práticas em saúde?

Além disso, sob a perspectiva junguiana, Nise da Silveira compreende que a pintura é instrumento de expressão do paciente para reorganizar seu mundo interno e a relação com o mundo exterior.