A distrofia de Duchenne é uma doença genética degenerativa e incapacitante que acomete apenas meninos. Sua principal característica é a degeneração progressiva do músculo, em decorrência da ausência de uma proteína.
Distrofia de Duchenne é uma doença genética de caráter recessivo, ligada ao cromossomo X, degenerativa e incapacitante. O gene defeituoso é transmitido simultaneamente pelo pai e pela mãe, que é assintomática. No entanto, cerca de 1/3 dos casos ocorre por mutação genética nova.
Veja também: Distrofias musculares
Só os meninos desenvolvem essa enfermidade, que se caracteriza pela ausência de uma proteína essencial para a integridade do músculo, que vai degenerando progressivamente.
Sintomas
A criança nasce normal, mas demora um pouco para andar. Entre dois e quatro anos, cai muito. Por volta dos sete anos deixa de correr, de subir escadas. Aos 12 anos aproximadamente, perde a capacidade de andar. Ao longo de todo esse período, ocorrem contraturas nas articulações.
O quadro de distrofia de Duchenne vai se agravando até o comprometimento atingir toda a musculatura esquelética e surgirem problemas cardíacos e respiratórios, estes últimos em virtude das alterações ocorridas no músculo diafragma e não porque os pulmões estejam afetados.
Diagnóstico
Níveis elevados de CPK (creatinofosfoquinase) podem ser detectados prematuramente nos primeiros meses de vida. O exame de sangue para análise do DNA permite o diagnóstico definitivo em 60%, 70% dos casos. Nos 30% restantes, é necessário fazer biópsia do músculo para identificar a proteína ausente.
Tratamento
A grande esperança de tratamento para os portadores da distrofia de Duchenne está no potencial das células-tronco embrionárias para formar os tecidos necessários para substituir o músculo que está se degenerando.
Enquanto isso não é possível, pode-se recorrer:
- Ao tratamento precoce com corticoides que ajudam a diminuir os processo inflamatório do músculo;
- À fisioterapia e à hidroterapia, recursos importantes para controlar a progressão da doença;
- Ao uso de aparelhos BiPAP de ventilação assistida para proporcionar maior conforto para esses pacientes.
Recomendações
- O Programa de Assistência Ventilatória Não Invasiva a Pacientes Portadores de Distrofia Muscular Progressiva do Ministério da Saúde liberou o acesso a aparelhos BiPAP para os pacientes com a doença, que devem procurar por eles na secretaria de saúde de seu estado;
- O ABDIM (Associação Brasileira de Distrofia Muscular) é uma entidade especializada no atendimento de crianças carentes com distrofia muscular, onde elas recebem os cuidados necessários para controlar a evolução da doença;
- Fisioterapia e hidroterapia, assim como aulas de arte, música e computação, por exemplo, são atividades que ajudam a melhorar a qualidade de vida dos pacientes;
- Apesar dos entraves políticos e religiosos, espera-se que, antes do tempo previsto, as pesquisas com células-tronco embrionárias mostrem como é possível fabricar músculos para substituir aqueles que estão se degenerando nos portadores da distrofia de Duchenne. Não desanimem.
Descrição Geral
Epidemiologia
A Distrofia muscular de Duchenne (DMD) é a distrofia muscular mais comum e mais grave.
- Afeta crianças do sexo masculino
- Incidência: 1 em 3.500 rapazes em todo o mundo
- Prevalência: 63 casos por milhão
Etiologia
A Distrofia muscular de Duchenne resulta de uma mutação no gene da distrofina (DMD) no braço curto do cromossoma X.
- O DMD é o maior gene humano conhecido codificador de proteínas, estando associado a um aumento do risco de mutações.
- É o padrão genético recessivo mais frequentemente herdado.
- ⅓ das mutações ocorrem a partir de uma mutação de novo em frameshift.
Fisiopatologia
Fisiologia normal:
- O gene DMD codifica a proteína da distrofina normal, essencial para a estabilidade estrutural das miofibrilas
- A distrofina forma um grande complexo
glicoproteíco (complexo de glicoproteínas associadas à distrofina):
- Atua como um vínculo mecânico entre o citoesqueleto e a matriz extracelular do músculo
- Permite a função muscular normal
Fisiologia muscular normal:
A proteína da distrofina ajuda na ligação do complexo proteico associado à distrofina (que se conecta à matriz extracelular) ao citoesqueleto da célula muscular.
Fisiopatologia da DMD:
- Mutação do gene DMD que codifica a distrofina, levando à produção de proteína da distrofina anormal
- A distrofina anormal é incapaz de formar um complexo glicoproteico funcional → ligação mecânica defeituosa entre o citoesqueleto e a matriz extracelular do músculo
- O complexo glicoproteico anormal é degradado por proteases → perda de distrofina
- Os músculos são mais suscetíveis a dano → tentativas inadequadas de regeneração muscular → substituição do músculo por tecido fibroso e adiposo
Patogénese da distrofia muscular de Duchenne:
Sem uma proteína da distrofina funcional, a célula não está adequadamente ancorada à
matriz extracelular e ao citoesqueleto celular, tornando-a suscetível a dano e morte.
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Apresentação Clínica
Apresentação
A distrofia muscular de Duchenne apresenta-se como fraqueza muscular progressiva.
- Inicialmente, os músculos proximais são afetados.
- A DMD afeta primeiro as extremidades inferiores e depois progride para o pescoço, ombros e braços.
Linha temporal:
- A miopatia está presente ao nascimento.
- Os sintomas clínicos apresentam-se aos 2 – 3 anos.
- A maioria dos pacientes perde a capacidade da marcha por volta dos 12 anos.
- Morte por insuficiência cardíaca ou respiratória por volta dos 20 anos
Evolução clínica:
- Fase de marcha inicial:
- Atraso na aquisição de capacidades motoras (por exemplo, dificuldade no controlo cefálico, início da marcha tardio)
- Dificuldade em correr e saltar
- Marcha em bicos de pé
- Descoordenação
- Fase de marcha tardia:
- Aumento da dificuldade em caminhar
- Não se consegue levantar do chão
- Dificuldade em subir escadas
- Cansaço fácil
- Fase de perda da marcha inicial:
- Incapaz de deambular, mas consegue impulsionar a marcha por curtos períodos
- Consegue manter a postura
- Início do desenvolvimento de escoliose.
- Fase de perda da marcha tardia:
- Incapaz de manter a postura
- Início do desenvolvimento de contraturas.
Achados do exame objetivo
- Marcha descoordenada
- Sinal de Gower:
- Uso dos braços e mãos como apoio para posicionamento de pé
- É consequência da fraqueza muscular proximal
- Patognomónico
- Pseudo-hipertrofia dos músculos gastrocnémios:
- Músculos grandes, mas fracos
- Consequência da substituição do músculo por tecido fibroso e adiposo
- Hipotonia e perda de massa muscular
- Escoliose e lordose lombar
- Hiporreflexia ou arreflexia
- As contraturas ocorrem frequentemente:
- Joelhos
- Ancas
- Tornozelos
- Cotovelos
Pseudo-hipertrofia dos músculos gastrocnémios na distrofia muscular de Duchenne
Imagem: “Calf hypertrophy” por Professor, Departamento de Pedodontia e Odontologia Preventiva, Faculdade Dentária BJS, Ludhiana, Punjab, India. Licença: CC BY 3.0Sinal de Gower na distrofia muscular de Duchenne: devido à fraqueza muscular proximal, recorre-se ao uso dos braços e mãos como apoio para posicionamento em pé
Imagem por Lecturio.Achados ao exame objetivo na distrofia muscular de Duchenne:
Estas são imagens de um rapaz com fraqueza muscular proximal e pseudohipertrofia dos gastrocnémios.
Desenho que mostra achados ao exame objetino na distrofia muscular de Duchenne:
Há desenvolvimento
excessivo da região gemelar (pseudohipertrofia)e braços finos. Na figura da direita, a lordose lombar é visível.
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Diagnóstico
Enzimas musculares
- ↑ CK (creatina cinase):
- Prévio ao aparecimento de sinais clínicos
- Aumento frequente de 10-20 vezes o limite superior do normal
- Níveis atingem o pico aos 2 anos e diminuem gradualmente à medida que o músculo é substituído por tecido fibroso e adiposo.
- ↑ Aldose
- ↑ AST ( Aspartato aminotransferase) e ALT (Alanina aminotransferase)
Testes genéticos
- Amplificação de sondas dependentes de ligações múltiplas (MLPA, pela sigla em inglês):
- Identificação de anomalias no gene DMD
- Principal teste de confirmação
- Sequenciação genética completa:
- Deteção de pequenas alterações genéticas
- Utilizada caso o MLPA seja negativo, mas a suspeita clínica seja elevada.
- Outras técnicas:
- PCR – reação em cadeia da polimerase
- FISH – hibridização fluorescente in situ
Biópsia muscular
- Indicada caso os testes genéticos não confirmem o diagnóstico, mas a suspeita clínica permaneça elevada.
- Achados:
- Fibras musculares necróticas de diversos tamanhos
- Substituição do músculo por gordura e tecido fibroso
- A técnica de Immunostaining revela a ausência de distrofina.
Imagem histológica da biópsia muscular na distrofia muscular de Duchenne:
Substituição significativa das fibras musculares por células adiposas (zonas a claro).
Eletromiografia (EMG)
- Raramente usada, mas pode ajudar a diferenciar a DMD de outras formas de fraqueza muscular.
- Apresenta potenciais polifásicos pequenos
Tratamento
Não existe cura para a DMD. O tratamento é principalmente de suporte e paliativo, muitas vezes orientado pelas preferências individuais.
Tratamento médico
- É necessário um cuidado multidisciplinar.
- Fisioterapia e exercício são importantes para a recuperação da força muscular e prevenção de contraturas
- Prevenção de quedas e assistência na mobilidade
- Suporte nutricional
- Rastreio da saúde mental adequado e meios de apoio
Terapêutica médica
- Corticoides (por exemplo, prednisona, deflazacort):
- Abranda a progressão da fraqueza muscular
- Atrasa a perda da marcha
- Reduz o risco de escoliose
- Melhora a função pulmonar
- O uso crónico é muitas vezes limitado por efeitos adversos
- Evitar a cessação abrupta como prevenção do aparecimento de crise adrenal
- Creatina:
- A evidência do seu uso é limitada.
- Pode apresentar um benefício discreto no atraso da progressão da doença
- Terapêutica Exon-skipping:
- Nova abordagem terapêutica genética com benefícios clínicos não comprovados
- Funciona como “molecular patches” no gene DMD anormal
- Permite a produção de proteína da distrofina mais funcional (mas não totalmente normal)
- Opções: eteplirsen, golodirsen e viltolarsen
Intervenções
- Cirurgia é indicada para alívio de tendões em contraturas
- Tratamento da escoliose
- Pode-se considerar o uso de sonda nasogástrica em doentes com disfagia significativa.
- Pode-se considerar o recurso a traqueostomia para suporte ventilatório em doentes com insuficiência respiratória
Vigilância apertada
- Avaliação e monitorização da miocardiopatia:
- ECG (eletrocardiograma)
- Ecocardiograma ou ressonância magnética cardíaca
- O tratamento respiratório inclui:
- Monitorização da capacidade vital pulmonar através de provas da função respiratória
- Estudo do sono com capnografia
Cuidados paliativos e planeamento atempado
- Os pacientes e as famílias devem ser informados sobre o prognóstico a longo prazo.
- Abordar questões de fim de vida.
- As medidas paliativas podem ser usadas em qualquer fase da doença.
Complicações
- Cardíacas:
- A fibrose do músculo cardíaco leva a:
- Miocardiopatia dilatada
- Anomalias de condução e arritmias
- As complicações cardíacas são a causa mais comum de morte.
- A fibrose do músculo cardíaco leva a:
- Respiratórias:
- O comprometimento progressivo da função pulmonar resulta
de:
- Fraqueza dos músculos da parede torácica
- Má postura do tronco em consequência de escolioses e lordoses
- A ventilação assistida é eventualmente necessária.
- Risco aumentado para pneumonia
- O comprometimento progressivo da função pulmonar resulta
de:
- Ortopédicas:
- Fraturas secundárias a quedas
- Contraturas
- Gastrointestinais:
- Disfagia
- Obstipação
- Neurocognitivas:
- O défice cognitivo é comum.
- Aumento de associação com:
- Autismo
- PHDA – Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção
- POC – Perturbação Obessivo-Compulsiva
- Ansiedade
Diagnóstico Diferencial
- Distrofia muscular de Becker (BMD): 2ª forma mais comum de distrofia muscular. A distrofia muscular de Becker pode resultar de uma mutação recessiva ligada ao cromossoma X no gene DMD. A distrofia muscular de Becker é menos grave que a DMD, resultando num aparecimento mais tardio de sintomas, numa progressão clínica mais lenta e apresenta uma maior esperança média de vida. Os níveis de creatina cinase são menos elevados e o défice cognitivo é incomum na BMD. A confirmação do diagnóstico é feita com testes genéticos. Na biópsia muscular observa-se que as fibras musculares são poupadas. A distrofina pode ser observada através da técnica de immunostaining. O tratamento é de suporte.
- Distrofia muscular facioscapuloumeral: doença autossómica dominante resultante de mutações nos genes DUX4 ou SMCHD1. Afeta tanto crianças do sexo feminino como masculino. Os pacientes apresentam fraqueza progressiva da face, escápula e músculos do antebraço por volta dos 20 anos. O envolvimento cardíaco é raro. Há uma elevação modesta na CK e o diagnóstico é confirmado por testes genéticos. O tratamento é de suporte.
- Distrofia muscular de membro-cintura (“Limb-girdle”): grupo de doenças miopáticas resultantes de vários defeitos genéticos. Afeta tanto crianças do sexo feminino como masculino. O início da doença pode variar e caracteriza-se por atrofia e fraqueza lentamente progressiva dos músculos proximais do quadril e ombro. O atingimento cardíaco não é típico. O diagnóstico de distrofia muscular de membro-cintura é confirmado por testes genéticos. O tratamento é de suporte.
- Distrofia miotónica: grupo de doenças autossómicas dominantes que podem afetar múltiplos sistemas. A distrofia miotónica pode ser congénita ou ter início na idade adulta. Os achados clínicos incluem miotonias, perda de massa muscular distal e facial, cataratas, défice cognitivo e doenças endócrinas. O diagnóstico é baseado em testes genéticos e o tratamento é maioritariamente de suporte.
- Distrofia Emery-Dreifuss: doença genética com várias formas de transmissão hereditária. A distrofia de Emery-Dreifuss caracteriza-se por fraqueza lentamente progressiva dos braços e pernas, contraturas e anomalias cardíacas na primeira ou segunda década de vida. Pode-se observar uma elevação moderada da CK. O diagnóstico é confirmado através de testes genéticos. O tratamento é de suporte e a maioria dos indivíduos não perde a capacidade de marcha.
- Atrofia muscular espinhal: grupo de doenças autossómicas recessivas que levam à degeneração das células do corno anterior da medula espinhal e do tronco cerebral. A apresentação clínica da atrofia muscular espinhal é variável. As formas mais graves de atrofia muscular espinhal podem estar presentes desde o nascimento até à infância precoce com evidência de fraqueza progressiva, atrofia muscular, atraso motor grave, atrofia e fasciculações da língua, disfagia e insuficiência respiratória. O diagnóstico é confirmado com base em testes genéticos. O tratamento é de suporte e a esperança média de vida varia conforme o tipo de doença.
Referências
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