PROCESSOnº 0020304-15.2013.5.04.0006 (RO)
RECORRENTE: GABRIEL ALVES CAMPOS
RECORRIDO: ELO SISTEMAS ELETRONICOS S.A.
RELATOR: RAUL ZORATTO SANVICENTE
1. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. ATESTADOMÉDICO. IDONEIDADE.
Afirma o reclamante que o atestado médico apresentado parajustificar sua ausência em audiência foi assinado por profissional devidamente habilitado, que atua em clínica médica. Sustentaque é despicienda a expressão "impossibilidade de locomoção" e o nome da doença, este por imperativo ético. Invoca os princípiosda verdade real e da hipossuficiência, os quais devem prevalecer. Requer a modificação da sentença para que seja reconhecidoo atestado médico como justificativa hábil à ausência, anulada a decisão e determinada a realização de nova audiência pararegular instrução do feito.
Analiso.
Regularmente intimado o autor para a audiência de prosseguimentodo dia 10 de novembro de 2014, este deixou de comparecer, informando o procurador do reclamante, na oportunidade, que a secretáriado escritório havia sido contatada pelo autor, que informou estar doente. Foi, assim, deferido o prazo de 24 horas para apresentaçãode atestado médico (ID f0a1d3c – Pág. 1). No dia seguinte, foi juntado documento no qual atesta o médico Felipe Borges Fortesda Silveira (CREMERS 28.036) ter o reclamante recebido atendimento na Clínica Center Solaris, necessitando 01 (um) dia deafastamento de suas atividades, a partir do dia 10-11-2014 (ID 47f928d – Pág. 1).
Na análise da justificação apresentada pela parte autora, registrouo Magistrado que a especialidade do médico que assina o documento (cirurgião geral, área de medicina estética) e a especialidadeda clínica (estética), conforme informações extraídas dos respectivos sítios na internet, não autorizam a considerar que oreclamante tenha sofrido de mal (diarreia) que lhe tenha impedido de comparecer em audiência, considerando, ainda, a distânciaentre a residência do autor (morador de Cachoeirinha) e a clínica particular (estabelecida em Gravataí). Aplicou ao reclamantepena de confissão ficta quanto à matéria fática e declarou encerrada a instrução (ID dba4b3d), o que motivou a apresentaçãode protesto pelo autor (ID f91adea).
A omissão no atestado médico quanto a impossibilidade do deslocamentoda parte na data de audiência, conjugada à ausência do horário de atendimento médico são dois fatores bastantes a descaracterizaro documento como justificativa válida e eficaz à ausência em audiência.
Os demais fatores elencados pelo Magistrado, em detalhada análise,da qual não escapa que a doença que afirmou sofrer o autor (diarreia) é naturalmente imprópria a longos deslocamentos; queo reclamante reside a 500 metros de uma Unidade Básica de Saúde com atendimento 24 horas; que mesmo assim preferiu se deslocara uma clínica localizada em outra cidade da região metropolitana, apontam para a ausência de verossimilhança da alegação deque buscou um atendimento médico "mais célere".
Dada a relevância desses elementos, a especialização do profissionale a especialidade da clínica (estética) em que registrado o atendimento (mesmo diante do documento ID 23fe311 – Pág. 1) apenascorroboram o convencimento deste Relator no sentido de manter a decisão do Juízo de origem.
De pontuar que os fundamentos lançados na decisão que reconheceuinjustificada a ausência do autor em audiência são bastantes em si, sendo desnecessária (e mesmo impertinente) a dilação probatóriapara a apurar a legitimidade/ilegitimidade do atestado apresentado.
Ressalto que a adoção de princípios próprios ao ramo trabalhista(como a verdade real e a hipossuficiência do trabalhador) não podem ser utilizados como escusa para conferir ares de legitimidadea toda a sorte de argumentos trazidos aos autos. São instrumentos de equilíbrio entre partes que possuem naturalmente atributosdiferentes (empregador e empregado) e devem prevalecer como corolários da ampla apuração dos fatos que decorrem do contratodo trabalho, sempre sob o olhar atento do Magistrado, a quem cumpre coibir o uso abusivo e em momento impróprio.
A declaração de confissão do autor quanto às matérias de fato, diantedo que ora examinado, não viola o contraditório e a ampla defesa, pois assegurada a utilização dos meios e recursos inerentes,respeitada a legislação pertinente, o ônus de comparecimento aos atos processuais e a lealdade processual.
Não verifico, por outro lado, violação ao artigo 5º, inciso LIV,da CF, inexistindo hipótese de privação de liberdade no caso em exame.
Inexiste, assim, a nulidade arguida pela parte.
2. CONFISSÃO FICTA
O autor discorre sobre as hipóteses em que autorizada aconfissão ficta. Sustenta que não pode ser reputado confesso, pois deduziu pretensões. Afirma que a consequência para o descumprimentodo dever de comparecimento em audiência é, tão somente, aquela que consta do artigo 844 da CLT. Recorda que esteve na audiênciado dia 11 de março de 2014, o que demonstra inequívoca exteriorização do ânimo de prosseguir com o feito e de produzir provasaté o julgamento de seus pedidos. Requer seja reformado o entendimento que o reputou confesso quanto à matéria de fato.
Sem razão.
Não obstante a confissão ficta decretada pela ausência da parteautora em audiência, a análise das pretensões não dispensa o exame da causa de pedir, da contestação e das provas produzidaspelas partes, à luz das regras do ônus da prova. Esse o sentido da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:
"SUM-74 CONFISSÃO (nova redação do item I e inserido o item III à redaçãoem decorrência do julgamento do processo TST-IUJEEDRR 801385-77.2001.5.02.0017) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30e 31.05.2011
I – Aplica-se a confissãoà parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor.(ex-Súmula nº 74 – RA 69/1978, DJ 26.09.1978)
II – A prova pré-constituídanos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando cerceamento dedefesa o indeferimento de provas posteriores. (ex-OJ nº 184 da SBDI-1 – inserida em 08.11.2000)
III- A vedação à produçãode prova posterior pela parte confessa somente a ela se aplica, não afetando o exercício, pelo magistrado, do poder/deverde conduzir o processo."
Descabe a aplicação do artigo 844 da CLT, por adoção aoentendimento da Súmula n. 9 e da supra referida Súmula n. 74, I, do TST.
De atentar o recorrente que o ânimo de prosseguir com a demandaem nada modifica a necessidade de comparecimento em audiência para os fins do que expressam os artigos 342 e 343 do CPC, deaplicação subsidiária ao processo do trabalho por força do artigo 769 da CLT, hipótese em que assegurada à parte contráriao questionamento sobre os fatos controvertidos trazidos pelo autor ao processo. Aquele que deixa de comparecer à audiênciade forma injustificada (se nega a responder, ou silencia) acaba por impedir a plena defesa da parte contrária.
A confissão ficta da parte ausente, de outra banda, não impede oMagistrado de analisar as demais provas trazidas aos autos e de fazer uso do seu poder/dever de conduzir o processo, quandoulteriores esclarecimentos se mostrarem necessários.
Face ao exposto, mantenho a confissão ficta do autor declarada peloMagistrado e nego provimento ao apelo, no aspecto.
3. HORAS EXTRAS. REGISTRO DE JORNADA.VALIDADE.
Sustenta o autor que a ré faz uso de controle de horárioque não permite o registro de todas as horas extras trabalhadas, não podendo ser reputado válido. Aduz que a sutil variaçãonos registros é expediente aprimorado para burlar a lei, equiparando-se a registros britânicos, devendo prevalecer a Súmulan. 338 do TST, invertendo-se o ônus da prova da jornada realizada. Requer, assim, a reforma da sentença para declarar a invalidadedos registros apresentados e, consequentemente, deferir a jornada e a frequência descritas na exordial, inclusive a dobraem domingos e feriados laborados, intervalos intrajornada e reflexos.
Analiso.
Não obstante os argumentos do autor, os registros apresentados pelaré não contêm indícios de irregularidades a afastar a legitimidade como prova da jornada laborada. Os cartões-ponto (ID 2001547)contemplam anotações não uniformes, consignando início do labor às 7h40min, às 7h31min, às 7h45min, às 8h26min, do que concluonão haver, propriamente, a variação sutil alegada pela parte autora. Da mesma forma, nas saídas, os registros apontam batidasàs 19h03min, às 17h28min, às 18h52min, 17h29min, o que, além de comprovar a realização de horas extras em diversas ocasiões,desqualifica a tese do autor de que estava impedido de registrar a totalidade da sua jornada laboral.
Concluo, na esteira da sentença, que os documentos apresentadospela parte demandada comprovam a real jornada do reclamante, pois contêm registros com variações de entradas e saídas significativase não uniformes, prevalecendo como prova do que trata o artigo 74, § 2º, da CLT. Descabe, assim, a aplicação do entendimentopresente na Súmula n. 338, I in fine e II, do TST.
Por idênticas razões afasto a invalidade dos registros quanto aosintervalos intrajornada – a partir dos quais considerou o Juízo recorrido que devem ser apuradas diferenças.
Mantenho, assim, a sentença que declarou a validade dos registrosa comprovar a real jornada trabalhada pelo autor e condenou a ré ao pagamento de diferenças pelo labor extraordinário em caráterhabitual, na forma da Súmula n. 85, IV, do TST.
Nada a prover.
PREQUESTIONAMENTO
Todas as questões apontadas pelas partes foram apreciadas e julgadas,tendo sido pronunciada tese explícita. Assim, não incorre a presente decisão em violação aos dispositivos legais e constitucionaisinvocados pelas partes, ainda que não expressamente consignados na decisão, os quais foram examinados de forma integral, considerando-seprequestionados, na forma da Orientação Jurisprudencial n. 118 da SDI-I do TST.
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