Quais são os possíveis efeitos adversos frente a uma sobredosagem de anestésicos locais?

revisâo

Anestésicos Locáis: Como Escolher e Previnir Complicaçôes Sistémicas

Ricardo Wathson Feitosa de Carvalho*; Carlos Umberto Pereira**; Edvaldo Dória dos Anjos***; José Rodrigues Laureano FiLho****; Belmiro Cavalcanti do Egito Vasconcelos*****

*Especialista em Cirurgia e TraumatoLogia Buco-Maxilo-Facial pelo Hospital Universitário OswaLdo Cruz, Faculdade de Odontologia, da Universidade de Pernambuco - HUOC/FOP/UPE. Bolsista da FACEPE.

**PhD. Professor Adjunto da Disciplina Neurocirurgia da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Sergipe - UFS. ***MsC. Professor da Disciplina Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da Universidade Tiradentes - UNIT. ****PhD. Coordenador dos Programas de Pôs-Graduaçâo da FOP/UPE. Professor Adjunto da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia, da Universidade de Pernambuco - FOP/UPE.

*****PhD. Coordenador dos Programas de Mestrado e Doutorado em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da FOP/UPE. Professor Adjunto da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia, da Universidade de Pernambuco - FOP/UPE.

(Carvalho RWF, Pereira CU, Anjos ED, Laureano Filho JR, Vasconcelos BCE. Anestésicos Locais: Como Escolher e Previnir Complicaçôes Sistémicas. Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac

2010;51:113-120]

Key-words:

Anesthesiology; Local anesthesia; Systemic complications

Palavras-Chave:

Anestesiología; Anestesia local; Complicaçôes sistémicas

Abstract: The discovery of substances that cause a loss of sensitivity was a benchmark in the history of medicine and dentistry and is considered one of the ten most important discoveries in medicine. Such substances allow performing surgical procedures without pain, which had previously been considered an unachievable ideal in academic circles. One of the most frequent errors in dentistry is systematically employing the same local anesthetic. Dentists should choose an anesthetic solution based on the patient and procedure to be carried out. Prevention is the best treatment for systemic complications stemming from local anesthesia and is achieved through an adequate anamnesis and physical exam, which allow choosing the safest anesthetic solution for each specific case. The aim of the present study was to carry out a literature review on local anesthetics, providing readers with information to guide them in the choice and amount of anesthetic solution, thereby preventing the occurrence of systemic complications.

Resumo: Na história médico-dentária, a descoberta de substancias que causam perda da sensibilidade foi um marco, sendo considerada uma das dez maiores descobertas da medicina, possibilitando a realizacao de procedimientos cirúrgicos sem dor, fato que até entao era considerado uma utopia nos meios académicos. Um dos erros mais importantes e frequentes na prática odontológica consiste em empregar-se de forma sistemática o mesmo anestésico local. O profissional deve escolher a solucao anestésica de acordo com o paciente e procedimento que irá realizar. O melhor tratamento para as complicacoes sistémicas advindas da anestesia local, sem dúvida nenhuma é a prevencao, através de uma boa anamnese e exame físico, escolhendo o sal anestésico mais seguro para cada caso específico. Esse estudo tem como objectivo, realizar uma revisao de literatura acerca dos anestésicos locais, fornecendo ao leitor, informacoes que orientarao quanto a escolha e quantidade da solucao anestésica, prevenindo a ocorrencia de complicacoes sistémicas.

introducao

Correspondência para: Ricardo Wathson Feitosa de Carvalho

Sem dúvida nenhuma a descoberta de subs-tâncias que causam perda da sensibilidade, foi um dos maiores marcos da história médico-dentária, possibilitando a realizaçao de procedi-

mientos cirúrgicos sem dor, fato que até entao era considerado uma utopia nos meios académicos.

A crescente demanda de fármacos utilizados em clínicas, consultórios e ambulatórios,

fizeram com que fosse necessária uma atencao constante com a terapéutica medicamentosa nos cursos de formacao em Medicina Dentária111.

Com o objetivo de fornecer base científica actualizada, esta obra fornecerá ao leitor, informacoes que orientarao quanto a escolha da solucao anestésica, prevenindo a ocor-réncia de complicacoes sistémicas.

como agem os anestesicos locais

Os anestésicos locais sao substancias químicas que, em contacto com a fibra nervosa, interrompem todas as modalidades de influxo nervoso. Quando aplicados em terminacoes nervosas ou em troncos nervosos condutores de sensibilida-de, bloqueiam transitoriamente a transmissao do potencial de accao em todas as membranas nervosas excitáveis121.

Os anestésicos locais, após serem injectados, efectu-am inicialmente sua accao clínica e depois sao absorvidos. Entram na corrente sanguínea e se distribuem por todos os compartimentos131. Portanto o sistema nervoso central (SNC) e o sistema cardiovascular (SCV) sao especialmente suscep-tíveis as suas accoes.

sais anestesicos

Os sais anestésicos locais sao classificados de acordo com a estrutura química de sua cadeia intermediária em tipo éster ou amida. A molécula de um típico anestésico local é dividida em trés partes: um grupo aromático, uma cadeia intermediária e um grupo terminal de amina secundária ou terciária.

Existem dois grupos de anestésicos locais com características químicas e com poder de sensibilizacao alérgica diferentes. Os ésteres do ácido benzóico, em que um dos seus produtos metabólicos, o ácido paraaminobenzóico, é capaz de produzir sensibilizacao. E os amidas, que tém raro poder de sensibilizacao e nao produzem ligacoes cruzadas entre si(4).

Os sais anestésicos para uso odontológico mais comum-mente encontrados no Brasil sao a lidocaína, prilocaína, arti-caína, mepivacaína e a bupivacaína, todos do tipo amida(5).

como escolher o sal anestésico

diz respeito a escolha do anestésico local161.

Malamed131 aponta o intervalo de tempo necessário para o controle da dor, possibilidade de desconforto no período pós-operatório, possibilidade de auto-mutilacao no período pós-operatório, necessidade de hemostasia durante o tratamento e o estado clínico do paciente como importantes factores a serem considerados na seleccao do anestésico local.

A maior dúvida na seleccao de um anestésico local nao está relacionada a base anestésica, mas a quantidade e a qualidade dos vasoconstritores171, que apresentam maiores efeitos adversos e contra indicacoes.

vasoconstritores: quando e qual usar

Aspectos como a necessidade ou nao de cirurgia, tempo cirúrgico, técnica anestésica e potencial de possíveis reaccoes tóxicas locais e sistémicas devem ser considerados no que

Na Medicina Dentária moderna é difícil atingir o controle adequado da dor sem a inclusao do vasoconstritor nas solu-coes anestésicas locais. Este está contra-indicado somente pelo estado clínico do paciente ou em uma necessidade de execucao de tratamento de duracao curta(1).

O uso de vasoconstritores pode gerar efeitos adversos em pacientes que fazem uso de antidepressivos tricíclicos, antagonista p-adrenérgicos, anestésicos voláteis, cocaína e outros produtos vasoconstritores(8).

Os vasoconstritores mais utilizados em associacoes com as solucoes anestésicas locais sao: a adrenalina (epinefrina), noradrenalina (noraepinefrina), levonordefrina, fenilefrina e a felipressina(9).

A adrenalina é uma amina simpaticomimética que actua nos receptores a e p-adrenérgicos, sendo que o efeito p é mais significativo. Sua accao é bastante expressiva no miocárdio. Actua no SCV aumentando a pressao sistólica e diastólica, aumentando o débito cardíaco, o volume sistólico, a frequéncia cardíaca, a forca de contraccao e o consumo de O2 pelo miocárdio(10).

A dose máxima de adrenalina, por sessao, em paciente saudável é de 0,2mg, já para pacientes cardiopatas a dose máxima é de 0,04mg, por sessao. Complicacoes sérias se desencadeiam com doses acima de 0,5mg, sendo que doses acima de 4mg sao letais. Em pacientes portadores de hiper-termia maligna a dose máxima de adrenalina a ser administrada é 0,1mg(3).

A noradrenalina, quando utilizada, precisa ser usada com o dobro da concentracao daquela com a adrenalina para se obter efeitos similares(11). Em quantidades fisiológicas (0,5|jg/ Kg), favorece o aparecimento de respostas mediadas principalmente pelos receptores alfa-adrenérgicos, com elevacao da pressao arterial sistólica, diastólica com bradicardia refle-

xa, em consequéncia do reflexo vagal(12).

A dose máxima de noradrenalina, por sessao, em paciente saudável é de 0,34mg, já para cardiopatas a dose máxima é de 0,14mg, por sessao.

A levonordefrina possui accao semelhante a adrenalina, apresentando uma maior estabilidade e menor poténcia, quando administrada em igual concentracao(13).

A fenilefrina tem poténcia bastante reduzida, se comparada a adrenalina, razao pela qual justifica o seu uso habitual na concentracao de 1:25.000. Promove, como accao directa, a vasoconstriccao periférica, por atuacao nos receptores alfa-adrenérgicos.

A felipressina, geralmente associada a prilocaína, possui um efeito local, em que nao actua nos receptores do SN simpático. Apresenta accao ocitócica e antidiurética, contraindicando a gestantes. Pode ser administrada em pacientes com hipertireoidismo, sem maiores problemas, por nao ser uma catecolamina(14).

É um análogo sintético da hormona antidiurética, a vaso-pressina, possuindo accao vasoconstritora inferior a adrenalina e a noradrenalina. Nao apresenta efeito no miocárdio e nao é arritmogénica(15).

Por actuar na musculatura lisa vascular, nao possui um bom efeito hemostático, nao sendo indicado seu uso quando se busca hemostasia. O efeito primário da droga, quando utilizada em doses típicas do anestésico local, é a vasoconstriccao sem outra resposta cardiovascular significante(16).

Neder et al.(17) consideram a associacao prilocaína a 3% com felipressina a 0,03UI segura para a utilizacao em pacientes hipertensos.

Em gestantes, é recomendado o uso de lidocaína com vasoconstritor. Os anestésicos locais podem atravessar a barreira placentária, mas geralmente nao sao prejudiciais, a nao ser que sejam administradas quantidades excessivas(8).

dosagem maxima recomendada

Souzal18) em pesquisa de investigaçao clínica da intoxica-

Substancia Anestésica Dose (mg/Kg) Dose Máxima (mg)

Bupivacaína 1,3 mg/Kg 90 mg

Lidocaína 4,4 mg/Kg 300 mg

Mepivacaína 4,4 mg/Kg 300 mg

Prilocaína 6 mg/Kg 400 mg

Articaína 7 mg/Kg 500 mg

cao sistémica por anestesia local, adverte quanto a necessi-dade de uma rígida observancia no que se refere a utilizacao da dose terapéutica máxima para cada tipo de sal anestésico empregado e para cada paciente.

As doses máximas sugeridas pelos fabricantes pressu-poem sua administracao em indivíduos saudáveis (Tabela 1). O mesmo uso em indivíduos debilitados, criancas, idosos ou sob uso de determinadas medicacoes denota a necessidade de reducoes da dose total(19).

A dose máxima de lidocaína a 2% recomendada pelos fabricantes é de 4,4 mg/kg, sem ultrapassar 300mg(3). A dose máxima de prilocaína a 3% com felipressina é de 6 mg/Kg, sem ultrapassar 400mg(3), ou sete anestubos para indivíduos saudáveis normais.

A dose aceitável de mepivacaína na presenca ou nao de um vasoconstritor é de 4,4 mg/Kg, ao máximo de 300 mg(3). Já a dosagem máxima da articaína a 4% recomendada é de 7 mg/kg de peso, sem ultrapassar 500mg e dose de 5 mg/ kg em criancas entre 4 e 12 anos(20).

O efeito da bupivacaína pode se prolongar por 12 horas. Doses totais em indivíduos adultos saudáveis normais nao devem ultrapassar 1,3 mg/Kg, nao devendo ultrapassar 90mg. Estas doses podem ser repetidas a intervalos de 3 horas, até um máximo de 400mg em 24 horas(6).

Alguns autores questionam a validade e a lógica da reco-mendacao da dosagem máxima pelos fabricantes nao leva-rem em consideracao factores como a variacao de absorcao em diferentes localizacoes topográficas ou características inerentes de cada paciente, como idade e presenca ou nao

de doenca(21).

calculo da dosagem anestésica

Tabela 1 - Dose Anestésica Máxima

É muito comum nos dias actuais, tanto no meio académico, como também entre os profissionais, a dúvida quan-to ao número de anestubos que podem ser utilizados por sessao. O fato que determina o limite máximo a quantidade de anestubos que podem ser utilizados é a solucao anestésica ou o vasoconstritor nela contida, bem como suas doses máximas, talvez sejam estas as razoes das dúvidas

constantes(22).

Para calcular correctamente as doses anestésicas locais é necessário ter conhecimento do peso do paciente, a concentracao do sal anestésico, a concentracao do vasoconstritor, e as doses máximas para cada um deles(22). As tabelas 2 e 3 explicitam como calcular a dosagem anestésica máxima.

Paciente Saudável Paciente Cardiopata

Dose máxima de adrenalina Dose máxima de adrenalina

0,2mg [por sessao) 0,04mg [por sessao)

0,2mg - 0,018 [adrenalina 0,04mg - 0,018 [adrenalina/

tubete) 11 anestubos tubete) 2 anestubos

Tabela 2 - Cálculo da Quantidade de Anestubo levando em consideracao as

Doses Máximas de Adrenalina 1:100.000.

Prilocaína a 3%

3% = 3g em 100ml

Dose máxima de prilocaína 3g = 3.000mg

para pacientes de 70 kg: 3.000mg em 100ml

30mg/ml

- 6mg/kg com máximo 0,04mg - 0,018 [adrenalina/

de 400mg tubete) 2 anestubos

6mg - 1 kg 30 mg - 1 ml

Xmg - 70 kg Y mg - 1,8 ml [1 tubete)

X = 420mg Y = 54mg por anestubo

54mg - 1 anestubos

[máximo 400mg) 400mg - Z anestubos

Z = 7,4 anestubos

Tabela 3 - Cálculo da Quantidade de Anestubo levando em consideracao o Sal Anestésico.

previnir complicacoes sistemicas

A toxicidade causada pelos anestésicos locais deve-se, na maioria dos casos, a injeccao intravascular acidental e a admi-nistracao extravascular excessiva, podendo variar de acordo com o nível de absorcao, redistribuicao tecidular e metabolismo da droga ou a potencia intrínseca do anestésico1231.

O nível plasmático da droga está na dependencia da velocidade de absorcao, distribuicao e eliminacaol3). A injeccao intravascular pode ocorrer em todos os tipos de técnica anestésica local. As vias infiltrativas, intra-óssea, intrabucal e bloqueios possuem uma alta taxa de ocorrencia. Estudos clínicos demonstram que os vasos sanguíneos sao atingidos em uma frequencia de 3,2 a 19%l24), sendo o bloqueio do nervo alveolar inferior a técnica com maior taxa de aspiracao positiva, 10 a 15%l3).

Como factores predisponentes para o desencadeamento de reaccao de sobredosagem, estao os correlacionados ao paciente e ao agende e via que será administrado. Dentre os

factores relacionados ao paciente, enquadram-se a idade, peso, género, genética, presenca de doenca e uso concomitante de outras drogas. Já os factores relacionados a droga, estao a vasoatividade, concentracao, dose, presenca de vaso-constritor, via e velocidade de administracaol3).

Um sinal sistémico clássico de toxicidade é uma dormen-cia perioral. Entretanto, se esse é o efeito desejado do bloqueio anestésico, os sinais adicionais precisam ser reconhecidosl8).

Outros sinais clínicos incluem taquicardia, hiperten-sao, sonolencia, confusao, tinido e gosto metálico. Os sinais progressivos incluem tremores, alucinacoes, hipotensao e bradicardia. Os sinais tardios incluem inconsciencia, convul-soes, disritmias, parada respiratória e circulatórial8).

As reaccoes adversas aos anestésicos locais podem ser de dois tipos: farmacológica [A] e idiossincrática [Bj. As reaccoes do tipo A sao dose-dependentes e previsíveis segundo a farmacologia das drogas. Já as idiossincráticas, tipo B, sao reaccoes diferentes da esperada ao administrar o fármaco, sao mais raras, entretanto sao mais sérias, pois nao podem ser previsíveis pela farmacologia das drogasl25).

As principais complicacoes advindas da anestesia local sao a lipotímia, síncope, angina pectoris, hipotensao postural, broncoespasmo, reaccao anafilática, e o infarto do miocárdiol26).

A lipotímia e síncope sao dois termos muito confundidos na suas definicoes, sendo até mesmo tratados como sinónimos. A lipotímia é caracterizada clinicamente por uma sensacao angustiante e eminentemente de desfalecimento, com palidez, suores, zumbidos auditivos e visao turva, sendo que raramente ocorre perda de consciencia. Já a síncope é definida como a perda repentina da consciencial27).

Dentre as complicacoes sistémicas, o choque anafilático é a manifestacao mais grave e que habitualmente provoca a morte do paciente, pela falta de preparo por parte do profis-sional e de socorro adequadol28).

A toxicidade dos anestésicos locais envolve essencial-mente o SNC e o SCV. A toxicidade sistémica se caracteriza inicialmente por excitacao com convulsoes tónico-clónicas e por último depressao do SNCl29). Níveis sanguíneos da lido-caína acima de 7,5 e 10 mcg/ml, comummente provocam convulsao e colapso cárdio-respiratório, respectivamentel3).

A administracao de anestésicos locais associados a vaso-constritores adrenérgicos nao deve ser indicada a pacientes hipertensos que fazem uso de medicacao anti-hipertensiva do tipo beta-bloqueadores nao-seletivos ou diuréticos nao caliu-réticos, pois estes pacientes podem estar mais susceptíveis a possíveis precipitacoes de episódios hipertensivos motivados por estes vasoconstritoresl30).

A síndrome da Hipertermia Maligna (HM) é um distúrbio

metabólico grave, que ocorre em indivíduos geneticamente susceptíveis. Shinohara et al.(31) afirmam que, apesar de os anestésicos do tipo amida serem apontados por diversos autores como indutores em potencial da HM, os mesmos podem ser utilizados sem maiores problemas em pacientes susceptíveis à HM na prática clínica de rotina.

Apesar da efectividade e segurança dos anestésicos locais, a anestesia ainda é a maior causa de medo e ansiedade nos pacientes. O stress, uma manifestaçao psicossomática da ansiedade e do medo, pode provocar aumentos na libe-raçao endógena de adrenalina de até 40 vezes o nível usual, causando comportamento disruptivo, episódios de síncope e reacçôes psicogénicas(3).

A prilocaína, em altas doses, conduz o paciente a metahe-moglobinemia, provocando alteraçôes no transporte sanguíneo do oxigénio. Porém, apesar de alguns autores apontarem que a metahemoglobinemia se instala sempre que mais de 1 % da hemoglobina passa para a forma férrica, estudos mais recentes apontam esse valor em torno de 20%, o que torna tal fenómeno de mais difícil ocorrência1321.

Dentre os anestésicos que pode causar um episódio de metahemoglobinemia, estâo a prilocaína, articaína e a benzocaínaM.

Meechan et al.(33) em estudo clínico com utilizaçao das soluçôes anestésicas lidocaína com adrenalina (1:80.000) e prilocaína a 3% com felipressina a 0,03UI/ml em pacientes com transplante cardíaco, concluem que os efeitos cardiovasculares em pacientes transplantados sao dependentes do tipo de soluçao anestésica, apontando a prilocaína a 3% com felipressina a 0,03UI/ml como soluçao ideal a esses pacientes.

Tem-se relatado reacçôes alérgicas aos componentes de conteúdo de anestubos anestésicos locais (Tabela 4), o bissul-feto de sódio (antioxidante) e o preservativo metilparabeno. Os parabenos sao incluídos como agentes bacteriostáticos em muitas drogas de múltiplo uso, em cosméticos e em alguns alimentos111, estando, no Brasil, presentes em todas as soluçôes anestésicas envasadas em anestubo de plástico.

Os anestésicos locais, por serem mais largamente utilizados, sao considerados erroneamente os que mais provocam reacçôes alérgicas em Medicina Dentária(8).

A reacçao alérgica se desencadeia com a exposiçao a

Componentes de um Anestubo de Anestésico Local

Anestésico Local Metabissulfito de Sódio Cloreto de Sódio

Vasoconstritor Metilparabeno Água Estéril

determinado alergeno, podendo ser leve e tardia, até reac-coes rápidas e letais. Clinicamente pode-se observar urti-cária, prurido, pápulas, broncoespasmo, edema de faringe, hipotensao arterial e anafilaxia, sendo mais comuns as reac-coes dermatológicas localizadas(27).

A articaína, anestésico local mais recente, é classificado como amida, porém apresenta ligacoes amida e éster, tendo, potencial de causar reaccao alérgica aos pacientes sensíveis ao enxofre (sulfa)(8).

Na dúvida de se o paciente é alérgico ou nao ao fármaco, deve-se considerar todos pacientes como alérgicos, sempre tendo drogas de emergéncia, equipamentos e treino para conduzir tais complicacoes.

Como nao está disponível um anestésico local que preen-cha todas as necessidades clínicas, o profissional deve conhe-cer as propriedades, vantagens e desvantagens das drogas, elegendo a solucao anestésica ideal para cada caso(3435).

utilizaçao em pacientes

com distúrbios sistEmicos

Tabela 4 - Componentes de um Anestubo de Anestésico Local

Tenis(1) em estudo que avaliou o conhecimento científico de alunos de graduacao em relacao a aplicabilidade clínica dos anestésicos locais frente a pacientes com distúrbios sistémicos como diabetes, asma e hipertireoidismo, enfatiza a grande difi-culdade e inseguranca na escolha da droga de indicacao ideal.

Ribas e Armonia(9) afirmam que 75% dos cirurgioes-dentistas brasileiros nao realizam habitualmente a tomada da pressao arterial de seus pacientes e, em 60,38% dos casos, preferem anestésicos locais sem vasoconstritores nos pacientes hipertensos.

Pacientes com distúrbios cardiovasculares podem apre-sentar problemas quanto a execucao de procedimentos odontológicos de rotina. A hipertensao arterial sistémica é o mais frequente, atingindo entre 15 e 20% da populacao adulta(9).

A utilizacao de anestésicos locais com vasoconstritores em pacientes asmáticos nao é contra-indicado. Na realidade, a adrenalina até poderia ter uma accao benéfica por sua accao sobre os receptores p2 (broncodilatacao)(1).

Apesar de pacientes asmáticos serem considerados como parte de um grupo de risco para reaccoes alérgicas a anestésicos locais por cirurgioes-dentistas e médicos, sua accao como factor predisponente ainda é discutível. A alergia a bissulfitos ou metassulfitos de sódio é muito comum nesse tipo de pacientes, especialmente nos asmáticos dependentes de corticosteróides(36).

Pacientes medicados com inibidores da monoamino-

oxidase correm risco de hipertensao quando recebem a feni-lefrina ou drogas simpatomiméticas, assim como aqueles com hipertireoidismo, diabetes melitus, distúrbios cardíacos e os submetidos a accao de drogas anorexígenas e antidepressivasl37).

O hipertireoidismo apresenta como contra-indicacao a utili -zacao de adrenalina como vasoconstritor. O mesmo acontece com o paciente que está recebendo anestésico geral alogenado, os quais sensibilizam o miocárdio e desencadeiam arritmias cardíacas. Nesses pacientes, o vasoconstritor mais recomendado é a felipressina, com excepcao de pacientes grávidal1).

Em um paciente jovem insulino-dependente, se o profissio-nal suspeitar do nao diagnóstico ou de um paciente descompensado, nao deve realizar o tratamento electivo odontológico. Já um paciente insulino-dependente compensado, pode ser tratado como um paciente normal da rotina do tratamento odontológico. O anestésico local deve ser recomendado em associacao com a adrenalina a 1:200.000l2).

O potencial de interaccoes entre diversos fármacos e os vasoconstritores é frequente. Arritmias cardíacas, alteracoes na pressao arterial e na frequencia cardíaca sao observadas com administracoes de doses de adrenalina, noradrenalina e levo-nordefrina, em pacientes usuários de antidepressivos tricíclicos, fármacos bloqueadores neuronais adrenérgicos e halotanol38).

utilizacao em pacientes pediátricos

Hirata et al.l39) em estudo com o objectivo de estabelecer os factores que determinam os volumes máximos em ml de anestésicos locais a serem administrados em odontopedia-tria, apontam a idade, o peso e a superfície corporal como os principais factores a observar com a finalidade de cálculo de dosagem anestésica.

Geralmente, nao se requer da indústria farmacéutica a realizacao de testes de drogas na populacao pediátrica; portanto, as dosagens máximas das drogas sao frequente-mente desconhecidas. Além disso, a indústria farmaceutica tem relutancia em recomendar doses pediátricas máximas de uma droga devido as variacoes em idade e pesol8). Duas fórmulas padroes podem ser usadas para calcular a dosagem pediátrica das drogas: as regras de Young e de Clark [Figuras 1 e 2)l22).

É fácil exceder a dose máxima de anestésico local em um paciente pediátrico. O clínico necessita ser especialmente atento se, por exemplo, uma crianca requer a extraccao de vários dentes em diferentes quadrantes. Se todos forem extraídos numa mesma sessao, o clínico deve ser muito cuidadoso com a quantidade de anestésico local administrado. Outro aspecto

Figura 1 - Regra de Young

Figura 2 - Regra de Clark

a ser levado em consideracao sao os vasoconstritores, que limitam a absorcao do anestésico local pela vasculatura e, dessa forma, diminuem os efeitos sistémicos, permitindo um aumento na dose.

O anestésico local mais seguro de se usar no paciente pediátrico é a lidocaína 2%, com adrenalina 1:200.000l2). Um método simples de lembrar a dose pediátrica de lidocaína 2% com ou sem vasoconstritor é usar um anestubo para 9,09Kgl8).

O potencial de desenvolver toxicidade é maior para os pacientes pediátricos e geriátricos. Os mais idosos porque geralmente fazem uso de outros fármacos que podem gerar reaccao adversa e seu metabolismo basal é mais lentol8).

conclusoes

A indústria farmaceutica desenvolveu-se muito nas últimas décadas, porém ainda nao existe um anestésico ideal ou melhor. Assim o profissional deve escolher o anestésico local, dentre os diversos tipos disponíveis do mercado, aquele que é mais indicado de acordo com seu paciente e procedimento que irá realizar.

Todos os profissionais que realizam anestesia local estao passíveis de se depararem com uma complicacao sistémica, assim é de fundamental importancia o conhecimento da farma-cocinética e farmacodinamica das drogas injectadas, assim como as dosagens máximas, contra indicacoes e conduta frente a uma emergencia médica.

AGRADECIMENTOS Fundacao de Amparo a Ciencia e Tecnologia do Estado de Pernambuco, FACEPE - Brasil. Programa de Bolsa de Fixacao de Técnico de Apoio a Pesquisa - BTF. Processo n°.: BFT-0102-4.02/08

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Quais os sintomas da superdosagem de anestésicos locais?

A intoxicação anestésica através de doses elevadas de anestésicos locais (ALs) pode ser caracterizada por sinais clínicos tais como o formigamento dos lábios e língua, distúrbios visuais, zumbidos, abalos musculares, convulsões, inconsciência, coma, parada respiratória e depressão cardiovascular (CARVALHO, 1994).

São complicações associadas à administração de anestésicos locais?

Na literatura, os principais relatos de complicações e acidentes relacionadas à administração de anestésicos locais incluem: Hipersesibilidade; Intoxicação; Dor à injeção; Queimação à injeção; Trismo; Infecção; Edema; Hematoma; Enfisema; Xerostomia; Transtornos oculares; Isquemia da pele da face; Náuseas e vômitos; ...

O que aumenta o risco de toxicidade dos anestésicos locais?

A hipóxia e a acidose potencializam a toxicidade dos anestésicos locais, principalmente dos agentes de longa duração.

Quais são os efeitos dos anestésicos?

Os anestésicos locais bloqueiam a ação de canais iônicos na membrana celular neuronal, impedindo a neurotransmissão do potencial de ação. A forma ionizada do anestésico local liga-se de modo específico aos canais de sódio, inativando-os e impedindo a propagação da despolarização celular.