Qual a diferença entre sexo e genero

O que está em causa não é um aspecto secundário, mas referências culturais fundamentais relativas à dualidade sexual

Tem sido noticiada a proposta dos partidos de esquerda para que na redacção do artigo 13.º da Constituição da República, onde se consagra o princípio da igualdade e não discriminação e se faz referência ao sexo como um dos motivos de discriminação arbitrária, essa palavra seja substituída por género. Tornou-se corrente, na verdade, a expressão igualdade de género para designar algo que anteriormente era designado como igualdade entre sexos ou igualdade entre homem e mulher. Não se trata, no entanto, de uma simples e anódina actualização linguística. É bom alertar para o alcance ideológico da modificação: exigem-no a honestidade e transparência próprias de uma democracia autêntica. Uma questão fracturante está longe de merecer o consenso alargado próprio de um texto constitucional.

Estamos perante uma agenda de afirmação ideológica. Está em causa a afirmação da chamada ideologia do género (gender theory) e a sua tradução no plano legislativo. Parte esta teoria da distinção entre sexo e género. O sexo representa a condição natural e biológica da diferença física entre homem e mulher. O género representa uma construção histórico-cultural. Há apenas dois sexos: o masculino e o feminino. Há cinco géneros (ou até mais, de acordo com outras versões): o heterossexual masculino e feminino, o homossexual masculino e feminino e o bissexual. O sexo é um facto empírico, real e objectivo que se nos impõe desde o nascimento. A identidade de género constrói-se através de escolhas psicológicas individuais, expectativas sociais e hábitos culturais, e independentemente dos dados naturais. Para estas teorias, o género assim concebido deve sobrepor-se ao sexo assim concebido. E como o género é uma construção social, este pode ser desconstruído e reconstruído. As gender theories sustentam a irrelevância da diferença sexual na construção da identidade de género e, por consequência, também a irrelevância dessa diferença na relações interpessoais, nas uniões conjugais e na constituição da família. Daqui surge a equiparação entre uniões heterossexuais e uniões homossexuais. Ao modelo da família heterossexual sucedem-se vários tipos de "família", tantos quantas as preferências individuais e para além de qualquer "modelo" de referência.

É um novo paradigma antropológico, uma verdadeira "revolução cultural" que representa a ruptura com a matriz judaico-cristã da nossa cultura ("Homem e mulher os criou" - afirma o Génesis), mas também com um dado intuitivo da razão universal (A espécie humana não se divide entre heterossexual e homossexual, mas entre homens e mulheres - afirmou a propósito o político socialista francês Lionel Jospin).

Pretende-se impor esta ruptura desde cima, desde as instâncias do poder. Ela não surge espontaneamente da sociedade civil e da mentalidade corrente. Pretende-se transformar através da política e do direito essa mentalidade. E o que está em causa não é um aspecto secundário, mas referências culturais fundamentais relativas à relevância da dualidade sexual. Admitir que a Lei sirva propósitos destes, numa pretensa engenharia social, revela tendências mais próprias de um Estado totalitário do que de um Estado respeitador da autonomia da sociedade civil. Juiz

Qual a diferença entre sexo e genero

Verbete de Nicole-Claude Mathieu para o Dicionário Crítico do Feminismo

MATHIEU, Nicole-Claude. Sexo e gênero. In: HIRATA, H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 173–178.

Diferenciação biológica, diferenciação social

De modo geral, opomos o sexo, que é biológico, ao gênero (gender, em inglês), que é social. Na Biologia, diferenciação é a aquisição de propriedades funcionais diferentes por células semelhantes. A diferença é o resultado de uma diferenciação. O estudo das sociedades animais, incluindo a dos nossos primos primatas, revela uma grande variedade (indo do maior contraste até a quase similitude) de “diferenças” — a assimetria entre fêmeas e machos — características sexuais secundárias e comportamentos que asseguram a reprodução, a criação dos filhotes e a obtenção de alimento (cf., por exemplo, Hrdy, 1981).

A humanidade faz parte das espécies de reprodução sexuada, por isso ela tem dois “sexos” anatomofisiológicos com uma única função de sua perpetuação física: a produção de novos indivíduos. No entanto, sua marca distintiva, já detectável nos primatas superiores, é a perda do estro (coincidência entre excitação sexual e período fértil, nas fêmeas animais). Donde, para as mulheres, há a possibilidade do desejo e de relações sexuais sem risco de gravidez, mas também de gravidez sem desejo sexual (estupro, um ato social, parece peculiar ao homem).

As sociedades humanas, com uma notável monotonia, sobrevalorizam a diferenciação biológica, atribuindo aos dois sexos funções diferentes (divididas, separadas e geralmente hierarquizadas) no corpo social como um todo. Elas lhe aplicam uma “gramática”: um gênero (um tipo) “feminino” é culturalmente imposto à fêmea para que se torne uma mulher social, e um gênero “masculino” ao macho, para que se torne um homem social. O gênero se manifesta materialmente em duas áreas fundamentais: 1) na divisão sociossexual do trabalho e dos meios de produção, 2) na organização social do trabalho de procriação, em que as capacidades reprodutivas das mulheres são transformadas e mais frequentemente exacerbadas por diversas intervenções sociais (Tabet, 1985/1998). Outros aspectos do gênero — diferenciação da vestimenta, dos comportamentos e atitudes físicas e psicológicas, desigualdade de acesso aos recursos materiais (Tabet, 1979/1998) e mentais (Mathieu, 1985b/1991a) etc. — são marcas ou consequências dessa diferenciação social elementar.

Assim, a extensão para a quase totalidade da experiência humana daquilo que é apenas uma diferenciação funcional em uma área leva a maioria dos seres humanos a pensar em termos de diferença entre os sexos como uma divisão ontológica irredutível em que sexo e gênero coincidem e cada um deles é exclusivo em relação ao outro. Mas a gramática do gênero, ideal e factual, ultrapassa por vezes a “evidência” biológica da bicategorização — aliás, ela própria problemática — conforme o demonstram a complexidade dos mecanismos de determinação do sexo (Peyre e Wiels, 1997) e os estados interssexuais. Algumas sociedades, mas não as ocidentais modernas, e alguns fenômenos marginais das nossas sociedades modernas mostraram que defi nições de sexo e gênero, assim como as fronteiras entre sexos e/ou entre gêneros, não são tão claras.

Outros sexos e outros gêneros

O conceito de sexo parece ser universal. Héritier (1996, 19ss) vê na própria diferença anatômica entre os sexos uma barreira última do pensamento, inserindo a oposição entre o idêntico e o diferente na origem dos sistemas conceituais binários. No entanto, as teorias sobre a origem da sua bipartição, sobre sua função na procriação, ou sobre o sexo “real” de um bebê são muito diferentes, desde antes de Aristóteles até os biólogos modernos, de um lado a outro do planeta. Conforme a sociedade, ou sempre houve dois sexos (ordem divina ou ordem natural), ou primeiro um só (sugestivamente, porém, já sexuado ou andrógino, o que dá no mesmo), ou dois seres do mesmo sexo. Para a procriação, ou só o homem ou só a mulher, ou a mulher com a ajuda de um espírito, é que contribui para a concepção da criança; às vezes o pai é tão necessário quanto a mãe para continuar a produzir biologicamente a criança após o nascimento etc. E às vezes a criança muda de sexo no momento do nascimento ou não pertence ao seu sexo aparente. No entanto, apesar da diversidade das representações de sexo e da sexualidade, as sociedades instauram concretamente (por meio de ritos, regras de casamento e prescrições diversas) uma diferença entre os sexos e sua “complementaridade”, geralmente hierárquica (Mathieu, 1991b).

Na maioria das sociedades, a bipartição do gênero deve estar calcada na bipartição do sexo, realizada sob forma normal e normatizada na heterossexualidade. O gênero “traduz” o sexo. Deve haver uma adequação entre gênero e sexo, com uma ênfase neste último. Daí a necessidade, para os transexuais modernos, de mudar de sexo para estar em conformidade com o gênero vivido: o do sexo oposto. Ou, como entre os inuit, a necessidade de vestir e criar um bebê-menina como menino (travestismo), se a pessoa que reencarnou nela era do sexo masculino (e vice-versa), o que cria uma espé- cie de “terceiro sexo”, pelo menos até o casamento heterossexual, quando a criança retorna ao seu sexo/gênero “biológico”.

Mas uma segunda maneira de conceber a relação entre sexo e gênero é admitir a sua divergência eventual dando prioridade ao gênero, ou seja, à bipartição social de funções e atitudes. O gênero pode ser um símbolo do sexo e vice-versa. É uma lógica pragmática, mais “heterossocial” do que heterossexual, que permite uma relativa fl exibilidade de comportamentos, incluindo-se o sexual. Assim, os travestis modernos (desprezados) ou os berdaches ameríndios (indivíduos passando oficialmente ao gênero oposto) não querem mudar de sexo, mas sim marcar sua preferência pelo outro gênero. O caso africano de casamentos institucionais entre homens ou entre mulheres, em que as normas de gênero (prerrogativas do “marido” e serviços da “esposa”) eram respeitadas, atestam que o casamento não se defi — ne principalmente pela função reprodutiva — como bem o havia observado Lévi-Strauss (1956) — mas garante um conjunto de direitos do sexo/gênero “homem” sobre o sexo/gênero “mulher”.

As diversas análises da relação entre sexo e gênero

Não obstante algumas obras de autores importantes como Friedrich Engels (1884), Margaret Mead (1935; 1948), Virginia Woolf (1929; 1938) ou Simone de Beauvoir (1949), a questão da construção social das diferenças entre os sexos permaneceu e ainda é marginal nas Ciências Humanas, como o demonstra a invisibilidade ou o desprezo que ainda atingem os estudos feministas no mundo acadêmico, na França mais do que em outros países ocidentais. Antes do ressurgimento dos movimentos feministas no final dos anos 60, a História se interessava eventualmente por algumas mulheres de poder e/ou célebres; a Psicologia e a Psicanálise, pelas “diferenças entre os sexos” na fronteira entre biologia e socialização (controvérsia natureza x educação); a Psicologia e a Sociologia, pelos “papéis sexuais” esperados ou prescritos (o que representava um progresso). A Etnologia constatava a “complementaridade dos sexos” e se questionava, às vezes, acerca de seus fundamentos (controvérsia natureza x cultura).

Note-se que no início dos estudos feministas, nos Estados Unidos como noutros países, não se falava de “gênero”, mas de mulheres e sua invisibilização pela sociedade e por uma ciência androcêntrica, de sua opressão/exploração pelos homens e das condições de sua libertação. “Como mulheres”, nós pensávamos e reivindicávamos. Mas o que é uma mulher? Os debates entre tendências dentro do movimento “de mulheres” revelam diversas concepções subjacentes da relação entre sexo e gênero, algumas das quais não diferem muito das duas concepções mencionadas anteriormente. Uma tendência francesa, inspirada numa dada corrente da Psicanálise, está associada ao primeiro modo de pensamento, baseado no sexo: homens e mulheres são diferentes; o problema é que a nossa sociedade não permitiu que a mulher “chegasse” psicológica e socialmente à sua especificidade. Mas as opções mais comuns estão no segundo modo de pensamento, que abre espaço para a ambiguidade entre sexo e gênero: elas abordam as modalidades de construção do gênero, concebido como elaboração cultural da diferença sexual, analisando e denunciando as desigualdades entre os sexos a fi m de rearranjar equitativamente os conteúdos dos dois gêneros. Finalmente, uma terceira corrente conceitual da relação entre sexo e gênero (apresentada na França pelo coletivo da revista Questões feministas, 1977 ~ 1980) considera que os sexos não são simples categorias bissociais, mas classes (no sentido marxista) constituídas por e na relação de poder dos homens sobre as mulheres, que é o próprio eixo da definição de gênero (e de sua primazia sobre o sexo, cf. Delphy, 1991b/2001): o gênero constrói o sexo. As tendências lésbicas políticas próximas desta corrente encaram a heterossexualidade não como um comportamento sexual entre outros, mas como o sistema fundador da definição de “mulheres” por uma relação obrigatória de dependência dos homens. Quando Simone de Beauvoir disse: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, Monique Wittig (1980/2001) acrescentou: “[…] ‘mulher’ não tem sentido senão nos sistemas de pensamento e nos sistemas econômicos heterossexuais. As lésbicas não são mulheres”.

As críticas feministas das ciências focaram, entre outras, a naturalização da categoria “mulher”. Dado o amálgama biofisiopsicológico que a definia e a ocultação de relações de poder que a constituem, fazia-se necessário introduzir análises e, portanto, os termos, mostrando claramente o funcionamento social da categorização por sexo. Daí o advento, na França, das noções de “sexo social” (Mathieu, 1971/1991a), de “sexagem” (Guillaumin, 1978/1992) para descrever, em relação a certas formas de escravidão e servidão, um sistema de apropriação das mulheres (“sexismo”, mais restrito, se referia mais a atitudes), e da expressão, rapidamente generalizada aos países francófonos, “relações sociais de sexo”, correspondente à inglesa gender relations (relações de gênero). Nos Estados Unidos, o termo gender, até então ocasionalmente utilizado em estudos psicológicos sobre a identidade pessoal (por exemplo, o trabalho de John Money e Stoller, 1968), ganha uma acepção sociológica (por exemplo, Oakley, 1972). E a antropóloga Gayle Rubin (1975/1999) propôs a expressão sex/gender systems para destacar a interdependência sistêmica entre os regimes matrimoniais que oprimem as mulheres (nos quais elas não têm sobre si mesmas, sobre as outras mulheres e sobre os homens, os “direitos” — privilégio de gênero — que estes têm sobre elas e sobre a sua sexualidade) e os processos econômicos e políticos globais.

Desvios da noção de gênero

Desde os anos 80, nota-se uma tendência nos escritos em inglês, feministas ou não (e, mais recentemente, em francês) de um uso exclusivo do termo “gênero”. Isso acarreta vários problemas:

  1. O termo “gênero” isolado tende a ocultar que o “sexo” (a defi nição ideológica e prática que lhe é dada) funciona efetivamente como parâmetro na variabilidade das relações sociais concretas e das elabora- ções simbólicas. Quaisquer que sejam os modos de articulação entre sexo e gênero, detecta-se constantemente um funcionamento assimé- trico do gênero (e de suas transgressões) em função do sexo. Sem dú- vida há os gêneros “homem-mulher”, mas na base inferior da escala do gênero há fêmeas: sexo social “mulher” (Mathieu, 1989/1991a). Como no caso da substituição do termo “raça” por “etnia”, deixar o sexo fora do campo do gênero implica o risco de manter incontorná- vel o seu estatuto de realidade. (E de realidade imutável, esquecendo- -se de que a “biologia” e, em especial a fi siologia da fecundidade, é amplamente dependente do ambiente social.)
  2. Evidentemente, as análises feministas mostram que o funcionamento do gênero, incluindo as estruturas sociocognitivas (Hurtig e Pichevin, 1991), é hierárquico. Mas o termo continua a ser usado pela maioria das pessoas como uma bicategorização inofensiva. Falar de gender studies é então bem menos comum (ou “particularista”), do que women’s studies ou gay and lesbian studies, e parece mais tranquilo (ou “objetivo”) do que feminist studies. Isso permite estudar os aspectos simbólicos e ideológicos do masculino e do feminino, sem referência à opressão do sexo feminino.
  3. Pode-se constatar que muitos escritos em inglês, inclusive feministas, utilizam gender em diversos sentidos, e principalmente como um eufemismo para sexo (o que aumenta a confusão frequente entre sexo e sexualidade). Segundo Brigitte Lhomond (1997), o abandono de toda distinção entre sexo e gênero conduz ao risco de naturalizar o gênero.
  4. A partir dos anos 90 surge nos Estados Unidos um novo desvio do gênero, representado em alguns espetáculos da cantora Madonna e promovido por ativistas e alguns universitários com o nome de movimento e teoria queer (queer: bizarro, ambíguo, insulto usado para designar homossexuais, reivindicado aqui para afirmar e reunir todos os comportamentos diferentes daquele da heterossexualidade normativa: homossexuais, lésbicas, transexuais, travestis, bissexuais etc.). Inspirados por uma forma de pós-modernismo e reprovando os movimentos feministas, lésbicos e gays anteriores por terem centrado o seu foco sobre questões relativas às identidades coletivas constituídas, os queer consideram que as categorias de oposição binária (homens/mulheres, homo/heterossexual) são ultrapassadas ou mesmo “essencialistas” (enquanto nós havíamos demonstrado que elas são construídas pela opressão!).Trata-se então de ultrapassar o gênero (transgendering), embaralhando, desordenando, “perturbando” (Butler, 1990) as categorias de sexo e sexualidade. Eles se interessam pelo(s) gênero(s) como uma “representação” quase teatral (performance), que cada indivíduo poderia desempenhar à sua maneira (ver os artigos críticos de F. Collin, 1994; Charest, 1994; Mathieu, 1994). Os aspectos simbólicos, discursivos e paródicos do gênero são privilegiados em detrimento da realidade material histórica das opressões sofridas pelas mulheres, e essa tendência encontra forte oposição entre algumas lésbicas e feministas, especialmente as feministas “de cor” americanas e as do Terceiro Mundo.

Três debates em torno das categorias de gênero e de sexo

A atualidade social, tanto conceitual como jurídica, das categorias de sexo e gênero é evidenciada, nos países ricos, por meio de três debates:

  1. A “feminização” da linguagem. Na maioria das línguas europeias, em graus diferentes, o gênero gramatical é hierárquico: o masculino representa o geral e, no plural, engloba o feminino. O protesto feminista contra o ocultamento do sexo/gênero “mulher” deu lugar, muito precocemente, a várias criações em romances, ensaios, cartazes e, hoje, em fanzines: colocar todas as palavras no feminino (raro, mas chocante!), ou usar a forma feminina plural acentuada tipograficamente para designar um conjunto misto (as alunAs, as universitáriAs), ou evitar ao máximo termos que identifiquem o sexo, ou encontrar uma palavra “neutra’ e universalizante — por exemplo, o on (Wittig, 1985/1992 e 2001) em francês, “as pessoas” em português — ou substituir chairman por chairperson no inglês etc. No Quebec, o Instituto de Língua Francesa editou, há vinte anos, recomendações para a feminização ou bissexualização dos termos: por exemplo, um-a professor-a, os(as) alunos(as) (ou, em francês, une professeure, les étudiant-e-s — sob os auspícios da feminização dos nomes das profissões na França, cf. Houdebine-Gravaud, 1999). Mas o que subjaz à “feminização”? Claire Michard (1999) revela que os significantes masculino/feminino não possuem significados simétricos — humano masculino/humano feminino (como pretende a linguística clássica ao falar de “gênero natural” ou gênero “verdadeiro”) –, mas sim de humano/fêmea. A questão então é saber se uma sobressexua(liza)ção da linguagem não bloqueará toda possibilidade de se avançar em direção à abolição do gênero.
  2. A “paridade” entre homens e mulheres na representação política está na ordem do dia na Europa, e alguns países têm quase chegado lá. As possibilidades e especialmente as modalidades dessa paridade são fortemente dependentes das tradições políticas. Na França, um vivo debate opõe as feministas. Para todas, é o sexo/gênero “mulheres” que é inferiorizado, mas para algumas é preciso, por isso mesmo, constituir o “sexo” como uma categoria jurídica da representação política, enquanto outras receiam que isso ratifique a ideia, já muito enraizada, de uma natureza diferente entre mulheres e homens, de uma especificidade sexuada dos valores, do pensamento e da ação, enquanto a inferiorização das mulheres é uma questão “de gênero”.
  3. Mais recentemente, os movimentos sociais têm procurado contestar a preeminência da diferença dos sexos num domínio que parecia no entanto ser o seu reduto: a família, e principalmente a questão central da filiação e do “parentesco”. Constata-se que a família atual já não é mais (supondo-se que o tenha sido alguma vez) constituída pela tríade mãe-pai-fi lho(s): testemunho disso são as ditas famílias monoparentais (na realidade estatística, a mãe como única presença parental após abandono, divórcio ou estupro), as recomposições familiares, as famílias adotivas, as mulheres que recorrem a métodos artificiais de procriação, as lésbicas e os homens gays que são também pais biológicos e/ou desejam adotar. Estes exigem atualmente a integração oficial das “homoparentalidades” entre essas situações plurais em que nada impediria as crianças de ter mais de dois pais, biológicos ou sociais — o que não faria mais do que reencontrar as múltiplas formas de “família” já conhecidas pela Etnologia.

Em relação direta com essas reivindicações verificam-se demandas de legalização da união de vida entre pessoas do mesmo sexo, sob a forma de legítimo casamento civil ou religioso em alguns países, ou sob outras formas, como o PACS (Pacto Civil de Solidariedade) na França. A parcela dos movimentos homossexuais que reivindica essa legalização considera que sua luta é contra uma discriminação que atribui apenas aos heterossexuais (casados ou em regime de concubinato) o reconhecimento social da sua união com as vantagens de segurança social que ela representa. Outra parte dos movimentos homossexuais, lésbicos e feministas lembra que a família é a expressão do “heterossexismo” que eles haviam denunciado, que ela ratifica, além disso, a dependência dos socialmente mais fracos, e que outra solução seria o estabelecimento de direitos vinculados não ao casal, mas à pessoa individual.

Referências

Delphy, Christine. Penser le genre: quels problèmes?, in Marie- Claude Hurtig, Michèle Kail, Hélène Rouch (Ed.), Sexe et genre. De la hiérarchie entre les sexes, Paris, Éditions du CNRS, 1991b, p.89–101. [Republicado in C. Delphy, 2001, p.243–260.]

Guillaumin, Colette. Sexe, race et pratique du pouvoir. L’idée de Nature, Paris, Côté- femmes “Recherches”, 1992, 241p. [Textos de 1977 a 1992].

Herdt, Gilbert (Ed.). Third sex, third gender. Beyond sexual dimorphism in culture and history, Nova York, Zone Books, 1994, 614p.

Heritier, Françoise. Masculin/féminin. La pensée de la différence, Paris, Odile Jacob, 1996, 332p. [Textos de 1978 a 1993].

Hurtig, Marie-Claude; Pichevin, Marie-France (Ed.). La difference des sexes. Questions de psychologie, Paris, Tierce “Sciences”, 1986, 356p.

Mathieu, Nicole-Claude. Identité sexuelle/sexuée/de sexe? Trois modes de conceptualisation du rapport entre sexe et genre, in Anne-Marie Daune-Richard, Marie-Claude Hurtig, Marie-France Pichevin (Ed.). Catégorisation de sexe et constructions scientifiques, Aix-en-Provence, Université de Provence “Petite collection CEFUP”, 1989. [Republicado in Mathieu, Nicole-Claude, L’Anatomie politique. Catégorisations et idéologies du sexe, 1991a].

Rubin, Gayle. L’économie politique du sexe: Transactions sur les femmes et systèmes de sexe/genre, Cahiers du CEDREF, 1999, n.7, 82p. [Ed. orig. nos Estados Unidos, 1975].

Tabet, Paola. La construction sociale de l’inégalité des sexes. Des outils et des corps, Paris, L’Harmattan “Bibliothèque du féminisme”, 1998, 206p. [Textos de 1979 e 1985].

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Qual o diferença entre sexo é gênero?

“Enquanto sexo é uma categoria que demarca os campos do que é ser fêmea e do que é ser macho, gênero, por sua vez, é um conceito mais relacionado ao que é feminino, masculino ou uma mistura dos dois.

Quantos sexos é gêneros existem?

Existem diversas identidades de gênero diferentes, incluindo masculino, feminino, transgênero, gênero neutro, não-binário, agênero, pangênero, genderqueer, two-spirit, terceiro gênero e todos, nenhum ou uma combinação destes.

O que é o gênero?

gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos… o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.” – Scott, 1995. “uma forma de entender, visualizar e referir-se à organização social da relação entre os sexos.” – Guedes, 1995.

Qual o gênero do sexo feminino?

Uma pessoa com cromossomos XX geralmente tem órgãos sexuais e reprodutivos femininos e, portanto, geralmente é designada como do sexo feminino. Uma pessoa com cromossomos XY geralmente tem órgãos sexuais e reprodutivos masculinos e, portanto, geralmente é designada como do sexo masculino.