Quando foi publicada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da educação inclusiva?

Introdução

A política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPI) após seus dez anos de publicação é um desafio que aceitamos com muito compromisso, pois se trata de parar para dedicar um olhar atento, detalhado e direcionado aos seus desdobramentos nesta década. Neste texto vamos nos ater aos aspectos históricos e políticos desta trajetória. Assim, pretende-se refletir sobre o processo de elaboração, publicação e seus desdobramentos nestes dez anos, apontando os desafios, as dificuldades e as conquistas decorrentes deste direcionamento político para a educação especial.

Faremos o exercício de, neste processo reflexivo, utilizar metodologicamente do Ciclo de Políticas de Ball, com um olhar epistemológico fundamentado em Foucault (2003; 2008).

A abordagem do ciclo de políticas pode oferecer instrumentos e ferramentas importantes para uma análise crítica da trajetória de políticas e programas educacionais. Mainardes (2006) assinala que uma das vantagens dessa abordagem assenta-se, sobretudo, em sua “flexibilidade”, podendo ser adotada como uma proposta de natureza aberta e como um instrumento heurístico. Ou seja, pesquisadores podem tomar tal abordagem como uma ferramenta metodológica, manejada à luz de seu referencial epistemológico.

É nessa perspectiva que se recorreu à abordagem do ciclo de políticas, utilizada nesse texto como uma chave de análise para a compreensão da PNEEPI. Nessa ótica, a abordagem do ciclo de políticas traz importantes contribuições, observando que muitos estudos têm analisado as políticas isolando-as e desconsiderando suas relações com outras políticas e outros contextos. Dessa forma, essa metodologia, utilizada em pesquisas em políticas educacionais, considera esta questão e busca estabelecer relações entre o objeto de estudo e o contexto em que está inserido.

A abordagem do ciclo de políticas propõe um ciclo contínuo, constituído por três contextos principais: o contexto de influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Tais contextos encontram-se interrelacionados, e não devem ser apreendidos numa perspectiva temporal, sequencial e linear. Além disso, cada um desses contextos constitui-se em uma arena que envolve disputas e embates (MAINARDES, 2006).

A PNEEPI: Das aspirações iniciais às construções do possível

[...] o poder encontra-se sempre associado a alguma forma de saber. Exercer o poder torna-se possível mediante conhecimentos que lhe servem de instrumento e justificação. Em nome da verdade legitimam-se e viabilizam-se práticas autoritárias de segregação, monitoramento, gestão dos corpos e do desejo. Inversamente, é no centro de aparatos sofisticados de poder que sujeitos podem ser observados, esquadrinhados, de maneira que deles sejam extraídos saberes produtores de subjetividade (FURTADO, CAMILO, 2016, p. 35).

Demarca-se que é resultado da publicação de um documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008. O grupo de trabalho era composto por 13 membros sendo 04 da secretaria de educação especial e 09 professores renomados da área da educação especial de universidades públicas brasileiras.

Considerando que o país vivia um governo popular, que prezava pela participação, a comissão preparou uma minuta de documento que foi enviada para os diferentes setores da rede pública de educação, da educação básica e superior para estudo, discussões e proposições. Os setores deveriam proceder aos debates em suas áreas, coletar informações e encaminhá-las para a Seesp. Ainda em 2007, foram realizadas assembleias na Seesp/MEC com representantes das redes municipais e estaduais de educação da educação básica em Brasília, em que a equipe da Seesp ouviu as sugestões relacionadas a todos os artigos do documento. O mesmo aconteceu com a educação superior, pois foi encaminhada a minuta do documento para a reitoria das instituições que deveriam repassá-las para os setores responsáveis para realizar o estudo e debates sobre as mesmas, colher sugestões e encaminhá-las para a Seesp. Foi solicitado que a instituição enviasse um representante em data definida para participar em Brasília da assembleia da área.

Embora o documento enviado, estivesse acompanhado de uma carta da secretaria de educação especial explicando a sua natureza, os compromissos assumidos e as atribuições dos responsáveis pelos setores para a construção de uma proposta coletiva, cada instituição e/ou rede municipal ou estadual agiu de forma particular de acordo com seus interesses políticos e econômicos. Assim, houve aqueles que levaram a sério a proposta e desencadearam ações para estudar a minuta de documento e fazer sugestões para o texto, paralelamente, outros engavetaram e/ou até realizaram a leitura do documento, emitiram parecer individual.

Neste contexto da prática o texto expresso no documento ganhou vida própria. A sua leitura foi realizada a partir dos princípios e fundamentos epistemológicos ou de senso comum que os diferentes grupos possuíam.

Para alguns ele representava a síntese necessária para a construção de um modelo de educação especial diferenciado, mas compromissado com o desenvolvimento humano, tendo como premissa a inclusão educacional, tomada como direito de todos. Para outros, era uma forma de legitimar o fim das escolas especiais, que historicamente tanto contribuíram com as pessoas com deficiência e suas famílias, mas que neste período, eram tidas como vilãs. Havia ainda, aqueles que avaliavam o processo como o descompromisso do governo com estas pessoas que são transferidas para o espaço da escola regular sem que as mesmas fossem preparadas para tal realidade.

Neste contexto, o discurso4 que estava expresso na minuta ganha vida própria nos diferentes lugares em que a minuta do documento é contatada, seja para discussão coletiva e/ou apreciação pessoal, pois “[...] os sujeitos sociais não são causas, não são origem do discurso, mas são efeitos discursivos” (PINTO, 1989, p. 25).

Por ocasião dos encontros com os representantes das redes estaduais e municipais de educação em Brasília, foram ouvidas as críticas e sugestões trazidas. Entretanto, o contexto da prática, no qual estas produções discursivas apresentadas estavam emanadas de relações de poder e saber. Os grupos se posicionavam de acordo com seus compromissos políticos, econômicos e sociais manifestando suas “verdades”. Neste espaço é possível compreender como as relações de poder e saber foram sendo estabelecidas e aprimoradas em conformidade com as defesas e críticas apresentadas (FOUCAULT, 2003).

É possível dizer que tais situações foram construídas, inclusive, no momento da escolha de quem seria o representante de cada rede que iria até o encontro na Seesp/MEC, pois na prática, não se trata de ir ao encontro e apresentar uma proposta à leitura da minuta do documento, mas trata-se de exercitar, naquele espaço, uma relação de saber e poder, que não pode ser desempenhada por qualquer um, mas por aquele que é autorizado a dizer algo em nome de alguém e/ou de algum grupo. No caso em análise, do grupo político que ocupava o executivo responsável pela rede. Foram escolhidas e encaminhadas à Brasília para participar do encontro, não pessoas que agregavam conhecimentos da área, mas aqueles que iriam defender os interesses de grupos que ocupavam o poder político5. Evidencia-se um contexto de influência, ou seja, o lócus onde as políticas públicas são iniciadas e os discursos políticos são construídos, marcado pela presença de grupos de interesse que passam a disputar e influenciar na definição das finalidades sociais da educação, de seus pressupostos e demandas. Segundo Mainardes (2006), é nesse contexto que atuam as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo e outros grupos por meio de lobbies. O contexto de influência traz à tona os interesses estritos de ideologias dogmáticas e a forma como as articulações entre os atores envolvidos vão construindo a legitimidade ao discurso básico do pensamento político. Nesse embate, os conceitos adquirem legitimidade e passam a constituir o discurso de base para a política.

Essa perspectiva de análise destaca a dimensão processual da formulação de políticas, considerando que a elaboração de políticas públicas não depende somente de suas trajetórias no âmbito das instituições responsáveis por sua produção, mas abrangem uma dinâmica própria, permeada por um conjunto de ações, disputas e processos de negociação, que envolve diversos atores e uma multiplicidade de aspectos, tais como: “[...] a estrutura social; o contexto econômico, político e social no qual as políticas são formuladas; as forças políticas; e a rede de influências que atuam no processo de formulação de políticas e de tomada de decisões nas diferentes esferas” (MAINARDES, 2009, p. 10). Tomar esse contexto de influências implica considerar a interferência dos arranjos político-partidários nacionais e locais, até a influência de indivíduos, grupos, num movimento de constituição de redes políticas.

Diante dessa realidade, os retornos do estudo proposto pela equipe nomeada para produzir o documento que iria regulamentar a educação especial, em uma perspectiva inclusiva, não atendeu a expectativa. Foram trazidos posicionamentos esparsos, pois os representantes não conheciam as bases conceituais que fundamentam o documento, logo seus posicionamentos eram frágeis ou deslocados da realidade expressa no texto e em construção naquele momento histórico.

O mesmo ocorreu com as instituições de educação superior, que enviaram representantes que não eram da área, portanto, não conheciam os fundamentos expressos na minuta do documento, mas que estavam preocupados apenas com os impactos deste nos seus currículos dos cursos de licenciatura. As discussões não evoluíram.

As dificuldades em se construir um documento que expresse o desejo coletivo são inúmeras, dentre elas está o fato da ausência, no país, de uma prática de trabalho coletivo, de ouvir e dar voz a todos os grupos que compõem a nação. Evidencia-se nesta experiência, no mínimo duas realidades. A primeira de grupos antes excluídos que não acreditam no potencial da participação e na possibilidade de contribuir com seu saber para a produção de um documento tão importante, deixando espaço para que outros sujeitos considerados mais aptos ocupe este lugar. O segundo, por aqueles que também não acreditam no potencial da participação, pois desconsidera que outros grupos além deles sabem definir o que é necessário e melhor para todos. Logo, não levam o documento para a discussão coletiva, mas nomeia um representante de seu grupo para ir ao encontro e defender os princípios que consideram necessários, frutos de suas crenças sociais ou fruto de acordo de interesse com grupos de apoio.

A configuração dos resultados dos encontros com os diferentes grupos, aliada aos fatores originários do contexto de influência primários, ou seja, exercidos na particularidade de cada rede e/ou instituição, com este contexto no campo macro, fez com que as pretensões que o documento nasceu, fossem modificadas. Uma vez que, uma Diretriz Educacional Nacional para a Educação Especial, mesmo que elaborada, discutida e aprimorada, por coletivos sociais de interesses afins, não poderia ser homologada pelo ministro da educação, mas deveria ser enviada ao Conselho Nacional de Educação (CNE), a quem cabe legislar nestes casos. Entretanto, uma vez que o documento estivesse no CNE, não haveria como prever os resultados do documento, pois em todos os espaços a força das relações de poder e de saber são experimentadas, mas no conselho elas são amplamente estendidas.

A comissão, diante dos resultados dos encontros realizados e dos documentos recebidos, produziu um texto e encaminhou para o ministro da educação em janeiro de 2008. A produção do texto final configurou o contexto da produção, que é justamente o que resiste ao contexto de influência. Neste espaço fica o que resistiu às negociações realizadas. De acordo com Ball (1994), o contexto da produção de textos políticos representa a política, sendo que essas representações podem assumir variados aspectos e formas e são construídos num movimento marcado por disputas e acordos entre grupos que interferem dentro dos diferentes lugares da produção do texto. Destaca-se que esses textos não são, necessariamente, internamente coerentes e claros, e podem também ser contraditórios, considerando os embates produzidos no contexto da influência. Assim, os textos políticos são construídos num movimento marcado por disputas e acordos entre grupos que interferem dentro dos diferentes lugares da produção do texto.

A realidade acabou provocando uma mudança de rumos. O resultado das discussões e o possível diante do esperado foi a publicação de um texto denominado Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva, como um texto orientador, sem assinatura ministerial e a publicação em 2008 do decreto

Segundo o texto da política a educação especial passa ser entendida como

[...] uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os serviços e recursos próprios desse atendimento e orienta os alunos e seus professores quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008a, p. 16)

Se alguém tinha dúvidas sobre o espaço da educação especial dentro da perspectiva inclusiva, esta foi suprimida. Foi ressaltado o lugar da educação especial que a LDB, Lei 9394/96 (BRASIL, 1996) já o fizera, bem como, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica de 2002. Apesar de já haver uma história da educação especial contemporânea anterior e de o texto da PNEEPI não ter um caráter regulador/normatizador, ele representa um importante papel, pois esclarece, por exemplo, as atribuições do Atendimento Educacional Especializado (AEE), a natureza de suas atividades e a forma de organização na escola. Para o qual o AEE:

[...] identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas.

As atividades desenvolvidas [...] diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização.

[...] complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.

[...] disponibiliza programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva, dentre outros.

Ao longo de todo processo de escolarização, esse atendimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum (BRASIL, 2008b, p. 16).

Embora os profissionais da área já tivessem conhecimento do AEE como direito das crianças público da Educação Especial, não havia até o momento um documento que apresentasse tal esclarecimento. Ainda, demarca a responsabilidade dos sistemas de ensino com a oferta do AEE e demais serviços da Educação Especial. Outro marco importante do documento foi a definição do público da educação especial que a partir dele passou a ser “os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008a, p. 15). Na sequência o texto ainda esclarece o que compõe cada grupo em específico do público definido.

Outro marco importante do texto está na demarcação da educação bilíngue como partícipe da educação inclusiva, pois não há incompatibilidade entre ambas como muitos pensam. O fato de a opção brasileira ser pelo modelo de educação inclusiva, ou seja, por assegurar a todos o direito ao acesso e à permanência na educação regular com aprendizagem, ela não exclui as pessoas Surdas deste universo, pelo contrário, é por ela que lhes é estendido o direito subjetivo, logo inalienável à escolarização. Assim, não é permitido a nenhum surdo em idade escolar ficar fora da escola. Por sua vez, o documento apresenta a educação bilíngue como adequada para os mesmos.

O documento, por ser orientador, abre diferentes possibilidades para o trabalho, entretanto, as relações de poder e saber vão se configurando nas redes e/ou instituições de ensino, de acordo com os entendimentos e compromissos de cada grupo no poder, expressos nos seus discursos. Ora, o documento não determina que o melhor seja a escolarização de surdos em salas comuns, que estudam surdos e ouvintes, mas a indica como uma possibilidade e acrescenta a necessidade de convivência entre os pares surdos. O documento não determina o como se proceder, nem legitima uma única forma de fazer a escolarização de pessoas Surdas, quem o faz são os reguladores dos sistemas de ensino em detrimento das condições econômicas e das configurações políticas e epistemológicas de seus gestores.

Finalmente o texto fala da formação dos professores para atuar na educação especial,

[...] o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial. (BRASIL, 2008, p. 18)

Quando o documento apresenta como requisito conhecimentos gerais e específicos, expressa a necessidade de os cursos de formação inicial e continuada passarem a ofertar em seus currículos os conteúdos relacionados à parte específica, pois os profissionais que irão trabalhar com o público da educação especial não se restringem àqueles que atuam no AEE, mas a todos os profissionais da escola.

A PNEEPI: desdobramentos a posteriori conquistas e novos rumos

[...] mecanismos de segurança, inspirados em uma lógica liberal, buscam compreender os fenômenos em seu funcionamento próprio, “fazendo os elementos da realidade atuarem uns em relação aos outros” (FOUCAULT, 2008a, p. 62).

Como desdobramento das ações coletivas para elaboração do documento que se pretendia definir as Diretrizes Curriculares para Educação Especial, foi publicado o Decreto 6.571/08 que dispõe sobre o atendimento educacional especializado - AEE. Este documento, que regulamenta o AEE nas escolas brasileiras, apresenta pela primeira vez uma diretriz oficial que estabelece o conceito de AEE, define seus objetivos, a forma de oferta e a forma de financiamento desse serviço da educação especial. Considerando que um Decreto é assinado pelo ministro da educação e pelo presidente, logo, as correlações do contexto de influências são menos evidentes, uma vez que o ministro da educação representava a compreensão de um governo popular e participativo. Desta forma, grande parte do trabalho realizado pelo grupo de trabalho foi incorporado no referido decreto.

Entretanto, como forte ação do contexto de influência, em 2011 este Decreto foi revogado e aprovado o Decreto 7.611/11, que abriu a possibilidade de parcerias público-privado, presente no Art. 1º, Inciso VIII “[...] apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial” (BRASIL, 2011, p. 1).

Desde a década de 1990, a Secretaria de Educação Especial vinha se fortalecendo a perspectiva inclusiva, na qual a escolarização de seu público ocorreria na escola regular comum, garantindo o preceito legal de que a educação especial não mais seria substitutiva, mas complementar e suplementar. Neste processo as instituições filantrópicas com atuação exclusiva de educação especial estavam sendo fechadas, não acessavam recursos de subvenções públicas.

Com o novo Decreto foram estimuladas a se tornarem centros de referência para formação de professores e de oferta de AEE e receberem recursos públicos para essas atividades. Conforme o Art. 5º do referido documento, que prevê a prestação de apoio técnico e financeiro pela união para além do setor público para abranger a instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com a finalidade de ampliar a oferta do AEE aos estudantes matriculados na rede pública de ensino regular, desde que conveniadas com o poder executivo do ente federado onde se encontra situada. Para tanto, o 2º parágrafo do referido artigo, define as ações que poderão receber apoio técnico e financiamento públicos:

  1. I - aprimoramento do atendimento educacional especializado já ofertado;

  2. II - implantação de salas de recursos multifuncionais;

  3. III - formação continuada de professores, inclusive para o desenvolvimento da educação bilíngue para estudantes surdos ou com deficiência auditiva e do ensino do Braile para estudantes cegos ou com baixa visão;

  4. IV - formação de gestores, educadores e demais profissionais da escola para a educação na perspectiva da educação inclusiva, particularmente na aprendizagem, na participação e na criação de vínculos interpessoais;

  5. V - adequação arquitetônica de prédios escolares para acessibilidade;

  6. VI - elaboração, produção e distribuição de recursos educacionais para a acessibilidade; e

  7. VII - estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior (BRASIL, 2011, p. 2).

Na prática não era esta a reivindicação dessas instituições, elas pleiteavam, e ainda o fazem, o retorno da educação especial substitutiva, o que seria um retrocesso incontestável para as pessoas com deficiência. Desta forma, as forças de confluências atuantes neste momento histórico, no processo de negociação se chegaram a alguns consensos, mas as políticas em andamento não sofreram grandes perdas. Já as instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas tiveram ganhos, pois passaram a ter suas ações subvencionadas por recursos públicos. Assim, cenário indica um fortalecimento político destas instituições. A favor da política educacional inclusiva registra-se o fato de que o credenciamento com o sistema de ensino ficar condicionado à aprovação de projeto pedagógico pela Secretaria de Educação Especial, atualmente pela Diretoria de Políticas de Educação Especial (DPEE), no entanto este ainda não foi regulamentado, sete anos após sua previsão.

São várias as ações que assumem os compromissos expressos no texto da Política Nacional de Educação Especial, dentre elas, destacamos: a criação dos Centros de Formação e Recursos (CAP, CAS e NAAHS), a Comissão Brasileira do Braille -2008, a criação dos programas Acessibilidade à Educação Superior - 2010, do Livro Acessível - 2010, do Transporte Escolar Acessível - 2012, de Formação Continuada de Professores na Educação Especial -2011, a modificação no BPC na Escola - Portaria Normativa nº. 1205/2011 e o Programa Escola Acessível - 2013.

Dentre alguns desafios que se apresentam no contexto da prática dessa política, destaca-se a necessidade de se proceder:

  • a regulamentação dos requisitos para realização dos convênios com as instituições comunitárias confessionais ou filantrópicas, para evitar que sejam realizadas subvenções de recursos públicos em ações que contrariam a política de educação especial inclusiva;

  • o fortalecimento das ações e programas criados para subsidiar a educação especial inclusiva, para evitar que este sejam desativados e abram espaços para que os discursos conservadores e menos envolvidos com o direito educacional de todos retornem e/ou avancem provocando rupturas no processo e retrocesso histórico para este grupo de pessoas;

  • a instalação de uma postura de vigilância diante dos lóbis políticos criados pelas instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas, que podem também aparecer com a denominação de Organização da Sociedade Civil (OSCs) com atividades envolvendo o público da educação especial, para reverter a política da educação especial inclusiva, colocando no poder executivo e legislativo pessoas compromissadas com seus ideários, capazes de utilizarem com maior força de articulação o contexto das influências nos diferentes espaços decisórios e consultivos dos poderes legislativo e executivo;

  • a formação de profissionais da educação com condições para atuar na escolarização de todos, ou seja, buscar construir ações que envolvam os profissionais da educação básica e superior em geral, não apenas aqueles que atuam no AEE e/ou nos demais serviços da educação especial, pois o processo de escolarização encontra-se sob a responsabilidade do conjunto de profissionais, não apenas de um grupo. É preciso fortalecer o entendimento coletivo de que todas as pessoas aprendem o que se varia são os caminhos e o tempo da aprendizagem. Neste sentido, os cursos de licenciatura considerados de formação inicial de professores precisam agregar em seus conteúdos específicos aqueles relacionados a educação especial inclusiva, pois os seus egressos precisam possuir condições de, no mínimo, estabelecer os primeiros contatos com estes estudantes e terem condições de buscar fontes bibliográficas para elaboração de seu planejamento com recursos de acessibilidade adequados para o ensino de cada grupo.

Os desafios são muitos, aqui apresentamos apenas alguns dentre tantos outros. Com relação aos limites da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva no contexto da prática, destacamos o fato de ela não ter sido aprovada como texto legal, parte da legislação nacional. Entretanto, apesar desta situação, ela tem sido tomada pelos educadores como um marco decisivo na definição de princípios da educação especial, o que demonstra a fixação do discurso da inclusão como uma verdade, inquestionável e irredutível no contexto da prática. Esse tipo de discurso, na compreensão de Foucault (1999), institui no contexto social, neste caso educacional, uma estratégia que vincula fundamentalmente entre relações de força e relações de verdade. Portanto, a educação é um direito de todos. Mas que educação é oferecida para as pessoas com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação? Que expectativas pedagógicas são depositadas nestes estudantes? O direito é exercido de forma múltipla e variada, dependendo do lugar onde este estudante habita e que escola frequenta.

Para além das questões políticas e econômicas neoliberais, que alimentam o discurso da inclusão e se nutre do mesmo, os princípios da educação inclusiva (democratização, universalização, flexibilidade e acessibilidade) são marcos do documento em discussão. Tais princípios foram sendo estruturados e fortalecidos como desdobramentos da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva considerados como marcas positivas.

Considerações finais

O cálculo do poder engendrado nesse campo será balizado por uma análise utilitarista sobre as tomadas de decisão do governo. O pensamento político buscará determinar o que é útil fazer, reconhecendo como seu objeto privilegiado os jogos de interesses humanos. (FURTADO, CAMILO, 2016, p. 39)

De maneira geral, a legislação nacional já está bem estruturada no sentido de criar condições para a educação inclusiva e a educação especial. Cabe aos profissionais da área terem fundamentações teórico/epistemológica que lhes proporcionem condições para entender as artimanhas do discurso legal, que pode ser utilizado tanto para alavancar as condições para a transformação da realidade, visto que, sua construção, no contexto da prática, originou-se de uma demanda real, mas que, no contexto da produção, aparece configurado com marcas linguísticas capazes de silenciar o movimento, ao invés de dar-lhe propensão e visibilidade, ou seja, “[...] utilizar mais táticas do que leis, ou utilizar ao máximo as leis como táticas. Fazer por vários meios, com que determinados fins sejam atingidos” (FOUCAULT, 1990, p. 284).

Assim, tanto o texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da educação inclusiva, como aqueles decorrentes deste, ainda os seus antecedentes, são utilizados pelo grupo que está no poder político econômico como dispositivos de controle biopolítico da população em geral, visando criar as condições necessárias para sua governamentalidade (FOUCAULT, 2008b; LOPES, HATTGE, 2009).

As demandas da área para o diagnóstico da realidade, visando conhecer para pensar e interferir na mesma, no sentido de construir novas possibilidades de ensino e aprendizagem aos grupos denominados minoritários e excluídos socialmente e educacionalmente, são utilizadas por agentes do poder político econômico como fundamentos para justificar a promoção de ações com interesses particulares, logo, privados, em detrimento dos coletivos. Como exemplo citamos: criação de instituições que prestam serviços para crianças e/ou adolescentes com deficiência para educação e saúde, para inserção no trabalho; instituições de acolhimento no contraturno deste grupo, para que os familiares possam trabalhar, etc. Não que estas instituições não sejam necessárias, o que se questiona é a forma como elas utilizam os recursos públicos, como dispositivos de controle biopolítico6 da mesma, além de torná-los redutos politiqueiros defensores de bandeiras neoliberais, exploradoras e aprisionadoras da população favorecida no primeiro momento.

A oficialização de demandas do contexto da prática nem sempre representam uma conquista para as categorias/grupos sociais organizados. O que no primeiro momento representa a incorporação de uma demanda, em um segundo, representa o esmaecimento das lutas dos grupos, pois cria no imaginário social a ideia de que houve uma conquista do movimento, de que a partir da legislação haverá modificações no contexto da prática, no entanto, no contexto da produção, os textos legais trazem construções discursivas que permitem e/ou demandam de outros atos normativos que não atendem plenamente o solicitado, pois no espaço de discussão e tramitação do texto legal, se exercita o contexto de influência em que as concessões e ajustes ocorrem de acordo com os interesses de grupos no poder. Assim, desmobiliza os grupos sociais e as suas reivindicações são acolhidas e ressignificadas de modo atender mais aos interesses políticos econômicos do que as reais demandas sociais. Representam processos e políticas de subjetivação que conduzem estratégias fundamentadas em princípios econômicos, basilares à incorporação de valores neoliberais, derivados de uma sociedade de consumo à de empresas, nas quais levam as pessoas a modificarem seus princípios de vida, suas escolhas pessoais e coletivas, abrigando princípios de competitividade, de individualismo, empregabilidade, enfim, o estabelecimento de relações de concorrência entre as pessoas (GADELHA, 2009).

Como exemplo desta situação, apresentamos a questão da educação bilíngue que é um direito dos Surdos, quando eles vão até o poder público reivindicar suas lutas históricas, são respondidos de que elas já foram acolhidas e encontram-se na legislação, mas na realidade não é tão simples, pois a regulamentação de escolas públicas bilíngues não existe. O ensino de Libras nos cursos de licenciatura não determina a carga horária, assim, cada instituição coloca a carga horária possível, não levando a aprendizagem desta língua pelos futuros docentes.

O que se destaca é que entre as conquistas e as lutas há sempre o tempo das disputas de saber e poder em que as construções resultantes deste movimento são fruto de negociações que representam as forças políticas econômicas em evidência.

Quando foi criada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva?

Em 1994 é lançada a Política Nacional de Educação Especial, que ainda não reformulava as políticas para que todos tivessem acesso, mas definia que aquelas pessoas especiais que tivessem condições de acompanhar o currículo do ensino comum, em um mesmo ritmo que os demais alunos, já poderiam frequentar as mesmas aulas.

Quando foi publicada a Política Nacional de Educação Especial?

Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989.

Qual a política nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva?

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, ...

Quando a Educação Especial e Inclusiva foi instituída com ênfase nas políticas públicas educacionais?

A Educação Inclusiva surgiu em diferentes momentos e contextos, especialmente a partir da década de 90 quando ocorreu a Conferência Mundial de Educação Especial, e em 1994 foi proclamada a Declaração de Salamanca que “define políticas, princípios e práticas da Educação Especial e influi nas Políticas Públicas da ...