Quem é rafael braga

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Rafael Braga Vieira: O singular e os universais da polícia


Resumo

O presente artigo analisa o caso de Rafael Braga Vieira, jovem, negro e pobre, preso em flagrante e condenado por porte de artefato incendiário no contexto das jornadas de junho de 2013 no Rio de Janeiro. Seguindo uma metodologia híbrida, entre o estudo de caso e o ensaio, descrevem-se indutivamente as relações entre a singularidade exemplar do caso Rafael Braga Vieira e os universais da polícia que dão forma ao sistema de justiça criminal vigente. Os principais resultados consistem em demonstrar a subsunção do sistema de justiça criminal a operações de homologação e formalização de práticas policiais, descrevendo seus efeitos macropolíticos.


Palavras-chave

Rafael Braga Vieira, polícia, Justiça Criminal, Jornadas de junho, exceção


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Direitos autorais 2022 Ao submeter um texto, o(s) autor(es) declara(m) aceitar todos os termos e condições da revista e cede(m) a ela os direitos de publicação impressa e digital. Os direitos autorais dos artigos publicados são do autor, porém com direitos da DILEMAS - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social sobre a primeira publicação.

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Esta obra está licenciada sob uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

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[RETIFICAÇÃO REALIZADA EM 19/04/2018 ÀS 01:19 COM A FINALIDADE DE CORRIGIR UM PARÁGRAFO EM QUE EU AFIRMAVA QUE RAFAEL BRAGA TINHA FABRICADO O ARTEFATO SUPOSTAMENTE INCENDIÁRIO. EM MOMENTO ALGUM DOS AUTOS DÁ PRA SE CONCLUIR QUE RAFAEL BRAGA TINHA FABRICADO TAIS ARTEFATOS. OS TESTEMUNHOS POLICIAIS RELATAM TÃO SOMENTE QUE RAFAEL BRAGA ESTARIA PORTANDO TAIS ARTEFATOS SUPOSTAMENTE INCENDIÁRIOS]

A história de Rafael Braga: jovem, negro, pobre e morador de favela carioca. A fórmula perfeita pra ser preso. Prática de crime? Não precisa disso, o roteiro é simples, o policial forja o flagrante, inventa a conduta e a partir daí desencadeia a trajetória rumo ao único destino possível: a cadeia.

Essa é a história comum na grande maioria das prisões no Brasil.

Verdade ou mito?

Existe aquele ditado que diz que a mentira repetida mil vezes se torna verdade e é exatamente sobre isso que quero falar hoje. Especificamente sobre a história divulgada a respeito de um rapaz, chamado Rafael Braga.

Basta digitar seu nome no Google e uma imensidão de notícias aparecerão. Todas caminhando na mesma direção: prenderam um rapaz inocente.

Não conhece a história? Deixa eu explicar.

Reza a lenda que um jovem rapaz estava saindo de uma casa abandonada com materiais de limpeza (água sanitária e desinfetante), na época das manifestações de junho de 2013, quando foi abordado por policiais que o levaram para a delegacia sob a alegação de que tais materiais de limpeza seriam coquetéis-molotovs.

A partir daí começou uma série de injustiças contra Rafael Braga.

Dentre as injustiças, a maior foi a de que no ano de 2016, Rafael Braga foi vítima de um flagrante forjado. Enquanto saía pra comprar pão foi abordado por policiais militares que afirmaram que ele estava traficando drogas.

É mais ou menos isso que você vai encontrar se pesquisar pela internet.

Alguns indícios me levaram a desconfiar dessa história:

  1. Muito do que é divulgado como “verdade” ou “fato” trata-se apenas da versão contada por Rafael Braga, que é o réu. E a coisa mais comum é ver um réu ou um condenado falar que é inocente. Afinal, todos sempre são inocentes.
  2. Nenhuma notícia apresenta qualquer página do processo, apesar de o processo ser público. Todas notícias afirmam alguma coisa que poderia ter sido verificada na sentença, na denúncia, no laudo pericial ou na transcrição dos testemunhos, etc.
  3. Muitas notícias dizem que os policiais se contradisseram, porém não mostram em que momento houve tal contradição, nem sequer colocam as páginas do processo para fundamentar tal hipótese.
  4. Todas notícias repetem o seguinte mantra da Justiça Criminal: negro, pobre, morador de favela = cadeia. E repetir esse mantra é fácil, difícil é entender que há uma série de atores em cada condenação, que dificilmente fazem um inocente ser condenado (existem exceções, claro).
  5. Nenhuma notícia lembra o fato de o Rafael Braga ter sido condenado duas vezes por roubo anteriormente e ter fugido uma vez do presídio.

Então, em virtude disso tudo, decidi investigar.

Acabei encontrando um artigo contando a história do Rafael Braga, publicado no Spotniks, um site direcionado ao público mais à direita no espectro político, com maioria de seguidores liberais e conservadores. Tal artigo foi escrito por Ivanildo Terceiro, militante do movimento liberal e que vez em quando publica alguns artigos no Spotniks e em outros sites.

O ideal é que cada leitor abra o artigo linkado acima e o leia, tire suas conclusões, volte aqui e prossiga a leitura. Se estiver com pressa, é melhor nem seguir a leitura, este é o artigo mais longo que já fiz para o JusLiberdade e a intenção é ser bem detalhado, na medida do possível.

Como relatei brevemente acima, o Rafael Braga foi, supostamente, vítima de injustiças em duas prisões: uma relativa a porte ilegal de artefato incendiário e outra relativa a tráfico de drogas.

Para investigar a sua história, consegui ter acesso aos autos completos de cada um desses processos (que são públicos), com exceção das respectivas audiências de instrução e julgamento (fase fundamental do processo, que inevitavelmente deixou buracos na minha investigação). Infelizmente, as gravações das audiências de instrução e julgamento se restringem somente às partes do processo, conforme Art. 3°, VIII da Resolução TJ/OE/RJ n° 16/13.

Vamos à investigação da história de Rafael Braga a partir da leitura de 2 dos seus 4 processos judiciais criminais (não consegui informações quanto aos seus 2 crimes de roubos praticados anteriormente a 2013).

Aconselho que acompanhem a leitura deste artigo conferindo o arquivo com o processo completo:

Processo Artefato Incendiário – Rafael Braga

Processo Tráfico de Drogas – Rafael Braga

O crime de porte ilegal de artefato incendiário (Lei 10.826/03, artigo 16, parágrafo único, inciso III)

Para narrar o que aconteceu em relação ao crime de porte de ilegal de artefato incendiário, decidir narrar cada fase do processo penal, citando o que aconteceu de principal em cada fase e fazendo a referência para a página em que se encontra o que estou afirmando. Ao final faço uma conclusão pessoal.

De início, vale a pena dizer que o suposto crime ocorreu na época das grandes manifestações de 2013.

1-Inquérito Policial

O inquérito policial contém as narrativas dos policiais em seus testemunhos e o laudo feito por técnicos do esquadrão anti-bombas.

O despacho de flagrante diz que a narrativa dos policiais é convergente e diz que Rafael Braga foi visto entrando em um estabelecimento comercial, portando uma mochila em suas mãos. Saiu do estabelecimento com dois frascos em suas mãos, constituindo artefatos semelhantes ao “coquetel molotov” (p.6)

Rafael Braga se reservou a falar somente perante o juízo (p.12)

2-Denúncia

A denúncia segue a narrativa do inquérito policial. Diz que Rafael Braga estava portando dois frascos contendo substância inflamável com pedaços de pano presos em seu bocal, conhecidos como “coquetel molotov” (p.2). Diz que policiais civis viram o Rafael Braga entrando em um estabelecimento comercial com uma mochila e saindo com os dois artefatos em suas mãos. Ele foi abordado por policiais civis e respondeu que estava participando das manifestações. Sendo assim, está incurso nas penas do artigo 16, parágrafo único, III, da Lei 10.826/03 (p.3).

O Ministério Público convoca os três policias civis envolvidos para testemunharem no caso (p.3-4).

3-Defesa

A defesa foi elaborada pela defensoria pública e é bem sucinta, afirmando somente o seguinte: (i) não são verdadeiros os fatos narrados na peça vestibular; (ii) finda a instrução criminal restará provada sua inocência; (iii) relaciona 3 testemunhas pra serem ouvidas na audiência de instrução e julgamento (p.68-69).

4-Diligência de ofício tomada pelo juiz

O juiz, de ofício (p.80), determinou que se fosse buscado e apreendido o laudo de perícia dos artefatos que havia sido solicitado pela polícia na data de 20 de junho de 2013 (p.33).

O Laudo de perícia dos artefatos ainda não havia sido produzido, só o sendo na data de 22 de julho de 2013 (p.85-87).

Da leitura do laudo, pode-se concluir que os artefatos tinham mínima capacidade para serem usados como “coquetel molotov”, pois não quebrariam ao serem lançados. Um dos frascos tinha conteúdo inflamável e o outro não.

O frasco com conteúdo inflamável pode ser utilizado com eficácia na prática de crimes como arma de coação, intimidação ou ser acionado e lançado contra populares ou forças policiais (p. 86).

Além disso, o etanol encontrado poderia ser usado como combustível em incêndios, com capacidade para causar danos materiais, lesões corporais e o evento morte (p. 87).

5-Audiência de Instrução e Julgamento

Os vídeos com a gravação da audiência de instrução e julgamento somente podem ser vistos pelas partes, portanto, resta a mim analisar somente o que está escrito nos autos a respeito da audiência.

Consta inicialmente o testemunho do policial Eduardo Nogueira, que alterou seu testemunho dado no inquérito policial para dizer que Rafael Braga havia entrado em um estabelecimento abandonado e não em uma loja, como ele (o policial) havia dito antes (p.97).

Consta que a defesa de Rafael Braga desistiu de produzir prova oral (p.104).

As alegações finais do Ministério Público afirmaram que a história contada por Rafael Braga é pueril e ficou isolada nos autos (p.116). Afirmou que as explicações do réu são desarrazoadas e que não haveria motivo para o Rafael Braga retirar do interior da loja abandonada duas garrafas intactas de material incendiário, levando-as para o meio da multidão que fazia protesto contra o governo (p.117).

A defensoria pública, em suas alegações finais, afirma que não ficou comprovada a imputação articulada na denúncia (p.121). Cita a análise doutrinária do tipo penal feita por Guilherme de Souza Nucci (p.125-126). Afirma que nos autos “não há qualquer situação de perigo ao mundo real, pois andar com produtos de limpeza nunca foi e nunca será crime, sob pena de inviabilizar a vida moderna, se esta linha prosperar, podemos dizer que portar canetas é crime de perigo, pois uma pode levar a morte se inserida em determinada parte do corpo humano” (p.129).

6-Sentença

O juiz afirma que o policial civil Eduardo Nogueira narrou os fatos de maneira coesa e firme (p.144). O réu negou os fatos de forma dissociada dos demais elementos de prova, numa tentativa desesperada de esquivar-se das imputações formuladas pelo Ministério Público. A versão do réu é pueril e inverossímil, no sentido de que teria encontrado as duas garrafas lacradas em uma loja abandonada e resolveu tirá-las dali (p.145).

O juiz afirma que as circunstâncias em que ocorreu a prisão (enquanto ocorria uma enorme manifestação popular, com aproximadamente 300 mil pessoas e no mesmo dia em que ocorreu confronto de manifestantes com as forças policiais) deixam claro que a intenção de Rafael Braga era proceder ao incêndio de qualquer objeto ou pessoa (p.146).

O juiz também cita o laudo técnico, que disse que o etanol pode ser utilizado como combustível em incêndios, com capacidade para causar danos materiais lesões corporais e o evento morte (p. 146).

7-Recurso de Apelação

Logo após a sentença, o advogado do Instituto dos Defensores de Direitos Humanos assumiu a defesa do Rafael Braga (p.158).

Sendo assim, foi interposto o recurso de apelação que afirmou, dentre outras coisas: (i) que apenas uma das garrafas possuía mínima aptidão para funcionar como ‘coquetel molotov’ (p.203); (ii) que a reprimenda foi injusta (p.203); (iii) que ao final da sentença o magistrado reconhece a potencialidade lesiva de apenas uma das garrafas (p.208); (iv) que segundo a lição de Guilherme de Souza Nucci, artefato explosivo é “peça capaz de produzir abalo seguido de forte ruído, causando surgimento repentino de energia física. Por artefato incendiário entende peça capaz de provocar fogo intenso, com forte poder de destruição” (p.209); (v) e que não se faz coquetel molotov com garrafa de plástico, que há notícias em que pessoas fizeram isso e não deu certo (p.212-214).

8-Contrarrazões do Ministério Público

As Contrarrazões basicamente atacam os argumentos da apelação e retomam os argumentos da denúncia e das alegações finais do Ministério Público (p.235-237).

9-Acórdão

O acórdão inicia negando provimento ao pedido de diligência da defesa, que solicitou nova produção de laudo técnico (p.294). Afirma que a defesa fez somente alegações, sem produzir qualquer contraprova relevante (p.300). A argumentação da defesa, de que houve um mal entendido, de que o flagrante foi forjado, de que houve excesso de acusação, não merece prosperar, pois careceu de comprovação (p.300).

Constata-se que Rafael Braga “tinha em seu poder artefato incendiário consistente em um frasco com pavio de tecido em seu gargalo, contendo em seu interior substância inflamável” (p.302).

Em seguida, a defesa interpôs embargos de declaração, que foram conhecidos e rejeitados (p.384).

10-Recurso Especial (STJ)

A defesa interpôs recurso especial (p.440), que não foi admitido (p.566). Foi interposto, portanto, agravo de instrumento em recurso especial (p.607).

O agravo de instrumento em recurso especial foi inadmitido (p.689).

A defesa interpôs agravo regimental no agravo de instrumento em recurso especial (p.698), que foi improvido (p.706).

11-Recurso Extraordinário (STF)

A defesa interpôs recurso extraordinário (p.459), que não foi admitido (p.556). Foi interposto, portanto, agravo de instrumento em recurso extraordinário (p.634).

O agravo de instrumento em recurso extraordinário não obteve provimento (p.727).

Observação sobre a leitura do processo:

Acho oportuno abrir parênteses para expor algo que há nos autos do processo.

Na página 747 há um ofício, de fevereiro de 2017, da Ouvidora Nacional dos Direitos Humanos solicitando os autos completos do processo judicial para “subsidiar o trabalho” de acompanhamento do caso do Rafael Braga, que “teria sido vítima de violência física e prisão ilegal por policiais de nomes não informados”. A Ouvidora diz que o Departamento de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos acompanha o caso desde julho de 2013.

Sendo assim, enviei um pedido de informação (como cidadão), baseado na Lei de Acesso à Informação, ao órgão perguntando sobre a suposta investigação de violação de direitos humanos.

Recebi a resposta de que a Ouvidoria não dispõe de “quaisquer documentos relacionados com o processo de investigação de violação de direitos humanos do cidadão Rafael Braga Vieira”. E disse que “a solicitação realizada por meio do documento anexado pelo solicitante, não foi respondida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, até a presente data.”

Alguma coisa está errada, afinal a juíza Luciana Fiala de Siqueira Carvalho encaminhou à ouvidora “cópia integral dos autos do processo nº 0212057-10.2013.8.19.0001, conforme solicitação do vosso ofício de n.º 226/2017/OUV-SDH/GM-SDH/SDH/MJ” (p. 744), na data de 23 de junho de 2017.

Enfim…

Conclusão:

Analisando o processo inteiro acredito que as decisões não foram acertadas (registro que não analisei a dosimetria da pena), sob a fundamentação que escrevo abaixo.

Primeiro, não vejo plausibilidade no argumento de que os policiais forjaram um crime (que não teve a menor sustentação da defesa). Não vejo plausibilidade no argumento de que os policiais falsearam seus testemunhos. Sendo assim, a forma como os artefatos foram construídos só nos levam a crer que a intenção de quem fez tais artefatos era justamente que ambos fossem usados como artefatos incendiários. Afasto, portanto, a argumentação da defesa de que são meros materiais de limpeza lacrados e Rafael estaria simplesmente os carregando, de forma pueril. Ora, se os policiais não mentiram em seus depoimentos, as garrafas foram condicionadas para serem utilizadas como coquetéis molotov, com pavio de tecido no gargalo. No entanto, não se pode afirmar também que foi Rafael Braga quem construiu os referidos artefatos. Os testemunhos policiais relatam que Rafael Braga estava tão somente portando os artefatos que teriam sido construídos com a intenção de funcionarem como coquetéis molotov.

E é justamente nesse ponto que entendo que as decisões não foram acertadas. Tudo bem que Rafael Braga estava portando artefatos que tinham a aparência de coquetéis molotov e provavelmente lançaria as garrafas em meio a multidão, mas ambas as garrafas eram instrumentos absolutamente ineficazes para a constituição de coquetéis molotov. De forma alguma entendo que as garrafas, na forma como foram construídas, absolutamente ineficazes, se encaixam dentro do conceito de “artefato incendiário” e é justamente nesse ponto que concordo com a defesa de Rafael Braga, especificamente em sua argumentação no recurso de apelação. Seria como entender que o porte de uma arma de fogo absolutamente ineficaz (por exemplo, um instrumento que só detenha a aparência de arma de fogo, sem capacidade de disparo) configuraria o crime previsto no art. 14 do Estatuto do Desarmamento.

A injustiça, nesse caso, reside no fato de que nem o juiz de primeiro grau nem o órgão colegiado do Tribunal atestaram a absoluta ineficácia do instrumento para sua utilização como artefato incendiário. Tanto o juiz de primeiro grau quanto o Tribunal entenderam “artefato incendiário” de uma forma extremamente ampla.

O crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/06, artigo 33 e 35)

Para narrar o que aconteceu em relação ao crime de tráfico de drogas, decidi também narrar cada fase do processo penal, citando o que aconteceu de principal em cada fase e fazendo a referência para a página em que se encontra o que estou afirmando.

De início, vale a pena dizer que o suposto crime ocorreu em janeiro de 2016.

1-Inquérito Policial

O Laudo de exame prévio de material entorpecente concluiu que Rafael Braga portava 9,3 gramas de Cocaína e 0,6 gramas de maconha (p.28-29).

Foi feito exame de integridade física do Rafael Braga e verificou-se que não havia vestígios de lesões filiáveis ao evento alegado (p.180).

2-Pedido de relaxamento de prisão

A defesa logo pediu pelo relaxamento da prisão de Rafael Braga.

A defesa de Rafael alega que ele afirmou ter sido vítima de flagrante forjado, que as substâncias não eram deles, que ele tinha sido ameaçado de estupro pra poder dar informações sobre o tráfico de drogas da região, que não forneceu as informações porque não participa de qualquer atividade criminosa (p.53). Rafael afirma que sofreu socos e chutes (p.53).

A defesa também afirma que Rafael tem ocupação lícita desde outubro de 2014, no “João Tancredo Escritório de Advocacia”, possuindo família estável e residência fixa na comarca, com endereço declarado na petição (p.54).

O pedido foi indeferido (p.214).

3-Denúncia

O Ministério Público narra que Rafael Braga estava na comunidade Vila Cruzeiro, no Complexo de Favelas do Alemão, no dia 12 de janeiro de 2016 (p.2).

Alguns Policiais Militares estavam na região, fazendo alguma operação, quando foram informados de que havia um rapaz vendendo drogas. Os PMs foram averiguar e viram que Rafael Braga portava uma sacola de conteúdo suspeito. Assim que percebeu os policiais militares, Rafael Braga jogou a sacola no chão (p.3).

A sacola continha as seguintes substâncias: Cannabis Sativa L. , acondicionados em uma embalagem plástica fechada por nó, bem como 9,3g (nove gramas e três decigramas) de Cocaina (pó) , distribuídos em 06 cápsulas plásticas incolores ostentando as inscrições “Pó 20 / RAJADÃO PH”, 02 cápsulas incolores e 02 embalagens plásticas fechadas por grampo, contendo a inscrição “CV-RL/Pó 31COMPLEXO DA PENHA” (p.2).

O MP narra que Rafael Braga também cometeu o crime de associação criminosa (p.3).

Por fim, o MP denuncia Rafael Braga nas condutas do artigo 33 e 35 da lei de drogas, o primeiro artigo tipifica o comércio de drogas, e o segundo tipifica a associação para o comércio de drogas.

O juiz recebe a denúncia (p.236)

4-Audiência de instrução e julgamento

A defesa requer o relaxamento da prisão ou subsidiariamente a liberdade provisória (p.243). A defesa fez uma série de pedidos de diligências e o Ministério Público pediu vistas para se manifestar sobre o pedido de liberdade e sobre as diligências da defesa (p.244).

Sobre o depoimento das testemunhas, não há transcrição do que foi dito, há somente a menção de que o testemunho foi gravado (p.246-247).

Em seguida, o MP se manifestou contra o pedido de liberdade e não se opôs aos pedidos de diligências (p.257).

O juiz mantém a prisão de Rafael Braga e defere os pedidos de diligências da defesa (p.258).

O juiz Ricardo Coronha Pinheiro emitiu mandado de busca e apreensão para obter a resposta ao ofício dirigido à SEAP-RJ, para obter os dados de registro da tornozeleira eletrônica, a fim de demonstrar a localidade em que o acusado (Rafael Braga) foi abordado e detido (p.299-301).

O relatório do monitorado (Rafael Braga) está nas páginas 303-305.

A defesa requereu a oitiva de mais duas testemunhas referidas e requereu a ampliação do mapa de GPS ou o fornecimento de arquivo digital (p.309). A defesa também requereu acesso às imagens da sede da UPP (p.309)

O juiz indeferiu o pedido de oitiva das duas testemunhas referidas por entender já ser capaz de fazer uma boa reconstrução dos fatos (p.309).

O juiz entendeu que o trajeto do réu se encontra bem delineado em virtude do testemunho do réu, sendo desnecessária a ampliação do mapa de GPS ou o fornecimento de arquivo digital (p.309).

Também entendeu desnecessária a vinda aos autos das imagens capturadas no dia dos fatos, na sede da UPP (p.322).

5-Alegações finais do Ministério Público

Nas alegações finais, o Ministério Público analisa tanto a linha de defesa quanto a linha acusatória de forma satisfatória. Ao tratar da linha de defesa, lembra que tanto Rafael Braga quanto a testemunha de defesa Evelyn falaram que Rafael Braga havia sido agredido pelos policiais militares, porém o laudo médico afirma que não havia vestígios de agressão. O Ministério também ressaltou que o depoimento de Evelyn (p.205) havia sido colhido  unilateralmente pela defesa (p.380).

O Ministério Público também faz a seguinte pergunta, que ora transcrevo:

“Pelo que consta à fl. 37 (primeiro parágrafo), e fl. 52, o réu trabalhava desde outubro de 2014 em um escritório de advocacia, sendo sua carga horária de 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira, de 09 às 18 hs. Ora, então o que o acusado fazia no dia da sua prisão, 12 de janeiro, pleno dia útil, terça-feira, por volta das 09 horas em local que não era o seu trabalho, aliás, muito distante dele?”

6-Alegações finais da defesa

A defesa alegou que houve conflitos entre as testemunhas. Para isso, contrapôs os testemunhos policiais lavrados no inquérito policial com os testemunhos dados em juízo:

Os policiais Pablo Vinicius Cabral e Victor Hugo Lago disseram no inquérito policial que um morador se aproximou da guarnição e informou que havia um indivíduo com material entorpecente, a fim de comercializá-lo (p.396) .

Já em juízo, Pablo Vinícius afirmou que um colaborador informou que havia um grupo comercializando drogas, ao chegar lá ele viu um grupo correndo, e só Rafael Braga ficou (p.396). Depois, ao ser questionado pelo Ministério Público, corrigiu-se e disse que o informante falou que “tem um pessoal ali vendendo comércio… é… vendendo drogas ali”. (p.396). Ao ser questionado pela defesa, sobre a divergência de declaração, ele se explicou e disse que o morador falou que havia realmente uma pessoa vendendo drogas, mas quando ele se aproximou, viu que havia um grupo e que os que correram eram, provavelmente, compradores e o Rafael o comercializador (p.397).

Já o policial Victor Hugo afirmou que foi outra equipe que foi informada, por um morador desconhecido, sobre um elemento vendendo drogas e passou a informação para a sua guarnição. Seria um tal de policial Lopes, o qual a defesa solicitou ser ouvido, porém o juiz negou a oitiva do mesmo (p.398).

Outra contradição que a defesa aponta é o fato de o policial Pablo Vinicius afirmar que Rafael Braga ficou em silêncio durante a prisão. Já o Policial Victor Hugo disse que Rafael Braga negou a posse das substâncias (p.399). O policial Farley também falou que Rafael Braga negou o porte das substâncias (p.400).

A defesa também afirma que houve outra contradição. O policial Victor Hugo afirmou que Rafael Braga foi conduzido direto pra delegacia, logo após sua prisão. Já o policial Pablo Vinícius afirmou que Rafael foi levado inicialmente pra Unidade de Polícia Pacificadora de Vila Cruzeiro (p.400-401). Segundo a defesa, o policial militar Fernando de Souza Pimentel também confirma a condução do acusado ao contêiner da Unidade de Polícia Pacificadora de Vila Cruzeiro, antes de ser levado à delegacia (p.401).

A defesa também aponta a divergência entre haver ou não comércio onde Rafael Braga foi preso. O policial Pablo Vinícius afirmou que não tinha comércio na região, enquanto o policial Pimentel reconheceu que havia padaria e o policial Farley reconheceu que havia comércio (p.402).

Sendo assim, a defesa conclui que as controvérsias e incongruências impossibilitam que seja possível condenar o réu Rafael Braga (p.402).

A defesa também assume a linha argumentativa para afastar o crime de tráfico e incidir o crime de porte de drogas, caso o juiz não entenda pela absolvição(p.414 e p.417).

7-Sentença

A sentença se inicia à fl. 434.

Levando-se em conta a quantidade de droga apreendida, a forma acondicionada e o local de apreensão, o juiz entende que a substância se destinava ao tráfico de drogas (p.439).

O juiz também entendeu que a partir dos testemunhos policiais pode-se concluir que Rafael Braga foi preso em flagrante portando material entorpecente (p. 447-448).

Sobre algumas divergências pontuais levantadas pela defesa, o juiz afirmou o seguinte:

“É certo que algumas contradições são perfeitamente previsíveis em depoimentos de policiais militares que participam de várias ocorrências policiais, porém, na essência os depoimentos prestados pelos policiais militares neste Juízo são convergentes.” (p.449-450)

Por outro lado, sobre a testemunha de defesa, o juiz disse o seguinte:

“Por outro lado, a testemunha Evelyn Barbara Pinto Silva, vizinha do réu, ouvida neste Juízo, consoante termos de fl. 194, disse que era amiga e frequentava a casa da genitora do acusado por muitos anos. Ao meu sentir, as declarações da testemunha Evelyn Barbara, arrolada pela Defesa do réu, visavam tão somente eximir as responsabilidades criminais do acusado RAFAEL BRAGA em razão de seus laços com a família do mesmo e por conhecê-lo “por muitos anos” como vizinho. Embora a testemunha Evelyn Barbara (fl. 194) tenha afirmado em seu depoimento que o réu RAFAEL BRAGA foi vítima de agressão por parte dos policiais militares que o abordaram, fato este também sustentado pelo acusado quando interrogado neste Juízo (fl. 250), o exame de integridade física a que se submeteu o réu RAFAEL BRAGA VIEIRA não constatou “vestígios de lesões filiáveis ao evento alegado”, consoante laudo de fl. 136 .” (p.450-451)

O juiz também entende que há vínculo de Rafael Braga com o Comando Vermelho, devido às embalagens das drogas, do rojão apreendido e do local em que ocorreram os fatos (p.454).

Por fim, o juiz condena o réu, como incurso nos art. 33 e 35 da Lei de Drogas (p.458).

8-Apelação (Defesa)

Nas razões da apelação, a defesa afirma que os testemunhos são contraditórios (p.511).

Opto por transcrever o trecho abaixo, pra citar uma das linhas de raciocínio da defesa:

“Cabe assinalar que, segundo afirma a testemunha Pablo Vinícius Lago, o apelante tão somente largou a sacola ao lado de seus pés, ou seja, sequer teria tentado se livrar do material de forma efetiva de modo que fosse minimamente viável que os policiais militares não percebessem sua vinculação com o conteúdo ilícito da sacola. Novamente, fica nítido que as declarações dos policiais militares retratam um cenário fantasioso que tem como único intuito defender a legalidade do procedimento da prisão captura com a incriminação indevida do apelante.” (p. 526)

Outro ponto interessante da defesa é o que usa para validar o testemunha de Evelyn, vide:

“O aspecto mais relevante do testemunho de Evelyn, desconsiderada pelo juízo, é a sua absoluta convergência com o interrogatório do apelante, sem que jamais tenham tido qualquer contato após a prisão captura.” (p.529).

9-Contrarrazões (Ministério Público)

Nas contrarrazões, o Ministério Público trouxe o seguinte raciocínio:

“Dependendo de como se faz a análise da prova, podem ser encontradas contradições em qualquer depoimento, como, por exemplo, o da testemunha de defesa Evelyn:

  • Ela disse em juízo que estava na varanda da residência ao passo que à fl. 160 disse que estava no muro.
  • Em juízo mencionou especificamente qual o apelido do réu, à fl. 160 não.
  • Em juízo mencionou que os policiais abordaram o acusado e um deles o agrediu, ao passo que à fl. 160 diz que os policiais perguntaram pelo documento, pegaram um dinheiro que havia no bolso dele, depois é que um policial deu um tapa no peito dele.
  • Em juízo mencionou que após ser agredido o réu foi arrastado por um policial até uma parte mais baixa da rua, o que prejudicou sua visão, ao passo que à fl. 160 diz que depois que o réu foi levado para uma descida chegaram outros policiais que começaram a bater nele.

Isso sem considerar que o depoimento a que se alude estar à fl. 160, em verdade, é um termo colhido unilateralmente, com o relato previamente confeccionado e que a testemunha apenas inseriu a mão seus dados.” (p.571-572)

10-Habeas Corpus STJ

Em 13 de setembro, o STJ concedeu decisão liminar favorável a Rafael Braga, para que ele aguarde em prisão domiciliar a decisão final do referido Habeas Corpus.

A decisão se deu para que Rafael Braga possa tratar melhor seu quadro clínico de tuberculose (p.635 e p. 640-641).

Conclusão:

Analisando o processo inteiro entendo que a sentença foi acertada. Novamente, assim como no crime de porte de artefato incendiário, uma das linhas argumentativas da defesa de Rafael Braga é fundada no argumento de que os policiais teriam forjado o crime. A defesa também se apega a contradições nos depoimentos policiais, mas como bem apontado pelo Ministério Público nas contrarrazões à apelação, todos os testemunhos são contraditórios, a depender da leitura que se faça. A verdade é que os fatos narrados pelos policiais indicam a ocorrência do crime de tráfico e a  forma como as drogas estavam embaladas e o local do tráfico indiciam associação com o crime organizado local.

Somente pelo exercício da argumentação, ressalto que as “contradições” apontadas nos testemunhos policiais são contradições que simplesmente poderiam ocorrer quando um amigo (com quem você conversou ontem) e você são interrogados a respeito da conversa que tiveram ontem. Imagine só, um dizer que passou 3 pessoas ao redor de vocês e que uma deu um “oi” e o outro dizer que não lembra quantas pessoas passaram por vocês, mas que sabe que uma deu “oi”. Agora adicione ao meu exemplo hipotético o fator “tempo”, adicione também o fator “stress no trabalho”. Nem os policiais mais bem treinados têm aptidão a decorar minuciosamente cada evento que ocorre durante suas operações, isso é, inclusive, um argumento para o uso de câmeras ou microfones por policiais, ao menos em operações programadas.

Conclusão sobre a História de Rafael Braga

A verdade é que é fácil e atraente acreditar que o Poder Judiciário errou em determinado processo judicial. O difícil é realmente ir atrás e investigar se o que é constantemente veiculado pelas mídias condiz com a realidade.

A lição que fica é a seguinte: leia os autos do processo antes de opinar sobre ele. Isso se você tiver apego à honestidade como ponto de partida de qualquer discussão.

No caso do Rafael Braga, entendi que houve injustiça no processo do artefato incendiário, mas que não houve no processo relativo ao crime de tráfico de drogas.

A título de informação, por decisão do STJ, o Rafael Braga está cumprindo prisão domiciliar pelo motivo de apresentar estado grave de saúde e sua prisão domiciliar deve ser mantida enquanto “o agravado estado de saúde do paciente e as insalubres condições de acomodação do estabelecimento prisional“.

Registro, por fim, que optei por não fazer nenhum juízo sobre a adequação do tipo penal do tráfico de drogas ou do porte de artefato incendiário.