Como foi o processo de organização espacial do Brasil até o século XIX?

X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

A��O ANTR�PICA COMO AGENTE TRANSFORMADOR DA ORGANIZA��O ESPACIAL EM BACIAS HIDROGR�FICAS 

Archimedes Perez Filho

Cristiano Capellani Quaresma

T�nia R. I. Rodrigues

Universidade Estadual de Campinas


A��o antr�pica como agente transformador da organiza��o espacial em bacias hidrogr�ficas� (Resumo)

Modelos representativos das organiza��es espaciais devem ser reavaliados frente �s a��es do sistema antr�pico sobre geossistemas, que permitem que processos naturais, inerentes � escala de tempo da natureza, se manifestem nas escalas dos tempos hist�rico do homem e presente. Tais organiza��es, tendo a a��o antr�pica como input e sendo constitu�das de alta complexidade, necessitam, para seu entendimento, de arcabou�o metodol�gico embasado na abordagem sist�mica, que as considere enquanto totalidade, e seja capaz de identificar os subsistemas que a constituem, bem como suas inter-rela��es, os mecanismos de realimenta��o presentes, e a influ�ncia exercida pelo sistema antr�pico, enquanto agente transformador da estrutura e funcionamento das mesmas. O presente trabalho avaliou e confirmou a hip�tese de que constru��es de reservat�rios de usinas hidrel�tricas no Noroeste Paulista/SP-Brasil causam a reativa��o e acelera��o de processos erosivos intensos.

Palavras-chave: bacia hidrogr�fica, sistemas, usina hidrel�trica, a��o antr�pica


Anthropic action as transforming agent of hydrographic basins spatial organization (Abstract)

Representative models of spatial organizations must be reevaluated front to the actions of anthropicsystem under geossystems, which allows that natural processes, inherent to the nature time scale, if it is revealed on scale of human historical time and present time. Such organizations, which it has an anthropic action as input and being constituted for high complexity, and it requires to its comprehension, of an methodological frameworkbased on systemical approach, that consider it while totality, and it can be capable to identify subsystem which constituted it, as weel as their inter-relationships, the present feeding mechanism and influence exerted by anthropic system, while transformer agents of structure and operation of them. This research work has evaluated and confirmed hypothesis which hydroelectric plant reservoirs construction in Noroeste Paulista/SP-Brazil cause reactivation and acceleration of intense erosive processes.

Key words: Hydrographical basin, systems, hydroelectric plant, anthropic action


 Abordagem Sist�mica

O mundo passa atualmente por uma exacerbada, por�m v�lida, preocupa��o com a escassez futura dos recursos naturais e com a qualidade de vida de sua popula��o.

Pr�ticas exercidas pelo sistema antr�pico, calcadas em valores principalmente economicistas, somadas a grande parte dos trabalhos te�ricos existentes, que se propuseram a entender geograficamente as organiza��es espaciais, por�m, desprezando componentes chaves das mesmas, permitiram um processo de coisifica��o da natureza, resultando em amplas e dr�sticas modifica��es do meio f�sico/natural e no estabelecimento de novas organiza��es espaciais.

 A crescente press�o antr�pica sobre o planeta torna necess�ria a amplia��o dos estudos ambientais, os quais possam indicar solu��es para in�meros problemas que atingem o meio ambiente em diversas escalas do tempo e do espa�o. 

Segundo Christofoletti (1999), a abordagem sist�mica serve de embasamento para uma das formas mais eficientes de investiga��o da din�mica do meio ambiente.  

Hall e Fagen (1956) definem sistema como �o conjunto dos elementos e das rela��es entre eles e entre os seus atributos�.  

De maneira mais completa, Thornes e Brunsden (1977) definem sistema como sendo �conjunto de objetos ou atributos e das suas rela��es, que se encontram organizados para executar uma fun��o particular�. Assim, para que algo se constitua como sistema, n�o lhe basta possuir funcionamento e relacionamento, mas � necess�ria a exist�ncia de um objetivo. Desta forma, pode se definir um sistema como um conjunto de elementos inter-relacionados e organizados para execu��o de processos com vias a uma dada finalidade, que, no sentido amplo, pode ser considerada como a transforma��o do input em output (Christofoletti, 1979).�  

A defini��o de sistema proposta por Miller (1965) revela outra caracter�stica fundamental dos elementos que o constituem - a sua interdepend�ncia. Tal autor define sistema como sendo �conjunto de unidades com rela��es entre si. A palavra conjunto implica que as unidades possuem propriedades comuns. O estado de cada unidade � controlado, condicionado ou dependente do estado das outras unidades�. 

A vis�o sist�mica recebeu aten��o na Geografia moderna j� com os precursores alem�es Alexander Von Humbolt (1769/1859) e Carl Ritter (1779/1859), quando a Geografia come�ou a ser produzida e pensada como ci�ncia nas universidades. Tais autores procuravam t�cnicas e metodologias que buscassem compreender as conex�es entre os fen�menos, explicando-os de maneira integrada (Zacharias, 2006). 

Na medida em que a Geografia acad�mica proliferava-se pelo mundo europeu, novas vis�es surgiram, algumas, por�m, distanciavam-se da vis�o sist�mica integradora.  

Sob um novo enfoque integrador, a Geografia francesa ficou conhecida como o m�todo das regionaliza��es, dos �g�neros de vida�, cujo principal expoente foi Vidal de La Blache. 

As mudan�as ocorridas no s�culo XX, tais como as duas Grandes Guerras Mundiais, o confronto entre pa�ses socialistas e capitalistas e a revolu��o tecnol�gica levaram a Geografia �s novas correntes de pensamento, procurando-se melhor definir tal ci�ncia de acordo com as transforma��es ocorridas no mundo.  

Com a fixa��o da abordagem sist�mica na geografia, Sotchava, em 1960, introduziu o conceito de geossistema na literatura sovi�tica, com a preocupa��o de estabelecer uma tipologia, aplic�vel aos fen�menos geogr�ficos e que buscasse substituir o termo Ecossistema, adotado pelos bi�logos. Na vis�o desse autor, os Geossistemas s�o definidos como classe de sistemas din�micos, flex�veis, abertos e hierarquicamente organizados, com est�gios de evolu��o temporal, numa mobilidade cada vez maior sob a influ�ncia do homem.  

Neste contexto, cabe ressaltar o papel crucial da Geografia como a ci�ncia que tem como objeto de estudo a organiza��o espacial (Christofoletti, 1999), o que possibilita a rela��o entre fen�menos de diferentes �reas do conhecimento humano que se materializam no espa�o. Tal ci�ncia abrange a estrutura��o, funcionamento e din�mica dos elementos f�sicos, biogeogr�ficos e sociais. 

No entanto, podem ser apontados pelo menos tr�s obst�culos encontrados por ge�grafos que se aventuram ao estudo da realidade por meio da abordagem sist�mica. O primeiro encontra-se no processo de identifica��o dos seus elementos, atributos e rela��es, o que recai sobre o delineamento da extens�o do mesmo. Tal obst�culo deve-se ao fato de que a maioria dos sistemas de interesse do ge�grafo n�o se apresenta de forma isolada, mas, sim, como constituintes de um sistema maior - o seu universo.  

No interior do seu universo, o sistema passa a ser um elemento e, portanto, a conviver e a depender de outros sistemas-elementos, ou subsistemas que constituem seu conjunto maior. Neste ponto, pode se fazer a distin��o entre dois grupos de sistemas os controladores ou antecedentes e os controlados ou subseq�entes.  

A rela��o entre sistemas controlados e controladores n�o deve ser considerada de maneira linear, haja vista a exist�ncia de mecanismos de retroalimenta��o, tamb�m conhecidos como feedback, pelos quais os sistemas subseq�entes podem �voltar a exercer influ�ncias sobre os antecedentes, numa perfeita intera��o entre todo o universo� (Christofoletti, 1979). Assim, as vari�veis pertencentes aos sistemas f�sico/naturais dependem de fatores externos, tamb�m chamados de par�metros, os quais regulam o funcionamento do sistema por meio do fornecimento de mat�ria e energia. A ajustagem das vari�veis componentes de um sistema � resposta n�o linear � intensidade de tais par�metros.  

Um segundo obst�culo encontra-se no pr�prio pesquisador, uma vez que delimitar um dado sistema da superf�cie terrestre, constituinte de uma realidade complexa e que apresenta uma multiplicidade de fen�menos, exige uma capacidade de abstra��o profunda, dependente da forma��o intelectual do pesquisador, bem como de sua pr�pria vis�o de mundo e consequentemente de sua percep��o ambiental. 

Apoiando-se em Campbell (1958), Christofoletti (1979), com o objetivo de minimizar a subjetividade do pesquisador, define quatro crit�rios para a delimita��o de um sistema: a) a contig�idade, ou a proximidade f�sica de seus elementos; b) a mesma natureza ou similaridade entre seus elementos; c) a finalidade comum de seus elementos; d) a padronagem distinta ou reconhec�vel de seus elementos. Deve-se, contudo, lembrar que �individualmente, qualquer uma dessas regras pode ser desobedecida sem acarretar preju�zos para o discernimento do sistema� (Christofoletti, 1979). Este autor exemplifica sua afirma��o por meio do sistema industrial, cujos elementos constituintes (mat�ria-prima, f�bricas e postos de venda) n�o se apresentam de forma cont�gua no espa�o. Embora n�o haja tal contig�idade, tais elementos est�o organizados, inter-relacionados e, de forma inter-dependente, atuam para uma dada finalidade, constituindo um sistema. 

Apesar de nos geossistemas a contig�idade ser observada com maior freq��ncia, tal norma nem sempre pode lhe ser aplicada. Tal fato pode ser observado nas mudan�as de temperatura atmosf�rica em uma dada �rea de estudo, em fun��o de ativa��o vulc�nica ocorrida a centenas ou milhares de quil�metros de dist�ncia[1].  

Outro obst�culo ao estudo dos sistemas est� no que Christofoletti (1999) chama de �disponibilidade de instrumenta��o tecnol�gica� aplicada �s pesquisas. Gra�as �s possibilidades garantidas pelo desenvolvimento tecnol�gico, a produ��o de novos equipamentos favorece a obten��o de dados, a compreens�o, o diagn�stico e o manejo dos sistemas de organiza��o complexa. 

Um dos exemplos de instrumental tecnol�gico de enorme aplicabilidade �s an�lises espaciais, por meio de uma abordagem sist�mica, surgiu gra�as ao desenvolvimento da �rea computacional ap�s a d�cada de 80, culminando no desenvolvimento do SIG, que se trata de um sistema de computador para manusear dados espaciais (Bonham-Carter, 1994). �����������

Organiza��es espaciais como objeto de estudo da Geografia 

O conceito de ambiente, fundamental � Geografia, tem sido utilizado de maneira ampla, tanto em trabalhos acad�micos, dos mais variados campos do conhecimento cient�fico, como tamb�m nas diferentes formas de ve�culos de informa��o. 

Este substantivo acaba incorporando vis�es de mundo e valores diversos que lhe imputam significados distintos, o que afeta a sua valoriza��o, bem como as estrat�gias de a��o e de planejamento. 

De acordo com Lima e Queiroz Neto (1997), o ambiente � o resultado de uma rela��o imbricada de fatores f�sicos, qu�micos, biol�gicos e sociais, interferindo uns sobre os outros e variando no espa�o e tempo. 

Organiza��o espacial (sistema ambiental) deve ser caracterizada como entidade organizada na superf�cie terrestre formada pelos subsistemas f�sico/natural e antr�pico, bem como por suas intera��es. O subsistema f�sico/natural � composto por elementos e processos relacionados ao clima, solo, relevo, �guas e seres vivos, enquanto os componentes e processos do subsistema antr�pico s�o aqueles ligados � popula��o, urbaniza��o, industrializa��o, agricultura e minera��o, entre outras atividades e manifesta��es humanas, a exemplo da cultura e da pol�tica.  

Assim, no contexto da Geografia, sistema ambiental trata-se da organiza��o espacial, fruto das rela��es entre os geossistemas, ou sistemas f�sico/naturais e os sistemas antr�picos (Perez Filho, 2007). 

Diante disso, com base na abordagem sist�mica, pode-se falar na exist�ncia da Geografia F�sica, como parte componente da Geografia, a qual tem por objeto de estudo os sistemas f�sico/naturais, cujos elementos e processos manifestam-se temporalmente e espacialmente em organiza��es espaciais pr�prias. 

Sistemas antr�picos, por meio do uso e ocupa��o das terras, usufruem dos potenciais dos geossistemas, modificando os fluxos de mat�ria e energia existentes nos mesmos. Tais a��es permitem o rompimento do equil�brio din�mico existente no sistema, alterando assim a sua express�o espacial e temporal, com conseq�ente cria��o de novas organiza��es espaciais, as quais, sendo din�micas, constituem-se em um h�brido de forma e processo. 

Essas organiza��es, express�es temporais e espaciais da exist�ncia e intera��o dos geossistemas e sistemas antr�picos, podem ser consideradas como� objeto de estudo da Geografia. 

Modelos e manifesta��es temporais dos fen�menos da natureza e do sistema antr�pico 

Modelo tem sido uma das ferramentas mais utilizadas para a compreens�o do funcionamento das organiza��es espaciais. Chorley et al. (1974) define modelo como uma estrutura��o simplificada da realidade, que por ser complexa, necessita de instrumentos que permitam apresentar de forma generalizada suas caracter�sticas e rela��es. 

O processo de elabora��o de um modelo representativo da realidade recai sobre a subjetividade uma vez que se torna necess�rio abstrair do real parte dos elementos e processos observ�veis. 

Assim, o referido autor aponta para a seletividade existente nos modelos, a qual implica na concep��o de que os mesmos diferem da realidade, uma vez que tratam-se de aproxima��es simplificadas da mesma. Tal simplifica��o se justifica pela incapacidade humana em apreender e compreender a totalidade absoluta. 

Diante disso, pelo menos dois fatores devem ser considerados no processo de elabora��o e/ou ado��o de modelos. 

O primeiro deles trata-se da conscientiza��o do pesquisador de que modelos necessitam ser constantemente revistos diante de novas descobertas e de novas possibilidades t�cnicas. 

O segundo fator diz respeito aos cuidados referentes �s generaliza��es. Os processos existentes no interior de uma dada organiza��o espacial s�o complexos e lhes s�o pr�prios. Desta forma, modelos aplicados em determinados n�veis escalares de tempo e de espa�o devem ser tomados com muito cuidado ao se realizarem extrapola��es para outros n�veis. Isso se deve ao fato de que a presen�a de elementos, atributos e rela��es distintos daqueles abarcados pelo modelo podem invalid�-lo ou produzir uma vis�o distorcida da realidade estudada. 

A escolha da escala a ser adotada na an�lise depende do fen�meno a ser estudado. Cada fen�meno possui representa��o em um determinado tipo de escala espacial e temporal. Elementos que se manifestam em determinada escala, podem apresentar pouca ou nenhuma representatividade em escalas maiores de tempo e de espa�o (Quaresma, 2008).

Com rela��o �s manifesta��es temporais dos fen�menos da natureza e do homem definem-se pelo menos quatro escalas de import�ncia nos estudos das organiza��es espaciais, as quais seguem: 

A primeira trata-se da escala do tempo futuro, referente aos eventos que poder�o se tornar realidade. Nas an�lises e estudos em Geografia, tratam-se das previs�es cient�ficas de eventos, fen�menos, processos, formas e organiza��es espaciais que poder�o existir, por meio de gera��o de modelos normativos, cen�rios, dentre outros. 

A segunda trata-se da escala do tempo da Natureza. Os elementos naturais est�o inter-relacionados, sendo que seus processos e formas existentes na organiza��o f�sico/natural se manifestam em uma escala de tempo que lhe � pr�pria[2]. Como exemplo, pode ser citada a forma��o de solos a partir do intemperismo de rochas e da influ�ncia de condi��es morfoclim�ticas atuais. Uma vez que o processo de uso e ocupa��o das terras degrade propriedades do mesmo, para que se constitua um novo processo pedogen�tico � necess�rio um per�odo de tempo de milhares ou milh�es de anos, escala temporal n�o compat�vel com a escala temporal dos eventos humanos. 

A terceira trata-se da escala do tempo hist�rico do homem. Tal escala se inicia com a presen�a humana, n�o do pr�-hist�rico n�made e coletor, mas a partir do surgimento das grandes civiliza��es, quando, por meio do uso das t�cnicas, o homem torna-se capaz de alterar de forma significativa, elementos e fen�menos pertencentes ao sistema f�sico/natural em uma tentativa de reduzir seus obst�culos e de control�-lo. 

A escala do tempo hist�rico do homem surge num momento avan�ado da escala de tempo da natureza e constitui per�odo de tempo m�nimo em rela��o � extens�o desta. 

Tais escalas n�o devem ser concebidas de maneira estanque e linear, ou seja, n�o se deve pensar que no momento em que uma termina, a outra come�a. H� uma coexist�ncia de tais escalas no tempo, a partir do surgimento da escala do tempo hist�rico do homem. 

A quarta trata-se da escala do tempo presente, que se caracteriza pelo fato do sistema antr�pico, nas �ltimas d�cadas (em especial no p�s Segunda Guerra e mais precisamente no p�s d�cada de 70 do s�culo XX) ter atingido grande desenvolvimento t�cnico.  

Este per�odo equivale ao que Richta (1968) e posteriormente Santos (2002) apontaram como aquele que se distingue de seus antecessores pela profunda inter-rela��o da ci�ncia, da t�cnica e da informa��o, que permitiu ao mercado tornar-se global.  

Entretanto, n�o se deve achar que o ambiente deva ser considerado como uma produ��o artificial do homem. Por mais que o processo de uso e ocupa��o das terras se processe sob uma l�gica cada vez mais ligada ao mercado, e haja adensamento de objetos t�cnicos tanto no campo quanto nas cidades, n�o se deve pensar que a natureza deixou de existir, ou que n�o seja tamb�m respons�vel por processos de forma��o de organiza��es espaciais, ou ainda que n�o seja capaz de influenciar a estrutura��o, din�mica e funcionamento dos sistemas antr�picos. 

A afirma��o de que �a natureza deixou de ser uma parte significativa do nosso meio ambiente� (Gellner, 1989) Apud: Santos (2002) demonstra o descaso com que o homem tem tratado a mesma, desconsiderando seus processos e funcionamento, o que reflete a l�gica com que tem se processado o uso e ocupa��o das terras a partir da segunda metade do s�culo passado.

A escala do tempo presente trata-se do per�odo em que o sistema antr�pico passa a possuir condi��es de interferir e de transformar os processos f�sico/naturais com grande intensidade. Tamb�m � neste per�odo que emerge a necessidade cada vez maior de se conhecer os elementos, atributos, inter-rela��es e funcionamentos dos sistemas f�sico/naturais, para que o processo de uso e ocupa��o das terras n�o seja guiado exclusivamente por l�gicas economicistas e de mercado, mas sim a partir do conhecimento dos geossistemas, a fim de que maior equil�brio na rela��o homem/natureza seja atingido.

Apesar do desenvolvimento tecnol�gico alcan�ado pelo homem, tornando-lhe capaz de alterar e controlar parte dos elementos e fen�menos pertencentes � natureza, esta, uma vez que constitui um sistema complexo, est� longe de ser plenamente conhecida, quanto menos controlada. Assim, apesar da exist�ncia do tempo da a��o humana (escalas de tempo hist�rico do homem e presente), h� o tempo natural (escala de tempo da natureza), que coexistem no processo de forma��o das organiza��es espaciais.

O sistema antr�pico � capaz de influenciar parte dos sistemas f�sico/naturais impondo-lhes ritmos diferentes e acelerando processos com conseq�ente altera��o de suas escalas de tempo de ocorr�ncia (Perez Filho, 2006).

Assim processos e formas que se manifestariam na escala do tempo da natureza, passam a ocorrer nas escalas do tempo hist�rico e presente. E � por isso que alguns pesquisadores, ao observarem as formas com que o homem tem interferido na din�mica natural da Terra, defendem a id�ia de, no tempo presente, ocorrerem processos geomorfol�gicos com g�nese antr�pica.

A��o antr�pica e mudan�a na escala temporal dos eventos naturais: o caso do Baixo Curso do Rio S�o Jos� dos Dourados-SP-Brasil

O baixo curso do Rio S�o Jos� dos Dourados, pertencente a uma sub-bacia da bacia hidrogr�fica do Rio Paran�, localiza-se no Noroeste do estado de S�o Paulo � Brasil e possui uma �rea de 1.052km�, abrangendo sete munic�pios paulistas (figura 1).

Figura 1
Porção da Bacia Hidrográfica do Baixo Curso do Rio São José dos Dourados (área de estudo)

Como foi o processo de organização espacial do Brasil até o século XIX?

A cobertura vegetal primitiva predominante na bacia trata-se da Floresta Latifoliada Tropical, associada a solos f�rteis, de estrutura m�dia a argilosa. Al�m disso, ocorre, em menor escala, vegeta��o de Cerrado e Cerrad�o.

O sistema antr�pico, pelo uso e ocupa��o das terras, principalmente com a cafeicultura e a pecu�ria extensiva, transformou o sistema f�sico/natural pr�-existente em uma organiza��o espacial expressa pela paisagem de pastagens.

Por meio de imagens orbitais e trabalhos de campo, realizados na �rea de estudo, foram verificados intensos processos erosivos, surgimento de canais fluviais de primeira ordem, forma��o de sulcos, ravinas e vo�orocas, recuo de cabeceiras, abatimentos e capturas fluviais (figura 2).

Figura 2
Voçoroca. Município de Suzanápolis/SP - Brasil

Como foi o processo de organização espacial do Brasil até o século XIX?

Tais ocorr�ncias t�m ocasionado pesado �nus � sociedade local, n�o s� pela perda de recursos naturais e degrada��o das terras, que afetam o pequeno produtor local, mas tamb�m pelos grandes investimentos destinados ao controle desses fen�menos, muitas vezes sem sucesso pela falta de um melhor entendimento de seu comportamento atual.

Os processos verificados comprovam o rompimento do estado de equil�brio do geossistema. Necessitaria, assim, verificar quais os agentes respons�veis por tal rompimento e pela acelera��o temporal dos processos identificados.

Por meio de imagens orbitais e de foto-interpreta��o, realizada em fotografias a�reas pancrom�ticas em escala aproximada de 1:25:000, provenientes do levantamento aerofotogr�fico do estado de S�o Paulo, realizado na d�cada de 1960, verificou-se que os processos acima citados tratar-se-iam de eventos recentes, de ocorr�ncia nas �ltimas quatro d�cadas.

A perman�ncia das condi��es geomorfoclim�ticas dos �ltimos quarenta anos, permitem afirmar que o rompimento do equil�brio din�mico do geossistema da �rea considerada n�o poderia ser explicado puramente com base nos elementos naturais.

Com base na classifica��o das terras, realizada segundo crit�rios adotados pelo Sistema de Capacidade de Uso, verificou-se que o uso e ocupa��o agropastoril, empregados pelo sistema antr�pico, se apresentam coerentes com os atributos dos elementos naturais, n�o sendo assim respons�veis diretos pela acelera��o dos processos verificados.

No p�s d�cada de 1970, os cursos de �gua pertencentes � �rea de estudo sofreram altera��es por parte do sistema antr�pica com a constru��o das usinas hidrel�tricas de Tr�s Irm�os e Ilha Solteira.

Tal informa��o permitiu a elabora��o da hip�tese de que os reservat�rios de tais usinas, ao provocarem altera��es significativas no n�vel de base local e modifica��es no n�vel do len�ol fre�tico, poderiam ser os respons�veis pelos processos erosivos identificados, uma vez que possuiriam capacidade de romper os limiares de resili�ncia do geossistema considerado.

As rela��es entre a reativa��o de processos erosivos a remontante e altera��es no n�vel de base dos canais fluviais � conhecida e discutida desde, pelo menos, o final do s�culo XIX, tal como no trabalho de Davis (1899), que trata da retomada de processos erosivos pela mudan�a no n�vel de base geral, dando in�cio ao ciclo geomorfol�gico.

�O modelo de pedimenta��o e pediplana��o pressup�e a perman�ncia e generaliza��o do n�vel de base. Segundo Christofoletti (1974), qualquer ponto de um rio � considerado como n�vel de base para todos os demais pontos a montante, possibilitando afirmar que altera��es no n�vel de base local tamb�m sejam capazes de reativar tais processos geomorfol�gicos.

Com base em t�cnicas estat�sticas e utilizando-se de 44 amostras circulares de 10km� de di�metro cada, foram realizadas an�lises temporais em mosaicos de fotografias a�reas dos anos de 1962 e imagens orbitais de 2005.

Figura 3
Análise com amostras circulares da rede de drenagem de 1962.
Período anterior à construção dos reservatórios das usinas hidrelétricas em estudo

Como foi o processo de organização espacial do Brasil até o século XIX?

Figura 4
Análise com amostras circulares da rede de drenagem de 2005.
Período atual e após a construção dos reservatórios das usinas hidrelétricas em estudo
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Como foi o processo de organização espacial do Brasil até o século XIX?

Comparando-se as figuras 3 e 4 verificam-se, como resultado, aumentos significativos do n�mero e comprimento de canais de primeira ordem nos anos posteriores � constru��o dos reservat�rios das usinas hidrel�tricas mencionadas, confirmando assim a hip�tese formulada para o presente trabalho.

Assim, a a��o do sistema antr�pico como agente modificador dos processos e dos fluxos de mat�ria e energia nos geossistemas, pode ser observada pelo uso e ocupa��o das terras nas mais variadas formas existentes. Tal a��o, quando desconhece o funcionamento dos sistemas f�sico/naturais, ou quando calcada em valores puramente econ�micos, acabam por ocasionar degrada��o ambiental, em muitos casos irrevers�veis, haja vista que o rompimento dos limiares de resili�ncia for�a o sistema a buscar novo estado de equil�brio, por�m sempre diferente de seu estado original.

Embora tal sistema possua mecanismos que o capacitam a manter sua estrutura, organiza��o e funcionamento iniciais, um evento de alta magnitude, tal como o input exercido pelo sistema antr�pico por meio da constru��o de usinas hidrel�tricas, rompe os limiares de resili�ncia do sistema, for�ando-o a se reorganizar em busca de um novo estado de equil�brio din�mico.

Os processos naturais permitiram a constitui��o de uma organiza��o espacial f�sico/natural em per�odo de tempo, pertencente � escala da natureza. A a��o antr�pica, ao alterar os fluxos de mat�ria e energia no geossistema da bacia hidrogr�fica analisada, permitiu a acelera��o temporal dos processos naturais, resultando na modifica��o da organiza��o espacial pr�-existente e na cria��o de nova organiza��o, resultante da intera��o entre o sistema antr�pico e o geossistema.

Assim, a complexidade inerente aos sistemas f�sico/naturais e as novas formas de uso e ocupa��o empregadas pelo sistema antr�pico tornam-se elementos fundamentais � cria��o de modelos bem sucedidos da representa��o das organiza��es espaciais.

Conclus�es

A constru��o de usinas hidrel�tricas no p�s d�cada de 1970, no Planalto Ocidental Paulista, tem alterado o n�vel de base local dos cursos de �gua, provocando a desestabilidade do sistema e conduzindo a um novo reajuste, ocasionando retomada acentuada de processos erosivos (sulcos, ravinas e vo�orocas), abatimentos, capturas, reativa��o e recuo de cabeceiras de canais fluviais de primeira ordem.

O Sistema de Capacidade de Uso, embora seja �til para agentes envolvidos em pr�ticas de conserva��o de solo e de combate � eros�o, demonstra car�ncias em rela��o � capacidade de previs�o dos processos erosivos identificados na �rea de estudo, haja vista que tal sistema n�o inclui outras formas de uso empregadas pelo homem.

Os processos verificados, com base na din�mica dos elementos do geossistema se manifestariam na escala do tempo da natureza. As a��es do sistema antr�pico sobre os sistemas f�sico/naturais ampliam a velocidade dos processos, permitindo sua ocorr�ncia nas escalas de tempo hist�rico do homem e presente.�

Desta forma, modelos de representa��o das organiza��es espaciais necessitam ser reavaliados, sob arcabou�o metodol�gico, baseado na abordagem sist�mica, capaz de entend�-las como resultado n�o linear das rela��es entre os geossistemas e o sistema antr�pico.

Os resultados apresentados fornecem subs�dios fundamentais � formula��o de pol�ticas p�blicas que, ao considerarem a exist�ncia de elementos, atributos e rela��es, anteriormente desconsiderada, sejam capazes de entender as organiza��es espaciais e de promover pr�ticas efetivas, que visem minimizar a degrada��o das terras.

Notas

[1] Pode ser citado o exemplo da erup��o vulc�nica ocorrida no Monte Pinatubo nas Filipinas no ano de 1991, que, ao eliminar suas cinzas na atmosfera, afetou o equil�brio radiante da atmosfera e causou mudan�as de temperatura do globo terrestre por meses.

Como foi o processo de organização espacial do Brasil até o século 19?

Até o século XIX, o espaço brasileiro estava sob um sistema chamado de arquipélago. Essa denominação tem origem na forma como ocorria a distribuição espacial das atividades econômicas e no isolamento dessas áreas. A conexão existente era com o mercado exterior, para onde a produção era direcionada.

Como era a organização do espaço económico no século XIX?

Já no século XIX, a atividade econômica predominante era a plantação e produção de café. Essa planta asiática foi a locomotiva da economia brasileira nos tempos imperiais, sendo fundamental para o surgimento do setor econômico que se desenvolveria no século passado: o industrial.

Como é a organização espacial?

Organização espacial (sistema ambiental) deve ser caracterizada como entidade organizada na superfície terrestre formada pelos subsistemas físico/natural e antrópico, bem como por suas interações.

O que é organização espacial exemplos?

O que é organização espacial exemplos? A organização espacial refere-se à percepção do “eu” em relação ao ambiente e aos demais objetos. Para ser bem sucedida essa percepção depende de uma boa maturidade cognitiva e psiconeurológica.