Como os recursos hídricos podem ser alimentados?

Quando falamos de economia e, principalmente, da produção de alimentos e matérias-primas, muitas vezes nos referimos a recursos naturais tais como o solo e as lavouras em si (soja, o arroz, o trigo e outros). Todavia, geralmente nos esquecemos de que o principal recurso natural para a produtividade é a água, pois sem ela não é possível o cultivo, processamento e transformação de qualquer alimento ou produto primário.

Por isso, existe uma direta relação entre a falta de água e a segurança alimentar, tema que vem sendo amplamente discutido no Brasil, haja vista que o decorrer do ano de 2014 e o início de 2015 marcaram a emergência de uma profunda crise hídrica no país, atingindo uma considerável parte da população, sobretudo na região Sudeste. Vale destacar também que outras áreas no Nordeste e também na região Sul já passaram pelo mesmo problema em tempos não muito distantes.

A segurança alimentar consiste na execução do direito de todas as pessoas terem acesso a fontes de alimentos ou aos alimentos em si de forma regular e permanente. Mas a segurança alimentar, conforme prevê o artigo 3º da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, não pode comprometer o acesso da população a outras necessidades consideradas essenciais, além de ser realizada de forma a preservar as condições de saúde, ambientais, econômicas e até culturais. Assim sendo, a segurança alimentar diz respeito ao bem-estar propriamente dito de todas as pessoas.

Portanto, quando dizemos que a falta de água pode trazer riscos à segurança alimentar, estamos dizendo que, ou faltará alimentos para suprir a demanda de toda a população, ou a produção deles será realizada mediante o sacrifício de outras necessidades, tanto de cunho ambiental quanto de caráter socioeconômico.

Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)

No estado de São Paulo, onde os regimes de chuva ocorreram muito abaixo do esperado desde o verão do ano de 2013 (o que também aconteceu em outras regiões, como o Centro-Oeste), a falta de água tornou-se um problema crônico, ocorrendo a diminuição gradativa dos sistemas de captação de água, de forma que boa parte da população, além de vários setores da economia, passou a sofrer com as consequências. Diante disso, é preciso garantir, por meios de obras e ações públicas, medidas para preservação da água ainda existente e também para a captação de mais recursos hídricos, sem haver uma grande dependência em relação aos fenômenos climáticos e meteorológicos. Uma das medidas seria a transposição da bacia Paraíba do Sul para sua integração ao Sistema Cantareira, o principal reservatório de água de São Paulo.

Vale lembrar que, além da menor oferta de alimentos, a falta de água pode provocar o encarecimento deles e de todos os serviços, pois os custos da produção aumentam. Além disso, é preciso mencionar que a maior parte do fornecimento de energia elétrica do Brasil ocorre por meio de hidrelétricas, de forma que a diminuição de seus reservatórios pode provocar também uma crise energética no país.


Por Me. Rodolfo Alves Pena

Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que, para atender ao crescimento populacional e às novas demandas por alimentos, a produção mundial de cereais terá que aumentar cerca de um bilhão de toneladas até o ano 2030. Esse aumento previsto dependerá prioritariamente da disponibilidade hídrica para suprir as demandas de irrigação, que será responsável por atender cerca de 80% dessa produção adicional que ocorrerá entre 2001 e 2025.

Segundo Postel (2000), no mundo, a agricultura irrigada é responsável por cerca de 40% de toda produção, viabilizando produzir fisicamente, em uma mesma área, até quatro vezes mais que a agricultura de sequeiro. Para evidenciar a importância da agricultura irrigada na produção global de alimentos, Sojka et al. (2006) comentam que seria necessário expandir a área de sequeiro em cerca de 250 milhões de hectares para se obter uma produção equivalente à produção média adicional que é proveniente de áreas irrigadas.

Embora o Brasil detenha cerca de 12% da água doce superficial disponível no Planeta, 28% da disponibilidade nas Américas e possua, ainda, em seu território, a maior parte do Aquífero Guarani, a principal reserva de água doce subterrânea da América do Sul, o país tem enfrentado problemas hídricos em várias regiões. Segundo relatório da OCDE (2015), a água se tornou um fator limitante para o desenvolvimento econômico do Brasil e fonte de conflitos em várias regiões.

A água é um recurso de grande importância para todos os setores da sociedade e atender a todos os usos e usuários requer um trabalho coordenado de planejamento e gestão de recursos hídricos. Não se pode pensar em segurança alimentar dissociada da segurança hídrica, pois para produzir alimento uma quantidade significativa de água deve ser mobilizada.

Neste contexto, é importante aprender com os erros do passado e aproveitar o momento para planejar um futuro melhor, que consiste necessariamente em tratar a água como um bem estratégico para País. Para isto, é preciso integrar a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) com as demais políticas públicas. É fundamental definir as prioridades de uso da água, levando-se em consideração as necessidades básicas do País e as especificidades de cada região.

Não se pode pensar em agricultura e desenvolvimento sustentável sem que haja um equilíbrio entre oferta e demanda de água. O Brasil é um país de dimensões continentais com grandes diferenças sociais, ambientais e econômicas, o que faz da gestão uma atividade muito mais desafiadora. Fazer a gestão de forma igualitária em todo país, pode levar a conflitos em bacias hidrográficas que já se encontram em estado crítico em termos de disponibilidade hídrica. A gestão deve considerar as desigualdades hídricas regionais e ter um olhar diferenciado para as bacias hidrográficas críticas, onde a disponibilidade hídrica já está comprometida, assim como onde já é realidade a ocorrência de conflitos pelo uso da água.

A vazão média anual de todos os rios do mundo é da ordem de 40.000 a 50.000 km³/ano. No Brasil, os recursos hídricos de superfície correspondem a uma vazão média da ordem de 5.676 m³/ano, ou cerca de 12% do total mundial, podendo chegar a mais de 16% se as vazões dos rios provenientes de países vizinhos forem contabilizadas. O desafio é gerenciar adequadamente essa água, que implica em alocar os recursos entre os diversos usuários, reduzindo os conflitos e trazendo segurança hídrica.

Atender as demandas atuais e futuras por alimento requererá um rápido aumento de produtividade, que precisa ser feito sem danos adicionais ao ambiente. Para que isso ocorra, é fundamental que os princípios de sustentabilidade sejam parte central das políticas agrícolas. Produzir de forma sustentável não é uma tarefa simples. É necessário reduzir o crescimento horizontal (aumento do uso dos recursos naturais), aumentar o crescimento vertical (aumentar a eficiência) e considerar o fato que as tomadas de decisão estão cada vez mais complexas e que a agricultura está cada vez mais pressionada na direção da multifuncionalidade, principalmente, na produção de alimentos, fibras e energia.

Com estimativa atualizada de cerca de sete milhões de hectares irrigados, o Brasil é um dos poucos países do mundo, se não o único, com capacidade de triplicar a sua área irrigada com sustentabilidade, trazendo contribuições efetivas para o meio ambiente, para o desenvolvimento social e econômico do País, com geração de empregos estáveis e duradouros.

A irrigação, principal usuária de recursos hídricos, apresenta características de uso bastante diferente dos demais usos. A demanda de irrigação é muito variável de ano para ano. Isso dificulta a gestão e deixa o irrigante com a impressão de que a alocação de água não está sendo feita de forma correta. Essa falsa impressão ocorre pelo fato de as outorgas serem fixas e as demandas serem variáveis, fazendo com que, nos anos de baixa demanda, haja água em excesso nos rios, trazendo ao irrigante a percepção de que ele poderia ter mais água para sua irrigação.

O desenvolvimento de uma agricultura sustentável passa, necessariamente, pelo uso sustentável dos recursos hídricos, que por sua vez, depende de uma gestão que incorpore os usos múltiplos da água e considere os fundamentos e diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos. É importante fortalecer os mecanismos que contribuem para aumentar a oferta hídrica na bacia hidrográfica.

O desafio atual da agricultura irrigada é garantir um suprimento adequado e regular de alimentos para a sociedade com o menor consumo de água possível. A alocação de água para fins agrícolas gera benefícios sociais, econômicos e ambientais que não são apropriados somente por um usuário, mas por toda a sociedade. É importante que os agricultores estejam atentos aos avanços tecnológicos, uma vez que as novas tecnologias podem contribuir para melhorar a eficiência do sistema, facilitar o manejo e beneficiar o ambiente.

A irrigação precisa de uma gestão com olhar ampliado. O produtor precisa ter uma visão além de sua propriedade e de sua área de produção. É preciso, sempre, uma visão macro, da bacia hidrográfica. A irrigação tem que ser feita olhando a bacia hidrográfica. O rio é na verdade reflexo daquilo que acontece na bacia como um todo. Ou seja, é preciso olhar a bacia de forma mais integrada, considerar estratégias de conservação de água e solo, que vão refletir diretamente na quantidade e na qualidade das águas.

Rodrigues et. al (2017)* destacam que agricultura irrigada terá que se adaptar a uma sociedade cada vez mais dinâmica, exigente quanto à alimentação e quanto às questões sociais e ambientais e que, para isso, terá que enfrentar desafios institucionais, políticos, ambientais, estruturais, científicos, de capacitação, de comunicação, técnicos, tecnológicos e climáticos.

São vários os desafios a serem enfrentados para se produzir alimento com sustentabilidade, mas sem dúvida alguma os principais e de mais difíceis soluções são aqueles que não dependem somente do agricultor, tais como: (i) a gestão de recursos hídricos, que é peça chave no processo de ordenamento do uso de recursos hídricos e de segurança hídrica. Uma gestão adequada deve ser capaz de considerar as especificidades inerentes a cada setor usuário e as estratégias a serem adotadas para se alcançar o uso sustentável; (ii) integração efetiva e verdadeira das ações institucionais e das políticas públicas setoriais.

Essa integração parece simples de ser feita, mas é muito difícil de ser operacionalizada. Como, por exemplo, pensar em segurança alimentar sem se pensar em segurança hídrica e energética? Como pensar em segurança alimentar sem considerar, por exemplo, um trabalho integrado dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente? Como pensar em segurança alimentar sem que o produtor tenha segurança na sua atividade?

O fato é que utilizamos muito pouco dos nossos recursos hídricos. É preciso criar mais valor e bem-estar com os recursos disponíveis. Isso não significa, é claro, incentivar a cultura do desperdício de água. É importante definir as prioridades de uso nas bacias e lançar um olhar mais atento para aquelas bacias que já enfrentam problema de disponibilidade hídrica. Com uma gestão de recursos hídricos competente, é possível trazer segurança hídrica e atender a todos os usos e usuários sem comprometer a disponibilidade. Água é sinônimo de dialogar, de compartilhar e de integrar. Não é geradora de conflitos, mas sim de oportunidade para produzir alimento e desenvolvimento.

Lineu Neiva Rodrigues
Pesquisador da Embrapa Cerrados

Palestra Água na agricultura: os desafios e oportunidades para o desenvolvimento sustentável, apresentada na Embrapa Cerrados

OCDE. Governança dos recursos hídricos no Brasil. Paris, 2015.
POSTEL, S. Redesigning irrigated agriculture. In: STARKE, L. (Ed.). State of the World 2000: a Worldwatch Institute Report on progress towards a sustainable society. New York, NY: W.W. Norton & Company, 2000.
*Rodrigues, Lineu N; Domingues, F.D. ;CHRISTOFIDIS, D. . Agricultura irrigada e produção sustentável de alimento. In: Lineu Neiva Rodrigues; Antônio Félix Domingues. (Org.). Agricultura irrigada: desafios e oportunidades para o desenvolvimento sustentável. 1ed.Fortaleza: INOVAGRI, 2017, v. 1, p. 21-108.
SOJKA, R. E.; BJORNEBERG, D. L.; ENTRY, J. A. Irrigation: an historical perspective. In: LAL, R. (Ed.). Encyclopedia of soil science. 2nd ed. London: Taylor & Francis, 2006. p. 945-749.

Quais são os tipos de recursos hídricos?

Os recursos hídricos são qualquer água superficial ou subterrânea que pode ser obtida e disponível para o uso humano, como os rios, lagos, arroios, lençóis freáticos etc. Apresenta uma fonte alternativa de energia, obtida através das usinas hidrelétricas, a mais importante e mais utilizada fonte de energia do Brasil.

Como utilizar os recursos hídricos?

Estes recursos podem ser utilizados na geração de energia elétrica, abastecimento doméstico e industrial, irrigação de culturas agrícolas, navegação, recreação, aquicultura, piscicultura, pesca e também para assimilação e afastamento de esgotos.

O que é o recurso hídrico?

Recursos hídricos é o nome dado ao recurso natural da água. Dentre os recursos naturais disponíveis ao homem, a água é o mais importante, uma vez que é insubstituível à vida na Terra. Por muito tempo acreditou-se que este era um recurso inesgotável, pelo fato de que aproximadamente 75% da superfície terrestre ser água.

O que devemos fazer para preservar os recursos hídricos?

Recicle os resíduos e faça o descarte correto. Apoie a gestão dos recursos hídricos focando no reaproveitamento da água. Prefira produtos certificados com selos verdes. Previna vazamentos em torneiras e vasos sanitários, com inspeções periódicas.