De acordo com o campo semântico proposto pelo texto, qual interferência

1 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS Jenny BRUMME Universitat Pompeu Fabra Facultat de Traducció i Interpretació Gostaria de dedicar este trabalho à Evelina e ao Telmo Verdelho 1. O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ». HIPÓTESE DE TRABALHO No presente estudo propômo-nos analisar o campo semântico coberto pelo verbo brilhar em português. O nosso interesse explica-se, no entanto, através dum objectivo mais geral, isto é, a descrição das diferenças que percebemos na estruturação deste campo nas diferentes línguas românicas, de um lado, e no alemão, do outro. As nossas primeiras análises realizadas, quer a partir de corpora textuais informatizados (Alsina / Brumme 2001; Brumme 2002, 2000b), quer a partir de traduções (Brumme 2000a) corroboram a seguinte hipótese que precisa ser aprofundada com estudos mais detalhadas para cada uma das línguas em questão: enquanto nas línguas românicas o campo parece ser coberto por um número relativamente reduzido de lexemas (por ex., brilhar, luzir, reluzir, resplandecer, em português), que, além disso, apresentam uma determinada quantidade de sinónimos, em alemão é dividido em muitas fracções claramente diferenciadas e com menos sinonímia. Entende-se o nosso estudo não só como contribuição para a descrição contrastiva das línguas, que pode ter aplicação na tradução ou na lexicografia bilingüe, mas também para um futuro dicionário português de ideias afinas e a distinção mais exacta dos sinónimos na lexicografia monolingüe portuguesa. 2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS Em princípio, baseamo-nos no conceito de campo semântico da linguística estruturalista tal como o definiu Coseriu (1986: 147) e tal como o utilizaram outros membros desta escola, como Geckeler (1984: 232). Segundo o método estruturalista, os membros do campo compartilham um ou mais traços básicos, que determinam a inclusão no campo, e, ao mesmo tempo,

2 122 JENNY BRUMME delimitam-se entre si através doutros traços binários que se encontram em oposição, que, por sua vez, se verifica por meio da prova de comutação. Esta teoria não deixa de apresentar alguns problemas que motivaram críticas de diversos sectores. Um dos inconvenientes da teoria do campo semântico, tal como foi concebida pela escola estruturalista, é justamente esta delimitação tão clara e nítida entre os diversos lexemas que compõem o campo, quando as investigações posteriores demostraram que as palavras não apresentam limites tão precisos: a formulação de Rosch (1978) da teoria dos protótipos, teoria que veio a constituir um dos pilares da linguística cognitiva, demonstra que os conceitos, tal como os concebe a mente humana, não apresentam efectivamente limites claramente definidos, mas sim um núcleo conceitual claro com limites vagos (fuzzy). Acreditamos, porém, que se podem usar os contributos da linguística mais recente para ajustar o conceito de campo semântico sem termos de rejeitá-lo ou revê-lo completamente: assim, o conjunto de traços que compõe cada um dos lexemas de um campo pode-se compreender como a sua «definição prototípica», facto que não excluiria a possibilidade de acepções «periféricas» que não se ajustariam exactamente ao conceito do campo semântico acima mencionado. Por outro lado, Lutzeier apresentou diversas propostas, como a introdução de um marco semântico comun que se chamaria «aspecto» (Aspekt) (1992: 70; 1985: 121). Tomamos também em consideração o contributo de Schwarze (1985; 1996), que propõe complementar com uma componente sintáctica a análise semântica (as valências do verbo). Também são de grande interesse as abordagens onomasiológicas como a apresentada por Vernay no seu Dictionnaire onomasiologique des langues romanes (DOLR ), onde não se tomou em consideração o campo semântico estudado no presente trabalho. 3. OBJECTIVO E RESULTADOS DE ESTUDOS ANTERIORES Dos estudos anteriormente realizados para o francês, espanhol e catalão, no caso das línguas românicas, e para o alemão (cf. Le Clerc 1996; 1998; Alsina / Brumme 2001; Brumme 2002, 2000a), obtivemos os seguintes resultados: de um lado, situa-se a área ibero-românica (espanhol, catalão), com um lexema fundamental, BRILHAR, que actua como arquilexema, e com um reduzido número de lexemas que apresentam mais algum traço e que têm um certo número de sinónimos; do outro lado, a área germânica, sem lexema fundamental e com um certo número de lexemas, cada um com algum traço claramente distintivo. O francês, pela centralidade de briller e pelo menor número de classemas, situa-se entre as línguas românicas e o alemão. Como constatámos no primeiro estudo efectuado (cf. Alsina / Brumme 2001), é útil introduzir, neste ponto, a teoria da linguística cognitiva segundo a qual existem três níveis para denominar as coisas: o superordenado, o básico e o subordinado (que, por exemplo, no campo da fruta, estariam representados por «fruta», «maçã» e «golden», respectivamente); o básico é o mais importante cognitivamente, o mais rico e eficaz, e seria a esse que pertenceria brilhar, enquanto que no alemão, embora seja mais difícil determinar quais lexemas se achariam no nível básico, parece haver un número mais elevado que nas línguas românicas. Combinando o método estruturalista com os contributos da linguística cognitiva, Le Clerc chegou a determinar o núcleo do campo dos «verbos de luz» em francês. No centro situam-se três verbos que recebem a seguinte descrição prototípica:

3 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS 123 x brille x donne une lumière vive comme un diamant. x reluit x renvoie une lumière intense comme une surface polie. x rayonne x donne des traits de lumière abondants (Le Clerc 1998: 227). 1 Situam-se mais longe do centro, num segundo círculo, os verbos luire, miroiter, resplendir, s illuminer, étinceler et rutiler. Na periferia, encontram-se papilloter, chatoyer, révérberer, irradier, s éclairer, s assombrir, éclater, brasiller, scintiller, poudroyer, flamboyer (Le Clerc 1998: 210). A reconstrução dos traços delimitadores é extremadamente importante para que posteriormente se possam comparar as línguas entre si. Embora tenhamos realizado, primeiro, uma análise independente para cada uma das línguas, já estabelecemos bases comuns de análise que se poderão aplicar a todas e que servirão, na fase final, de tertium comparationis. 4. MÉTODO E BASES DE ANÁLISE Como já assinalámos, baseamos-nos, em princípio, no conceito de campo semântico da linguística estruturalista (Coseriu 1986: 147; Geckeler 1984: 232) ajustando-o, em alguns aspectos, às necessidades duma análise aprofundada, com a ajuda da teoria do protótipo. Antes de começar queríamos retomar as «distinções preliminares» que estabelece a linguística estruturalista (Coseriu 1966: ; cf. também Geckeler 1971: ), uma vez que formam a base do estudo que se declara decididamente intralinguístico (Dupuy-Engelhardt 1998: 2). Trata-se, portanto, de delimitar os factos e estruturas extralinguísticas (as «coisas») e os factos e estruturas intralinguísticas (as «palavras»), 2 a «linguagem primária» e a «metalinguagem» e o «significado» (relação semântica entre os signos) e a «designação» (relação entre signo e objecto ou referente). Além disso, o método estruturalista requer tomar em consideração as quatro observações restantes: não misturar diacronia e sincronia, dissociar as «técnicas do discurso» e o «discurso repetido», distinguir entre uma «língua histórica» (um diasistema; «arquitectura») e uma «língua funcional» (um sinsistema; «estrutura»), entre o sistema duma língua onde se situam os significados e o tipus, nível superior, e a norma e o discurso, nos níveis inferiores. Para podermos efectuar o nosso estudo e reduzir a quantidade dos lexemas a estudar, adoptámos, porém, algumas restrições: escolher a «língua funcional» não implica forçosamente optar, na línha de Geckeler (1971: 211), pela língua comun, isto é, a prosa cuidada de um estilo médio. Concentrámos, no entanto, o nosso estudo na língua literária, que não coincide com a «língua funcional», pois contém elementos diatópicos, diastráticos, diafásicos e 1. Le Clerc explica: «La cohérence du centre de champ sémantique est mise en relief par le fait que briller, reluire et rayonner constituent une moyenne empirique de variations autour du thème de la visibilité d une lumière. Quant à l axe de continuité qui spécifique l essence, briller représente le centre de cette gamme avec la désignation d une emission continue avec des faibles interruptions; reluire désigne une émission plus continue et régulière, rayonner une émission qui a tendance à être clignotante. A ces variations s ajoutent l accent sur l extension spatiale et les traits de lumière chez rayonner, la connotation négative d une haute intensité lumineuse chez reluire et la réflexion vive à tendance transformative chez briller» (Le Clerc 1998: 227). 2. Esta distinção é importante, uma vez que tentamos descrever um léxico que não tem um referente extralinguístico bem delimitado, mas trata-se de «un domaine à référent extralinguistique flou» (Dupuy-Engelhardt 1998: 4-7). Justifica-se assim, mais uma vez, a abordagem claramente intralinguística de opôr as unidades lexicais entre contextos semânticos similares para diferenciá-las e estabelecer os seus traços distintivos.

4 124 JENNY BRUMME diacrónicos. É preciso acrescentar que esta opção fez com que os elementos diafásicos, ou seja, um estilo altamente elaborado («supra-estrato») aumentassem notavelmente. Contudo, procurámos, desde o início, um corpus literário, porque se trata de um conjunto de verbos pouco frequentes na língua comun 3 e tinhamos, portanto, consciência que são os textos literários que melhor documentam os usos e as acepções referenciadas pela lexicografia. Além disso, comprovámos rapidamente que entre os corpora facilmente acessíveis, ou seja, alguns corpora da imprensa em português, está documentado apenas o verbo brilhar e muitas vezes só em sentidos figurados. Além disso, a análise baseada num corpus não só tem como objectivo estabelecer as oposições e detectar os traços distintivos, mas permitirá também observar o aumento de traços suplementares ou, pelo contrário, a neutralização de traços que se produzem nos níveis da norma e do discurso (cf. Depuy-Engelhardt 1998: 9 e 19). O objectivo final é, por conseguinte, descrever os sememas abstraídos dos usos mais específicos, os alosememas (Wotjak 1993: 123, cit. apud Depuy-Engelhardt 1998: 19). Quanto à distinção entre «linguagem primária» e «linguagem secundária» que requer tomar em consideração a linguística estrutural (Geckeler 1971: 184) queríamos precisar aqui que, uma vez desfeito o mal-entendido desta premissa (cf. Depuy-Engelhardt 1998: 10), incluímos na nossa análise também os verbos prefixados como reluzir, rebrilhar, em português, ou a straluci, a strafulgera, em romeno. Apesar do campo ser composto por todas as classes de palavras, limitamo-nos aos verbos intransitivos, delimitação que nos serve também de classema. 4 Das análises anteriores surgiu outro classema segundo do qual trazemos uma distinção entre «fonte de luz» ( luz natural / luz artificial ) e «luz reflectida». Também parecia necessário introduzir as dimensões «movimento» ( intermitentemente, tremulamente, etc.), «forma» ( com raios de luz, etc.) e «intensidade» ( com luz destacada, com grande esplendor, etc.). O método seguido para a análise foi o seguinte: numa primeira etapa baseámo-nos nas definições de dicionários para chegarmos a um esquema provisório dos traços distintivos que compõem o campo semântico. Em segundo lugar, queríamos consultar, como no caso dos estudos anteriores, 5 corpora textuais informatizados e acessíveis através da Internet para comprovar a validade desta primeira análise, ajustar os resultados e tentar resolver as dúvidas suscitadas pela informação proporcionada pelos dicionários. Discobrimos, então, o Corpus de Referência do Português Contemporâneo, disponível no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa que nos proporcionou o material suficientemente detalhado para podermos empreender um primeiro estudo. 3. Le Clerc afirma igualmente: «Notre champ d investigation est constitué par un ensemble très littéraire de 25 verbes français; aussi ne trouvera-t-on pas leurs occurences régulièrement dans le langage courant et parlé, mais plutôt dans les textes écrits» (1998: 210). 4. Baseamo-nos na nomenclatura e conceitos usados por Coseriu e desenvolvidos por Geckeler: «Una unidad cuyo contenido es idéntico al contenido común de dos o más unidades de un campo (o de todo un campo léxico) es un archilexema» (Coseriu 1986: 171; cf. também Geckeler 1984: ); clasema: «un rasgo distintivo que funciona en toda una categoría verbal («parte de la oración») o, al menos, en una clase determinada ya por otro clasema dentro de una categoría verbal y, en principio, independentemente de los campos léxicos» (Coseriu 1986, 175; cf. Geckeler 1984, ); «Entendemos por dimensión un «punto de vista de articulación» (H. Schwarz), que actúa en un campo léxico y que constituye, por así decirlo, la escala para las oposiciones entre determinados lexemas de este campo» (Geckeler 1984, 298). 5. Para o francês usámos a base de datos FRANTEXT, para o espanhol, o CREA da Real Academia Española, para catalão, o Corpus de l Institut d Estudis Catalans e, para o alemão, o Mannheimer Korpus do Institut für Deutsche Sprache.

5 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS O CAMPO SEMÂNTICO EM PORTUGUÊS 6 A primeira análise, ou seja, a consulta de dicionários, dá-nos como resultado o quadro seguinte: S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 brilhar (A) cintilar (B) faiscar (C) espelhar luzir + 0 /+ 0 relampaguear (D) reluzir resplandecer (E) S1 = emitir luz S2 = reflectir a luz S3 = com grande esplendor S4 = com raios de luz S5 = com faíscas S6 = com uma série de mudanças no brilho S7 = com movimento trémulo, agitado Sinónimos, variantes regionais ou ortográficas: A = chamejar B = centelhar, cintilhar, scintilar C = chispar D = coriscar, coruscar // fulgir, fulgurar, fulminar, fuzilar // relampaguejar, relampar, relampear, relampejar, relamprar, etc. E = esplandecer, esplender, etc. // rebrilhar, relumbrar, rutilar Como indica o quadro sinóptico, os verbos de luz formam um conjunto, cujo centro é formado provavelmente pelos mesmos verbos que em francês. Por isso, começámos a análise pelos pares mínimos de lexemas que estabelece Le Clerc (briller - luire, reluire - resplendir, étinceler - scintiller), ou seja, brilhar - luzir, reluzir - resplandecer e faiscar - cintilar, 8 estes últimos com o propósito de diferenciá-los entre si. 6. Referimos-nos só ao português de Portugal. 7. Os símbolos significam: + traço pertinente, - traço não pertinente, 0 o verbo comporta-se de maneira indiferente quanto a este traço. 8. Sabemos que a oposição teria de ser estabelecida entre faiscar - chispar - centelhar / cintilar, mas começamos, por analogia com os estudos realizados para o francês, com a de faiscar - cintilar, uma vez que nos interessava a comparação das duas línguas. Porém, é necessário acrescentar que a representação de chispar no corpus é muito baixa.

6 126 JENNY BRUMME 5.1. Problemas da descrição nos dicionários Quanto a estes pares, na primeira aproximação à análise do campo, isto é, na consulta dos dicionários, já surgem alguns problemas, como por exemplo o facto do lexema luzir apresentar uma definição ambígua na maioria dos casos, pois é sinónimo, tanto de brilhar, como de resplandecer ou reluzir, os quais, por sua vez, não são definidos como sinónimos: «brilhar muito», Bluteau, Porto-Editora; «brilhar intensamente», Machado, DLP; «Luzir com extraordinário brilho», Machado; «brilhar, luzir muito», Aurélio. Apenas o GDLP distingue luzir, reluzir e brilhar, indicando os sinónimos: «Luzir é dar luz; reluzir é reflectir a luz; e brilhar é lançar ou reflectir uma luz muito viva e cintilante». O procedimento lexicográfico normal é, não obstante, o de recorrer a uma definição circular com a qual não resulta nada fácil reconstruir os traços distintivos, quer sejam estabelecidos com base em oposições binárias, quer sejam a partir de um centro prototípico. Os verbos faiscar, apresentado como sinónimo de chispar pelos dicionários («lançar faíscas», Silva Morais; «lançar chispas ou faíscas», Machado) e cintilar, cuja definição já preocupou Bluteau, apresentam também um especial interesse. Relativamente à entrada scintilar, afirma que teria que se distinguir estes dois verbos: porque Faisca he aquelle àtomo igneo, ou particula volatil de fogo, que se sepàra, ou da pederneyra, ferida com fuzil, ou da braza, ou candea, quando espirra. Mas Scintila não he particula separada, & desatada do corpo luminoso, como se vè nas Estrellas, das quaes he propria a scintilação (Bluteau : 526). E continua dizendo «que na lingua Portugueza Faisca, & Scintila, não podem sempre ser synonymos»: Scintilação não he outra cousa, que hûa interrupta, & tremula emanação, ou ejaculação, & vibração da luz, sem diminuição algûa da substancia do corpo luminoso; o que pelo contrario succede nos corpos, que lançando faiscas, perdem insensivelmente hûas pequenas partes da materia ignea, que nelles se encerrava (Bluteau :526) O comportamento sintáctico dos verbos de luz Como é possível ver em Bluteau, os dicionários, apesar de fornecerem definições circulares, dão algumas pistas sobre o uso através dos exemplos para melhor explicar o fenómeno descrito. Por isso, reuniremos as características que se associam, segundo os dicionários, com estes verbos, prestando atenção ao comportamento sintáctico, ou seja, às valências, especialmente os actantes (suplementos imprescindíveis) e circunstantes (suplemento prescindível, livre) (actant et circonstant; Tesnière; cf. Le Clerc 1996: 65-66). Segundo Le Clerc, os seis verbos franceses que nos interessam têm uma única valência (na terminologia tradicional, intransitivo) que é o primeiro actante (na terminologia tradicional, o sujeito) e não precisam nem de adverbiais nem de complementos (Le Clerc 1996: 67). Como já mostrámos para o espanhol (Brumme 2002), a situação muda sensívelmente com o verbo lucir, que é polissémico e que depende dos usos transitivo (por ex., «Tiendas y alma-

7 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS 127 cenes lucían paredes recién pintadas»), intransitivo (por ex., «El reloj luce mucho en aquella pared»), predicativo («A pesar de sus sufrimientos luce más joven que en la boda») ou pronominal (por ex., «Los alumnos se lucieron ante el inspector»). Um bom panorama dos usos dá o DEA, ao indicar também as frequências, apresentando-lo, no entanto, fundamentalmente como verbo intransitivo e só no final do parágrafo aparecem os seus usos predicativo, pronominal e transitivo. No entanto, comprovámos, a partir de um corpus extraido do CREA, que a frequência do uso transitivo é muito maior que os outros (Brumme 2002). Lara (1996) tem, portanto, toda a razão ao redistribuir as acepções; a baixa frequência de luzir como verbo de luz no corpus do espanhol americano (por ex., «El Sol lucía muy alto») 9 justifica também que esteja no final da entrada. Quanto ao português, centrar-nos-emos nos dicionários de Silva (GDLP), Machado e Aurélio que oferecem informação mais detalhada sobre uso e comportamento sintáctico dos verbos brilhar - luzir, reluzir - resplandecer e faiscar - chispar - centelhar / cintilar. Além do uso intransitivo, os verbos chispar, faiscar, luzir e resplandecer receberam, no GDLP, uma entrada separada como verbos transitivos: Chispar 2, v. t. Lançar de si (fogo, lume, etc.): «as pupilas do juiz chispavam lume»; «João Falcão fazia chispar ao sol a sua espada enorme», Júlio Dantas, Pátria Portuguesa, 221; «Um sol redondo e gordo, chispando raios», Erico Veríssimo, Música ao longe, 7, 3ª. ed. (Cf. também Machado); Aurélio: «a fogueira chispava fagulhas». Faiscar 2 (a-ìs), v. t. Fazer lançar faísca(s) de; fazer lançar faíscas; acender: «ele ergueu-se e faiscou o acendedor de ouro», Samuel Maia, Dona sem Dono, 322 // Lançar de si chispas, centelhas, clarões: «Não atinou o santo homem um faiscar lume», Aquilino Ribeiro, O Servo de Deus, 23. // Dardejar, emitir como faíscas: «Faiscavam-lhe áscuas de rancor os olhos injectados», Camilo, Voltareis ó Cristo?, cap. 3, 23. (Cf. também Machado) Luzir 1, v. t. (do lat. Lucere). Mostrar, apresentar com luzimento, com brilho. (Cf. também Machado) Resplandecer 2 v. t. Reflectir o brilho ou esplendor de. / Fig. Fazer sobressair, fazer avultar: «rosto onde resplandecem todos os dotes de uma viva inteligência». (Cf. também Machado); Aurélio: «Refletir o brilho ou o esplendor de: O diamante resplandece os raios solares.» Primeiro, constatamos que os verbos chispar e faiscar admitem o uso transitivo, sem se alterar, no entanto, o sentido fundamental de «emitir luz». Em segundo lugar, temos que sublinhar que no parágrafo sobre luzir transitivo o GDLP não dá exemplos, facto que pode indicar uma baixa frequência deste uso, ou a sua substituição por perífrases. Corresponderia a usos «figurados» com o sentido de «exibir algo valioso» em espanhol (por ex., lucir un brillante, una condecoración, un traje; Brumme 2002, 2000b). Parece-nos, porém, serem usos raros ou quase inexistentes em português. De tudo isto difere muito o exemplo aportado por Aurélio, que se refere ao sentido «próprio» de «fazer brilhar; irradiar»: «No verão, a aurora luz mais cedo os seus primeiros clarões», apesar de podermos entender também «a aurora ostenta mais cedo os clarões», sentido mais próximo ao uso espanhol. Por fim, registamos também a possibilidade de usar o verbo resplandecer, no sentido de «emitir luz», bem documentado em Aurélio. O GDLP, no entanto, oferece um exemplo ambíguo. Para indicar um uso transitivo o verbo teria que estar no singular («O rosto resplandece 9. Não entramos em detalhes sobre as diferenças entre o uso peninsular e o uso americano, e remetemos simplesmente para o nosso artigo (Brumme 2002).

8 128 JENNY BRUMME os dotes...»). Doutra maneira, o exemplo corresponde a um uso intransitivo «Todos os dotes de uma viva inteligência resplandecem no seu rosto». Aproveitamos esta parte da análise para observar, que, diferentemente de Le Clerc (1996: 88), não tomaremos em consideração os usos figurados, 10 porque representam uma evolução paralela do campo semântico e merecem, na nossa opinião, um estudo separado As categorias de contexto dos verbos de luz Além do comportamento sintáctico, os dicionários fornecem, através dos exemplos que acrescentam a cada entrada, informação sobre os contextos em que aparecem os verbos. Quanto aos verbos brilhar - luzir, reluzir - resplandecer e faiscar - chispar - centelhar / cintilar são os seguintes, segundo os Dicionários de Bluteau, Silva (GDLP) 11 e Aurélio: brilhar: No nível mais geral situa-se brilhar que se associa tanto às estrelas, às pedras preciosas (sobretudo, o diamante) como a todo outro corpo capaz de reflectir luz (por ex., a água quando o sol dá nela). 12 luzir: Para luzir, o GDLP indica as estrelas como exemplos e afirma: «Luzem a chama, a candeia, a bugia acesa», com o qual o verbo parece referir-se sempre a uma luz natural. Contudo, o Aurélio não só indica as estrelas entre as fontes de luz, mas também admite que luzir se refera à luz reflectida («aplica-se a superfícies polidas») e indica o ouro como superfície capaz de reflectir a luz (reproduzindo o provérbio «Nem tudo o que luz é ouro»; v. reluzir). reluzir: Pelos provérbios que há em português «Não he ouro tudo o que reluz» e «A mulher do velho, reluz como espelho» (Bluteau) reluzir parece indicar uma luz intensa reflectida. O GDLP afirma também: «Reluzem o ouro, a prata, o bronze, os metais brunidos; reluzem os mármores e madeiras bem polidas». As citações que oferece indicam, com alguma excepção, que se referem às estrelas e também a uma superfície polida que reflecte a luz. resplandecer: Resplandecer aparece apenas quando se refere à luz do sol, ou seja, uma luz muito intensa. Aurélio, no entanto, indica também um exemplo com uma pedra preciosa. faiscar: Em relação a faiscar, os dicionários coincidem destacando como traço fundamental o movimento da luz (faíscam o lume, a tocha) que também pode ser reflectida por algum objecto («Lá cima, no alto do monumento, a imagem da República... faísca ao sol», GDLP). chispar: Associa-se com as pedras preciosas (luz reflectida) e uma luz incandescente, ou seja, natural («O metal incandescente chispava», Aurélio). centelhar: Indica uma luz natural (por ex., uma faísca, o sol). cintilar: Como se vê na definição de Bluteau acima mencionada, o traço fundamental de indicar o movimento da luz: «Manifestar o fenómeno da cintilação, brilhar com espécie de trepidação rápida» (GDLP). Cintilar refere-se às estrelas como também a uma luz reflectida. 13 No seguinte parágrafo, voltaremos a ver os contextos que indicam os dicionários, a partir dos dados que obtivemos do nosso corpus. 10. Este facto explica a ausência na nossa análise de verbos como dardejar. 11. Usamos estes dois dicionários apesar de serem mais antigos, porque oferecem informações detalhadas através dos múltiples exemplos que contêm. 12. «Brilham as estrelas, brilha o diamante, brilham a água, o cristal, o espelho, feridos do sol, etc.» (GDLP). 13. Cf. os exemplos: «As armas polidas cintilavam em breve aos primeiros raios do sol oriental», «Ao clarão das tochas, todas as suas jóias cintilaram»; GDLP; «As pedrarias de seu rico traje cintilavam», Aurélio.

9 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS O CORPUS O material de nosso estudo foi extraído principalmente do Corpus de Referência do Português Contemporâneo (cf. Nascimento / Rodrigues 1996), disponível no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Solicitámos a exploração de cinco autores do século XIX, isto é, Almeida Garrett ( ), Alexandre Herculano ( ), Camilo Castelo Branco ( ), Júlio Dinis ( ) e José Mª Eça de Queirós ( ), e quatro autores do século XX, Virgílio Ferreira (*1916), Sophia de Mello Breyner Andresen (*1922), José Saramago (*1922) e António Lobo Antunes (*1942), dependendo a escolha das obras não só de nós, mas da actualização do próprio corpus. Nas línhas seguintes poderá ver-se a distribuição das obras consultadas, seguido do código que assinala nas citações as ocorrências na respectiva obra: Almeida Garrett: Viagens na Minha Terra (L0003). Alexandre Herculano: Lendes e Narrativas (L0215), Eurico o Presbitero (L0209), O Monge de Cistér ou a Epocha de D. João I (L0506). Camilo Castelo Branco: O Condemnado / Como os Anjos se Vingam / Entre a Flauta e a Viola (L0081), A Neta do Arcediago (L0224), O Esqueleto (L0083), Anos de Prosa (L0082), Estrelas Propícias (L0114), Mistérios de Fafe (L0227), As Três Irmãs (L0226), O Que Fazem Mulheres (L0225), A Doida do Condal (L0297), A Filha do Arcediago (L0296), Novelas do Minho (L0289), Os Brilhantes do Brasileiro (L0115), A Mulher Fatal (L0728), O Santo da Montanha (L0509). Júlio Dinis: A Morgadinha dos Canaviais (L0016), Os Fidalgos da Casa Mourisca (L0432), As Pupilas do Senhor Reitor (L0523). José Mª Eça de Queirós: A Cidade e as Serras (L0017), Correspondência I (L0290), Correspondência II (L0288), Contos (L0119), A Capital (L0508), Os Maias (L0379), Alves & C.ª e Outras Ficções (L0346), Últimas Páginas (L0299), A Relíquia (L0298), José Matias (L0954), A Correspondência de Fradique Mendes (L0449). Vergílio Ferreira: Manhã Submersa (L0446), Aparição (L0044), Apelo da Noite (L0447). Sophia de Mello Breyner Andresen: Livro Sexto (L0401), Histórias da Terra e do Mar (L0400), Dual (L0113), Musa (L0711), Contos Exemplares (L0406), No Tempo Dividido (L0404), A Menina do Mar (L0403), O Nome das Coisas (L0402). José Saramago: Jangada de Pedra (L0487), Memorial do Convento (L0486), Levantado do Chão (L0074), História do Cerco de Lisboa (L0702), Viagem a Portugal (L0489), O ano da morte de Ricardo Reis (L0521). António Lobo Antunes: Os Cus de Judas (L0061), Fado Alexandrino (L0060). Este procedimento foi condicionado pelas etiquetas e pela estrutura do corpus e veio contradizer a nossa primeira intenção de obter, através de determinados períodos de tempo (por exemplo, , e ), as ocorrências dos verbos acima mencionados para estabelecer subcorpora (incluíndo um corpus do português contemporâneo) e comparar a evolução do campo através do tempo. Uma vez que esta consulta do corpus representava uma primeira tentativa de aproximação do corpus e da sua exploração, indicámos as formas conjugadas dos verbos, como se poderá observar:

10 130 JENNY BRUMME brilham / brilhava luzem / luzia reluzem / reluzia resplandecem / resplandecia cintilam / cintilava faiscam / faiscava. Este procedimento explica-se da experiência com a análise destes verbos noutras línguas, onde aparecem preferentemente em situações descriptivas, que requerem o uso dum tempo marcado pelo aspecto imperfectivo (non-transformativo). Isto não significa que os verbos são incompatíveis com outros tempos verbais, mas esperávamos simplesmente uma frequência elevada a partir do presente e imperfeito do indicativo. O resultado da pesquisa foi, no entanto, decepcionante, uma vez que em muitas obras não foi conclusivo. Contudo, as ocorrências parecem-nos suficientes para empreender uma primeira aproximação do campo semântico dos verbos de luz, análise que nos propomos aprofundar em estudos posteriores com a ajuda de um maior número de contextos e verbos, incluindo, entre outros, verbos transitivos, intransitivos e compostos (por exemplo, verbos como alumiar, iluminar; tremeluzir), a inclusão dos usos «figurados» e uma mais rigurosa distinção do plano diacrónico e sincrónico. 7. ANÁLISE DO CORPUS De acordo com os estudos anteriores, analisamos agora a distribuição dos lexemas a estudar em contextos que permitam, através da prova de comutação, estabelecer os traços semânticos deles. Como já dissemos, prestaremos a máxima atenção às categorias de nomes que desempenham a função do sujeito e aos adverbiais que modificam o significado fundamental do verbo. As categorias de sujeito costumam indicar: a fonte de luz (natural / artificial) a superfície capaz de reflectir a luz superfícies «orgánicas» (como, por exemplo, os dentes, o cabelo, a pele) superfícies lisas (por exemplo, uma madeira polida) superfícies de metal superfícies de pedras (preciosas), cristais e vidros superfícies de água ou cobertas de alguma substância líquida Estas categorias referem-se, portanto, aos classemas acima indicados, enquanto que os adverbiais permitem completá-las, obtendo-se indicações relativamente às dimensões. Referem-se a: fonte e reflexão de luz movimento da luz forma da luz intensidade da luz (cf. Le Clerc 1996: 89; Alsina / Brumme 2001).

11 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS 131 Partimos, portanto, do esquema seguinte: classema «fonte de luz» preponderantemente luz natural preponderantemente luz artificial «luz reflectida» superfícies «orgánicas» (como, por exemplo, os dentes, o cabelo, a pele) superfícies lisas (por exemplo, uma madeira polida) superfícies de metal superfícies de pedras (preciosas), cristais e vidros superfícies de água ou cobertas de alguma substância líquida dimensões «movimento» aparição singular, efémera aparições repetidas, pouco duráveis emissão contínua, com breves intermitências emissão contínua, sem interrupção «forma» compacta difusa extensão espacial «intensidade» constante com a tendência a ser extrema elevada relativamente baixa «percepção de cores» «efecto acústico» «emissão de calor» estilema: poético, popular, etc A oposição brilhar - luzir Começamos, pois, com o primeiro par mínimo, ou seja, os verbos brilhar (20 vezes) e luzir (17 vezes), 14 bem documentados no corpus. Comparamos contextos semelhantes onde aparecem estes verbos, para se marcarem as diferenças. A fonte de luz (natural / artificial) No primeiro lugar, examinamos a categoria (classema) «fonte de luz». O contexto (o sujeito) mais frequente do verbo brilhar que se documente não só nas obras literárias, mas também no corpus de imprensa, é o sol que consideramos «fonte de luz natural». 14. Da nossa pesquisa resultam três ocorrências de brilhar e três de luzir no Primo Basílio.

12 132 JENNY BRUMME Uma grande planície estendia-se entre eles, toda cheia e coberta da erva amarelada do Outono, desenrolando-se até a uma fileira de colinas, que grandes pinheirais vestiam. O sol brilhava # Tot: 3 Nº: 2 Ref: L0299P0158X sobre as águas da lagoa e havia um vasto silêncio. (Eça) par 47812: O dia está magnífico, o céu azul, o Sol brilha,... (Corpus Natura, O Público) O verbo luzir aparece preferentemente em contextos com as estrelas, igualmente uma «fonte de luz natural». A noite é negra mas bela: e os teus olhos, Soledade, eram negros e belos como a noite. «Nas trevas da noite luzem # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0003P0217X as estrelas que são tão lindas... mas no fim de uma longa noite quem não suspira pelo dia? (Garrett) Enquanto que o verbo brilhar é perfeitamente compatível com este contexto, como se documenta no exemplo seguinte (embora seja metafórico), o verbo luzir não é tão frequente no contexto do sol: par 74050: Mas a estrela de Hosokawa brilha com cada vez menos intensidade. (Corpus Natura, O Público)?? par 47812: O dia está magnífico, o céu azul, o Sol luz, A causa deste facto poderia ser que a terceira pessoa do singular de luzir é homónima com o substantivo feminino luz. Apesar disso, é preciso observar que também o sentido muda, como se vê no exemplo seguinte, indicando uma luz menos viva, menos intensa e radiante: O sol luzia sobre as águas da lagoa e havia um vasto silêncio. Aínda temos que acrescentar que o verbo luzir aparece apenas em contextos de uma luz natural que se destaca na escuridão da noite: Era então em Maio: já as macieiras tinham flor, e as primeiras espigas dos trigos saíam da terra, e os prados enverdeciam. Mas eis que, uma noite, grandes relâmpagos luzem # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0299P0077X sobre o vale, um trovão rola sobre as serras e subitamente, com o estalido de lanças entrechocando-se, caiu o granizo. (Eça) Brilhar, pelo contrário, documenta-se tanto com a luz natural como com uma luz artificial, em todas as situações: Mas não passava uma sombra nem no largo corredor da escadaria nem no corredor estreito da Capela. Apenas nos ângulos brilhava # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0446P0199X a chama do gás no meio dos seus pratos de vidro nervado. (Ferreira) Uma superfície capaz de reflectir a luz Os dois verbos documentam-se muito em contextos que indicam a reflexão da luz. Entre as superfícies lisas (como, por exemplo, uma madeira polida), aparecem a superfície envernizada dos móveis para brilhar e a tela de uma peça de vestuário para luzir: 15. Usamos?? para indicar contextos possíveis, mas improváveis e * para marcar colocações inusuais.

13 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS 133 O verniz dos móveis novos brilhava # Tot: 3 Nº: 2 Ref: L0379P0056X na luz das duas janelas, sobre o tapete alvadio semeado de florzinhas azuis: e as bambinelas, os reposteiros de cretone, repetiam as mesmas folhagens azuladas sobre fundo claro. (Eça) Padre Custódio enrolava devagar o guardanapo, a sua batina coçada luzia # Tot: 2 Nº: 1 Ref: L0379P0064X nas pregas das mangas. (Eça) Neste caso, também vemos que não podemos trocar tão facilmente um contexto por outro:?? O verniz dos móveis novos luzia na luz das duas janelas... *Padre Custódio enrolava devagar o guardanapo, a sua batina coçada brilhava nas pregas das mangas. Enquanto que o primeiro contexto é admissível, embora indique, quer uma superfícia menos polida, quer uma luz menos intensa, o uso de brilhar, de conotação positiva, no segundo exemplo, contradiría o contexto negativo da batina (que é tão usada, que está polida). Não é de estranhar que brilhar apareça também indicando a luz reflectida sobre superfícies de metal como o ouro, a prata ou o ferro: O italiano fez uma pequena vénia na direcção de Baltasar, que respondeu com outra mais profunda, ainda que inábil, sempre era ele o mecânico, e além disso estava sujo, enfarruscado da forja, em todo ele só brilhava # Tot: 3 Nº: 1 Ref: L0486P0168X o gancho, do muito e constante trabalho. (Saramago) No entanto, encontramos também neste contexto (ferro, ouro) o verbo luzir (documentado apenas a partir das obras de Eça de Queirós). Queremos chamar a atenção sobre a mudança no movimento, a intensidade e a gradação da luz que Eça de Queirós consegue com a ajuda dos três verbos de luz, ou seja, luzir, faiscar e «ferir a vista», isto é praticamente, deslumbrar ou cegar: Macario tirou da algibeira uma peça e quando o cavalleiro, todo curvado e com um olho pisco, fazia a somma dos tentos nas costas d um az, Macario conversava com Luiza, e fazia girar sobre o panno verde a sua peça de ouro, como um bilro ou um pião. Era uma peça nova que luzia, # Tot: 4 Nº: 3 Ref: L0119P0284X faiscava, rodando, e feria a vista como uma bola de nevoa dourada. (Eça) A luz de luzir é muita mais fraca e contínua que a de faiscar, que indica um grau mais alto de intensidade e mais movimento até chegar a deslumbrar, por exemplo, verbo que se refere a uma luz forte demais. Outro motivo concludente para o escritor usar luzir pode ser o facto de ter, naturalmente, orígens fonéticas-estilísticas (*Era uma peça nova que brilhava, faiscava...), coisa que podemos observar com frequência neste campo semântico. 16 No exemplo seguinte, luzir aparece no contexto de outro verbo de luz, ou seja, alumiar, que indica uma fonte de luz natural (o fogo da tocha) na escuridão. A luz que reflecte o punhal não pode ser, por tanto, muito intensa. N um brusco furor, o senhor de Lara arrancou do cinto um punhal, que lhe agitou junto á face, rugindo surdamente: Ou escreveis o que vos mando e que a mim me convem, ou, por Deus, que vos varo o coração!... Mais branca que a cêra da tocha que os alumiava, com a carne 16. No exemplo seguinte a palavra brilhante já exclui o verbo brilhar: «pousando sobre o coração a mão onde reluzia um brilhante» (PB 383).

14 134 JENNY BRUMME arripiada ante aquelle ferro que luzia, # Tot: 4 Nº: 4 Ref: L0119P0440X n um terror supremo e que tudo acceitava, D. Leonor murmurou: Pela Virgem Maria, não me façaes mal! (Eça) Mas reparamos aqui outro traço que às vezes pode ser distintivo, como já indicou Le Clerc (1996:111). Luzir pode projectar uma conotação negativa, aqui claramente perceptível através da ameaça que representa o punhal. Achamos, por isso, que nos últimos dois contextos não pode aparecer brilhar:?? Era uma peça nova que brilhava, faiscava, rodando, e feria a vista como uma bola de nevoa dourada.?? Mais branca que a cêra da tocha que os alumiava, com a carne arripiada ante aquelle ferro que brilhava, n um terror supremo e que tudo acceitava, D. Leonor murmurou:... No primeiro exemplo não pode aparecer porque já não indica a gradação, ao designar brilhar uma luz forte que se aproxima da dos verbos faiscar e deslumbrar. No segundo, porque não admite conotações pejorativas, mas designa uma luz muito viva. Em relação às superfícies das pedras (preciosas), cristais e vidros, o nosso corpus contém apenas contextos com brilhar: Nos camarotes conversava-se sòbriamente; às vezes uma jóia brilhava, ou a luz punha tons lustrosos de asa de corvo nos cabelos pretos onde alvejavam camélias ou reluzia o aro de metal de um pente; os vidros redondos dos binóculos moviam-se devagar, picados de pontos luminosos. (PB 385) Chama a atenção o facto de brilhar encontrar-se sempre, em relação aos exemplos achados, no contexto com reluzir que, como veremos, designa muitas vezes uma luz reflectida e forte. No exemplo indicado, brilhar usa-se para as pedras das jóias, reluzir para o metal, e brilhar é capaz de associar-se a superfícies metálicas, especializando-se na forma de reluzir, quando esta surge. O verbo luzir parece-nos menos adequado nestes contextos, porque indica uma intensidade de luz mais baixa. Esta afirmação também é válida relativamente a outras superfícies, isto é, às superfícies por água ou cobertas de alguma substância líquida. Documentam-se os dois verbos: Os telhados das casas são de ardósia, quase todos, e com este tempo húmido brilham # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0489P0016B e aparecem mais escuros que a sua natural cor de chumbo. (Saramago) Descemos a rua, entre arvores, que a cobriam com as densas ramas encruzadas. Uma fresca, limpida agua de rega corria e luzia # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0017P0337X n um caneiro de pedra. Entre os troncos, as roseiras bravas ainda tinham uma frescura de verão. E o pequeno campo, que se avistava para além, rebrilhava com doçura, todo amarello e branco, dos malmequeres e botões de ouro. (Eça) Brilhar e luzir não permitem ser comutados entre si: o primeiro exemplo reproduz uma luz destacada, perfeitamente perceptível, enquanto que no segundo exemplo a luz é mais discreta e contínua. De acordo com o que acabamos de dizer, entre as dimensões destaca-se o facto de se tratar de uma emissão contínua, com breves intermitências («movimento»), onde brilhar também tem tendência para indicar aparições repetidas (v. a vizinhaça com faiscar e cintilar), pouco duráveis (por exemplo, reflexos), enquanto que luzir marca, antes de mais, uma emissão contínua, sem interrupção (v. a oposição com faiscar; Le Clerc 1996: 110):

15 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS 135 Os passos do escudeiro não faziam ruído no tapete fofo; o lume estalava alegremente, pondo retoques de oiro nas pratas polidas; o sol discreto que brilhava # Tot: 3 Nº: 1 Ref: L0379P0031X fora no azul de Inverno fazia cintilar cristais de geada nas ramas secas; e à janela o papagaio, muito patuleia e educado por Pedro, rosnava injúrias aos Cabrais. (Eça) Macario tirou da algibeira uma peça e quando o cavalleiro, todo curvado e com um olho pisco, fazia a somma dos tentos nas costas d um az, Macario conversava com Luiza, e fazia girar sobre o panno verde a sua peça de ouro, como um bilro ou um pião. Era uma peça nova que luzia, # Tot: 4 Nº: 3 Ref: L0119P0284X faiscava, rodando, e feria a vista como uma bola de nevoa dourada. (Eça) Quanto à dimensão «forma da luz», tanto brilhar como luzir indicam uma luz difusa, embora o primeiro verbo também mostre tendência para a extensão espacial, como se vê no circunstante «com uma radiação faiscante»: Foram-se sentar ao fundo. Do outro lado da rua as fachadas muito caiadas brilhavam com uma radiação faiscante. Por trás do balcão, onde reluziam garrafas de cristal, um criado de jaquetão, (...), cabeceava de sono. (PB 134) A noite, efeito do vento, ficou mais clara. A grande nuvem afastava-se e agora o céu luzia # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0074P0020X aqui e além. Já não chove, disse a mulher ao filho que dormia e era, dos quatro, o único que ainda não sabia a boa notícia. (Saramago) No primeiro contexto, luzir seria dificilmente admissível, ao se excluir, tanto radiar como faiscar, do seu uso:?? Do outro lado da rua as fachadas muito caiadas luziam com uma radiação faiscante. Em relação à «intensidade», outra dimensão a termos em conta, já assinalámos repetidas vezes que a de brilhar é constante, com tendência para ser fundamentalmente elevada: pela alta noite do seu viver muitas vezes fulgurara uma luz de alegria, como êsses astros que brilham # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0209P0258X a espaços nos abismos do firmamento. (Herculano) Mas pode tender a ser extrema, facto que é indicado pela possibilidade de acrescentar advérbios de comparação (nem sempres nos contextos imediatos). Comprova-se, com isso, a complementaridade gradual da antinomia «emitir luz» / «não emitir luz» ou «claro» / «escuro» que Lyons chama «antinomia polar» (1981/1991: ): Foram-se sentar ao fundo. Do outro lado da rua as fachadas muito caiadas brilhavam com uma radiação faiscante. Por trás do balcão, onde reluziam garrafas de cristal, um criado de jaquetão, (...), cabeceava de sono. (PB 134) Só trago dinheiro inglês comigo, Ah, isso tanto faz, e na mão direita estendida viu pousar dez xelins, moeda que mais do que o sol brilhava, # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0521P0016X enfim logrou o astro-rei vencer as nuvens que sobre Lisboa pesavam. (Saramago) A intensidade da luz em luzir é, pelo contrário, relativamente baixa, a qual vem indicada por modificadores do sujeito, como atributos que se associam a uma luz mais baixa ou diminitivos (cf. supra, estrelinhas):

16 136 JENNY BRUMME Todo o vale de rochas estava negro. Por vezes um grande pássaro escuro esvoaçava. Uma estrela pequenina luzia, # Tot: 4 Nº: 3 Ref: L0299P0095X depois outra. O santo prior orava, com a face sobre a pedra fria. (Eça) Despede-se o último ar de dia, não tarda que se feche a noite completamente, luzem # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0486P0203X no céu as primeiras estrelas... (Saramago) Uma dimensão que não se detecta nos dicionários é a «percepção de cores» associada ao verbo brilhar, como já pudemos constatar com o espanhol: Após estas principaes personagens, via-se uma grande multidão de cavalleiros, clerigos, cortesãos, conselheiros, juizes da corte; companhia esplendida, por entre a qual brilhava # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0215P0163X o ouro, a prata e as variadas cores dos trajos de festa, que sobresaíam no chão negro das vestiduras roçagantes dos magistrados e clerigos. (Herculano) Joana Carda exclamou, Vejam, vejam o fio azul. Todos viram. O fio não parece o mesmo. O outro, de sujo que se tornara, tanto já podia ter sido azul como castanho ou negro, mas este brilhava # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0487P0183X na sua cor própria, azul nem do céu nem do mar, quem assim o teria tingido e dobado, quem o lavara, se o mesmo era, e outra vez colocara na boca do cão, dizendo, Vai. (Saramago) A análise das ocorrências dos verbos brilhar e luzir indicam uma relação de hiperonímiahiponímia no sentido de Lyons (1981/1991: 97-99): luzir brilhar f g: as estrelas luzem/brilham (brilhar é hiperónimo de luzir) Mas não: o sol brilha *o sol luz (luzir é hipónimo de brilhar) Resumimos os resultados da análise no esquema seguinte (cf. Le Clerc 1996: ): brilhar luzir classema «fonte de luz» preponderantemente luz natural x x preponderantemente luz artificial x «luz reflectida» x x dimensões «movimento» aparição singular, efémera aparições repetidas, pouco duráveis emissão contínua, com breves intermitências x x emissão contínua, sem interrupção «forma» compacta difusa x x extensão espacial

17 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS 137 brilhar luzir «intensidade» constante x x com a tendência a ser extrema elevada x relativamente baixa x «percepção de cores» x «efecto acústico» «emissão de calor» estilema: poético, popular, etc. conotações pos. (neg.) Comprovam-se, portanto, os resultados obtidos por Le Clerc quanto aos verbos franceses briller e luire e os verbos em português, com a única diferença que luzir indica claramente uma intensidade de luz fraca (na escuridão) A oposição reluzir - resplandecer Continuamos agora com outra oposição, isto é, a dos verbos reluzir e resplandecer que são documentados 20 e 15 vezes, respectivamente, a partir do Corpus de Referência do Português Contemporâneo. Quanto à nossa pesquisa no Primo Basílio a situação muda completamente, ao termos registado 24 ocorrências para reluzir e apenas duas para resplandecer. 17 Segundo o conteúdo, os dois lexemas relacionam-se entre si pela intensidade de luz que indicam; segundo a forma, mediante o prefixo re-. Este denota «repetição, reiteração» (Cunha 1991: 665), mas também, como ainda no francês antigo, uma quantidade ou intensidade elevada do que significa o verbo (Le Clerc 1996: 86). Em comparação com a palavra simples luzir, o verbo reluzir designa a reflexão de luz e mantém o aspecto intensificador. Diferentemente do francês onde o verbo, pela acção deste prefixo, não admite como sujeito uma fonte de luz (Le Clerc 1996:115), em português documentam-se fontes de luz natural, muitas vezes acesa: Mas a noite ía cada vez mais fria: os trovões e os raios eram uns atraz de outros: a chuva era aos cantaros. Para onde havia de ír? Disse-m o depois: não tinha outro abrigo. Por fim resolveuse: aferrolhou-se na alcova, e eu encostei-me ao pé do lar, onde ainda reluzia # Tot: 2 Nº: 2 Ref: L0506P0098X o brazido da fogueira. (Herculano) No entanto, os casos onde a fonte de luz que provoca o efeito do reluzir, ou é exprimida como circunstante, são muito mais frequentes no transcurso do texto: 17. Não são documentados no corpus de imprensa.

18 138 JENNY BRUMME reflexão exprimida pelo circunstante O Rossio reluzia ao sol... (PB 255)... o bigode muito preto reluzia de brilhantina... (PB 327) reflexão sob a influência de uma fonte de luz natural O Sol, que batia em redor nas ramagens, tinha um desacostumado esplendor. A cruz branca, que ele pintara na porta para afugentar os demónios, reluzia, # Tot: 4 Nº: 4 Ref: L0299P0029X como feita de uma luz clara. (Eça) Reluzir tem, portanto, tendência para indicar uma luz reflectida (v. infra). O efeito de uma aparição breve, repetida em diferentes lugares (como no caso do clarão dos olhos ou do fogo) e do reflexo, não se consegue nem com brilhar nem com luzir, marcando o prefixo re- um valor intensificativo ou, simplesmente, um reforço do verbo luzir (como em alemão auf-glimmen ou auf-leuchten):?? A cruz branca brilhava / luzia. Achamos que o verbo resplandecer se comporta da mesma maneira. Trata-se também de um verbo prefixado; lembramos a existência do verbo esplendecer, muito semelhante com o primeiro. Por causa da baixa frequência não podemos mostrar com toda a certeza este comportamento, mas assinalamos, como no caso de reluzir, que a fonte de luz não costuma ser indicada pelo sujeito, e sim por um circunstante: O cabelo quase da mesma cor tinha, demais, um reflexo doirado, vacilante, que ao sol resplandecia, # Tot: 2 Nº: 2 Ref: L0003P0403X... (Garrett) A cidade resplandecia # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0044P0024X a um sol familiar, branca,... (Ferreira) Em relação à possibilidade de indicar uma «luz reflectida», os dois verbos aplicam-se a superfícies «orgánicas» (como, por exemplo, os dentes, o cabelo, a pele) ou lisas (por exemplo, uma madeira polida): Com o dedo magro apontava os dois vincos fundos ao lado do nariz, na face chupada. E o que o aterrava sobretudo era a calva, uma calva que começara havia dois anos, alastrara, já reluzia # Tot: 3 Nº: 3 Ref: L0379P0690X no alto. Olha este horror! (Eça)... naqueles móveis íntimos, que ram do tempo da mamã: o velho guarda-louça envidraçado, com as pratas muito tratadas a gresso-cré, resplandecendo decorativamente;... (PB 12) A frequência mais elevada observa-se nos contextos em que reluzir evoca um reflexo em superfícies de metal: Por vezes o raio de uma auréola tremia, despedia um fulgor, como se na madeira das imagens corressem estremecimentos de júbilo. E na sua cruz de pau-preto, o Cristo, riquíssimo, maciço, todo de ouro, suando ouro, sangrando ouro, reluzia # Tot: 2 Nº: 1 Ref: L0298P0251X preciosamente. (Eça)

19 O CAMPO SEMÂNTICO DOS «VERBOS DE LUZ» EM PORTUGUÊS 139 A imagem de meu pae defunto, de minha irman deshonrada, queimava-me o cerebro. Vingança! Esta palavra sentia-a soar, palpava-a, via-a escripta, affigurava-se-me convertida em effeito. Um cavalleiro estava por terra, o seu peito arquejava debaixo da minha joelheira de ferro, e um punhal me reluzia # Tot: 2 Nº: 1 Ref: L0506P0020X na mão erguido sobre a garganta do roubador de minha irman. Era um prazer horroroso! (Herculano) Nestes contextos, as ocorrências de resplandecer não se comparam com a alta frequência de luzir. No exemplo seguinte, o reflexo do metal é conseguido através da comparação: A face do lenhador resplandecia, # Tot: 2 Nº: 1 Ref: L0299P0022X como um ouro sem liga sob um raio de sol. (Eça) Os contextos em que reluzir aparece para designar a luz reflectida em superfícies de pedras (preciosas) e cristais são frequentes ainda menos frequentes que em superfícies metálicas, enquanto que resplandecer mal se documenta. No exemplo seguinte misturam-se diferentes tipos de superfícies, como o vidro dos retratos e uma superfície engraxada para evocar o efeito da luz reflectida, embora o uso de resplandecer também possa conter uma componente metafórica («o quarto resplandecia de limpeza»):... e tudo no quarto resplandecia # Tot: 2 Nº: 2 Ref: L0379P0350X de severo arranjo, desde os retratos da família real da Inglaterra, expostos sobre a toalha de renda que cobria a cómoda, até às suas botinas bem engraxadas, classificadas, perfiladas numa prateleira de pinho. (Eça) Não há ocorrências que se associem a superfícies de água ou cobertas por alguma substância líquida. Entre as dimensões, o «movimento» distingue os dois verbos, uma vez que reluzir pode indicar tanto uma emissão contínua, sem interrupção, como uma emissão contínua, com breves intermitências. O último traço aproxima-o do verbo brilhar que, no entanto, denota uma luz menos intensa: Embebidas no seu drama cruel nem as monjas, nem Cremilde volvem sequer os olhos para os quatro guerreiros, cujas armas reluzem # Tot: 2 Nº: 1 Ref: L0209P0149X ao fulgor das tochas. (Herculano) O verbo resplandecer admite só o traço emissão contínua, sem interrupção. Vemos que, no exemplo seguinte, o efeito vacilante não é conseguido com este verbo, que é descartado pelo próprio autor, mas sim através de relampejar, que contém o traço aparições repetidas, pouco duráveis : Os olhos de um cor-de-avelã diáfano, puro, aveludado, grandes, vivos, cheios de tal majestade quando se iravam, de tal doçura quando se abrandavam, que é difícil dizer quando eram mais belos. O cabelo quase da mesma cor tinha, demais, um reflexo doirado, vacilante, que ao sol resplandecia, # Tot: 2 Nº: 2 Ref: L0003P0403X ou antes, relampejava, mas a espaços, não era sempre, nem em todas as posições da cabeça cabeça pequena, modelada no mais clássico da estatuária antiga, poisada sobre um colo de imensa nobreza, que harmonizava com a perfeição das linhas dos ombros. (Garrett) A dimensão da «forma» parece-nos indicar em ambos os verbos uma luz difusa, que, no caso de resplandecer, tende claramente à extensão espacial, traço nele saliente. Enquanto que

20 140 JENNY BRUMME reluzir pode ser combinado com um lexema como «vago», resplandecer precisa de circunstantes que designem abundância de luz no espaço: Por cima reluziam vagamente os pingentes de cristal dos lustres. (PB 237) A face do lenhador resplandecia, # Tot: 2 Nº: 1 Ref: L0299P0022X como um ouro sem liga sob um raio de sol. (Eça) Mediante a prova de comutação, vemos que resplandecer e «vago» são incompatíveis, porque «vago» contradiz uma abundância de luz com irradiação no espaço: *Por cima resplandeciam vagamente... Os contextos onde aparecia resplandecer parecem-nos, porém, comutáveis com reluzir, mas já não exprimem a radiação abundante e a uniformidade da luz do contexto:??... A face do lenhador reluzia como um ouro sem liga... Como já assinalámos no começo da análise, os dois verbos ligam-se pelo traço de «intensidade» constante com tendência para ser extrema, claramente perceptível em resplandecer que admite, por seu lado, a presença doutros verbos que se associam a uma luz intensa, como sobreluzir: A saudade, a memória de Joaninha, suavemente impressa no mais puro e no mais santo da sua alma, resplandecia # Tot: 2 Nº: 1 Ref: L0003P0203X no meio de todas as sombras que lha obscurecessem, sobreluzia no meio de qualquer fogo que lha alumiasse. (Garrett) Apesar de reluzir conter o mesmo traço, perceptível a partir da presença de lexemas como faiscar e fulgor, tende a aproximar-se de brilhar, ao indicar uma luz elevada, mas nem sempre extrema (v. supra). Para terminar temos que acrescentar duas observações sobre resplandecer: diferentemente de reluzir, marca também a «percepção de cores» (?? O Bosque reluzia n uma harmonia de verde, azul e ouro): O Bosque resplandecia # Tot: 2 Nº: 2 Ref: L0017P0178X n uma harmonia de verde, azul e ouro. Nenhuma cova ou terra solta desalisava as polidas aleas que a Arte traçou e enroscou na espessura nenhum esgalho desgrenhado desmanchava as ondulações macias da folhagem que o Estado escóva e lava. (Eça) Mas resplandecer comporta ainda uma marca estilística, isto é, indicar um uso poético, como quando evoca a descrição de Évora no texto seguinte. Lavei-me enfim, mudei de roupa, saí para o Liceu, com uma tranquilidade nova. A cidade resplandecia # Tot: 1 Nº: 1 Ref: L0044P0024X a um sol familiar, branca, enredada de ruas como de velhas ciladas, semeada de ruínas de arcos partidos, nichos de santos das orações de outras eras, janelas góticas, como olhares embiocados. Évora mortuária, encruzilhada de raças, ossuário dos séculos e dos sonhos dos homens, como te lembro, como me dóis! (Ferreira) Este uso parece-nos inseparável dos múltiplos contextos em que exprime um valor estético ou moral que se sobrepõe, muitas vezes, ao uso concreto como verbo da luz.

Quais são os campos semânticos?

Já o campo semântico é o conjunto dos significados, dos conceitos, que uma palavra possui. Um mesmo termo tem ou pode ter vários sentidos, os quais são escolhidos de acordo com o contexto abordado. Assim, são exemplos de campos semânticos: a) levar: transportar, carregar, retirar, guiar, transmitir, passar, receber.

O que é campo semântico semântico?

O campo semântico é o espaço em que a polissemia atua, ou seja, os múltiplos e possíveis sentidos que uma determinada palavra possui é o campo semântico dela. A polissemia, por sua vez, consiste nos variados sentidos que, em determinado caso/frase/oração, a palavra pode assumir. Exemplo: Ela partiu.

O que é um grupo semântico?

O campo semântico é, pois, toda a área de significação de uma palavra ou de um grupo de palavras.

Qual a diferença entre campo semântico e lexical?

o campo lexical é o campo da palavra, do vocabulário; o campo semântico é o campo do significado, do sentido.