Cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus, AM (Foto: Sandro Pereira/Fotoarena/Agência O Globo) I Amanhã não será um dia melhor II Para quem não sabe, para quem III O que eu vi até o momento IV Compartilhando vozes, afetos V Não. Amanhã não será um dia melhor VI Não, amanhã não será um dia melhor VII Mais uma vez, é guerra. É guerra. VIII Não, Iraj Harirchi, mesmo que você IX Enquanto, sem qualquer passaporte, X Zizek, é certo que, mesmo que XI Aqui, mais do que em qualquer outro XII Quem diria que, aqui, XIII Hoje em dia, Agamben, mais XIV Sou feito de nervos, carne, assombros XV O presidente continua falando, mas, com sua palavra autoritária que certamente performa, apesar de tudo, não governa sozinho. Há um embate de forças que compõem o poder. Quem coordena a junta militar ou o chamado partido militar, em harmonia negociada com o presidente, quem articula a política do governo, é o chefe da Casa Civil que, pela primeira vez em quatro décadas da história do país, é um general, que foi o interventor federal no estado do Rio de Janeiro quando Evaldo dos Santos Rosa e sua família foram fuzilados com 257 tiros pelo exército ao se dirigirem a um chá de bebê. Ele é o mesmo que, invertendo a fórmula de Clausewitz, afirmou que a política é a continuação da guerra por outros os meios, indicando exatamente o que ocorre entre nós, que a política vigente (com o uso das múltiplas mídias, da financeirização, do privativismo, do judiciário, do policialesco, do alto e baixo militarismo – nem sempre juntos –, das milícias…) é uma guerra contra a população. Com ele, mostrando que vivemos um estado de guerra em que os civis estão sob controle, o Palácio fecha seu círculo militar. Como o então candidato prometeu em sua campanha, voltamos quarenta anos. Os militares presidem o país. O presidente, que, mostrando seu desprezo pelas instituições, nem a partido político é filiado, continua falando pelas redes e mídias sociais para os neofascistas que o apoiam, instigando-os a fecharem o Congresso, o Supremo, a colocarem um fim no isolamento, a bloquearem os acessos a hospitais… Com as instituições há muito permitindo chegar aonde chegamos, estamos entre o exército no poder, os necroliberais, o mercado, os empresários da FIESP, o judiciário, a extrema direita, as milícias, as polícias militares, os neopentecostais a manipularem a verdade como absoluta em nome de dinheiro e de poder, muitos desses grupos seguidamente insuflados pelo presidente que não preside sozinho, mas atua violentamente. Não havendo unidade entre esses grupos, a disputa é feroz e diária. Com o embate de forças que levou à queda do ministro da saúde para a posse de um outro que se alinhasse – leia-se, se submetesse – completamente ao presidente negacionista, com o presidente nos dias seguintes atiçando de cima da caçamba de uma caminhonete no Dia do Exército em frente ao Quartel General da guarda em Brasília um grupo de seus adeptos fanáticos a pleitearem um golpe militar, o fechamento do Supremo, do Congresso e um novo AI-5, tentando com isso encurralar também o exército, o vice-presidente acabou por dizer: “Está tudo sob controle. Só não sabemos de quem”. Uma coisa é certa: não do nosso. XVI Amanhã não será um dia melhor XVII Como quem busca um mínimo XVIII [Se fosse uma tragédia grega, Tirésias entraria em cena e, como em Antígona, diria para Creonte: “Percebes que te abeiras de um abismo?”. Isso não é, entretanto, uma tragédia grega]. XIX [Isto não é Tebas, isto é Brasil e, por isso, ao invés de Tirésias, eu, que não sou nenhum Sófocles, trago um emigrante haitiano anônimo, que, no dia 16 de março, disse para o presidente enquanto ele, vindo de uma manifestação pública a seu favor em plena pandemia, chegava à porta do Palácio, à porta da residência oficial em Brasília, com seus apoiadores gritando-lhe “Que Deus te abençoe” e “Mi-to, Mi-to”. Séria, pausada e convictamente, disse-lhe, então, o emigrante haitiano: “Eu venho de Haiti. Você sabe muito bem, eu escolhi o Brasil como país. Você está entendendo, eu estou falando brasileiro. Bolsonaro, acabou. Você está recebendo mensagem no seu celular. Todo mundo, todo brasileiro está recebendo mensagem no celular. Você está espalhando vírus e vai matar brasileiros. Você não é presidente mais. Precisa desistir. Bolsonaro, você não é presidente mais”.]. XX O ministro da Justiça é pressionado a pedir exoneração e o faz dizendo em coletiva para a imprensa que o presidente, além de falsificar um documento, quis intervir no comando da Polícia Federal, instrumentalizando-a, para proteger a si e a seus filhos em processos em andamento no STF. Vazando – ele mesmo – áudios para os jornais de conversas com o presidente e com uma deputada, o ex-juiz de primeira instância que, manipulando completamente a
Lava-Jato, foi uma das principais forças a inescrupulosamente destituir uma presidenta, prender o ex-presidente mais popular do país impedindo-o de se candidatar à presidência (quando todas as pesquisas apontavam sua vitória) e, finalmente, assumir ele mesmo o cargo de ministro da Justiça do candidato vencedor (ou seja, do candidato que ele fez com que ganhasse as eleições), realiza, com o gesto da exoneração, – isso é certo –, a tentativa de o golpe voltar às mãos de quem o deu, de consertar o
desvio do golpe. Enquanto isso, o presidente fica, paradoxalmente, cada vez mais isolado e autocrático, cada vez mais solitário e poderoso. XXI Não temos podido fazer Rio de janeiro – 22 de outubro de 2018 |