De quem é a frase a casa grande surta quando a senzala aprende a ler?

Será? A militância acha mesmo que vai superar o racismo com frase de efeito, né? Esse é o erro.

Vocês já pararam para refletir direitinho essa questão? “A Casa Grande surta quando a senzala aprende a ler”. Ahhh pára! Nesse assunto, como em vários outros, a galera confunde demais a garrafa com o conteúdo da garrafa. Tipo, vamos supor que seja proibido o negro andar por aí bebendo uma garrafa de champanhe. Opa! Lutamos. Ganhamos! E agora temos o direito de andar por aí bebendo em uma garrafa de champanhe. O sinhôzin foi lá e pensou: ok, já que eles têm acesso à garrafa, podem ficar com a garrafa de champanhe mas o conteúdo vai ser veneno.

E um monte de negros passeando feliz com sua garrafa de champanhe, tomando veneno e achando mesmo que tá afrontando… é como o preto rico que não podia sentar em estabelecimento branc’o, mas agora consegue, e vai lá religiosamente, só para “afrontar”, gasta uma fortuna. Tenho certeza que o dono tá tristão. Maior afronta à sociedade branc’a ir lá encher eles de dinheiro.

Tem também aquele meme das feministas lutando contra os machistas e o patriarcado exibindo por aí seus seios. Os machistas e o patriarcado devem se sentir muito contrariados vendo uns peitinhos. Né non?

Há também o caso das relações inter-raciais, que sempre foram mal-vistas pelos branc’os. Em alguns lugares, como os EUA, até eram proibidas. E por conta desse histórico, as pessoas acham que sair por aí ostentando é conquista. Taí outra subversão ostentada cujo tiro sai pela culatra. Essa “subversão” vai justamente reforçar a política eugenista do Brasil, o branqueamento. O quadro a redenção de Cam é nítido na família de Gilberto Gil.

Enfim, conseguir fazer o que os outros impediam a gente de fazer, sem as devidas considerações, muitas vezes não tem nada de ato revolucionário. Muitas vezes, o resultado sai é bem pelo contrário.

Numa sociedade racista, há de se ter muito cuidado, ser muito criterioso com as “conquistas”. O que não falta na lista de nossas conquistas são vitórias nossas em que quem mais tem a comemorar são eles.

É tipo o bagulho da galera que acha que tá sendo mega subversiva, que tá afrontando o governo, se drogando. Se dro-gan-do! Ah tá… mas não tá mesmo! Em primeiro lugar, o uso dessa droga aí fornece ao governo a desculpa perfeita para ele matar preto. E ele nem gosta, né? Porra! Todo mundo sabe disso. Qual afronta ao governo é essa em ser cúmplice dele para que ele cumpra um de seus maiores objetivos? Um Estado racista deve tá tristão em ter maior galera alimentando a engrenagem que oferece-lhe o pretexto mais usado para eliminação de pretos da sociedade.

Acho que esse Estado deve ficar mais triste ainda quando vocês ajudam ele a ganhar dinheiro, através da corrupção — que deve ser seu segundo maior princípio depois do racismo.

Vocês mesmos falam “ai, eles não legalizam porque estão ganhando com isso, porque tem muita gente ali fazendo dinheiro em cima dessa parada”. Então, conte-me mais sobre essa onda aí de contraria-los fazendo com que ganhem muito dinheiro. O seu ato subversivo enche o rabo deles de dinheiro. Qual o sentido? O que tem de subversivo nisso? Contrariar onde, se tá ajudando a galera de cima a fazer dinheiro e executar seu racismo?

Enfim, fomos longe. Mas vamos voltar ao “a casa grande surta quando a senzala aprende a ler”. Voltamos!

Surta?! Hmmmm depende do que você vai ler né, belezura? Como no lance da garrafa. Eles surtam em ver você com a garrafa? Depende do que carrega dentro, do que tu tá bebendo. Se for veneno…

Logo, quando falamos da proibição de outrora, a questão era mais do que sobre saber ler. Era sobre controlar a informação que você iria acessar. Era sobre você não acessar informação. Era sobre você acessar apenas a informação que viesse da sua mão.

Ora, se você aprende a ler e só acessa informação que lhes vem da mão, basicamente, isso dá no mesmo. To mentindo?

Há duas formas de estar deseducado, uma delas é justamente se educando

“Ah, eles não queriam que a gente tivesse acesso à educação”. Não! Entendeu pela metade. Isso é apenas meia verdade. Eles não queriam que você tivesse uma educação para além da fornecida por ele. Eles te deram educação. Servil. E uma vez que tenhamos uma educação formal em que você se forma para servir a eles… bom, muitos podem até de fato não gostar de ter você ao lado, mas não é ameaça, de forma alguma, você ser um preto educado (por eles), instrumentalizado para melhor servir à estrutura. Não à toa, um preto educado é melhor tratado. Se é melhor tratado, é porque esta mais ajustado. É porque serve, porque (lhes) tem valor.

Pode parecer paradoxal, mas a sociedade branc’a sempre se sentiu mais confortável (menos ameaçada) diante dos negros educados. Educados, pela educação deles, via de regra, significa assimilado. To mentindo? São inclusive vendidos como modelos, modelo de ser negro. Não é isso?

A educação… enfim, é como Denzel Washington uma vez falou da mídia: se você não se informa, você está desinformado, mas se tu se informa, está mal informado. O mesmo vale para a educação. Há duas formas de estar deseducado, uma delas é justamente se educando (no sistema educacional branc’o).

Os educados são os de maior serventia. A gente precisa entender que quem controla o que você pensa controla o que você cria.

Esse papo de “a casa grande surta quando a senzala aprende a ler” não tem muita valia se a gente não tá falando de autonomia, de um sistema de educação próprio, como de um sistema próprio de mídia.

A prática é que a senzala tá aprendendo a ler pra servir (n)a casa grande

Repare! Havia muitos pretos que aprendiam a ler para ler para outros escravizados a Bíblia. É mais ou menos como tá sendo hoje com a galera de academia. Só que hoje o barbudo adorado é outro, é o dos marxistas? A Virgem Maria é a de Beauvoir. Que, lógico, com seus santos e apóstolos pretinhos. Ah, sim, há nossos modernos São Beneditos e as Nossa Senhora Aparecidas também, para acalentar os pretinhos e as pretinhas em sua adoração pelas neo-bíblias.

Pretos que aprendem a ler para pregar a palavra do Senhor na nossa comunidade — seja marxista, seja feminista, seja “academicista” — não estão fazendo casa grande nenhuma surtar. Vocês que estão surtando. Vocês que estão surtados. Porque a Casa Grande mesmo tá é rindo pra caralho. As causas deles, dentre a gente, tem cada vez mais mensageiros. Sua fé, e nossa crença de que ali reside a salvação, se faz cada vez mais disseminada entre nós. Ouse questionar nossa dependência dessas teorias e da academia que vão logo perguntar o que propomos fazer sem elas, o que poderíamos fazer sem elas. É como se elas fossem o caminho, a verdade e a vida, e fora dali não houvesse salvação.

Mano, são missionários com novas bíblias. Se liga!

A teoria é um monte de frases de efeito bonitas. A prática é que a senzala tá aprendendo a ler pra servir (n)a casa grande. É para conquistar a simpatia e a graça de algum Senhor e, assim, mudar de vida.

Para fechar o pacote, vocês mesmos dizem que preto para ser visto e conseguir a vaga tem que ser dez vezes melhor que o branc’o né? Não é isso que vocês falam? Pois é, realmente, a casa grande deve tá surtando por você oferecer a ela um preto que lhe serve tão bem quanto dez branc’os.

Aham…

O que quer dizer a casa grande surta quando a senzala aprende a ler?

Quando a casa grande à senzala?

Quando o escravo aprende a ler?