Entenda como o chamado “technostress” pode afetar diretamente em seu desempenho profissional Show
Com o avanço e impacto da tecnologia na sociedade, muitos processos diários foram otimizados e até mesmo melhorados. Porém, essas evoluções de métodos provocam diferentes resultados em nossas vidas, e não apenas com pontos positivos. Nesse cenário, é comum que aconteça o “technostress”, resultado da convivência das pessoas com a tecnologia. O problema, desencadeado pelo excesso de conectividade, é causado devido ao bombardeio de informações recebidas por diferentes meios, como e-mails, mensagens diretas e redes sociais – as quais, na maioria das vezes, cobram respostas quase que imediatas. Algumas pessoas não conseguem reagir bem à essa invasão tecnológica, e é exatamente isso que trata a denominação technostress. A facilidade de uso e processamento muito rápido acabam por prejudicar a produtividade e inovação de cada um. Desempenhar diversas tarefas também pode resultar em um impacto negativo sobre o equilíbrio entre vida profissional e familiar, afetando diretamente o bem-estar dos indivíduos. Esse cenário já era previsto pelo psicólogo e pesquisador norte-americano Larry Rosen, na década de 1980, em seu livro “Technostress, Coping with technology at work, at home and at play” (“Technostress, Lidando com a tecnologia no trabalho, em casa e no lazer”, em tradução livre). Rosen estudou o assunto por mais de vinte anos, através do comportamento de pessoas de países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A conclusão do psicólogo apontou que a população do planeta (incluindo crianças e idosos) está sujeita a esse tipo de estresse. Entre os principais sintomas psicológicos de quem apresenta o technostress destacam-se: irritabilidade, ansiedade e frustração. Sintomas físicos também são comuns, como dores no pescoço e visão turva. Nas empresasO problema afeta significativamente a performance profissional e é importante que a área de Recursos Humanos trate o assunto com sua devida importância. Para começar, a empresa pode realizar uma avaliação formal sobre a extensão da tecnologia e do vício, a fim de saber a extensão do possível problema. Esse é apenas o primeiro passo, que deve ser seguido por medidas efetivas, que introduza programas de bem-estar e engajamento com os colaboradores. ResumoApesar dos inúmeros benefícios que as Tecnologias de Informação (TI) - proporcionam a seus usuários, os efeitos adversos da utilização indiscriminada dos dispositivos tecnológicos pessoais no ambiente de trabalho é um tema pouco explorado. Este estudo analisa os aspectos individuais motivadores do uso particular de Tecnologias de Informação no trabalho e a relação da Distração Digital como um componente significativo sobre a perda de atenção dos profissionais durante a execução de suas atividades. A pesquisa evidencia que os aspectos ligados à dependência tecnológica são as principais causas do Uso Pessoal das Tecnologias no ambiente de trabalho. Entre esses motivadores, a perda do Controle do Impulso de uso da TI é o fator mais significativo ao Uso Pessoal das Tecnologias em ambientes profissionais, comparada a outros fatores analisados. A pesquisa também revela que a Distração Digital provoca significativa perda de concentração dos profissionais e que a Utilização Pessoal da TI no ambiente de trabalho é reflexo direto da redução do Engajamento do profissional no seu trabalho. Além disso, o estudo revela que o uso particular das aplicações que promovem interação social não é subterfúgio dos profissionais que manifestaram fraco Suporte Social dos seus pares no local de atuação profissional. Palavras-chave: AbstractDespite the numerous benefits that Information Technology (IT) provides to its users, adverse effects from abusive use of personal devices in the workplace remains an unexplored subject. This research examines individual drivers of private use of Information Technologies at work and the relationship that Digital Distraction has as a significant component contributing to professionals’ loss of attention during their activities. Our results show that aspects associated with technological dependence are the main influences of personal Use of Technology at Work. Among these aspects, diminished Impulse Control is the most significant factor toward to the use of personal technologies compared to other factors. The research also reveals that digital distraction causes significant loss of professional concentration and that personal use of IT in the workplace is a direct effect of diminished professional engagement. Furthermore, the research reveals that personal use of applications that promote social interaction isn’t an escape for professionals who suffer weak Social Support from their peers in the workplace. Key words: IntroduçãoAs Tecnologias de Informação estão amplamente inseridas no cotidiano do ser humano, facilitando suas atividades rotineiras, seja para trabalhar ou estudar, seja para manter-se
informado com relação às notícias de seu interesse, relacionar-se com outras pessoas e comunicar-se com familiares ou amigos (Bargh & Mckenna, 2004Bargh, J. A., & Mckenna, K. Y. A. (2004). The internet and social life. Annual Review of Psychology, 55, 576-590. http://dx.doi.org/10.1146/annurev.psych.55.090902.141922 Dentre as causas que
explicam o Uso Pessoal e intenso da Tecnologia de Informação (TI), destaca-se a evolução tecnológica dos aparelhos celulares inteligentes, ou smartphones, que proveu a esses dispositivos uma quantidade expressiva de recursos e funções, além de permitir o acesso móvel à rede mundial de computadores (Salehan & Negahban, 2013Salehan, M., & Negahban, A. (2013). Social networking on smartphones: When mobile phones become addictive. Computers in Human
Behavior, 29(6), 2632-2639. http://dx.doi.org/10.1016/j.chb.2013.07.003 A facilidade de acesso móvel à Internet, bem como a utilidade e a atratividade dos aplicativos dos smartphones também reforçam a tendência de aumento da frequência e da duração da utilização desses dispositivos. Assim, tornam essas tecnologias indispensáveis
na vida cotidiana de muitos usuários, pelos diversos benefícios que as aplicações lhes proporcionam (Salehan & Negahban, 2013Salehan, M., & Negahban, A. (2013). Social networking on smartphones: When mobile phones become addictive. Computers in Human Behavior, 29(6), 2632-2639. http://dx.doi.org/10.1016/j.chb.2013.07.003 Entretanto, apesar dos muitos recursos fornecidos pelas inovações tecnológicas, diversos pesquisadores alertam para as consequências do uso excessivo das Tecnologias de Informação (Brand, Laier, & Young, 2014Brand, M., Laier, C., & Young, K. S. (2014). Internet addiction: Coping styles, expectancies, and treatment implications. Frontiers in Psychology, 5, 1-14. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2014.01256
A distração causada pelos meios digitais é um problema potencial que deve ser monitorado nos ambientes organizacionais. A popularidade dos smartphones faz com que tais aparelhos estejam presentes em muitas organizações. Não é raro observar profissionais que utilizam seus dispositivos móveis durante o expediente de trabalho, com intuitos pessoais e de modo abusivo. Alguns autores afirmam que a falta de Engajamento no Trabalho pode ser
um motivador de ações profissionais indesejadas pelos gestores e que favorecem distrações no ambiente profissional (Bakker, Albrecht, & Leiter, 2011Bakker, A. B., Albrecht, S. L., & Leiter, M. P. (2011). Key questions regarding work engagement. European Journal of Work and Organizational Psychology, 20(1), 4-28. http://dx.doi.org/10.1080/1359432X.2010.485352
Algumas pesquisas apontam que as distrações causadas pelos recursos tecnológicos podem causar problemas diversos ao usuário, como a perda de foco no trabalho (Suedfeld, 1977Suedfeld, P. (1977). Loneliness: The
experience of emotional and social isolation. Behaviour Therapy, 8(1), 120-121. http://dx.doi.org/10.1016/S0005-7894(77)80143-3 Apesar dos aspectos negativos do Uso Pessoal abusivo das Tecnologias de Informação terem sido apontados em diferentes estudos (Davis, Flett, & Besser,
2002Davis, R. A., Flett, G. L., & Besser, A. (2002). Validation of a new scale for measuring problematic internet use: Implications for pre-employment screening. CyberPsychology & Behavior, 5(4), 331-345. http://dx.doi.org/10.1089/109493102760275581 A partir das lacunas de pesquisa apresentadas, este estudo examina a questão sobre quais os papéis dos fatores ligados ao comportamento organizacional, às influências sociais e ao vício tecnológico que potencializam o Uso Pessoal de Tecnologias de Informação durante o expediente de trabalho. Analisa, também, a relação da Distração Digital como componente relativo à perda de atenção dos profissionais. Esta pesquisa se desenvolve na interseção dos campos de conhecimento de Administração da Informação e Psicologia do Trabalho ao articular conceitos da dependência individual tecnológica e comportamento organizacional. Com isso, atende a interesses teóricos e práticos, ao contribuir para um melhor entendimento teórico das relações que envolvem aspectos individuais associados ao uso particular de Tecnologias de Informação e à perda de atenção dos profissionais no trabalho, além de apresentar sugestões para melhor gestão do uso dos dispositivos tecnológicos privados nos ambientes organizacionais. Revisão da LiteraturaA dependência individual do uso da TI e seu efeito no trabalhoAlguns usuários evitam imaginar uma possível ausência do seu smartphone ou a falta de conexão com a Internet em seus negócios ou nas suas vidas privadas. O desconforto exacerbado da ausência potencial dos recursos digitais pode ser considerado indício preliminar de que o usuário está utilizando excessivamente tais
recursos (Brand et al., 2014Brand, M., Laier, C., & Young, K. S. (2014). Internet addiction: Coping styles, expectancies, and treatment implications. Frontiers in Psychology, 5, 1-14. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2014.01256 Há debate entre estudiosos sobre o enquadramento da dependência severa das
tecnologias como uma patologia. Alguns autores relatam que a Psiquiatria considera que o uso excessivo e viciante de uma tecnologia que envolva homem-máquina sem uso de substâncias químicas deve ser classificado como vício comportamental (Armstrong, Phillips, & Saling, 2000Armstrong, L., Phillips, J. G., & Saling, L. L. (2000). Potential determinants of heavier internet usage. International Journal of Human-Computer Studies, 53(4), 537-550.
http://dx.doi.org/10.1006/ijhc.2000.0400 Alguns autores definem que o envolvimento cognitivo pleno de um usuário durante a utilização de uma tecnologia perpassa a sensação de fluxo, que é explicada como a concentração e a satisfação absoluta que um indivíduo percebe em uma determinada atividade, e que pode explicar a perda de foco em outras tarefas
(Agarwal & Karahanna, 2000Agarwal, R., & Karahanna, E. (2000). Time flies when you're having fun: Cognitive absorption and beliefs about information technology usage. MIS Quarterly, 24(4), 665-694. http://dx.doi.org/10.2307/3250951 No contexto profissional, a perda de produtividade pode ser fruto da perda de concentração ocasionada pelas distrações causadas pelo uso dos aplicativos pessoais durante o expediente de trabalho, também denominada Distração Digital (Davis et al., 2002Davis, R. A., Flett, G. L., & Besser, A. (2002). Validation of a new scale for measuring problematic internet use: Implications for pre-employment screening. CyberPsychology &
Behavior, 5(4), 331-345. http://dx.doi.org/10.1089/109493102760275581
Outro aspecto que envolve a dependência compulsiva do uso de tecnologias trata da perda de controle sobre o impulso de uso da TI, definida como um sentimento individual obsessivo que torna o usuário incapaz de reduzir a utilização das tecnologias, apesar do desejo de maior controle sobre o uso dos aplicativos ser latente nos seus processos
cognitivos (Davis et al., 2002Davis, R. A., Flett, G. L., & Besser, A. (2002). Validation of a new scale for measuring problematic internet use: Implications for pre-employment screening. CyberPsychology & Behavior, 5(4), 331-345. http://dx.doi.org/10.1089/109493102760275581 Nesse sentido, assume-se que a redução de controle do impulso sobre o uso da TI seja um fator presente nos processos cognitivos que influenciem o comportamento individual dos usuários (Davis et al., 2002Davis, R. A., Flett, G. L., & Besser, A. (2002). Validation of a new scale for measuring problematic internet use: Implications for pre-employment screening. CyberPsychology & Behavior,
5(4), 331-345. http://dx.doi.org/10.1089/109493102760275581
Sabe-se que a dependência excessiva de uso da TI pode levar os usuários a apresentar nomophobia (no mobile phobia). A nomophobia é definida como a ansiedade causada pela ausência do uso do aparelho celular, computador ou qualquer outro dispositivo
que permita uma comunicação virtual com outras pessoas (King et al., 2013King, A. L. S., Valença, A. M., Silva, A. C. O., Baczynski, T., Carvalho, M. R., & Nardi, A. E. (2013). Nomophobia: Dependency on virtual environments or social phobia? Computers in HB, 29(1), 140-144. http://dx.doi.org/10.1016/j.chb.2012.07.025 Assim, entende-se que o Conforto Online pode ser definido como a percepção de tranquilidade que o usuário nota ao estar conectado em ambientes virtuais para Uso Pessoal e que pode motivar o Uso Pessoal de Tecnologias em ambientes profissionais. Isso permite elaborar a terceira hipótese deste estudo:
No entanto, a dependência de uso da TI também está associada à tolerância individual sobre o acesso à tecnologia. A tolerância, quando referida a uma dependência de uso de algum
artefato viciante, está associada à quantidade de utilização de um determinado objeto orientada à obtenção de um efeito positivo desejado. Por exemplo, sensações de satisfação, prazer ou conforto (Ko et al., 2005Ko, C.-H., Yen, C.-F., Yen, C.-N., Yen, J.-Y., Chen, C.-C., & Chen, S.-H. (2005). Screening for internet addiction: An empirical study on cut-off points for the Chen internet addiction scale. The Kaohsiung Journal of Medical Sciences, 21(12),
545-551. http://dx.doi.org/10.1016/S1607-551X(09)70206-2
Relacionamento social e comprometimento profissional, e seus reflexos no Uso Pessoal da TI no TrabalhoHá estudos que mostram que aspectos sociais promovem o uso excessivo de Tecnologias de Informação sob
duas frentes: a busca do conforto social pela manutenção dos relacionamentos nas redes de contato do usuário (Caplan, 2002Caplan, S. E. (2002). Problematic internet use and psychosocial well-being: Development of a theory-based cog.-beh. measurement instrument. Computers in Human Behavior, 18(5), 553-575. http://dx.doi.org/10.1016/S0747-5632(02)00004-3
No contexto organizacional, o isolamento social percebido do profissional no ambiente de trabalho é
resultado da falta de disponibilidade de suporte e reconhecimento entre os colegas de trabalho, além de sensação individual de ausência de integração no time de trabalho (Marshall, Michaels, & Mulki, 2007Marshall, G. W., Michaels, C. E., & Mulki, J. P. (2007). Workplace isolation: Exploring the construct and its measurement. Psychology & Marketing, 24(3), 195-223. http://dx.doi.org/10.1002/mar.20158
A alienação, que é uma ausência de Suporte Social, pode ocasionar um aumento da procura de alternativas de socialização, pois pessoas que se sintam fragilizadas emocionalmente tendem a buscar o fortalecimento das relações sociais, por exemplo, com o uso de tecnologias (Huang & Leung, 2009Huang, H., & Leung, L.
(2009). Instant messaging addiction among teenagers in China: Shyness, alienation, and academic performance decrement. Cyberpsychology & Behavior, 12(6), 675-679. http://dx.doi.org/10.1089/cpb.2009.0060
Alguns autores afirmam que a falta de envolvimento em atividades da organização, a perda do interesse pessoal na aprendizagem e na obtenção de novas competências profissionais, além da baixa motivação na realização das demandas podem ser fruto do pouco Engajamento do profissional no seu
trabalho (Fredricks, Blumenfeld, & Paris, 2004Fredricks, J. A., Blumenfeld, P. C., & Paris, A. H. (2004). School engagement: potential of the concept, state of the evidence. Review of Educational Research, 74(1), 59-109. https://doi.org/10.3102/00346543074001059 O profissional pouco engajado e insatisfeito com suas atividades pode exibir queda
na sua produtividade e na sua eficácia individual (Ghani & Deshpande, 1994Ghani, J. A., & Deshpande, S. P. (1994). Task characteristics and the experience of optimal flow in human-computer interaction. The Journal of Psychology, 128(4), 381-391. http://dx.doi.org/10.1080/00223980.1994.9712742
A partir das hipóteses elaboradas neste estudo, esquematiza-se o modelo de pesquisa na Figura 1. Figura 1 Procedimentos MetodológicosEste estudo foi desenvolvido sob um paradigma positivista, com posicionamento epistemológico empiricista. Para tanto, foi conduzido por uma abordagem quantitativa de corte transversal único e realizada por meio de survey, que busca, entre outros objetivos, identificar opiniões de grupos específicos e a distribuição do fenômeno na população (Pinsonneault & Kraemer, 1993Pinsonneault, A., & Kraemer K. L. (1993). Survey research methodology in management information systems: An assessment. Journal of Management Information Systems, 10(2), 75-105.), com utilização de técnicas de análise multivariada de dados. Operacionalização das variáveisA coleta de dados desta pesquisa foi realizada com o auxílio de um questionário com escalas no formato Likert com nove pontos. Os indicadores dos construtos Controle Reduzido de Impulso, Distração Digital e Conforto
Online foram obtidos da Escala de Cognição Online (ECO), de Richard Davis, Gordon Flett e Avi Besser (2002Davis, R. A., Flett, G. L., & Besser, A. (2002). Validation of a new scale for measuring problematic internet use: Implications for pre-employment screening. CyberPsychology & Behavior, 5(4), 331-345. http://dx.doi.org/10.1089/109493102760275581
O estudo de Marshall, Michaels e Mulki (2007Marshall, G. W., Michaels, C. E., & Mulki, J. P. (2007). Workplace isolation: Exploring the construct and its measurement. Psychology & Marketing, 24(3), 195-223. http://dx.doi.org/10.1002/mar.20158
Como a escala ECO não havia sido validada em trabalhos no Brasil até o presente estudo, procedeu-se a validação de conteúdo do questionário segundo recomendações de Netemeyer, Bearden e Sharma (2003Netemeyer, R. G., Bearden, W. O., & Sharma, S. (2003). Scaling procedures: Issues and applications. Thousand Oaks, CA: Sage Publications.), na qual os indicadores foram traduzidos por um especialista no idioma das escalas. Em seguida, o instrumento de medida foi analisado por professores pesquisadores de Tecnologia de Informação, que sugeriram ajustes na contextualização de algumas questões. Após essa etapa, o questionário ajustado passou por retrotradução e foi enviado a um nativo no idioma das escalas originais, que não notou diferenças de compreensão sobre as questões originais e as adaptadas dos instrumentos. Os indicadores do instrumento de medida podem ser visualizados na Tabela 1. Tabela 1 Pré-teste e refinamento das escalasDe antes da aplicação do questionário até a amostra final, e com o objetivo de observar se as pessoas que participariam da coleta de dados teriam o entendimento pleno das questões, o instrumento de medida foi aplicado, presencialmente, como pré-teste, a um grupo de 150 respondentes. Durante a primeira aplicação do instrumento, não foram manifestadas dúvidas e ambiguidades no preenchimento do questionário. Em seguida, procedeu-se análise exploratória dos indicadores
pelo estudo da correlação entre os itens e da correlação item-total corrigida (CITC), que mede a correlação entre os itens do mesmo fator, determinando, assim, até que ponto os indicadores compartilham o mesmo significado (Churchill, 1979Churchill, G. A. (1979). A paradigm for developing better measures of marketing constructs. Journal of Marketing Research, 16(1), 64-73. http://dx.doi.org/10.2307/3150876 Na etapa seguinte, conduziu-se análise fatorial exploratória para identificar se os indicadores possuem correlação entre as variáveis latentes (fatores). O método escolhido para determinar os fatores foi a Análise de Componentes Principais somada ao método de rotação oblíqua. Nessa etapa, busca-se que a carga fatorial de cada indicador atinja valor acima de 0,70. Além disso, espera-se que haja diferença de carga fatorial superior a 0,20 nos construtos
adjacentes e que a comunalidade de cada indicador possua valor acima de 0,50 (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009Hair, J. F., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Bookman. ). Após a realização da análise fatorial exploratória, foram eliminados indicadores de todos os construtos por falhas na validação divergente ou por comunalidade
reduzida. Entretanto, a exclusão de alguns indicadores não feriu a recomendação de Werts, Linn e Jöreskog (1974Werts, C., Linn, R., & Jöreskog, K. (1974). Intraclass reliability estimates: Testing structural assumptions. Educational and Psychological Measurement, 34(1), 25-33. http://dx.doi.org/10.1177/001316447403400104 Em seguida, verificou-se a consistência interna dos construtos. Um alto valor de consistência interna no construto indica que todas as variáveis representam o mesmo construto latente. A consistência interna é avaliada por meio do Alfa de Cronbach. Para estudos exploratórios, valores entre 0,60 e 0,70 são considerados aceitáveis (Hair, Hult, Ringle, & Sarstedt, 2014Hair, J. F., Hult, G. T. M., Ringle, C. M., & Sarstedt, M. (2014). A primer on partial least squares structural equation modeling (PLS-SEM). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.; Nunally & Berstein, 1994Nunally, J. C., & Bernstein, I. (1994). Psychometric theory. New York, NY: McGraw-Hill.). Na Tabela 2, apresentam-se os resultados comparados da análise de confiabilidade dos indicadores durante o processo de refinamento das escalas. Tabela 2 De acordo com os resultados da Tabela 2, observa-se que, apesar da exclusão de alguns indicadores para composição do instrumento de medida final, os valores de Alfa de Cronbach dos construtos permanecem satisfatórios, além da notável melhoria nas correlações item-total dos indicadores contidos no instrumento de coleta para amostra final. Tais resultados, obtidos até esta etapa na pesquisa, asseguram a utilização do instrumento de medida ajustado para coleta de dados na amostra final. Informações da amostra e coleta de dadosPara avaliar o tamanho da amostra deste estudo e o poder estatístico das análises, utilizou-se o software G*Power 3.1 (Faul, Erdfelder, Buchner, & Lang,
2009Faul, F., Erdfelder, E., Buchner, A., & Lang, A. G. (2009). Statistical power analyses using G*Power 3.1: Tests for correlation and regression analyses. Behavior Research Methods, 41(4), 1149-1160. http://dx.doi.org/10.3758/BRM.41.4.1149 Considerando-se quatro variáveis preditoras ao construto uso de TI, sob nível de significância de 5%, poder estatístico de 0,8 e tamanho do efeito médio (f² = 0,15, que equivale a r² = 13%), obteve-se que o tamanho mínimo da amostra é igual a 85 respondentes. A coleta de dados foi realizada presencialmente, com a participação voluntária dos respondentes em duas empresas e em cursos de pós-graduação de quatro instituições de ensino superior no Estado de São Paulo, selecionadas por conveniência e que permitiram o acesso aos respondentes pelos pesquisadores. O questionário foi impresso e aplicado a 415 pessoas que utilizam aplicativos para fins pessoais durante o expediente de trabalho, e 104 questionários incompletos foram descartados das análises finais. Portanto, a amostra utilizada neste estudo contemplou 311 observações. Dentre a amostra coletada, obtiveram-se 67,8% da amostra com respondentes do gênero masculino (211 pessoas) e 32,2% de respondentes do gênero feminino (100 pessoas). Em relação à faixa etária dos respondentes, observou-se que a média de idade dos participantes é igual a 23 anos, com desvio padrão de 5,65 anos, e que todos estavam empregados no momento da aplicação do instrumento de coleta. Resultados Descritivos do Uso Pessoal de TI no TrabalhoOs resultados do estudo mostram que 87,5% dos usuários utilizam, durante o expediente de trabalho, aplicativos de comunicação, tais como: Whatsapp, Skype e outros. Além disso, 51,40% dos respondentes informaram que utilizam os aplicativos de comunicação instantânea oito vezes, ou mais, durante o expediente. O acesso a redes sociais pelos usuários durante a execução das atividades profissionais também é significativo: 70,42% dos respondentes informaram que acessam as redes sociais durante a jornada de trabalho, e 19% informaram que acessam as redes sociais oito vezes, ou mais, durante o expediente. Também se observou que, para Distração no Trabalho, os jogos são acessados por 76,85% dos respondentes, e os aplicativos de vídeo são acessados por 63,67% dos respondentes. A preferência de uso dos aplicativos de comunicação em relação a outros aplicativos de entretenimento neste estudo se assemelha a outras pesquisas
que afirmam que os serviços digitais de comunicação são as aplicações favoritas na preferência dos usuários, entre outros tipos de aplicativos (Sultan, 2014Sultan, A. (2014). Addiction to mobile text messaging applications is nothing to “lol” about. The Social Science Journal, 51(1), 57-69. http://dx.doi.org/10.1016/j.soscij.2013.09.003
Os resultados do estudo também mostram que a utilização dos smartphones com fins pessoais durante as atividades profissionais é alta: somente 10,61% dos respondentes informaram que não utilizam seus terminais durante o expediente, enquanto 30,23% dos respondentes acessam seus smartphones oito vezes, ou mais. Isso confirma outros
estudos (Greenfield & Davis, 2002Greenfield, D. N., & Davis, R. A. (2002). Lost in cyberspace: The web @ work. Cyberpsychology & Behavior, 5(4), 347-353. http://dx.doi.org/10.1089/109493102760275590 Análise das hipótesesDe acordo com as sugestões de Hair et al. (2014Hair, J. F., Hult, G. T. M., Ringle, C. M., & Sarstedt, M. (2014). A primer on partial least squares structural equation modeling (PLS-SEM). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.), quando os objetivos do estudo convergem na predição e na explicação dos construtos do objeto de pesquisa, sugere-se a utilização de modelagem por equações estruturais, por Partial Least Squares Path Modeling (PLS-SEM). Para os cálculos e validações dos testes estatísticos, foi utilizado o software SmartPLS 3.0.M3 (Ringle, Wende, & Becker, 2015Ringle, C. M., Wende, S., & Becker, J. (2015). SmartPLS 3. Bönningstedt: SmartPLS.). Para definição do modelo de mensuração do estudo, os indicadores foram orientados como reflexivos, de acordo com os estudos originais das escalas que prescrevem as manifestações dos construtos pelos seus respectivos indicadores (Jarvis, Mackenzie, & Podsakoff, 2003Podsakoff,
P. M., MacKenzie, S. B., Lee, J.-Y., & Podsakoff, N. P. (2003). Common method biases in behavioral research: A critical review of the literature and recommended remedies. Journal of Applied Psychology, 88(5), 879-890. http://dx.doi.org/10.1037/0021-9010.88.5.879 As validades discriminante e convergente foram avaliadas no nível dos indicadores e das variáveis latentes. Quase todos os indicadores apresentaram cargas fatoriais altas em suas variáveis latentes, superiores a 0,70, e cargas fatoriais baixas nas demais variáveis latentes, indicando razoável validade convergente e divergente (Chin, 1998Chin, W. W. (1998). The PLS approach to SEM. In G. A. Marcoulides (Org.), Modern methods for business research (pp. 295-358). Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum.). Indicadores que apresentaram cargas fatoriais baixas em suas variáveis latentes ou altas em outras variáveis latentes foram eliminados das análises posteriores, de acordo com as sugestões de Hair et al. (2014Hair, J. F., Hult, G. T. M., Ringle, C. M., & Sarstedt, M. (2014). A primer on partial least squares structural equation modeling (PLS-SEM). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). Outro indicador utilizado para a validação convergente do modelo é o valor da variância média extraída (AVE), que deve apresentar valor superior a 0,5 (Hair et al., 2014). Para avaliar o modelo de mensuração, além do exame das cargas para cada indicador, verificou-se a confiabilidade composta de cada construto (Hair et al., 2014). Um valor de referência comumente referido para confiabilidade aceitável é igual a 0,70. Os valores dessas métricas estão apresentados na Tabela 3, e indicam que os resultados são satisfatórios para continuidade das análises. Tabela 3 Para avaliar o coeficiente de determinação (r²), utilizou-se o estudo de Cohen (1988Cohen, J. (1988). Statistical power analysis for the behavioral sciences (2nd ed.). Hillsdale, NJ: Erlbaum.) que determina que os valores de f2 iguais a 0,02, 0,15 e 0,35 são considerados, respectivamente, como efeitos pequenos, médios e grandes. Esses valores de f2 representam valores de r2 iguais a 2%, 13% e 25%, respectivamente. As análises post hoc mostram que o r² superior a 3,74% é significante sob o poder estatístico e o nível de significância estabelecidos para o cálculo do tamanho mínimo da amostra; além disso, o poder obtido foi igual a 0,99 e é considerado adequado para o tamanho de efeito médio (Chin & Newsted, 1999Chin, W. W., & Newsted, P. R. (1999). Structural equation modeling analysis with small samples using partial least squares. In R. H. Hoyle (Org.), Statistical strategies for small sample research (pp. 307-341). Thousand Oaks, CA: Sage Publications. ; Hair et al., 2014Hair, J. F., Hult, G. T. M., Ringle, C. M., & Sarstedt, M. (2014). A primer on partial least squares structural equation modeling (PLS-SEM). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). De acordo com os resultados da Tabela 3, os construtos Controle Reduzido de Impulso e Distração no Trabalho apresentaram um r² com efeito considerado alto, enquanto o construto Uso Pessoal de TI apresenta um r² com efeito considerado médio. Outro indicador de
validade discriminante entre os construtos é calcular a raiz quadrada da variância média extraída dos construtos. Esse valor deve ser maior que a correlação entre as variáveis latentes (Fornell & Larcker, 1981Fornell, C., & Larcker, D. F. (1981). Evaluating structural equation models with unobservable variables and measurement error. Journal of Marketing Research, 18(1), 39-50. http://dx.doi.org/10.2307/3151312
Tabela 4 Para analisar as significâncias dos indicadores, foi utilizada a técnica bootstrapping (Efron & Tibshirani, 1998Efron, B., & Tibshirani, R. J. (1998). An introduction to the bootstrap. Boca Raton, FL: Chapman & Hall / CRC Press.). De acordo com as recomendações de Hair et al. (2014Hair, J. F., Hult, G. T. M., Ringle, C. M., & Sarstedt, M. (2014). A primer on partial least squares structural equation modeling (PLS-SEM). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.), foi realizada uma reamostragem de 5.000 amostras. Após a execução dos cálculos nesta amostra, os valores das cargas de todos os indicadores foram considerados significantes, de acordo com as recomendações de Efron e Tibshirani (1998) e Hair et al. (2014). Para avaliar se existem problemas de colinearidade no modelo estrutural, foram analisados os valores do fator de inflação da variância - FIV para cada construto do modelo estrutural. Os resultados obtidos estão dentro da faixa de valores estabelecida por Hair et al. (2014Hair, J. F., Hult, G. T. M., Ringle, C. M., & Sarstedt, M. (2014). A primer on partial least squares structural equation modeling (PLS-SEM). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.), que recomenda que o FIV seja inferior a 5. Os valores de FIV dos relacionamentos entre construtos são apresentados na Tabela 5. Esta tabela também apresenta os valores dos coeficientes entre os construtos e as respectivas estatísticas t de Student. Os valores dos coeficientes também foram estimados pela técnica de bootstrapping. Todos os valores dos relacionamentos apresentaram valores de t de Student superiores a 1,96 e são considerados significantes, com exceção dos relacionamentos entre Conforto Online e Uso e entre Suporte Social no Trabalho e Uso. Tabela 5 Assim, de acordo com os resultados da Tabela 5, pode-se afirmar que o Engajamento no Trabalho influencia diretamente o Uso Pessoal de TI e a Distração no Trabalho de forma negativa. Isso revela que profissionais engajados nos seus afazeres profissionais tendem a reduzir desvios de concentração e foco nas suas atividades laborais pelo uso pessoal de seus dispositivos pessoais. De acordo com Cronbach e Meehl (1955Cronbach, L. J., & Meehl, P. E. (1955). Construct validity in psychological tests. Psychological Bulletin, 52(4), 281-302.), recomenda-se a validação nomológica como uma das formas para evidenciar se
as medidas utilizadas são válidas. Nessa direção, testou-se o relacionamento entre o construto Engajamento com a Distração no Trabalho e os resultados obtidos na Tabela 5 confirmam que o Engajamento profissional influencia negativamente as distrações durante o expediente profissional. Esses resultados estão de acordo com outros estudos que teorizam sobre os efeitos do Engajamento no ambiente profissional
(Ghani & Deshpande, 1994Ghani, J. A., & Deshpande, S. P. (1994). Task characteristics and the experience of optimal flow in human-computer interaction. The Journal of Psychology, 128(4), 381-391. http://dx.doi.org/10.1080/00223980.1994.9712742 Os resultados também apontam que o Suporte Social no Trabalho não possui relação significante com o Uso Pessoal de TI no trabalho e, portanto, não se pode afirmar que a baixa integração social do colaborador com os membros do grupo favoreça o uso pessoal e indiscriminado de TI. Nesse
sentido, este resultado se alinha aos resultados de outros autores que afirmam que indivíduos que sofrem alienação dos seus pares podem, inclusive, reduzir o uso de ferramentas de comunicação no desenvolvimento de suas atividades (Huang & Leung, 2009Huang, H., & Leung, L. (2009). Instant messaging addiction among teenagers in China: Shyness, alienation, and academic performance decrement. Cyberpsychology & Behavior, 12(6), 675-679.
http://dx.doi.org/10.1089/cpb.2009.0060 A redução do controle sobre o impulso de Uso Pessoal das Tecnologias e a atratividade da Distração Digital colaboram, positivamente, com o Uso Pessoal das Tecnologias durante o expediente de trabalho e convergem com outros estudos que apontam que características da dependência individual de TI são fatores que
podem explicar o uso excessivo dos recursos tecnológicos em diferentes ambientes (Davis et al., 2002Davis, R. A., Flett, G. L., & Besser, A. (2002). Validation of a new scale for measuring problematic internet use: Implications for pre-employment screening. CyberPsychology & Behavior, 5(4), 331-345. http://dx.doi.org/10.1089/109493102760275581
Os resultados também evidenciam que o Conforto Online proporcionado pela utilização dos aplicativos também colabora de forma significativa para perda do controle do impulso sobre o Uso Pessoal da TI e, dessa forma, promove o aumento dos sintomas de dependência de tecnologias a que usuários podem estar sujeitos. Esquematicamente, o modelo de pesquisa e a síntese de seus resultados são representados conforme a Figura 2. Figura 2 No
entanto, os resultados obtidos mostram que o Conforto Online não se mostrou como um fator que promovesse o Uso Pessoal das Tecnologias na jornada de trabalho, embora existam diversos estudos que mostram que o Conforto Online seja um fator que motive a utilização de tecnologias (Ko et al., 2005Ko, C.-H., Yen, C.-F., Yen, C.-N., Yen, J.-Y., Chen, C.-C., & Chen, S.-H. (2005). Screening for internet addiction: An empirical study on cut-off points
for the Chen internet addiction scale. The Kaohsiung Journal of Medical Sciences, 21(12), 545-551. http://dx.doi.org/10.1016/S1607-551X(09)70206-2 Tabela 6 De fato, a partir dos resultados da
Tabela 6, observa-se que o Conforto Online é um dos fatores que promove o Uso Pessoal de TI e que essa associação é mediada pela perda de controle sobre o impulso de uso da tecnologia. Assim, evidencia-se que as sensações de conforto fornecidas pelos recursos pessoais de tecnologia promovem o uso pessoal durante o expediente profissional e convergem com estudos (Caplan,
2002Caplan, S. E. (2002). Problematic internet use and psychosocial well-being: Development of a theory-based cog.-beh. measurement instrument. Computers in Human Behavior, 18(5), 553-575. http://dx.doi.org/10.1016/S0747-5632(02)00004-3 Após a obtenção dos coeficientes,
conduziu-se a análise de detecção do viés do método comum devido à forma de coleta dos dados (Podsakoff & Organ, 1986Podsakoff, P. M., & Organ, D. W. (1986). Self-reports in organizational research: Problems and prospects. Journal of Management, 12(4), 531-544.; Woszczynski & Whitman, 2004Woszczynski, A. M., & Whitman, M. E. (2004). The problem of common method variance in IS research. In
M. E. Whitman & A. M. Woszczynski (Eds.), The handbook of information systems research (Chap. V, pp. 66-77). Hershey, PA: Idea Group Publishing.). Recomenda-se o cálculo da razão da variância média substantivamente explicada pelos indicadores sobre a variância média devido ao método para detecção do viés citado (Liang, Saraf, Hu, & Xue, 2007Liang, H., Saraf, N., Hu, Q., & Xue, Y. (2007). Assimilation of ES: The effect of
institutional pressures and the mediating role of top management. MIS Quarterly, 31(1), 59-87. ; Podsakoff, MacKenzie, Lee, & Podsakoff, 2003). Nesse caso, a razão calculada da variância substantiva pela variância devida ao método foi igual a 123:1, o que torna improvável que o método de coleta de dados tenha sido responsável por algum viés nos resultados obtidos. Para análise de viés de endogeneidade por variáveis omitidas, calcularam-se as correlações de Pearson entre
os escores padronizados das variáveis exógenas e os termos de erro das variáveis endógenas. Não foram detectadas correlações significativas, o que indica ausência desse viés nos resultados do estudo, segundo esse critério de avaliação (McIntosh, Edwards, & Antonakis, 2014McIntosh, C., Edwards, J., & Antonakis, J. (2014). Reflections on PLS path modeling. Organizational Research Models, 17(2), 210-251. https://doi.org/10.1177/1094428114529165
Tabela 7 ConclusõesAlgumas pessoas não conseguem imaginar a vida sem as Tecnologias de Informação e comunicação em seus negócios ou na vida privada, pela disponibilidade das diversas formas de aplicações, para interação social ou entretenimento. Sabe-se que algumas empresas, inclusive, encorajam seus colaboradores a utilizar seus dispositivos pessoais como um fator de motivação para execução de suas atividades profissionais: tais políticas organizacionais são, geralmente, promovidas como campanhas com slogans traga seu próprio equipamento ou Bring Your Own Device (BYOD) (Schmitz, Teng, & Webb, 2016Schmitz, K. W., Teng, J. T. C., & Webb, K. J. (2016). Capturing the complexity of malleable it use: Adaptive structuration theory for individuals, MIS Quarterly, 40(3), 663-686.). Entretanto, apesar dos diversos benefícios que as tecnologias proporcionam aos seus usuários e às organizações, estudos têm demonstrado que a utilização intensa das tecnologias
pessoais pode gerar consequências negativas aos usuários, advindas do seu uso indiscriminado e viciante (Armstrong et al., 2000Armstrong, L., Phillips, J. G., & Saling, L. L. (2000). Potential determinants of heavier internet usage. International Journal of Human-Computer Studies, 53(4), 537-550. http://dx.doi.org/10.1006/ijhc.2000.0400 Este estudo atingiu seu objetivo principal: analisar os aspectos individuais motivadores do uso particular de tecnologias no trabalho e evidenciar se a distração gerada pelos meios digitais pessoais pode ser considerada como um componente significativo à perda de atenção dos profissionais durante a execução de suas atividades laborais. Para tanto, selecionaram-se fatores, potencialmente promotores do Uso Pessoal da TI no Trabalho, advindos de estudos que versam sobre sintomas de dependência tecnológica (Davis et al.,
2002Davis, R. A., Flett, G. L., & Besser, A. (2002). Validation of a new scale for measuring problematic internet use: Implications for pre-employment screening. CyberPsychology & Behavior, 5(4), 331-345. http://dx.doi.org/10.1089/109493102760275581 A primeira conclusão deste estudo evidencia que fatores individuais ligados à dependência tecnológica motivam o Uso Pessoal das Tecnologias no Trabalho. Entre esses aspectos, observou-se que a perda do controle sob o impulso de uso da TI é o fator antecedente mais significativo ao Uso Pessoal das Tecnologias, comparada a fatores como o Conforto Online, à Distração Digital e a outros aspectos analisados nesta pesquisa. Nesse sentido, o estudo confirma que a dependência de uso das tecnologias interfere diretamente no desempenho profissional dos seus usuários, pois a perda de controle sobre o impulso de uso da TI provoca a interrupção da execução das atividades orientadas às demandas organizacionais e, por consequência, a redução da produtividade individual. Particularmente, este é um resultado interessante, pois a utilização indevida dos dispositivos pessoais nas organizações pode ser motivada por um desejo pessoal suficiente para que o usuário infrinja políticas organizacionais internas e desrespeite restrições gerenciais que governem o comportamento de uso de seus dispositivos pessoais no ambiente de trabalho. Como a perda de controle do impulso é um sintoma individual de dependência
tecnológica que demanda auxílio externo para a contenção dos comportamentos abusivos (Young, 2011Young, K. S. (2011). CBT-IA: The first treatment model for internet addiction. Journal of Cognitive Psychotherapy, 25(4), 304-312. https://doi.org/10.1891/0889-8391.25.4.304 Os resultados também mostram que a sensação de segurança e conforto que a tecnologia de uso pessoal proporciona ao usuário reforça a perda de controle sobre o impulso de uso dessas tecnologias. Assim, entende-se que a implantação de políticas organizacionais de restrição total à utilização particular de tecnologias pode gerar inquietações e insatisfações no ambiente de trabalho, por conta da redução das sensações positivas proporcionadas, entre outras razões, pelo Conforto Online percebido pelos usuários. Portanto, conter a distração eletrônica dos seus colaboradores pode ser mais um desafio colocado aos gestores das organizações na Era da Informação: a possibilidade de restringir o acesso aos recursos tecnológicos privados dos colaboradores sob a forma de políticas internas organizacionais pode ser problemática ao gestor, dadas as evidências encontradas sobre o Uso Pessoal da TI no Trabalho estar ligado a fatores associados com a dependência individual tecnológica, à qual os seus profissionais já podem estar submetidos. A partir desses resultados, recomenda-se que a implantação de programas de restrição ao uso particular de tecnologias nas organizações seja precedida de campanhas organizacionais de conscientização dos colaboradores sobre os potenciais efeitos adversos do uso particular e abusivo da TI, como uma tentativa de atenuação dos dissabores potenciais da restrição do uso de tecnologias privadas por estes mesmos colaboradores. A perda de controle do impulso de uso da TI, a Distração Digital e o Conforto Online Percebido são claras evidências da necessidade de ações externas que supervisionem o uso excessivo das tecnologias pelos colaboradores, pois o usuário, por si só,
pode ter dificuldade em adequar o uso privado da TI com as suas responsabilidades cotidianas, dada a sua alta dependência em relação à TI (Young, 2004Young, K. S. (2004). Internet addiction: A new clinical phenomenon and its consequences. American Behavioral Scientist, 48(4), 402-415. http://dx.doi.org/10.1177/0002764204270278 O estudo também revelou que a utilização pessoal da TI no ambiente de trabalho e a Distração Digital são reflexos diretos da redução do Engajamento do profissional no cumprimento de suas tarefas cotidianas. Assim, os resultados deste estudo mostram que o uso abusivo das tecnologias também pode ser consequência da desmotivação do colaborador para a finalização das suas demandas profissionais. Logo, comportamentos abusivos no uso da TI pelos colaboradores podem ser considerados sinais de alerta para os gestores sobre o comprometimento profissional reduzido de alguns membros das equipes de trabalho, além dos aspectos ligados à dependência tecnológica dos usuários. A partir da detecção da baixa motivação profissional pelo uso abusivo da TI, ações gerenciais que promovam a motivação do funcionário (Tamayo & Paschoal, 2003Tamayo, A., & Paschoal, T. (2003). A relação de motivação para o trabalho com as metas do
trabalhador. Revista de Administração Contemporânea, 7(4), 33-54. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552003000400003 Este estudo confirma que a Distração Digital provoca perda de concentração dos profissionais no
trabalho. Sabe-se que a utilização de Tis pode levar o usuário a experimentar as sensações de fluxo e, por consequência, não perceber o tempo de uso em suas aplicações pessoais, por conta dessas sensações (Agarwal & Karahanna, 2000Agarwal, R., & Karahanna, E. (2000). Time flies when you're having fun: Cognitive absorption and beliefs about information technology usage. MIS Quarterly, 24(4), 665-694. http://dx.doi.org/10.2307/3250951
Como implicação prática, sugere-se que as campanhas de conscientização sobre os efeitos adversos do uso excessivo de TI orientem que os colaboradores alertem diretamente os seus pares quando notarem utilização excessiva da TI por alguns colegas, e ilustrem os efeitos negativos percebidos das tecnologias nas atividades profissionais do usuário, dada a possibilidade dos próprios usuários não perceberem o uso abusivo dos seus dispositivos durante o expediente, pela distração ou sensação de fluxo. Embora a preferência de uso dos aplicativos pessoais, segundo os participantes da pesquisa, sejam os sistemas que promovem interação social, tais como as redes sociais e os sistemas de comunicação instantânea, a pesquisa não evidenciou que o uso particular dessas aplicações serviria como subterfúgio dos profissionais que contam com Suporte Social reduzido no local de trabalho. Em outras palavras, os resultados encontrados não permitem afirmar que fracos vínculos afetivos entre os profissionais da organização promovam a utilização indiscriminada de TI, inclusive, dos aplicativos de comunicação. Ao contrário, o relacionamento positivo entre Suporte Social e Uso Pessoal da TI no Trabalho, embora com significância comprometida, indica uma provável influência do Suporte Social na promoção do Uso Pessoal da TI. Uma possível justificativa para esse resultado é a utilização dos dispositivos pessoais como meio de interação frequente e facilitador das relações sociais entre os pares durante a jornada de trabalho. Além disso, detectada a baixa correlação entre o uso privado de TI no trabalho e o Suporte Social, evidencia-se que os problemas de relacionamento entre grupos em ambientes organizacionais não são fruto de uso demasiado de tecnologias pessoais. Desse modo, entende-se que políticas organizacionais de restrição ao uso privado de tecnologias não devem influenciar melhorias significativas no relacionamento entre os pares da organização. Esta pesquisa contribui para a utilização e o desenvolvimento de instrumentos de medida de uso problemático de tecnologias no Brasil, com a apresentação das validações dos indicadores obtidos de escalas internacionais e sob o aspecto da validade nomológica, pela significância obtida dos relacionamentos entre os construtos de dependência tecnológica aos construtos ligados ao comportamento organizacional. Este estudo também contribui para apresentar os efeitos negativos das tecnologias pessoais nas organizações, pois a literatura que trata dos temas ligados à área de dependência tecnológica apresenta, em sua maioria, artigos que buscam identificar grupos sujeitos à dependência tecnológica ou sintomas de dependência que permitam o diagnóstico de profissionais da área da saúde, que possam auxiliar o tratamento do vício em Tecnologias de Informação, entre outras possibilidades. Entretanto, não se pretende com este artigo esgotar as possibilidades de conclusões sobre tema, pois o uso intensivo e a popularidade das tecnologias em públicos de distintas faixas etárias e classes sociais proporcionam diversas oportunidades de investigação ligadas ao Uso Pessoal excessivo de Tecnologias em múltiplos contextos de utilização. Por exemplo, observa-se que o poder de explicação (r2) encontrado na relação entre as variáveis de Distração Digital e Engajamento sobre a Distração no Trabalho apresentou valor igual a 48%. Embora seja um valor considerado alto, acredita-se que outras distrações no ambiente de trabalho, como conversas paralelas dentro da equipe, ambiente com ruídos excessivos, problemas pessoais e emocionais contribuam para a redução da concentração profissional e possam acrescer a explicação das causas de Distração profissional. Além disso, desconhece-se qual a contribuição da Distração no Trabalho pela sinalização de notificações das próprias aplicações que chamam a atenção do usuário, comparada ao comportamento ativo do usuário em acessar os seus aplicativos voluntariamente. O estudo possui limitações que não podem ser desconsideradas. Por exemplo, a presença de erros de medida por meio de imprecisão na mensuração dos valores reais das respostas. Logo, vislumbra-se outra possibilidade de pesquisa que envolva o monitoramento real dos usuários com aplicativos que gerenciem o tempo dispendido com tecnologias pessoais, com o objetivo de captar dados e aumentar a precisão dos efeitos desses recursos nas suas atividades laborais. A partir da coleta desses dados, existe a possibilidade de análise, transversal e longitudinal, dos efeitos da implantação de políticas organizacionais de restrição de acesso às tecnologias pessoais, inclusive, entre grupos de usuários. A generalização dos resultados dessa amostra à população de profissionais que utilizam tecnologias também é outra fraqueza do estudo. Sob o ponto de vista do perfil da amostra, entende-se que é possível a obtenção de diferenças nos resultados a partir de análise de grupos profissionais com formação, experiências e funções diversas, ou que atuem em diferentes setores organizacionais. Sob o ponto de vista da coleta dos dados ter sido realizada em um único estado no Brasil, não se pode afirmar que os resultados se mantenham constantes, dadas as diferenças de infraestrutura em outras regiões do país, que podem impactar em diferenças na facilidade de acesso à rede pública de dados pelos usuários. AgradecimentosOs autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão de recursos para viabilidade da pesquisa (Processo 2015/22795-0). Referências
|