É possível que um casamento seja realizado no Brasil mas seja regido por lei estrangeira?

Amanda de Moura Cañizo é acadêmica do sexto semestre de Direito no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), bolsista de Iniciação Científica (Proic/2021) na linha de Direito Internacional e estagiária jurídica na Joyce Dias Advocacia.

O casamento realizado no exterior, com a observância das leis do local de celebração, é aceito por outras jurisdições, como regra. A validade independe de qualquer registro.

É possível que um casamento seja realizado no Brasil mas seja regido por lei estrangeira?
Se verificada ofensa à ordem pública e aos bons costumes, um país pode negar eficácia ao casamento realizado em outro. É o caso, por exemplo, dos casamentos poligâmicos, admitidos em alguns países, mas que não têm — ao menos por enquanto  a eficácia reconhecida no Brasil. Evidentemente, o tema é permeável à mudança dos costumes e à evolução do Direito.

Admitindo-se, para efeitos gerais, a premissa de que o casamento realizado no exterior é válido no Brasil, é importante ponderar quais as exigências e os efeitos do registro do ato jurídico na jurisdição local.

Ao apreciar o tema, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento no sentido de que o registro se destina apenas a dar publicidade ao casamento realizado no exterior, reconhecendo, ao ato jurídico, natureza meramente declaratória e não constitutiva .  De fato, a jurisprudência é uníssona no sentido de que "o casamento realizado no exterior produz efeitos no Brasil, ainda que não tenha sido aqui registrado" .

Em sendo pelo menos um dos cônjuges brasileiro, o nosso Código Civil estabelece que deve ser registrado o casamento celebrado no exterior. O registro deve ser feito em 180 dias, contados do retorno de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, perante o 1º Ofício de Registro Civil do domicílio do cônjuge brasileiro ou, na ausência de domicílio no Brasil, perante o 1º Ofício de Registro Civil do Distrito Federal. Apesar de estabelecer prazo para o registro, nenhuma penalidade é prevista no caso de descumprimento da formalidade.

Antes do registro civil no Brasil, é necessário assegurar que a certidão de casamento estrangeira tenha eficácia aqui. Para tanto, deve ser feito o registro do matrimônio no consulado brasileiro. Alternativamente ao registro consular, pode ser providenciada a legalização da certidão de casamento pelo consulado ou embaixada do Brasil, ou o apostilamento, tradução por tradutor público juramentado inscrito na junta comercial, e o registro da certidão de casamento legalizada ou apostilada com a respectiva tradução no cartório de títulos e documentos.

Do ponto de vista prático, apesar de não haver expressa previsão de penalidade para os brasileiros que deixam de registrar o casamento, essa providência é imprescindível para a atualização dos documentos brasileiros (especialmente se há mudança do nome). A Lei de Registros Públicos preceitua que o registro é necessário para que a certidão de casamento produza efeitos em repartições públicas ou em qualquer instância, juízo ou tribunal.

É comum, por exemplo, que a ausência do registro seja a causa de exigência apresentada por cartório de notas na lavratura de escritura pública no Brasil. A aquisição ou a venda de imóveis no Brasil exige a formalidade do registro do casamento realizado no exterior por qualquer dos contratantes, ainda que nenhum dos cônjuges brasileiros tenha retornado para o Brasil.

Caso ambos os cônjuges sejam estrangeiros, para que o casamento realizado no exterior produza efeitos em repartições públicas ou em qualquer instância, juízo ou tribunal, a certidão estrangeira deverá ser legalizada pelo consulado ou embaixada do Brasil ou apostilada. É necessário traduzir a certidão por tradutor público juramentado inscrito na junta comercial, para a apresentação futura do documento estrangeiro no cartório de títulos e documentos. Esse procedimento é exigido para qualquer documento estrangeiro cuja eficácia se pretenda produzir no Brasil.

Na hipótese de divórcio, no Brasil, de estrangeiros casados no exterior, é exigido o translado da certidão de casamento no 1º Ofício de Registro Civil do domicílio do casal ou de um dos cônjuges, para que, posteriormente, o ato jurídico seja averbado.

Todas essas formalidades registrárias podem ser revistas pelo Congresso Nacional. O Projeto de Lei 393/21  dispensa de registro em cartório os documentos estrangeiros abrangidos pela Convenção da Apostila firmada em Haia, da qual o Brasil é signatário. O projeto prevê que não será mais necessário o registro de documentos públicos estrangeiros no cartório de títulos e documentos.

Em resumo:

— A certidão de casamento realizado no exterior assim como todos os documentos estrangeiros , deve ser legalizada ou apostilada, traduzida por tradutor juramentado e registrada no cartório de títulos e documentos; se pelo menos um dos cônjuges for brasileiro, o registro pode ser feito diretamente no consulado brasileiro;

— Além do registro no cartório de títulos e documentos ou no consulado brasileiro, em sendo pelo menos um dos cônjuges brasileiro, deve ser feito o registro perante o 1º Ofício de Registro Civil do domicílio do cônjuge brasileiro ou, na ausência de domicílio no Brasil, perante o 1º Ofício de Registro Civil do Distrito Federal.

As questões burocráticas do casamento realizado no exterior podem ser evitadas, se levado em conta que:

1) É possível casar-se por procuração no Brasil. Na hipótese do casamento civil no Brasil estar inviabilizado pela impossibilidade momentânea da presença dos nubentes, essa alternativa deve ser considerada;

2) A pandemia impulsionou a realização de casamentos remotos, por videochamadas. Durante o ápice da crise sanitária, foi possível realizar casamentos por videochamadas. O serviço não chegou a ser regulamentado de forma definitiva, mas há a expectativa de que, no futuro próximo, volte a ser possível a realização de casamentos online;

3) Para quem alimenta o sonho de casar-se num lugar especial no exterior e, na sequência, voltar ao Brasil, é recomendável que faça apenas a comemoração no outro país. Uma vez realizado o casamento civil no Brasil, parte-se para a festa no exterior, sem ter de enfrentar, posteriormente, a burocracia relacionada ao registro do documento estrangeiro;

4) Se o casamento no exterior é inevitável, seja porque o casal lá fixou domicílio, seja por qualquer outra razão, é importante dedicar especial atenção ao regime de bens a ser adotado. A escolha não raro é feita com a emoção do momento da celebração, sem maiores cuidados jurídicos, em matéria complexa.

 


SEC 10.411, Corte Especial, relator ministro Og Fernandes, julgamento em 05.11.2014: "(...) No que diz respeito à alegação de nulidade do casamento por ausência de registro perante autoridades brasileiras, trata-se de matéria que desborda do juízo de delibação própria da homologação e, ademais, não merece guarida. Isso porque o casamento celebrado no exterior seguindo todo o rito necessário condizente com a lei do país em que foi realizado, constitui ato jurídico perfeito e por isso já possui existência e validade, sendo o seu registro no Cartório de Registro Civil apenas meio de se dar publicidade ao ato. O registro, no Brasil, é ato de natureza meramente declaratória e não constitutiva, não sendo, dessa feita, indispensável para a validação do casamento".

Resp 1.087.281, decisão monocrática, relator ministro Marcos Buzzi, 01.08.2013.

Projeto de Lei 393/21 Acresce parágrafo único ao artigo 129 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para dispensar de registro, no registro de títulos e documentos, documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal ou ainda surtirem efeitos em relação a terceiros.




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Adriana Chieco é advogada e sócia do escritório Chieco Advogados.

Camila Ieracitano Macedo Maia é advogada e sócia do escritório Chieco Advogados.

Mabel Tucunduva Prieto de Souza é advogada, sócia do escritório Chieco Advogados e ex-procuradora de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo.

Qual lei deverá ser aplicada no caso do casamento de estrangeiros no Brasil?

Nesse aspecto, sendo o casamento realizado no Brasil, aplica-se a lei do domicílio do nubente, independentemente de sua nacionalidade. Vale dizer, se um brasileiro, domiciliado no exterior, pretende se casar no Brasil, a lei aplicável não será a brasileira, mas sim a lei do Estado onde o brasileiro estiver domiciliado.

É possível que estrangeiro se casar no Brasil mediante as leis de seu país mesmo estando no Brasil desde que se case mediante autoridade consular de seu país?

​Portanto, é permitido a estrangeiros de mesma nacionalidade se casarem perante autoridade consular ou diplomática de seu país de origem. O que não poderá acontecer caso os nubentes sejam de nacionalidades diferentes por tratar-se de uma questão de soberania e reciprocidade.

Qual a lei que rege a validade do casamento de brasileiro celebrado no exterior?

1 Lei 10.406/2002, Código Civil, artigo 1.544, “O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua ...

Como funciona o casamento de estrangeiros no Brasil?

Os estrangeiros não precisam ser residentes no Brasil, podendo se casar somente com visto de turista ou de negócios. Os regimes patrimoniais de divisão de bens ou as taxas cobradas pelo cartório não são diferentes daqueles em casamentos entre brasileiros.