Fernandinho mesmo que uma mae

A churrasqueira do condomínio, em Londrina, já está alugada. E parentes e amigos são esperados aos montes no sábado (29) para assistir à final da Copa Libertadores, entre Athletico-PR e Flamengo.

Feliz por estar perto do filho após os muitos anos em que viveu apartada dele pelo Oceano Atlântico, Ane Cristiane Machado, 58, mãe de Fernandinho, capitão do Athletico-PR, vive a expectativa de uma redenção para o filho.

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"Ele estava no time de 2005 [vice-campeão da Libertadores, derrotado pelo São Paulo]. Eu assisti sozinha àquele jogo, estava muito nervosa. Dessa vez, achei melhor ver com mais gente", disse ela, em entrevista ao UOL Esporte.

Redenção, aliás, é algo que Fernandinho conhece muito bem.

Eliminação em 2018: 'Parecia um infarto'

Fernandinho mesmo que uma mae

Fernandinho e Thiago Silva observam finalização de Hazard em eliminação do Brasil na Copa de 2018

Imagem: Catherine Ivill/Getty Images

Ane se lembra como se fosse hoje aquele 6 de julho de 2018, em Kazan, na Rússia. Assim que chegou ao hotel, após Bélgica 2 x 1 Brasil, pelas oitavas da Copa do Mundo, ela percebeu que algo não estava certo.

"Quem foi me encontrar foi a minha amiga Vera, mãe do Gabriel Jesus, e a Roseli, mãe do Fred", contou ela.

"Parecia que eu estava tendo um infarto: dor no peito, dor de cabeça, vista escura. Não conseguia nem andar", contou a mãe de Fernandinho.

Quatro anos depois da tragédia do 7 a 1 diante da Alemanha, Ane estava certa de que seu filho seria mais uma vez crucificado por uma eliminação da seleção brasileira na Copa do Mundo.

Na partida de Belo Horizonte, a atuação ruim de Fernandinho foi apontada como uma das grandes razões para o vexame do time de Felipão. Dessa vez, o motivo seria o gol contra para a Bélgica que abriu o placar do jogo que tiraria o time do técnico Tite do Mundial.

Fernandinho mesmo que uma mae

Fernandinho, do Athletico-PR, durante partida contra o São Paulo no Brasileirão

Imagem: Robson Mafra/AGIF

Na visão de muitos, portanto, Fernandinho era reincidente no crime de eliminar o Brasil da Copa.

"Na hora que o lance aconteceu, eu me desesperei, passei muito mal", relembra ela. "Eu olhei no telão e falei pra Glenda [Koslowski, hoje apresentadora da Band, à época na Globo]: foi ele de novo?", conta ela, que viu a partida ao lado da jornalista.

"Depois de tudo que passamos em 2014? Aquilo foi muito marcante na minha vida", conta. "Foram ameaças de morte, atos de racismo, todo tipo de xingamentos", diz ela. "Mas o que veio em 2018 foi ainda pior".

"Depois da Copa, eu postei uma foto, embarcando com o Fernando e minha família no avião, e alguém comentou: 'Tomara que aconteça com vocês o que aconteceu com o avião da Chapecoense".

Orgulho pelo tempo na Europa

Fernandinho mesmo que uma mae

Fernandinho abraça Gabriel Jesus durante jogo entre Manchester City e Shakhtar Donetsk

Imagem: REUTERS/Gleb Garanich

Hoje, Ane consegue falar do assunto sem se abalar tanto. Mas foram anos digerindo tanto ódio. "Na verdade, eu nem queria que ele voltasse para o Brasil. Preferia que ele tivesse encerrado a carreira na Europa", diz ela.

"A gente toda hora vê brigas nos estádios, jogadores ameaçados, falta de segurança", reflete. "Mas, ao mesmo tempo, veio a alegria pelo fato de ele voltar ao Furacão, que amamos muito, desde que o Fernandinho era criança", diz.

Na Inglaterra, onde chegou em 2013, Fernandinho é ídolo. Em maio deste ano, ele deixou o Manchester City como o brasileiro mais bem-sucedido da História da Premier League, com cinco títulos da competição.

Pelo City, conquistou também nove copas: uma Supercopa, duas Copas da Inglaterra e seis Copas da Liga Inglesa.

'Parecia que eu era uma rainha'

Fernandinho mesmo que uma mae

Fernandinho, hoje no Manchester City, foi um dos brasileiros que defenderam o Shakhtar

Imagem: Getty Images

Mas antes da Terra do Rei Charles III, Fernandinho jogou por oito anos no Shakhtar Donetsk (UCR). "Lá, ele também era muito querido", conta Ane.

"Como lá não tinha negros, por onde eu passava, todo mundo me olhava. Parecia que eu era uma rainha", diverte-se Ane. "Teve uma vez que eu estava num camarote e, quando souberam que eu era mãe dele, todo mundo levantou e me aplaudiu", conta.

"Mas quando ele disse que ia para a Ucrânia, eu fiquei muito triste", diz Ane. "Na hora em que ele me contou, eu soltei aquele 'ai, que legal', meio amarelado. Mas eu ajudei a fazer a mala, arrumar coisas", conta.

"No aeroporto, quando ele foi para a sala de embarque, eu não aguentei, eu desabei. Mesmo ele tendo nome no Athletico, eu não tinha noção de que ele teria tanta projeção na Europa. Para mim, era um time a mais", diz

"O que estava me matando era que ele iria ficar longe de mim. Eu ficava pensando: será que ele comeu? Está agasalhado? Tomando chuva? Ele ligava, e eu perguntava: 'estão te tratando bem aí, filho?'. E ele ria", conta Ane.

Fã de Taffarel e ex-futuro peão de rodeio

Fernandinho mesmo que uma mae

Ane com Fernandinho, então com 9 meses

Imagem: Acervo pessoal

A conquista da Libertadores pode vir a preencher uma das poucas lacunas que Fernandinho tem em sua carreira. O volante nunca levantou um troféu continental.

"É o que falta, já que a tão sonhada Champions League não veio com o Manchester City", diz Ane.

Nada mal para quem nem tinha o futebol como primeira opção quando criança.

"Por causa daquela novela 'Ana Raio e Zé Trovão', ele queria ser peão de rodeio", revelou. "Montava nas almofadas do sofá e fingia que eram bois. Depois, quando o pai começou a levar ele para os jogos da várzea, é que o futebol entrou na sua vida", conta.

E o primeiro jogador a despertar a atenção de Fernandinho não era de linha.

"Depois que ele começou a gostar, quando ele chutava a bola, ele gritava: 'Gol do Taffarel!. Ele não entendia o que era um goleiro", diverte-se.

"Eu até contei isso para ele [Taffarel] quando a seleção [onde ele é preparador de goleiros] veio jogar aqui. Foi o primeiro ídolo dele", diz a orgulhosa mãe de Fernandinho.