O que caracteriza a contribuição social ou especial?

O presente estudo tem por escopo analisar as contribuições de competência da União Federal previstas no artigo 149 da Constituição Federal, tema que sempre reputei da mais alta importância, por abranger parte substancial da carga tributária suportada pelo setor produtivo da sociedade.

Neste trabalho, adotarei conceitos gerais constantes de publicações anteriores sobre contribuições.[1]Porém, como o exame da matéria depende eminentemente da interpretação do texto constitucional, entendi necessário reavaliar alguns pontos, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal em decorrência das múltiplas e sucessivas disputas judiciais submetidas ao crivo daquela Corte.

1. INTRODUÇÃO.

As contribuições são conhecidas no direito comparado por denominações variadas, como impostos especiais, tributos especiais, tributos parafiscais, contribuições especiais, etc. Dos autores que se ocuparam do tema, muitos lhes negam o caráter de espécie distinta do imposto ou da taxa. Alguns ainda a colocam como exação “sui generis”. Na verdade, entretanto, a correta classificação da figura de que se cuida depende do trato que lhe é dado pelo direito positivo. Este, em função de vários fatores, sobretudo os relacionados com a repartição de competências tributárias, dá diferentes regimes jurídicos a exações que apresentem certas características que permitem distingui-las das demais.[2] Como as contribuições diferem das demais imposições tributárias, visto que não se caracterizam somente por seu fato gerador e que têm por objetivo o financiamento de uma certa atividade estatal, pode o direito de cada país tratá-las destacadamente.

Além das contribuições especiais propriamente ditas, há as chamadas exações parafiscais, tratadas por muitos como figuras típicas, que não se confundem nem com o imposto, nem com a taxa, nem com a própria contribuição. Outros, todavia, entendem terem elas as características fundamentais das contribuições, como, por exemplo, Fonrouge que inclui “la parafiscalidad en la categoria de contribuciones especiales, por tratarse de prestaciones obligatorias debidas en razón de beneficios individuales o de grupos sociales, derivados de especiales actividades del Estado“.[3] Na verdade, e sem embargo de as exações parafiscais terem como peculiaridade o fato de serem arrecadadas por órgão da administração descentralizada que é o beneficiário do produto dessa arrecadação, e não constarem do orçamento geral, junto com os tributos, nada impede sejam elas tratadas dentre as contribuições especiais ou autonomamente. Tudo depende do Direito Positivo.

2. NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES.

Na vigência da Constituição de 1.967, com a redação da Emenda nº 1 de 1.969, entendia expressiva doutrina que as contribuições estavam sujeitas à disciplina jurídica dos tributos.[4]

Com a superveniência da Emenda Constitucional nº 08, de 14 de abril de 1.977, entendeu o Supremo Tribunal Federal que as contribuições sociais referidas no artigo 43, inciso X, da Constituição deixaram de ser tributos, mesmo porque, a par de outros argumentos, estavam elas situadas em capítulo diverso daquele relativo ao sistema tributário.[5]

Sobreveio a Constituição Federal de 1988, que, no capítulo reservado ao Sistema Tributário Nacional, outorgou competência aos entes políticos para criar impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições (sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas) e contribuições para a seguridade social, conforme se verifica dos artigos 145, 148 e 149.

Assim, a discussão que de início travou a doutrina, sobre serem ou não tributos as contribuições, restou superada com o advento da Constituição de 1988[6], sobretudo após reiterada manifestação do Supremo Tribunal Federal no sentido de definitivamente conferir-lhes natureza tributária.[7]

3. CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS.

As classificações dos tributos, diga-se, não são necessárias ao exame do fenômeno tributário em todos os países do mundo. Na verdade, as classificações, em geral, obedecem a motivos pragmáticos ou interesseiros. Classifica-se para melhor explicar alguma coisa. Mas é perfeitamente possível identificar o fenômeno tributário de uma maneira una, independentemente de partições ou de classificações de tributos em impostos, taxas e contribuições, nos países unitários ou naqueles com estrutura federativa onde não há partilha constitucional do poder de tributar, existindo apenas algumas competências privativas.

No caso particular do Brasil, o sistema tributário é tido como o mais rígido do mundo, havendo ampla partilha da competência tributária entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, não se admitindo competências concorrentes em matéria de impostos. Portanto, embora o poder de tributar seja do Estado, como um todo, cada uma das ordens parciais de governo que o compõe tem sua parcela de poder que é determinada a partir de critério classificatório.[8] Em razão deste critério, temos taxas e contribuições de melhoria, como tributos de competência comum e demais contribuições, impostos e empréstimos compulsórios como de competência privativa. O fenômeno tributário deve, então, ser identificado em suas várias facetas, tornando a classificação tendente à correta caracterização das espécies tributárias extremamente importante.

Nada obstante, a análise histórica do contencioso tributário brasileiro mostra que os poderes públicos sempre procuraram alargar suas competências tributárias, em muitos dos casos, por meio da criação de novas figuras com denominações impróprias. Assim é que foram instituídas taxas com bases de cálculo próprias de impostos, empréstimos compulsórios sem afetação do produto de sua arrecadação à respectiva causa, contribuições sem referibilidade a qualquer grupo de indivíduos. As décadas de 70 e 80 foram particularmente ricas em precedentes versando sobre variadas figuras rotuladas de taxa. O Supremo Tribunal Federal, aos poucos, foi assentando determinados conceitos, como o de serviço específico e divisível, o de serviço público,[9] bases de cálculo impróprias,[10] etc., o que cerceou novas tentativas de invasão de competência sob o pretexto de se tratar de taxa.

Na década de 80, as tentativas de invasão de competência foram feitas principalmente pela União. Entre essas, merecem especial referência os empréstimos compulsórios, mesmo porque bastava para a sua instituição afirmar-se ou que houve seca no Norte ou chuva no Sul ou, ainda, que em face do fenômeno inflacionário havia necessidade de absorção temporária do poder aquisitivo. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de vários desses empréstimos.[11] Todavia, tantos eram os flancos que a redação do texto da Emenda Constitucional nº 01/69 suscitava que houve nítida preocupação do Constituinte de 1988 em traçar limites claros à sua criação.

Na década passada, já não mais dispondo do recurso fácil dos “empréstimos compulsórios” de outrora, a União recorreu às contribuições, que vêm sendo utilizadas sem parcimônia sempre que necessário incrementar as receitas para fazer frente aos compromissos do poder central. O tema ainda permite reflexões aprofundadas da jurisprudência, mas em grande parte já há uma sedimentação razoável do que se entende por tais tributos[12], que serão objeto de maiores considerações ao longo deste trabalho.

Convém assinalar que as invasões de competência prejudicam o sistema tributário como um todo. Afetam sua lógica interna,[13] atingindo não só os contribuintes, mas também os demais poderes tributantes. De fato, quando se cria algo como se fosse contribuição ou empréstimo compulsório, acrescenta-se novo ônus para os contribuintes, a par dos previstos na Constituição, e sem que de sua receita participem Estados, Distrito Federal e Municípios, como aconteceria se o tributo fosse corretamente rotulado de imposto.

Além disso, há uma série de princípios que limitam a instituição de cada um dos tributos discriminados na Constituição, alguns de ordem geral, como o princípio da reserva legal, que impede a cobrança de qualquer tributo sem lei que o estabeleça (artigo 150, I), e outros, específicos, como o que  impossibilita que as taxas tenham base de cálculo própria de impostos (artigo 145, §2º), realçando a necessidade de que o tributo criado efetivamente se revista da natureza e característica declaradas pela respectiva lei instituidora. Vale lembrar que tais limitações e princípios, que, no mais das vezes, encontram-se estabelecidos na Seção II do Capítulo do Sistema Tributário Nacional, que cuida das “Limitações ao Poder de Tributar”, integram o assim chamado Estatuto do Contribuinte, de observância obrigatória até mesmo pelo Constituinte Derivado, sempre que identificados como direitos e garantias individuais.[14]

Por tais razões, a exata classificação da espécie tributária tem repercussões jurídicas importantes no sistema brasileiro, pois, de um lado, a própria repartição de competências dos entes políticos está nela fundada e, de outro, há o envolvimento de direitos subjetivos dos contribuintes que devem ser respeitados.

3.1. A CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

A Constituição Federal outorga competência tributária à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria, decorrente de obras públicas (artigo 145). Ainda, há outorga de competência exclusiva à União para instituir empréstimos compulsórios (artigo 148) e contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, de interesse das categorias profissionais ou econômicas e de financiamento da seguridade social, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas (artigo 149 c/c 195).[15]

De uma forma bastante breve e já adiantando um pouco do que se verá adiante em tema de contribuições, importa referir que a Constituição atual permite distinguir, claramente, as espécies tributárias.

3.1.1. IMPOSTOS.

Os impostos são instituídos a partir de um determinado fato econômico previsto em lei e que revela uma suposta capacidade econômica para contribuir dos respectivos sujeitos passivos. O artigo 16 do Código Tributário Nacional os define como tributos que independem de qualquer atividade estatal específica referida ao contribuinte. Ou seja, trata-se de tributo que se destina a custear as atividades gerais do Estado.

Os fatos econômicos sobre os quais podem incidir os impostos são variados, razão pela qual a Constituição os classifica atribuindo competência privativa à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a partir de tal classificação. Assim, os campos econômicos são separados de molde a permitir que sobre cada um deles possa incidir o imposto correspondente. É bem verdade que a referência feita na Constituição Federal é genérica, abrangendo o âmbito de incidência do tributo. Nesse sentido, não pode haver tributação que decorra diretamente da Constituição. É preciso mais, que o titular da competência impositiva descreva, sempre respeitando o respectivo âmbito de incidência, o fato gerador do tributo, com todos os seus aspectos, em atenção ao princípio da tipicidade.[16]

Outrossim, a competência tributária é estabelecida de sorte a não permitir que uns invadam o campo tributável de outros. Com efeito, a Federação brasileira é estruturada de forma a que suas ordens parciais de governo tenham fontes próprias de recursos. Mas não só próprias, também exclusivas. Isto significa que não podem os entes que a compõem alargar suas competências impositivas de nenhuma forma, sobretudo através da utilização de tributos que nada mais constituem do que disfarces daqueles que pertencem à competência alheia.

Em matéria de impostos, portanto, a rigidez da partilha das competências impositivas é evidente, mesmo tratando-se da competência residual da União (artigo 154 da Constituição Federal).

3.1.2. TAXAS.

Nos termos do artigo 145 da Constituição e do artigo 77 do Código Tributário Nacional, só pode haver instituição de taxa se houver atividade estatal consistente na prestação ou disponibilização de serviços públicos ao contribuinte, ou no exercício regular do poder de polícia. De outra parte, o serviço público que autoriza a cobrança de taxas é aquele prestado pelo ente que detiver a competência para tanto. Nesse sentido, é inconstitucional a taxa em razão de serviço público se quem o presta não é detentor da competência administrativa para fazê-lo.

3.1.3. EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS.

Os empréstimos compulsórios, previstos no artigo 148 da Constituição Federal, só podem ser instituídos mediante lei complementar e para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.

Demais disso, o parágrafo único do artigo 148 contém importante limitação ao exercício da competência tributária na medida em que obriga que o produto da arrecadação do empréstimo seja vinculado à despesa que fundamentou sua instituição. Saliente-se que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que seu regime jurídico é tributário.[17]

3.1.4. CCONTRIBUIÇÕES.

A leitura do artigo 149 em conjunto com os artigos 194 e 195 da Constituição Federal, permite identificar a existência de dois tipos de contribuição, que encontram fundamento geral naquele dispositivo e podem ser chamadas de “contribuições especiais”. De um lado, há as contribuições de caráter social geral, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. De outro, as contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social. A elas, soma-se a contribuição de melhoria, devida em decorrência da realização de obra pública, nos termos do artigo 145, III, da Constituição Federal.

As características das contribuições do artigo 149 serão examinadas de forma mais detalhada no decorrer do presente trabalho, mas cabe adiantar, por ora, que o traço comum que une todas as contribuições é a sua destinação ao atendimento de determinada atividade estatal, indicada pela Constituição.

Conseqüência dessa destinação específica é que a exigência das contribuições somente pode ser feita, em regra, dos indivíduos que compõem um grupo que tenha interesse qualificado na atuação do Estado. É importante registrar, todavia, que tal interesse, por vezes chamado de benefício, vantagem ou referibilidade, não consiste, necessariamente, num proveito concreto ao sujeito passivo. Trata-se de qualquer interesse diferenciado, especial, que alguém tenha em determinada atividade estatal, passível de justificar a sua participação no custeio das despesas públicas de forma distinta dos demais. Significa uma vantagem individual suposta, admitida como presunção absoluta pela lei. A vantagem, em si, é do grupo que, como um todo, justifica e sofre os efeitos da atuação estatal, a ser custeada pela contribuição.[18]

Há, todavia, uma exceção à regra da referibilidade entre o grupo sujeito à contribuição e a atuação estatal que enseja a sua cobrança. É o caso das contribuições para a seguridade social. Tais contribuições, nada obstante tenham previsão genérica no artigo 149 da Constituição, encontram parâmetros no artigo 195 que limitam seu campo de incidência e lhes dão características próprias decorrentes de princípios específicos a que se submetem, como o da solidariedade, que implica a participação de toda a sociedade no custeio das ações estatais nas áreas de saúde, previdência e assistência social, conforme apontado por autores como Marco Aurélio Greco[19] e reconhecido pela iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,[20] extremando-as dos outros tipos de contribuição, exigíveis somente dos integrantes de grupos com interesse diferenciado em determinadas áreas de atuação estatal.

Na verdade, a inexistência de correlação entre o contribuinte da contribuição para a seguridade social e a atividade estatal desenvolvida aproxima a figura dos impostos, que, como visto, são tributos cuja cobrança independe de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte, consoante a definição do artigo 16 do Código Tributário Nacional. Mais precisamente, haveria certa semelhança com os chamados impostos de escopo, exigidos de todos em função de determinada causa ou objetivo, como ocorre com os impostos extraordinários de que trata o art. 154, II, da Constituição Federal, passíveis de serem instituídos na iminência ou no caso de guerra externa.

Contudo, se fosse denominada imposto, a contribuição para a seguridade social estaria submetida às restrições próprias daquela figura, especialmente a proibição de vinculação de receita a órgão, fundo ou despesa (artigo 167, IV, da Constituição)[21], além de eventual repartição com Estados e Municípios (artigos 157 a 159 da Constituição).

Tais razões, de ordem pragmática, possivelmente tenham levado o Constituinte a criar, sob o rótulo de contribuição para a seguridade social, uma figura híbrida, verdadeiro tributo sui generis, com algumas características de contribuição e outras de imposto. Contribuição, na medida em que se destina ao atendimento de uma finalidade específica. Imposto, por ser exigível de toda a coletividade.[22]

Destarte, embora sejam qualificados como contribuições – e dessa forma devam ser tratados-, os tributos destinados ao financiamento da seguridade social são figuras peculiares, justificando-se sua classificação em separado das demais espécies tributárias, inclusive de outros tipos de contribuição.

3.2. A CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS SOB A PERSPECTIVA DA CIÊNCIA DAS FINANÇAS.

A classificação das diferentes espécies de tributos deve ser feita não só em função de suas próprias características, mas também tendo em vista os vários critérios adotados para a repartição dos encargos públicos. Isto porque, de fato, a distinção dos tributos foi logicamente elaborada em primeiro lugar pela Ciência das Finanças, e, após, penetrou no terreno jurídico.

Nessa análise deve-se partir do pressuposto de que o Estado cobra exações compulsórias de todos aqueles que se encontram submetidos à sua jurisdição. Por uma perspectiva pré-jurídica ou no âmbito da Ciência das Finanças, o que se tem de verificar é como os indivíduos se relacionam com os vários serviços públicos prestados pelo Estado, sobretudo no que respeita à utilidade individual que deles retiram. Há casos (1) em que os serviços são de tal forma gerais que cada indivíduo não pode medir a utilidade que deles tira. Outros há (2) em que o serviço é desenvolvido em função do interesse público, mas implica uma série de prestações a indivíduos determinados, que dele tiram uma utilidade específica e, portanto, mensurável. Por fim, há (3) aqueles desenvolvidos em função do interesse público, prestados não a usuários específicos, mas que atendem interesses de um grupo de indivíduos.

De acordo com as características antes assinaladas e considerando as diversas espécies tributárias previstas na Constituição de 1988,  pode-se dizer que temos, no primeiro grupo, (1) impostos, empréstimos compulsórios e contribuições para a seguridade social; no segundo, (2) taxas, e, no terceiro, (3) contribuições de melhoria, sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

3.3. A CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS SOB O ÂNGULO JURÍDICO.

Do ponto de vista jurídico, para se chegar à classificação dos tributos importa examinar a estrutura das hipóteses de incidência de suas espécies, verificando o que cada uma delas tem em comum. Mais precisamente, faz-se necessário analisar o aspecto material da hipótese de incidência da norma jurídico-tributária.

Partindo-se desse aspecto, será possível verificar se importa: a) numa atividade do Poder Público (ou numa repercussão desta) ou, pelo contrário, b) consiste num fato ou acontecimento indiferente a qualquer atividade estatal.[23] Se consistir num fato desvinculado de qualquer atuação do Estado, sua espécie será imposto, empréstimo compulsório ou contribuição para a seguridade social. Se implicar atuação estatal, teremos taxa – caso a referibilidade entre a atividade estatal e o sujeito passivo seja direta – ou contribuição de melhoria, social, de intervenção no domínio econômico ou de interesse das categorias profissionais ou econômicas – se a referibilidade for indireta, pois a atividade é desenvolvida no interesse geral, mas atende especial interesse de um grupo de pessoas.

Em conclusão, verifica-se que é complementar o exame das classificações das espécies tributárias feitas a partir de dados da Ciência das Finanças – repartição dos encargos públicos – e a partir de critérios jurídicos – exame da norma jurídica tributária.

De fato, a partir da repartição dos encargos públicos, em razão de princípios de justiça fiscal, teremos conceitos de imposto, taxa, empréstimo compulsório, contribuição para a seguridade social e demais contribuições, inspirados na utilização que cada indivíduo tira dos serviços públicos. Quando não é possível destacar tal utilidade em unidades de fruição, nem determinar benefício específico que decorra para o contribuinte da atividade do Estado, estar-se-á em face de imposto, empréstimo compulsório ou contribuição para a seguridade social. Neste caso, sua medida de grandeza será referida a um fato qualquer, indicador de capacidade econômica do sujeito passivo. Quando a atividade pública é desenvolvida em função do interesse geral, mas permite fruição destacada pelos indivíduos, ou quando a eles é referida diretamente, tem-se uma taxa. Neste caso, terá ela como parâmetro algo que se relacione com a utilidade tirada da atividade estatal respectiva. Quando a atividade pública tem em vista o interesse geral, não permite utilização destacada pelos contribuintes, mas atende interesse especial de um grupo, ou seja, diverso daquele que todo particular teoricamente tem nos serviços públicos gerais, haverá uma contribuição de melhoria, social, de intervenção no domínio econômico, ou de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Portanto, é o mesmo que dizer serem o imposto, a contribuição para a seguridade social[24] e o empréstimo compulsório tributos que têm por fato gerador uma situação que independe de qualquer atuação estatal referida ao contribuinte; taxa, o que tem por fato gerador uma prestação de serviço público ou o exercício regular do poder de polícia e, demais contribuições, os que têm por pressuposto da obrigação uma atividade desenvolvida pelo Estado em prol dos interesses de um determinado número de indivíduos.

Feitas essas considerações iniciais, passemos ao exame mais detalhado das características das contribuições previstas no artigo 149 da Constituição Federal.

4.  AS CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS.

Conforme anteriormente apontado, o artigo 149 da Constituição Federal alberga figuras tributárias distintas,[25] com pontos de semelhança que autorizam sua classificação como espécies do gênero “contribuições especiais”. Uma dessas exações[26] guarda, porém, peculiaridade que a coloca, pode-se assim dizer, numa zona intermediária entre as contribuições e os impostos, em razão de poderem ser exigidas de qualquer pessoa, nada obstante se destinem a custear atividade específica do Estado, teoricamente de interesse apenas daqueles que dela usufruem, ainda que de forma suposta.

É forçoso, portanto, descrever as características gerais das contribuições e os contornos específicos de cada uma delas, de sorte a extremá-las e impedir que, a pretexto de instituí-las, possa a União invadir competências alheias ou tributar mais de uma vez fato econômico cujo campo lhe é reservado para a instituição de impostos.

Assim, examinaremos a seguir algumas características comuns e específicas que identificam cada uma dessas contribuições, com o que será possível diferenciá-las.

4.1. CARACTERÍSTICAS COMUNS DAS CONTRIBUIÇÕES.

4.1.1. INSTRUMENTALIDADE.

Ao estabelecer que a União pode instituir contribuições “como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”, a Constituição vincula sua criação a uma finalidade. As contribuições são, portanto, meio para alcançar um fim. Mas qual seria o fim a que se destinam as contribuições? A leitura do artigo 149 responde satisfatoriamente à questão, ao consignar claramente que a finalidade é viabilizar a atuação da União nas áreas previstas, quais sejam, a social, a de intervenção no domínio econômico e a que se refere às categorias profissionais e econômicas. Não se trata, porém, de uma atuação genérica e global. A noção de área de atuação liga-se à idéia de espaço delimitado de ação.[27] Assim, somente uma atividade estatal específica nas “respectivas áreas” de que trata o artigo 149 da Constituição enseja a contribuição.

Portanto, a contribuição consiste num instrumento tendente a viabilizar a atuação da União em setor específico de uma das áreas indicadas pela Constituição, ou, se assim se preferir, em subáreas daquelas mencionadas no artigo 149.

Frise-se que a contribuição deve ser necessária e adequada para alcançar o objetivo perseguido. O tributo é uma das formas mais gravosas de interferência no campo privado e deve ser utilizado apenas quando não exista meio diverso, mais benéfico, para o atendimento do fim almejado.

Em outras palavras, a exigência deve ser razoável e proporcional, adequada ao atendimento da finalidade constitucionalmente prevista.

4.1.2. FATOS GERADPRES QUALIFICADOS PELA FINALIDADE.

O fato gerador da obrigação tributária, assim entendida a situação definida em lei como necessária e suficiente para que surja o dever de pagar tributo (artigo 114 do CTN), geralmente aparece descrito na hipótese de incidência das contribuições de que se cuida, como o resultado de uma atividade qualquer do contribuinte (faturamento, receita, valor da operação, valor aduaneiro).[28] Desse modo, à primeira vista, poderia parecer desnecessária qualquer ligação do obrigado com uma determinada área de atuação do Estado para a exigência desse tipo de exação.

Ocorre que, na verdade, a hipótese de incidência das contribuições tem configuração especial, pois não se caracteriza apenas pela descrição de um determinado fato. A este fato agrega-se a circunstância de a ação estatal ser desenvolvida para atender a uma determinada finalidade. O pressuposto ou causa da obrigação é o desenvolvimento de atividade estatal voltada para o interesse público em geral, mas que cause benefício ou enseje interesse especial de um grupo (salvo nas contribuições para a seguridade social), embora se tome como parâmetro, referencial ou fato de exteriorização, algo que ocorre no mundo fenomênico, semelhantemente aos impostos.

Obviamente, o legislador tem de escolher critérios razoáveis e proporcionais para partilhar o custo da atividade que enseja a contribuição. É por isso que as várias leis que cuidam da hipótese de incidência de contribuições em geral descrevem, abstratamente, como fatos geradores, situações que ocorrem no mundo fenomênico aparentemente divorciadas de qualquer atividade estatal. Porém, como ressaltado, para que ocorra a obrigação de pagar contribuição é necessário que se verifiquem, concorrentemente, não só o fato abstratamente previsto na norma, mas também a atividade estatal que enseja a cobrança da contribuição. Neste sentido, pode-se dizer, com Miguel Reale, que o fato gerador não atua como mera causa da exação, como acontece com os impostos, mas sim como causa qualificada pela finalidade que lhe é inerente.[29]

Assim, embora muitas vezes o fato gerador das contribuições tenha consistência aparentemente idêntica à dos impostos em geral, tal identidade não existe, porque, nestes, basta a ocorrência do fato para nascer a obrigação tributária, ao passo que, naquelas, a obrigação só nasce se verificados, concomitantemente, a atividade estatal em determinada área de particular relevância e o fato descrito na norma.

Essa a razão de encontrarmos várias contribuições no direito positivo com descrição abstrata de fatos semelhantes aos previstos em normas instituidoras de impostos, como, por exemplo, a CSL e o IRPJ. Trata-se, apenas, de um critério para a equânime repartição dos encargos dentre aqueles que devem concorrer para o custeio da  atividade estatal. Não se confunde, entretanto, com o fato gerador dos impostos, primeiro por não bastar a sua simples realização, pois há de se verificar também atividade estatal destinada a atender interesse especial de um grupo; segundo, porque a arrecadação da exação deve ser destinada ao custeio  da atividade desenvolvida, o que demonstra que a medida total da exação há de ser proporcional à atuação estatal.

Aliás, ter como pressuposto ou causa da obrigação o custeio de determinada atividade estatal está em consonância com o critério adotado pela Constituição no que respeita à outorga de competências para instituir tais exações, destinadas justamente a atender finalidades previamente traçadas. Em todas elas, a referência feita é à atividade estatal em determinada área, não ao fato gerador. Nas poucas vezes em que, a par da atividade estatal, também se refere um fato qualquer, como se dá com as contribuições do artigo 195, I e III, da Constituição, este é adotado como parâmetro ou fato de exteriorização do interesse tutelado, que é a verdadeira causa da obrigação.

4.1.3. DESTINAÇÃO DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO À FINALIDADE CONSTITUCIONALMENTE PREVISTA.

De outro lado, é da essência da contribuição a destinação das receitas a um determinado órgão, fundo ou despesa, para atender a finalidades também determinadas.[30] Realmente, assim é como conseqüência da natureza da exação examinada. Sendo ela instituída para atender a finalidades previamente traçadas, não teria sentido que o produto de sua arrecadação tivesse destinação diversa que a referida à atividade que é o pressuposto da obrigação.

Por conseguinte, as receitas decorrentes da arrecadação de contribuições sociais devem ser destinadas a viabilizar as ações estatais que as justificaram, observando-se que as destinadas à seguridade social devem ser revertidas às áreas da saúde, previdência e assistência social (artigos 194 e 195 da Constituição); as receitas arrecadadas com a contribuição de intervenção no domínio econômico devem ser usadas como instrumento da atuação da União no setor atingido; e as receitas obtidas com a contribuição de interesse das categorias profissionais e econômicas devem proporcionar ações que atendam peculiaridades da categoria sujeita ao seu recolhimento.

A destinação dessas receitas na forma preconizada assume particular importância na medida em que, através desse mecanismo, será possível diferenciar as contribuições de verdadeiros impostos, porquanto, para estes, a Constituição veda, em regra, a vinculação do respectivo produto a órgão, fundo ou despesa (artigo 167, inciso IV, da Constituição Federal).

Nestas condições, é fundamental que a lei instituidora das contribuições determine claramente a destinação do produto de sua arrecadação ao atendimento da finalidade constitucional que justifica sua criação. Portanto, se houver uma entidade específica com a incumbência de realizar a ação que justifica a cobrança da contribuição, a ela deve reverter o produto da respectiva arrecadação.

É certo, porém, que, nem sempre existirá um ente destacado da Administração Direta com essa função, o que não impede que a contribuição seja exigida, desde que os valores arrecadados sejam destinados à finalidade prevista, tendo em vista o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “o que importa perquirir não é o fato de a União arrecadar a contribuição, mas se o produto da arrecadação é destinado ao financiamento da seguridade social (C.F., art. 195, I)”, de modo que se a lei instituidora da contribuição efetivamente determinar a destinação do respectivo produto ao fim constitucionalmente previsto, mas “o produto da arrecadação for desviado de sua exata finalidade, estará sendo descumprida a lei, certo que uma remota possibilidade de descumprimento da lei não seria capaz, evidentemente, de torná-la inconstitucional”.[31]

4.1.4. SUBMISSÃO ÀS NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO PREVISTAS EM LEI COMPLEMENTAR.

Há intenso debate em torno da necessidade de lei complementar para definir os contornos das contribuições, inclusive porque, ao dispor sobre a figura, o artigo 149 da Constituição faz expressa referência à observância do artigo 146, III. Trata-se de questão ainda polêmica na doutrina e que não encontrou solução uniforme na jurisprudência.

A esse respeito, parece não haver discrepância quanto ao entendimento de que todas as espécies tributárias têm de ter definição conceitual em Lei Complementar, conforme previsto na letra “a” do artigo 146, III, da Constituição.

Ocorre que o Código Tributário define tributo (artigo 3º), imposto (artigo 16), taxa (artigo 77) e contribuição de melhoria (artigo. 81). Não assim, entretanto, as demais contribuições. Essa circunstância poderia levar à conclusão de que a falta definição, em tese, do que sejam as contribuições, individualmente consideradas, impediria sua instituição por lei ordinária.

Todavia, o raciocínio prova demais porque implicaria a aceitação do fato de que também seriam dependentes de lei complementar as contribuições para a seguridade social, cujas materialidades se encontram previstas no artigo 195 da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal solucionou a questão ao assinalar a desnecessidade da lei complementar para dispor sobre contribuições delineadas na própria Constituição,[32] como é o caso das previstas nos incisos do artigo 195. A importância desse entendimento é que a matéria não se restringe a questões meramente formais. Com efeito, uma das funções da lei complementar é prevenir conflitos de competência (artigo 146, I, da Constituição Federal). Tal não se verifica quando o texto constitucional delimita a competência tributária, por meio da especificação de elementos suficientes para a caracterização do fato gerador, base de cálculo e dos contribuintes da exação.

Seguindo essa linha de raciocínio, parece realmente desnecessária a edição de lei complementar para definir algo identificado na própria Constituição, como afirmado nos primeiros julgados do Supremo Tribunal Federal em que houve a análise do tema,[33] o que permite tirar a ilação de que, quando as materialidades das contribuições não estejam previstas na Constituição, há necessidade de lei complementar, sobretudo para evitar sobreposição de competências impositivas. [34]

É nesse sentido a lição do Ministro Moreira Alves, ao esclarecer que “(…) embora o Tribunal tenha exigido sempre a observância do art. 146, III, ou seja, lei complementar para o fim de estabelecer não só a definição, como também o fato gerador, base de cálculo e contribuinte relativos a essas figuras – com relação às contribuições de intervenção no domínio econômico, esses elementos não se encontravam na lei anterior, que foi considerada como recepcionada como lei complementar, que é o Código Tributário Nacional. Entendeu, entretanto, o Tribunal, que isso era possível de ser superado, se a contribuição social fosse instituída por lei complementar. Assim, uma lei complementar específica que, a par de instituir a contribuição, definisse seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes, isso atenderia o que alude o art. 146, III. Tanto assim, que o Poder Executivo, quando pleiteou, perante o Congresso Nacional, e o Poder Legislativo promulgou, a contribuição para fundo de garantia do tempo de serviço, optou por lei complementar, para afastar qualquer problema. Já no caso da COFINS, apesar de tratar-se de contribuição para a seguridade social – não havia necessidade de lei complementar de normas gerais, tendo em vista a circunstância de que o caput  do art. 195 já estabelece as linhas capitais para a instituição das contribuições nele previstas. O Tribunal sempre entendeu que, com relação às contribuições de que trata o caput do art. 195, não há necessidade de lei complementar de normas gerais – que é aquela a que se refere o art. 146, III – definindo base de cálculo, contribuinte e fato gerador, pois esses elementos já estão devidamente expressos no próprio art. 195.”.[35]

Essa explicação resolve uma generalidade de situações, como, por exemplo, a do artigo 195, § 4º, da Constituição Federal, que, na exegese do Supremo Tribunal Federal cuida de outras contribuições, que somente poderiam ser veiculadas por lei complementar.[36] Por que essas contribuições, de grande importância, somente poderiam ser instituídas por lei complementar se bastasse lei ordinária para instituir outros tipos de contribuições? A necessidade de lei complementar, à toda evidência, se justifica como forma de assegurar que mera lei ordinária, ou mesmo medida provisória, estabeleça contribuições indiscriminadamente, adotando como hipóteses de incidência fatos econômicos aptos à incidência de impostos, com a possibilidade de invasão de competência alheia, num sentido jurídico, ou bi-tributação econômica, com os efeitos gerais negativos daí decorrentes.

Poder-se-ia alegar que, com o advento da Emenda Constitucional nº 33/01, que, dentre outras alterações, acrescentou o inciso III ao §2º do artigo 149 da Constituição para permitir que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico possam ter alíquotas específicas ou ad valorem, incidindo estas sobre o faturamento, a receita bruta, o valor da operação ou o valor aduaneiro, o problema da lei complementar estaria solucionado, em relação a essas contribuições.

Todavia, objeção nesse sentido não parece procedente, porque o que regula referido § 2º, inciso III, do artigo  149  são os tipos de alíquotas e bases de cálculo passíveis de serem adotadas para aquelas contribuições, faltando, todavia, a indicação de um elemento fundamental, que é a forma de identificação de quem seriam seus contribuintes, em face do interesse na atividade que dá ensejo à cobrança. Vale dizer, não há definição dos grupos passíveis de serem atingidos, diversamente do que se dá em relação às contribuições do artigo 195 da Constituição, que, a par de poderem ser exigidas de toda a sociedade, viabilizam a identificação dos obrigados em seus incisos I a IV; ou, ainda, em relação à contribuição de intervenção de que trata o artigo 177, §4º, também introduzido pela Emenda 33/01, que permite pinçar os seus contribuintes dentre aqueles que promovem a importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.

Ademais, para a instituição da contribuição de intervenção referida, o artigo 177, §4º, da Constituição Federal exige apenas lei, portanto, de natureza ordinária. Não assim, entretanto, o §2º, III do artigo 149, que, diversamente dos seus parágrafos 3º e 4º (que falam em “lei”), silencia sobre o veículo normativo competente para instituição da contribuição, circunstância que, sistematicamente, revela que a lei complementar não seria dispensável, como se poderia pensar, num primeiro momento.

Portanto, entendo que a lei ordinária é veículo normativo adequado para instituir contribuições novas quando suas materialidades já se encontram previstas na Constituição e permitem a identificação dos possíveis sujeitos passivos. Tanto é assim que o artigo 195, § 4º, da Constituição exige lei complementar para a instituição de contribuições com materialidades diversas das previstas nos incisos I a IV do dispositivo mencionado. Não teria sentido que, para as demais contribuições, pudessem seus fatos geradores e contribuintes ser descritos originariamente em lei ordinária. Parece, então, que o único entendimento capaz de dar uniformidade sistêmica à Constituição é aquele adotado pelo Supremo Tribunal Federal em seus primeiros acórdãos e que, conforme exposto em data recente pelo Ministro Moreira Alves, consiste na orientação adequada sobre a matéria.

4.1.5. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL, IRRETROATIVIDADE E ANTERIORIDADE.

O artigo 149 da Constituição Federal faz referência, ainda, à observância do artigo 150, I e III, na instituição de contribuições, sem prejuízo da aplicação do artigo 195, §6º, em relação às contribuições de seguridade social.

O inciso I do artigo 150 proíbe os entes políticos de “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. O inciso III impede a cobrança de tributos (a) “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”; (b) “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”; (c) “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea ´b´”.

O § 6 do artigo 195, por sua vez, estabelece que as contribuições para a seguridade “só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b”. Ou seja, as contribuições para a seguridade social, diferentemente das demais, podem ser cobradas no mesmo exercício de sua instituição ou alteração.

Significa dizer que todas as contribuições estão sujeitas aos princípios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, sendo este último mitigado em relação às contribuições destinadas a seguridade social, que podem ser cobradas no mesmo exercício financeiro em que instituídas ou modificadas, observado o prazo de 90 dias.

4.2. CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS GERAIS, DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E DE INTERESSE DAS CATEGORIAS   PROFISSIONAIS OU ECONÔMICAS.

4.2.1. VINCULAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE ESTADUAL E O SUJEITO PASSIVO.

Tratando-se de tributo que tem por finalidade favorecer uma atuação estatal restrita a determinado setor, teoricamente, a contribuição deverá atender apenas os interesses de quem a ele se conecte. Por isso, sempre entendi, com amparo em expressiva doutrina nacional e estrangeira, que as contribuições são tributos que podem ser cobrados somente de indivíduos integrantes de determinados grupos sociais, econômicos ou profissionais, identificados entre aqueles que têm um interesse qualificado em determinada ação estatal.

A esse respeito, Geraldo Ataliba, após assinalar que as contribuições são tributos vinculados a uma atuação estatal referida indiretamente ao contribuinte, observa que “na contribuição, ou se tem uma atuação estatal que produz um efeito, o qual (efeito) se conecta com alguém (que é, pela lei, posto na posição de sujeito passivo), ou, pelo contrário, se tem uma pessoa (que afinal será sujeito passivo) que desenvolve uma atividade, ou causa uma situação que requer, exige, provoca ou desencadeia uma atuação estatal“.[37]

No direito comparado, autores, como Micheli, indicam como elemento da hipótese de incidência apenas a vantagem auferida pelo particular em decorrência de uma atividade administrativa.[38] Outros, como A. D. Giannini, salientam que a contribuição ou “tributo speciale” pressupõe ou a vantagem já referida ou uma maior despesa do ente público em razão de sua atividade.[39] Jarach salienta que o critério “es el de hacer pagar aquellos que reciben un beneficio o una ventaja diferencial por una obra o servicio que no se presta o no se hace para ellos exclusivamente, pero que les procura una ventaja especial”.[40]Giuliani Fonrouge, por seu turno, esclarece que “la contribución especial se caracteriza por la existencia de un beneficio actual o futuro, que puede derivar no sólo de la realización de una obra publica, sino también de actividades o servicios estatales especiales, destinados a aprovechar a un particular determinado o a grupos sociales”. [41]

Na mesma ordem de idéias, Rubens Gomes de Sousa preleciona que para as contribuições “o benefício individual” é um elemento jurídico integrante do próprio fato gerador da incidência. Neste sentido, Ignácio Manzoni, que recorre ao princípio do benefício individual designando-o por via oblíqua como “expressão do gozo diferencial de um serviço público” para distinguir a contribuição de melhoria dos impostos sobre a renda incidentes sobre a mais valia patrimonial”.[42]

Para Llamas Labella, a “vantagem” é apenas suposta para os sujeitos passivos do tributo. Tal não afasta, entretanto, algum vínculo entre a atividade estatal desenvolvida e o grupo considerado.[43]

Em suma, de acordo com a doutrina citada, o pressuposto das contribuições seria uma vantagem diferencial obtida por determinados indivíduos ou grupos em decorrência da atividade estatal, ainda que suposta pela lei,[44] o que significa que a instituição da contribuição depende tão somente da existência do especial interesse  de um grupo em certa atividade estatal a ser custeada pela exação.

Em outras palavras, o obrigado ao pagamento da contribuição não pode ser alguém estranho ou externo à atividade estatal, que com ela não guarde nenhum vínculo de pertinência lógica, até porque a atuação estatal há de ser referida a uma determinada área, à qual o particular se relacione especialmente.

Embora sob perspectiva diversa, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha – como informa Brandão Machado – tem fixado alguns critérios para justificar a exigência de contribuições (lá denominadas tributos especiais), que não discrepam, em sua essência, dos já salientados. Assim, assentou “em sua jurisprudência, que pode o legislador constituir fundos para o custeio de determinadas atividades, cobrando os necessários tributos de todas as pessoas que estejam em uma relação especial com o objetivo para o qual serve a sua receita (Tipke-Kruse, Abgadenordnung-Kommentar, Colônia, 10a. ed., 1980, anot. ao par.3, n.12). Esta relação ocorre quando o contribuinte faz parte de um grupo cujos interesses são estimulados pelo fundo constituído pela receita do tributo; ou quando o contribuinte obtém determinada vantagem; ou quando o contribuinte assume obrigação tributária em lugar de um dever de direito público, como acontece ao pagar um tributo de combate a incêndio em vez de prestar o serviço pessoal correspondente; ou quando o pagamento do tributo substitui o cumprimento de uma obrigação legal de direito privado, como no caso do salário-família. Como dizem Tipke-Kruse, op.cit., ibid., citando Friauf, todas as relações podem resumir-se como resultantes de uma responsabilidade material específica do grupo onerado pelo cumprimento do objetivo a ser financiado pelo tributo“.[45]

Evidentemente, quando o Tribunal Alemão se refere a grupo com interesses estimulados pelo fundo ou vantagem ou substituição pelo Estado de um dever do particular ou ainda quando, no dizer de Tipke-Kruse, trata-se de relações resultantes de uma responsabilidade material específica do grupo onerado, tudo isto implica uma referibilidade, ainda que indireta, entre o sujeito passivo da contribuição e a atividade estatal que lhe dá fundamento.

A despeito da solidez da teoria construída pela doutrina acerca dos pressupostos e características que identificam as contribuições e, por conseguinte, as diferenciam dos demais tributos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não a vem adotando em sua plenitude. De fato, o exame dos diversos julgados do Supremo Tribunal Federal em matéria de contribuições revela que, no entender da Corte, a característica fundamental do tributo é sua destinação a uma finalidade específica, constitucionalmente prevista.[46] A referibilidade dos integrantes do grupo à atividade estatal desenvolvida não tem, entretanto, sido examinada com rigor pela Corte, que guarda precedentes legitimando contribuições em que o vínculo de pertinência lógica entre a atuação do Estado e os sujeitos passivos não se revela nítido.[47]

É certo que, no tocante às contribuições destinadas a seguridade social, há dispositivos constitucionais (artigos 194 e 195) que autorizam a dispensa de interesse qualificado do contribuinte na área de atuação estatal, como mencionado no item 3.1.4, retro. Todavia, a falta de disposições semelhantes para as contribuições destinadas a atender as demais áreas, que não são objeto da seguridade (saúde, previdência e assistência social), confirma que tais exações somente poderão ser exigidas daqueles que possuam especial interesse na atuação estatal desenvolvida. Nesse sentido, assinala o Ministro Cezar Peluso que os contribuintes “serão, pois, identificados dentre aqueles que guardem nexo lógico-jurídico com a finalidade constitucional do tributo”.[48] Não fosse assim, estar-se-ia diante de tributo não-vinculado, verdadeiro imposto, na dicção do artigo 16 do Código Tributário Nacional.

Ainda a respeito da necessidade de relação especial com a área em que se dá a atuação estatal para que alguém possa ser sujeito passivo da contribuição, há outro ângulo de exame que leva à mesma conclusão.

Com efeito, se as contribuições estão sujeitas às normas gerais de direito tributário (artigo 146, III c/c 149 da Constituição) e estas são veiculadas pelo Código Tributário Nacional, conforme entendimento pacífico, o contribuinte só pode ser aquele que “tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador” (artigo 121, § único, I). Ora, a situação que constitui o fato gerador da contribuição é caracterizada, concomitantemente, pela atividade estatal numa determinada área e pela realização do fato de exteriorização previsto na norma tributária, como demonstrado no item 4.1.2. deste trabalho.

Portanto, sujeito passivo da contribuição somente poderá ser quem esteja conectado à área de atuação do Estado e realize o fato econômico presuntivo da capacidade de contribuir. Conseqüência disso é que não pode ser contribuinte aquele que não possua relação com a área de atuação estatal que enseja a contribuição e/ou não realize o fato apto ao nascimento da obrigação tributária. Daí porque também não se pode admitir que a contribuição seja  cobrada de um integrante do grupo A para atender interesse de integrante do grupo B.

4.2.2. PECULIARIDADES DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS GERAIS.

As chamadas contribuições sociais “gerais” estão genericamente previstas no artigo 149 da Constituição Federal. Existem, porém, dispositivos constitucionais específicos prevendo a cobrança de exações deste tipo (e.g., 7º, III, 212, §5º, 239 e 240).

A finalidade precípua dessas contribuições consiste no custeio de ações estatais tendentes a assegurar direitos sociais que deveriam ser proporcionados por um determinado grupo econômico.

Assim é que a exigência usualmente recai sobre empregadores, com o objetivo de custear determinadas atividades estatais que beneficiam seus empregados, como se verifica nitidamente, por exemplo, nos casos do FGTS e do PIS.

4.2.3. PECULIARIDADES DAS CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO.

A inexistência de norma complementar definindo o que seja intervenção e domínio econômico impede a identificação adequada dessa figura, abrindo um largo campo para que os poderes públicos possam invadir competências alheias a pretexto de instituir tributo de sua própria área. Portanto, a correta análise do que e quando seja possível a intervenção é essencial ao deslinde do tema.

4.2.3.1. HIPÓTESES DE INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍMIO ECONÔMICO.

A análise implica o exame dos dispositivos constitucionais pertinentes, particularmente os do Capítulo da Ordem Econômica (artigo 170 e seguintes).

O artigo 170 da Constituição Federal contém os fundamentos e princípios que regem toda a ordem econômica nacional. Sua leitura conduz o intérprete, muitas vezes, a algumas perplexidades em face da aparente colisão que têm eles entre si. Aparente, porém, já que do exame do caso concreto e em face da fundamentalidade dos valores envolvidos é que se há de dar maior ou menor prestígio a um princípio ou a outro. O que não pode ocorrer é que, a pretexto de afirmar-se um, negue-se completamente o outro. A interpretação supõe um balanceamento dos princípios a partir, sobretudo, de considerações axiológicas.[49] É a partir dessas considerações que se inicia o exame dos artigos que mais de perto interessam ao tema de que se cuida.

O artigo 173 da Constituição Federal estabelece que “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.  Da interpretação do dispositivo verifica-se que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado pode se dar nos casos expressamente previstos na Constituição (artigos 21 e 177) ou, excepcionalmente, quando houver problemas relacionados com a segurança nacional ou relevante interesse coletivo, nos termos da lei. Assim, o que o artigo 173 da Constituição autoriza é a exploração excepcional da atividade econômica pelo Estado em área que não é do seu domínio, mas sim dos particulares. Tanto que as empresas estatais criadas para desenvolver tais atividades submetem-se ao mesmo regime aplicável às empresas privadas e não gozam de privilégios fiscais (§§ 1º e 2º do artigo 173). Há, pois, nessas condições, ingerência do Estado em domínio alheio e, portanto, intervenção. Desse modo, a primeira forma de intervenção do Estado no domínio econômico é a prevista no caput do artigo 173 da Constituição Federal.

Uma segunda forma de intervenção é a que consta do § 4º do mencionado artigo 173, que se refere ao abuso de poder econômico e dispõe que “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.Ou seja, o abuso do poder econômico, quando afetar a concorrência, permitirá, também, a intervenção do Estado. Mas não uma intervenção para que o Estado atue empresarialmente, exercendo, com exclusividade ou juntamente com os particulares, atividade econômica. A intervenção autorizada pela Constituição, neste caso, é de natureza regulatória, que Celso Antonio Bandeira de Melo denomina de intervenção indireta.[50] Na esteira dessa terminologia, também se qualifica como intervenção regulatória a que se opera ou pode operar-se em face do que prevê o artigo 174 da Constituição Federal, que será examinado a seguir.

O artigo 174 da Carta Maior permite múltiplas leituras, conforme a ideologia de cada um. De qualquer forma, o fato é que o Supremo Tribunal Federal, na linha de parte da doutrina nacional (José Afonso da Silva,[51] Eros Grau,[52] Fábio Konder Comparato[53]), entendeu que o Estado, enquanto agente normativo e regulador da atividade econômica, pode exercer as funções de fiscalizador, de estimulador e de planejador da atividade econômica, sendo este planejamento apenas indicativo para o setor privado.[54]

Portanto, domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada e a intervenção pode ocorrer com fundamento no caput do artigo 173, no seu §4º, ou no artigo 174, da Constituição Federal.

4.2.3.2. A INTERVENÇÃO NO PASSADO E NOS DIAS ATUAIS.

As considerações sobre a ordem econômica levam, ainda, ao exame do artigo 163 da Constituição de 1967, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/69, porque parece ter conteúdo normativo similar ao dos artigos 173 e 174 da Constituição atual.

Efetivamente, o artigo 163 da Constituição de 1967 permitia a intervenção e o monopólio de determinada indústria ou atividade “mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais” .

Ora, por que hoje se admite a intervenção do Estado no domínio econômico? A intervenção direta do artigo 173 da Carta atual “por razões de segurança nacional ou de interesse relevante coletivo” pode, perfeitamente, ser compreendida no conteúdo do artigo 163 da Constituição de 1967/69. Por outro lado, quando há um setor que não funciona bem em regime de competição, até porque pode haver uma empresa ou um grupo de empresas que têm o domínio completo deste mercado, pode haver uma intervenção regulatória nos termos do § 4º, do artigo 173 da Constituição de 1988, a exemplo do que autorizava o referido artigo 163 da Constituição de 1967/69. E, quando um determinado setor precisa de fomento, porque não funciona, normal ou regularmente, num regime de livre competição, possibilita-se a intervenção do artigo 174 da Constituição de 1988. O que se expôs permite concluir que há pontos em comum entre a Constituição atual e a anterior, valendo ressaltar que vários julgados do Supremo Tribunal sobre o tema examinaram questões ocorridas na vigência da Constituição passada, como, por exemplo, o do Adicional para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.[55]

A definição destes campos leva à conclusão de que a intervenção no domínio econômico de hoje tem pontos em comum com a intervenção existente sob a égide da Constituição anterior; que domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada; que a intervenção no domínio econômico pode dar-se com fundamento no caput do artigo 173, no parágrafo 4º do mesmo artigo 173 e com base no artigo 174 da Constituição Federal de 1988.

4.2.3.3. INTERVENÇÃO EM CAMPO DE ATUAÇÃO RESERVADO À UNIÃO.

Remanesce para exame questão relevan

Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 01 de março de 2006 às 10h00

Quais são as características das contribuições especiais?

As Contribuições Especiais são uma das 5 espécies tributárias, presentes no ordenamento jurídico brasileiro. A principal característica que a diferencia dos demais dos tributos, é não possuir um fato gerador expresso na Constituição.

Quais são as contribuições especiais sociais?

São três as espécies de contribuições especiais: Sociais que são aquelas que financiam direitos sociais como educação, saúde, moradia, lazer, por exemplo. Dentro das Contribuições especiais sociais ainda podemos subdividir em Gerais e de Seguridade.

O que é considerado contribuição social?

Contribuições Sociais em Sentido Estrito As contribuições não previdenciárias são as voltadas para o custeio da Assistência Social e da Saúde Pública, como PIS (Programa de Integração Social), COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e a CSLL. (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

Quais são as três contribuições especiais?

Exemplos de contribuições especiais..
PIS/PASEP..
COFINS..
CPMF (não mais vigente).
CONDECINE (não mais vigente).
Contribuições ao "Sistema S" (Senai, Sesi, Sebrae, Sesc, Sest, etc).