STATE AND DEVELOPMENT IN LATIN AMERICARESUMOEste trabalho foi escrito em atendimento a uma solicitação da CEPAL, com o objetivo de sugerir - de forma sintética - algumas premissas para um novo programa de pesquisa sobre o tema do estado e do desenvolvimento na América Latina. Primeiro, ele resume as principais posições do debate clássico sobre este tema, do período áureo do desenvolvimentismo latino-americano, entre os anos 1950 e 1970 do século passado. E logo depois sugere uma nova perspectiva, e uma rediscussão da questão do desenvolvimento, a partir de um ponto de vista que privilegia o ângulo do “poder” e da competição pelo poder dentro do “sistema interestatal”, como condições essenciais do sucesso econômico das principais potencias capitalistas do sistema internacional. Para finalmente, apresentar alguns cenários possíveis do desenvolvimento latino-americano, dentro de um sistema mundial em plena transformação. Show
PALAVRAS-CHAVE: ABSTRACTThis paper was written in response to a request from ECLAC, to briefly suggest some premises for a new research program on the theme of state and development in Latin America. First, it summarizes the main positions of the classical debate on this theme, from the golden period of Latin American developmentalism, between the 1950s and 1970s. And then it suggests a new perspective, with the re-discussion of the issue of development, from a point of view that privileges the angle of ‘power’ and competition for power within the ‘interstate system’ as essential conditions of the economic success of the main capitalist powers of the international system. Finally, it introduces some possible scenarios for Latin American development, within a transforming world system. KEYWORDS:
1. INTRODUÇÃO1 1 Nota do Editor: Este texto foi elaborado pelo autor no âmbito do Convênio CEPAL/IPEA e originalmente publicado como documento de pesquisa em novembro de 2013 (cf. FIORI, 2013). O texto original foi editado e reformatado para se adequar ao projeto gráfico e editorial da REC.O debate sobre o Estado e o desenvolvimento econômico teve grande importância política e intelectual na América Latina, sobretudo, depois da II Guerra Mundial.2 2 O mapeamento deste debate já foi feito por vários autores e se pode encontrar, entre outros, em: Fiori (1990, 1999). Sobre a “economia do desenvolvimento”, ver Hirschman (1981). Com relação às ideias da CEPAL, ver Bielschowsky (2000). Com relação às teorias da dependência, ver Palma (1981). Mas ele foi mais pragmático do que teórico, e respondeu a problemas e desafios imediatos, mais do que a uma estratégia de pesquisa sistemática e de longo prazo. Mesmo a pesquisa acadêmica desta época foi policy-oriented e voltada para o estudo comparativo dos “padrões de intervenção do Estado, ou para a discussão normativa do planejamento e das políticas públicas, em particular, da política econômica. Neste período, é possível identificar duas grandes “agendas hegemônicas”, que se consolidaram nos anos 1940-1950 e 1980-1990, respectivamente, e que orientaram a discussão, a pesquisa e as políticas concretas nas duas décadas sucessivas. Logo depois da II Guerra Mundial, o mundo enfrentou o desafio da reconstrução dos países envolvidos no conflito e o da descolonização afro-asiática. A América Latina se propôs uma agenda centrada no problema do “atraso” e no desafio do desenvolvimento e da “modernização” de suas sociedades e economias nacionais. A reflexão política sobre a natureza e o papel do Estado seguiu esta mesma trilha, independente da orientação teórica dos seus pensadores da época: fosse ela estruturalista, marxista, weberiana etc. Foi a época da hegemonia das ideias desenvolvimentistas. Algumas décadas mais tarde, na sequência da crise internacional dos anos 1970 e, em particular, depois da crise da “dívida externa” dos anos 1980 (FIORI, 2001FIORI, J. L. 60 Lições dos Anos 90. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.), se impôs na América Latina uma nova “agenda” que priorizou o “ajuste” das economias latino-americanas à nova ordem financeira global. Neste período, predominou a crítica ao intervencionismo estatal e a defesa intransigente das privatizações e da “despolitização dos mercados”. Foi a época da hegemonia neoliberal em quase todo o mundo e da desmontagem das políticas e do Estado desenvolvimentista na América Latina. Mas no início do século XXI, o fracasso das políticas neoliberais, a crise econômica de 2008 e as grandes mudanças geopolíticas mundiais, que estão em pleno curso, criaram um novo desafio e produziram uma nova inflexão política e ideológica na América Latina, trazendo de volta ao debate político alguns temas da antiga agenda desenvolvimentista. Este texto contém três partes. A primeira faz um balanço sintético e crítico deste “debate líbero-desenvolvimentista” do século XX e do início do século XXI; a segunda propõe as premissas e hipóteses de um novo “programa de pesquisa” sobre o Estado e o desenvolvimento capitalista; e a terceira apresenta três especulações sobre o futuro do sistema mundial e da América Latina.3 3 São ideias extraídas de Fiori (2008). 2. A CONTROVÉRSIA DO ESTADO E DO DESENVOLVIMENTOO “debate desenvolvimentista” latino-americano não teria nenhuma especificidade se tivesse se reduzido a uma discussão macroeconômica entre “ortodoxos” neoclássicos ou liberais e “heterodoxos” keynesianos ou estruturalistas. Na verdade, ele não teria existido se não fosse por causa do Estado e da discussão sobre a eficácia ou não da intervenção estatal para acelerar o crescimento econômico por cima das “leis do mercado”. Até porque, na América Latina como na Ásia, os governos desenvolvimentistas sempre utilizaram políticas macroeconômicas ortodoxas, segundo a ocasião e as circunstâncias. O inverso também se pode dizer de muitos governos europeus ou norte-americanos conservadores ou ultraliberais que utilizam frequentemente políticas de corte keynesiano. Na verdade, o pivot de toda a discussão e o grande pomo da discórdia foram sempre o Estado e a definição do seu papel no processo do desenvolvimento econômico. Apesar disso, depois de mais de meio século de discussão, o balanço teórico é decepcionante. Dos dois lados do debate “líbero-desenvolvimentista”, utilizou-se - quase sempre - um conceito de Estado igualmente impreciso, atemporal e a-histórico, como se o Estado fosse uma espécie de “ente” lógico e funcional criado intelectualmente para resolver os problemas do crescimento ou da regulação econômica, como se pode ver por meio de uma rápida releitura das duas grandes “agendas” e das principais matrizes teóricas que participaram da “controvérsia latino-americana”: i) A “agenda desenvolvimentista” deita raízes nos anos 1930, consolida-se nos anos 1950 e passa por uma autocrítica e uma transformação conceitual nos anos 1960, para perder seu vigor intelectual na década de 1980. Nesse percurso, é possível identificar quatro grandes “matrizes teóricas” que analisaram a “questão do Estado” e contribuíram para a construção e a legitimação da ideologia nacional-desenvolvimentista, que teve um papel central nos grandes conflitos políticos e ideológicos latino-americanos da segunda metade do século XX:
Se existiu algum denominador comum entre todas essas teorias e estratégias desenvolvimentistas, foi sua crença inabalável na existência de um Estado racional, homogêneo e funcional, capaz de formular políticas de crescimento econômico, por cima de divisões, conflitos e contradições que pudessem atravessar e paralisar o próprio Estado. Além disso, todos consideravam que o desenvolvimento era um objetivo consensual - por si mesmo - capaz de constituir e unificar a nação, bem como de mobilizar a sua população por cima de suas divisões internas, de classe, etnia e regiões. Talvez por isso, apesar da sua hegemonia ideológica, depois da II Guerra Mundial as políticas desenvolvimentistas só tenham sido aplicadas na América Latina - de forma pontual, irregular e inconsistente -, e só se possa falar efetivamente, nesse período, da existência em todo continente de dois “Estados desenvolvimentistas”: um, com certeza, no Brasil; e o outro, com muitas reservas, no México. ii) Do outro lado da controvérsia latino-americana, a origem da “agenda neoliberal” remonta à década de 1940, mas ela permaneceu em estado latente (ou defensivo) durante a “era desenvolvimentista”, somente conquistando o poder e a hegemonia ideológica nas últimas décadas do século XX. Nos anos 1980, as teses neoliberais apareceram e se difundiram na América Latina como resposta à “crise da dívida externa” e à inflação galopante dos anos 1980 e trouxeram junto uma proposta de reformas institucionais voltadas para a privatização e a desregulação dos mercados, bem como para a austeridade fiscal e monetária (DORNBUSCH e EDWARDS, 1991DORNBUSCH, R.; EDWARDS, S. The macroeconomics of populism in Latin America. Chicago: The Chicago University Press, 1991.). É possível identificar, pelo menos, duas grandes teorias que participaram da crítica intelectual e da legitimação ideológica da desmontagem das políticas e das instituições desenvolvimentistas: a teoria dos “buscadores de renda” e a teoria neoinstitucionalista (KRUEGER, 1974KRUEGER, A. The political economy of the rent-seeking society. American Economic Review, Princenton, v. 64, 1974.; NORTH, 1981NORTH, D. Structure and change in economic history. New York: W.W. Norton & Co., 1981.), que exerceram grande influência dentro dos organismos internacionais de Washington e, em particular, dentro do Banco Mundial.
Apesar de suas grandes divergências ideológicas e políticas, desenvolvimentistas e liberais sempre compartilharam uma mesma visão do Estado como criador ou destruidor da boa ordem econômica, mas sempre visto como se fosse um deus ex-machina, atuando desde fora da atividade econômica propriamente dita. Ambos criticam os processos de monopolização e idealizam os mercados competitivos, vendo com maus olhos toda forma de associação ou envolvimento entre o Estado e os capitais privados. Ambos consideram que o poder, as lutas pelo poder e o processo de acumulação de poder a escala nacional e internacional não têm a ver diretamente com o processo simultâneo de desenvolvimento econômico e acumulação do capital. Além disso, todos consideram os Estados latino-americanos como se fossem iguais e não fizessem parte de um sistema regional e internacional único, desigual, hierarquizado, competitivo e em permanente processo de transformação. E mesmo quando os desenvolvimentistas falaram de Estados centrais e periféricos e de Estados dependentes, falavam de um sistema econômico mundial que tinha um formato bipolar relativamente estático, no qual as lutas de poder entre os Estados e as nações ocupavam um lugar secundário (FRANK, 1969FRANK, A. G. Capitalism and underdevelopment in Latin America. Monthly Review Press, New York, 1969.; CARDOSO e FALETTO, 1970CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.). Por fim, essa convergência entre desenvolvimentistas e liberais latino-americanos permite extrair duas conclusões críticas de todos este debate. A primeira é que o desenvolvimentismo latino-americano sempre teve um parentesco muito maior com o keynesianismo e com “economia do desenvolvimento” anglo-saxônica, do que com o nacionalismo econômico e o anti-imperialismo, que foram até hoje a mola mestra e propulsora de todos os desenvolvimentos tardios, em particular, dos desenvolvimentos asiáticos. E a segunda é a certeza de que os desenvolvimentistas e os liberais latino-americanos compartilham a mesma concepção econômica do Estado, que é comum ao paradigma da economia política clássica, marxista e neoclássica. Esta coincidência de paradigmas explica a facilidade com que muitos passam, teoricamente, de um lado para o outro da “gangorra líbero-desenvolvimentista”, sem precisar sair do mesmo lugar. 3. DOZE NOTAS PARA UM NOVO “PROGRAMA DE PESQUISA”É muito pouco provável que o velho paradigma “líbero-desenvolvimentista” consiga se renovar. Seu núcleo duro perdeu vitalidade e não consegue gerar novas perguntas, nem consegue dar conta dos novos problemas latino-americanos, e muito menos do desenvolvimento asiático e do desafio chinês. Nesses momentos, é preciso ter a coragem intelectual de romper com as velhas ideias, para propor novos caminhos teóricos e metodológicos. Com este objetivo iremos expor, em seguida, algumas premissas e hipóteses de um novo “programa de pesquisa”, que partem dos conceitos de “poder global”, “Estados-economias nacionais” e “sistema interestatal capitalista”, para repensar a relação entre os Estados nacionais e o desenvolvimento desigual das economias capitalistas que se formaram na Europa e fora da Europa, a partir da expansão mundial global do “poder europeu” (ver FIORI, 2004FIORI, J. L. “Formação, expansão e limites do poder global”. In: FIORI, J. L. (Org.). O poder americano. Petrópolis: Editora Vozes, 2004., 2007; FIORI, MEDEIROS e SERRANO, 2008).
4.TRÊS NOTAS SOBRE O FUTUROQuando se pesquisa o passado, se está sempre tentando diminuir - de uma forma ou outra - a opacidade do futuro, ainda mais em um tempo de grandes mutações e incertezas. Mas pensar o futuro não é uma tarefa fácil e sempre envolve uma alta dose de especulação. Mesmo assim, o pesquisador deve manter a mais absoluta fidelidade com relação às hipóteses utilizadas na sua leitura do passado, e é isso que nos propomos fazer nestas três notas finais deste trabalho, sobre o futuro do sistema interestatal capitalista e da própria América Latina:
REFERÊNCIAS
Datas de Publicação
Histórico
Quais os fatores que contribuem para que os países da América Latina tenham um desenvolvimento econômico relativamente baixo são?O crescimento demográfico e a concentração da riqueza fazem com que os países da América latina tenham um desenvolvimento econômico relativamente baixo. As estatísticas apontam que o processo de migração, especialmente no Brasil, vem se ascendendo por conta dos fatores econômicos e trabalhistas.
Que motivos levaram a América Latina se tornar economicamente dependente dos países mais desenvolvidos?Os países latinos são grandes exportadores de produtos primários. Além disso, tiveram uma industrialização tardia em relação às nações desenvolvidas, motivo que fez com que a América Latina se tornasse dependente.
Quais os fatores que justificam o crescimento da economia latinoAs multinacionais ingressaram na América Latina a partir do século XX, devido às condições favoráveis, como mão-de-obra (farto número de trabalhadores e baixos salários), matéria prima (concentração de recursos naturais e leis ambientais não rigorosas), mercado consumidor (países populosos com milhões de pessoas ...
Quais os fatores que impulsionou o crescimento e o desenvolvimento da indústria nos países latinos americanos?Outro elemento importante para a industrialização dos países subdesenvolvidos foi a necessidade de reduzir as importações, ou seja, produzir para abastecer o mercado interno. Esse processo impulsionou a industrialização dos países latino-americanos, como, por exemplo, o Brasil, a Argentina e o México.
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