Quais são os obstáculos mais comuns ao ensino de ciências naturais?

1. Introdução

O Ensino de Química possui, por si só, muitas dificuldades no seu processo de ensino e aprendizagem, o que tem levado muitos profissionais a se preocuparem em analisar estes entraves a fim de aperfeiçoar e agregar valor a essa área de ensino. Ainda hoje, muitos alunos veem o Ensino de Química como maçante, cansativo e, por conseguinte, não relacionam a disciplina com suas próprias necessidades cotidianas (ARAGÃO, 1993). Neste contexto, a disciplina é apresentada de forma muito conservadora e fazendo uso de muitos termos que acabam dificultando o entendimento dos discentes.

Existe um relevante grau de abstracionismo nas abordagens dos conteúdos de Química, que concorrem para as incompreensões dos estudantes no contexto escolar, sua linguagem para o entendimento dos fenômenos naturais carregam dificuldades e problemáticas (TABER, 2015). Para Ribeiro (2014) o Ensino de Química é dogmático, conservador, dedutivo e fundamentado no treino de problemas fechados.

Na tentativa de entender tais entraves, essa pesquisa faz uso dos estudos de Gaston de Bachelard (1996) em relação aos obstáculos que podem ocorrer no processo de formação do conhecimento científico. Para o autor, estes obstáculos e o decurso de formação do conhecimento são inseparáveis, os alunos já possuem em sua vivência conceitos formados que são levados para o ambiente escolar, é um conhecimento comum que acaba por criar lentidões na adaptação para um “espírito científico”, livre do senso comum e rico em informações crítico-científicas.

Considerando a existência destes obstáculos, é primordial que os professores os conheçam a fim de identificá-los em sala de aula e fazer uso de estratégias que possam reorganizar o processo de ensino e obter uma aprendizagem significativa. Bachelard (1996) salienta a relevância da modificação dos conhecimentos costumeiros dos alunos, pois é improvável a constituição de um novo conhecimento quando existem pontos de vista anteriormente enraizados.

Este ensaio tem como objetivo analisar os variados obstáculos epistemológicos na fundamentação Bachelardiana da evolução do conhecimento científico. Serão especificados tais obstáculos no processo de aprendizagem da disciplina de Química em estudantes do Ensino Médio mediante revisão de diversos autores que constataram em suas pesquisas tais obstáculos no desdobramento do saber científico em conteúdos desta disciplina.

Isto posto, nas seções vindouras, serão abordados pressupostos e elementos que evidenciam os obstáculos epistemológicos no processo de aprendizagem das Ciências, suas classificações e a presença destes entraves no processo de Ensino de Química. Buscaremos indicar tais entraves presentes na evolução do conhecimento, mas também tendo uma perspectiva de análise da atividade do professor em reconhecer tais lentidões no decorrer da aprendizagem dos seus alunos.

2. Alguns pressupostos dos Obstáculos Epistemológicos de Bachelard

A ideia de obstáculos epistemológicos foi uma proposta do filósofo francês Gaston Bachelard em seu livro “A formação do espírito científico” (em original, no francês: La formation de L’esprit scientifique). Para Bachelard (1996) os obstáculos epistemológicos são inerentes no processo de conhecimento científico, encontram-se no próprio ato de conhecer e aparecem por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. Constituem-se em acomodações ao que já se conhece, podendo ser entendidos como antirrupturas, não se tratando de obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano.

Para Lopes (1993) a aprendizagem não possui o caráter a ela atribuído nas escolas, nas carteiras, no ato dos estudantes verem e ouvirem passivamente o que é repassado pelos professores. Não se aprende acumulando informações e conteúdos, estes se transformam em conhecimento na medida em que modificam o espírito do aprendiz. Desta forma, a noção de obstáculo epistemológico pode ser estudada seja no desenvolvimento histórico científico, seja na prática educativa.

Os educadores, na visão de Bachelard (1996), devem mostrar aos alunos razões para evoluir, para que a aprendizagem ocorra efetivamente. Faz-se necessário uma alteração de cultura e de racionalidade, alteração que é inerente à aprendizagem científica.

Lopes (1993) reforça dizendo que não é possível adquirir uma nova cultura por incorporação da mesma aos traços remanescentes:

“Os hábitos intelectuais incrustados no conhecimento não questionado invariavelmente bloqueiam o processo de construção do novo conhecimento, caracterizando-se, portanto, segundo Bachelard, como obstáculos epistemológicos.” (LOPES, 1993, p. 325).

Considerando os estudos dos obstáculos epistemológicos de Bachelard, estes podem ser utilizados no campo da Educação, a fim de suplantar os obstáculos pedagógicos, que, segundo Lopes (1993), são entraves que impedem o aluno de compreender o conhecimento científico. Neste aspecto são considerados não apenas a análise do processo cognitivo do aluno, mas também de nós, professores.

Bachelard (1996) em sua obra caracteriza os obstáculos epistemológicos em obstáculos da experiência primeira, obstáculos do conhecimento geral, obstáculo verbal, obstáculo substancialista e obstáculo animista.

Doravante serão apresentados os obstáculos epistemológicos específicos definidos por Bachelard, como citados anteriormente, que serão foco da análise dos pontos de vista de autores que abordam tais temas em suas produções acadêmicas. Cada obstáculo será apresentado em subitens a seguir:

2.1 O obstáculo da experiência primeira

Este obstáculo se dá da “experiência colocada antes e acima da crítica” (BACHELARD, 1996, p. 29). A ciência deve suplantar a opinião e a observação básica e serem modificados pelo exercício da razão experimental. A experiência primeira, ou para ser mais exato, observação primeira é definida como algo colorido, pitoresco, cheio de imagens que chamam atenção. Em decorrência disso, cada vez mais, professores vem se preocupando em divertir e encantar os alunos a fim de facilitar o entendimento dos conteúdos que são ensinados. Porém, tais atitudes acabam gerando um distanciamento, uma ruptura entre a observação e a experiência. Há nesse aspecto uma não continuidade, desprendendo o pensamento e afastando do conhecimento (BACHELARD, 1996).

Bachelard (1996) adverte que essa forma de conhecimento resultante do senso comum, por vezes baseada na experiência e sem necessidade de comprovação científica, acaba estragando a formação do espírito científico, pois logo após esta já não se visualiza mais nada.

No Ensino de Química muitas vezes isso ocorre, como por exemplo, nas aulas experimentais onde os alunos acabam focando toda atenção às mudanças de colorações, aos instrumentos diferentes que são utilizados na prática e perdem o foco ao que é mais importe, a explicação científica. Bachelard (1996) cita o exemplo de um experimento em que o docente obteve iodeto de amônio passando amoníaco várias vezes sobre um filtro coberto com palhetas de iodo. Quando secado com cuidado, o papel filtro explode ao mínimo contato. O mais interessante são as reações dos alunos com o acontecimento, no caso a explosão. Os alunos posteriormente não recordam do que se tratava a aula experimental, apenas recordam da explosão em si. Experiências perigosas frequentemente fascinam os jovens, mas uma fascinação repleta de beleza, mas fraca em conhecimento científico.

As aulas experimentais, se não forem bem elaboradas pelos professores, acabam por criar falsos centros de interesse. Faz-se necessário uma comunicação entre a bancada do laboratório e o que é ensinado teoricamente em sala, a fim de extrair o abstrato do concreto. Sair de uma “curiosidade ingênua” para uma “curiosidade crítica” é imprescindível. Não significa que aulas experimentais que possuam efeitos, iluminação, sons, mudanças de coloração, não sejam importantes, mas o fenômeno estudado deve estar em primazia do que o acontecimento por si só (GONÇALVES; MARQUES, 2006).

Uma ciência que se fundamenta apenas em imagens acaba se transformando numa vítima de metáforas. Experiências metafóricas são, na realidade, sem grande valor se não for deduzido o abstrato do concreto, isto é, o experimento deve ser utilizado como uma ferramenta auxiliar ilustrativa e não se resumir a uma sucessão de resultados visualmente interessantes (BACHELARD, 1996).

Bachelard (1996) reforça que os educadores devam procurar estratégias que façam com que certas afetividades dos alunos não se sobressaiam sobre o objeto de ensino, sem haver uma generalização do conhecimento. As explicações dos professores devem ser abertas, dando oportunidades para que os estudantes possam questionar, gerando discussões de ideias, elaboração de hipóteses e assim, desenvolver o olhar crítico-científico.

2.2 O obstáculo do conhecimento geral ou realista

Bachelard (2005) destaca que, pela facilidade no uso de generalizações, há uma pressa na ampliação de conceitos fracos de ligação com as funções básicas do fenômeno, acarretando em generalizações mal colocadas e disfarçadas de grandes leis. A ciência do geral sempre será um fracasso do empirismo inventivo, levando muitas vezes a generalidades mal colocadas, sem fundamentação teórica.

Há uma pressa no meio científico em generalizar observações coletadas, leis, teorias. Esta pressa está vinculada na ideia da posse e domínio intelectual, o que mostra que há uma subjetividade nas generalizações. Em decorrência disto, acaba-se por haver uma divulgação de um conhecimento muitas vezes inacabado, corrupto, cheios de distorções.

Muitos destes conceitos generalizados são fechados, bloqueando novas ideias teóricas. São conceitos específicos que já respondem prontamente perguntas, o que freia muitas vezes o pensamento crítico nos estudantes, afinal eles já tem respostas prontas, gerais. Este fascínio pelo concluso acaba-se por desconsiderar a necessidade de perguntas, de debate, da visão crítica. “(...) para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico” (BACHELARD, 2005, p. 18).

“Em suma, mesmo seguindo um ciclo de ideias exatas, percebe-se que a generalidade imobiliza o pensamento, que as variáveis referentes ao aspecto geral ofuscam as variáveis matemáticas essenciais.” (BACHELARD, 1996, p. 72). O conhecimento científico não se caracteriza em buscar unicamente uma universalização, mas sim a objetividade, exatidão e purificação. Conhecimento generalizado é quase fatalmente, um conhecimento vago, quanto mais breve for o processo de identificação e formulação teórica, mais fraco será o processo experimental.

Bachelard (1996) ilustra essa generalização com a ideia das “tabelas” de observação natural. Estas tabelas se estabelecem por um registro automático com base nos dados provenientes dos sentidos. Estas tabelas servem como generalizações de uma intuição particular, uma ideia pré-estabelecida acrescida de outras informações externas.

A generalização pode facilitar momentaneamente a compreensão, mas esse entendimento pode bloquear o interesse pelo estudo mais aprofundado, uma vez que a resposta já está bem definida, pronta. A lei geral é suficientemente satisfatória para que se perca o interesse por estudá-la. Parte dos obstáculos propostos é de alguma forma, consequência de generalizações inapropriadas, de modo que o conhecimento geral acaba sendo um conhecimento vago (COSTA, 1998).

No Ensino de Química é comum encontrar leis, fórmulas que são apresentadas por alguns professores de forma pronta, fixa, sem nem ao menos mostrar como se chegou a ela. Como exemplo temos a Lei de Clapeyron, PV= nRT, muitos professores de Química e até mesmo de Física apresentam a fórmula na sua forma fixa, além de um valor para a constante geral dos gases – R, não explicam como se chegou àquele valor, ou as variações de valores para a constante dependendo das unidade de pressão, volume que são utilizados.

Reis e Kiouranis (2013) analisando os entraves no processo de aprendizagem de cinética química identificam nos estudantes uma falta de um olhar crítico científico quando os estudantes responder sobre os fatores que alteram a velocidade de uma reação química, muitos estudantes consideram, por exemplo, a velocidade com um fator que altera a velocidade, o que é uma verdade, mas não sabem explicar de forma científica. São argumentos simplistas e sem embasamento. Os autores evidenciam nos estudantes um pensamento baseado nos sentidos, ingênuos, carregados de senso comum, que é uma característica deste obstáculo.

Costa e Souza (2013) pesquisando sobre os obstáculos de aprendizagem do conteúdo de cálculos estequiométricos, constatam que a maioria dos estudantes apresenta uma dificuldade neste conteúdo em decorrência de estar relacionado a cálculos. Os estudantes conseguem desenvolver o entendimento das questões, mas a falta de base científica matemática se torna um entrave que dificulta a execução de problemas envolvendo a estequiometria.

2.3 O obstáculo verbal

Bachelard (1996) denomina obstáculo verbal a tendência em associar uma palavra concreta a uma palavra abstrata. Nas aulas de ciências isso acaba acontecendo com frequência quando acontecimentos científicos são esclarecidos por usos de analogias, expressões, metáforas. O problema está no fato do uso incorreto destas alegorias, pois podem acabar por amarrar o pensamento científico a erros. Não deve haver uma condenação pelo uso delas, desde que utilizada de forma que este seja apenas um apoio para alcançar o conhecimento científico.

Mesmo não recebendo forte apoio por Bachelard, alguns autores defendem a utilização de analogias como facilitadoras da transferência de conhecimento e melhor compreensão e integração cognitiva. Segundo Duit (1991), estudos sobre concepções alternativas dos alunos em relação aos conceitos científicos evidenciam que eles tentam compreender os fenômenos através do uso de analogias em áreas que são familiares a eles.

Duit (1991) apresenta as seguintes vantagens quanto ao emprego de analogias no ensino: abrem outras perspectivas de ensino; facilitam a compreensão e a interpretação de conceitos abstratos por similaridades com conceitos concretos; podem motivar os estudantes; podem auxiliar o professor a desvelar conceitos prévios dos estudantes sobre áreas já estudadas.

Gomes e Oliveira (2007) revelam que o principal problema do uso de analogias se encontra no fato de que elas se apresentam como um primeiro conceito sobre uma determinada teoria, isso faz com que os estudantes sempre façam uso dela como conclusiva e elucidativa, não havendo então a exigência de mais explicações, impossibilitando assim a abstração. Analogias e metáforas não deve ser o primeiro recurso didático, elas devem vir junto com a teoria, servindo como um instrumento esclarecedor de dúvidas.

Adrover e Duarte (1995) consideram a estratégia analógica como uma estratégia central e uma característica distintiva do pensamento humano, os autores consideram que:

"A estratégia analógica de instrução consiste em uma modalidade de explicação, onde a introdução de novos conhecimentos por parte de quem ensina, se realiza a partir do estabelecimento explícito de uma analogia com um domínio de conhecimento mais familiar e melhor organizado, que serve como um marco referencial para compreender a nova informação, captar a estrutura da mesma e integrá-la de forma significativa na estrutura cognitiva." (ADROVER E DUARTE, 1995, p.1)

Em contrapartida, o mesmo autor considera o uso das analogias como uma "faca de dois gumes", destacando as seguintes desvantagens: atribuição por parte dos alunos de características do análogo que não são compartilhadas pelo conceito alvo; transferência de concepções prévias sobre o conceito análogo para o conceito alvo; compreensão equivocada do conceito alvo devido à sobreposição de similaridades superficiais em relação aos aspectos estruturais.

Bachelard conclui que caso contrário, a analogia for utilizada em primeiro lugar no ensino de uma teoria, pode haver uma paralisação do pensamento, o aluno cria uma afeição àquela imagem e o conhecimento finaliza-se no campo da imagem, não gerando nenhuma dúvida a mais nos discentes, ficando assim finalizado. O aluno se apega e aceita essa aproximação como um estratagema conclusivo, podendo até estabelecer relações analógicas incorretas e inviabilizando a abstração necessária do conteúdo.

Monteiro e Justi (2000) fizeram um estudo de identificação do uso de analogias nos livros didáticos de Química e constataram um forte uso de analogias principalmente nos conteúdos de atomística, cinética e ligações químicas. Eles justificam este uso pelo alto grau de abstracionismo que estes conteúdos carregam, o que consequentemente faz com que os alunos tenham maior dificuldade de aprendizagem. Mas outros conteúdos que também são abstratos não fizeram uso de analogia, o que reforça certo tradicionalismo em fazer uso dessa ferramenta em tópicos específicos. A seguir, nas Figuras 1 e 2, apresentamos exemplos de analogias presentes em alguns livros didáticos de Química do Ensino Médio.

Quais são os obstáculos mais comuns ao ensino de ciências naturais?

Figura1:
analogia modelo Thomson.
Santos et al., 2016.

Quais são os obstáculos mais comuns ao ensino de ciências naturais?

Figura2:
analogia equilíbrio dinâmico.
Novais & Antunes, 2016.

Na Figura 1 temos um exemplo clássico da analogia do modelo atômico de Thomson que é conhecido como “pudim de passas”, mas que os autores do livro didático usaram um panetone como analogia para o modelo. Na Figura 2 os autores relacionaram o equilíbrio de algumas reações química com peixes que circulam de um aquário a outro, onde os peixes seriam as espécies químicas presentes nas reações e os dois aquários são uma analogia para as etapas reacionais, reagentes e produtos.

O uso de analogias em livros didáticos requer a preocupação posicional do uso nos textos, Monteiro e Justi (2000) reforçam que “é preciso destacar que apresentar analogias no corpo do texto não é suficiente para que as mesmas possam colaborar para a compreensão do aspecto em questão.”. Se a analogia não é apresentada em consonância com o conteúdo explanado, ao invés de ajudar pode se transformar em um obstáculo e dificultar o aprendizado nos estudantes.

Os mesmos autores concluem essa falta de preocupação na assimilação dos estudantes com o que é apresentado nas analogias:

“Em muitas das analogias apresentadas nos livros, os autores não identificavam a estratégia e não forneciam uma explicação do domínio análogo. Além disso, na grande maioria das analogias nenhuma limitação foi discutida. Tais aspectos parecem indicar que os autores pensam que os alunos não possuem dificuldades em estabelecer relações analógicas e que as analogias são perfeitamente entendidas por eles. É possível também que os autores deixem a cargo do professor a discussão de tais aspectos das analogias.” (MOTEIRO E JUSTI, 2000, p. 86).

Esse uso analógico presente nos mais diversos livros didáticos de Química associado a uma não discussão por estes professores em sala de aula pode dificultar o processo de cognição como também enraizar conceitos inadequados impedindo de forma mais definitiva o processo de aprendizagem.

“O uso indiscriminado de termos científicos, sem distinguir seus significados em relação aos termos da linguagem comum, pode não apenas impedir o domínio do conhecimento científico, como também cristalizar conceitos errados, verdadeiros obstáculos à abstração. Retêm o aluno no realismo ingênuo ou transmite uma visão anímica e antropomórfica do mundo.” (LOPES, 1993, p. 317).

Diversos termos são utilizados no Ensino de Química que salientam uma similitude com outros sentidos que podem causar certo distanciamento com o conteúdo abordado, como é o caso do uso do termo “nobreza”, que na Química está relacionado aos elementos de baixa reatividade, mas em outros campos mais comuns tem o significado de nobreza social, de ter nascido em famílias nobres, ter bom aspecto, ser rico (LOPES, 1993). Além de outros diversos termos que comumente tem uma significação, mas que na Química são usados em outro sentido, como “espontaneidade”, que sua compreensão clara dificulta o entendimento da Termodinâmica Química e na Cinética Química sobre questões de reversibilidade e irreversibilidade de algumas reações químicas (LOPES, 1993). Outro termo tratado por Lopes (1993) é a “eletronegatividade” que, segundo a autora, os livros didáticos associam este termo a tendência de atrair elétrons por um elemento, mas sem especificar em que condições este elétron é atraído, chegando até a se confundir com o conceito de potencial de redução. A “viscosidade” é um obstáculo estudado por Gandra; Maximovitch e Faria (2015), segundo os autores a maioria dos estudantes acabam confundindo o termo viscosidade com densidade, mesmo que a palavra densidade não possua qualquer relação com a explicação para o termo viscosidade. Para os autores o termo “densidade” também se torna um obstáculo epistemológico por aparecer em diferentes situações para explicar conceitos como polaridade, concentração, interação molecular, além de ser usada em outras disciplinas como Física, Geografia, Literatura.

Percebe-se aqui não apenas palavras, mas seu uso inadequado, que podem gerar incoerências na formação científica dos estudantes. Não se trata apenas de meros conceitos, mas um senso comum que se afasta muitas vezes do viés histórico da formação da ciência, como fala Lopes (1993):

“Temos, sim, um desconhecimento da gênese histórica dos conceitos, ou ainda, apesar de esta gênese ser conhecida, uma despreocupação em atentar para erros que certamente se formarão no estudante pelo fato de não ser explicitado o processo de construção dos conceitos.” (LOPES, 1993, p. 322).

Desta forma se faz necessário que os docentes tenham maior atenção e precisão no uso de conceitos no ensino e estar sempre atentos às mudanças que podem ocorrer no desenvolvimento histórico da Ciência Química.

2.4 O obstáculo substancialista

O obstáculo substancialista se dá mediante a atribuição de qualidades diversas a uma única substância, o experimento científico é caracterizado como a busca por essa substância oculta (MACHADO; MATOS; PINEIRO, 2013).

Bachelard (1996) destaca a atribuição de diversas características às substâncias, mediante a atribuição de qualidades diversas. Tanto a qualidade superficial como a qualidade profunda, tanto a qualidade manifesta como a qualidade oculta. Este obstáculo é constituído por intuições muitas vezes dispersas e até opostas.

O conhecimento alquímico muitas vezes ficou caracterizado pelo fato de “abrir” substâncias. Segundo ele o alquimista moderno sempre está em busca de uma “chave” que possa ser usada para “abrir” as substâncias. Muitos alquimistas também utilizam da ideia de “virar do avesso” as substâncias ao tratar da diversidade de características das substâncias, o qual está sólido no inconsciente, dando origem a um errôneo conceito de substância (BACHELARD, 1996).

Esta substancialização pode atrapalhar os futuros progressos do pensamento científico nos estudantes à medida que ela permite uma explicação temporária e decisiva. Há uma falta do percurso teórico que faz com que os estudantes tenham um pensamento crítico perante o que é estudado. Não se satisfaz o espírito científico apenas ligando o fenômeno à substância, deve haver uma relação precisa e detalhada com outros objetos (BACHELARD, 1996).

A substancialização desrespeita a hierarquização do espírito científico, desconsidera toda a pesquisa pré-científica, as elaborações de teorias, leis que chegaram até aquele fenômeno estudado. O fenômeno é tomado como uma propriedade substancial e toda a busca científica anterior a ele é cancelada, encobrindo todas as perguntas que possam surgir de um pensamento crítico-científico. “Diante de um fracasso na verificação, sempre é possível pensar que ficou disfarçada, oculta, uma qualidade substancial que deve aparecer. Se o espírito continua a pensar assim, pouco a pouco se torna impermeável aos desmentidos da experiência.” (BACHELARD, 1996, p. 129).

O ato de substancialismo tem também uma característica de explicar variáveis manifestações íntimas a partir da intensidade essencial e isso facilmente é constatado na práxis de ensino químico. Como exemplo, Lopes (1993) cita o ensino do conteúdo de ácidos, quando é instruída aos estudantes que a presença de hidrogênios protonados (H+) é uma evidência de que se tem um meio ácido, que quanto maior a quantidade destes hidrogênios, maior é a acidez. Em decorrência disto os estudantes acabam por associar que substâncias com maior número de hidrogênios em sua molécula, mais forte ácido ela será. Como exemplo da comparação do ácido fosfórico (H3PO4) e o ácido clorídrico (HCl), aquele, por possuir mais hidrogênios seria, no pensamento do estudante, mais ácido que este, o que não é verdade.

Nesta mesma linha de investigação sobre ácidos e bases e os riscos do substancialismo está em definir que uma substância deva ser um ácido, ou que outra deva ser uma base, quando na realidade não há uma definição fixa classificatória de uma substância como tal, mas uma relação com outro reagente. Observe as reações a seguir:

H2O(1) + HCl(g) → H30+(aq) + Cl-(aq)

H2O(1) + NH3(g) → NH4+(aq) + OH-(aq)

Conclui-se pelas teorias de ácido e base de Brönsted-Lowry que a água no primeiro momento é uma base e no segundo momento é um ácido. Tudo isto devido o outro reagente que com ela está interagindo. Desta forma não se pode adjetivar a água como um ácido ou uma base, bem como, qualquer outra substância. Deve-se entender a interação química que tais substâncias podem ter com outras e desta forma ter uma visão científica conclusiva que determina tal caracterização química.

Lopes (1993) também cita uma forte substancialização nos livros didáticos de Química, principalmente no período da década de 60. As substâncias e suas propriedades eram enumeradas e tratadas como objetos, os quais os estudantes deveriam saber suas características como cores, sabores, suas transformações, onde se encontravam. Segundo a autora isso era justificado pela tendência empírica-descritiva que na época era forte no Ensino de Ciências.

Mas ainda é possível encontrar substancialismo nos livros didáticos atuais, como o caso dos ácidos tratado anteriormente como também nos conceitos de sais. Os sais são classificados nos livros em subcategorias: sais ácidos, sais básicos, sais neutros, anfóteros. Alguns livros didáticos chegam a classificar como sais ácidos aqueles que possuem hidrogênios em sua estrutura, que estes são protonados, o que justificaria um caráter ácido. Para exemplo temos o Bissulfato de Sódio (NaHSO4) que é considerado um sal ácido, mas não devido a presença do H, mas pela interação do íon Hidrogenossulfato (HSO4-) com a água, ou devido a acidez remanescente do ácido Sulfúrico (H2SO4). Outros sais tem sua classificação nos livros didáticos de forma errônea, como exemplo o Cloreto de Amônio (NH4Cl), o Cloreto de Ferro (FeCl) e o Sulfato de Cobre (CuSO4) que são considerados neutros em alguns livros, mas são ácidos, mesmo nos dois últimos exemplos não possuindo hidrogênios para serem protonados (LOPES, 1993).

2.5 O obstáculo animista

Este obstáculo está relacionado ao fato de que alguns educadores em suas aulas acabam por atribuir vida, por metáforas e analogias biológicas, a uma substância e/ou fenômeno inanimado. Esse recurso lúdico muitas vezes pode desenfrear o pensamento científico nos estudantes.

Segundo Lopes (1993) estes educadores utilizam de tal método por temerem a “efervescência” psíquica dos estudantes. Como ela fala nesse excerto:

“Os mestres de ciências, eles mesmos educados dentro do imobilismo, parecem empreender todo um trabalho de controle da razão, temerosos dessa efervescência psíquica. Domesticam-na, sufocam-na em nome da tradição e oferecem em troca um saber de alegria e interesse medianos. Utilizam metáforas realistas de animistas, caras ao espírito estudantil, visando com isso facilitar o aprendizado, ou melhor, a operacionalização de conceitos. Dizer que o átomo de carbono é uma pequena pirâmide, conferindo a noção de sólido palpável a um conceito abstrato, ou afirmar que o carbono tem quatro braços.” (LOPES, 1993. p. 328).

Para Bachelard, a ideia de vida é algo mais deslumbrante, “vida é uma palavra mágica. É uma palavra valorizada. Qualquer outro princípio esmaece quando se pode invocar um princípio vital” (BACHELARD, 1996). Conceber vida a substâncias e fenômenos inanimados se constitui em um caminho semelhante ao espírito pré-científico que era comum animar as coisas na justificativa de que a vida anima todo o universo.

Segundo Bachelard, os estudantes que estudam dando vida a coisas inanimadas podem acabar por dissociar o conteúdo estudado quando se deparam com a realidade sem vida destas coisas. “A vida marca as substâncias que anima com um valor indiscutível. Quando uma substância deixa de ser animada, perde algo de essencial” (BACHELARD, 1996, p. 192).

Desta forma, o animismo acaba por criar um bloqueio na objetividade e abstração, detendo o conhecimento científico no concreto, na individualização e não na racionalização (LOPES, 1990).

Alguns livros didáticos de Química fazem uso de animismo em meio aos seus textos. Átomos sendo representados como seres vivos, com olhos, boca e até mesmo tendo um diálogo e possuindo vontades humanas, como pode ser visto na Figura 3. Isso, que aparentemente parece ser lúdico, pode gerar distorções conceituais na formação do aprendizado. Essas imagens não apresentam consonância com o saber científico e ocasionam um distanciamento da teoria com a realidade (LEITE; SILVEIRA; DIAS, 2006).

Quais são os obstáculos mais comuns ao ensino de ciências naturais?

Figura 3:
Animismo no conceito de atomística
FELTRE, 2004.

“Esse tipo de obstaculização animista, provocada pela presença do fetichismo da vida na concepção de ciência do próprio autor, é frequente nos livros das Reformas Campos e Capanema. Como a ciência química ensinada é essencialmente descritiva, distante da atividade racionalista do novo espirito científico, torna-se marcante a influência do período pré-científico. As propriedades ou conceitos físicos apresentados são dotados de vida e as embrionárias tentativas de explicação são carregadas de metáforas tendo por base o ser vivente.” (LOPES, 1990, p. 153).

Perante este desejo em dar vida ao que é inanimado no excerto acima, alguns autores dão às substâncias comportamentos e qualidades humanas, que é justificado por estes autores por assemelhar estas imagens a fenômenos conhecidos pelos estudantes (LOPES, 1990). Segundo Lopes (1990), não há nada de científico nisso, mas uma banalização dos conceitos científicos no pretexto de incorporar ao conhecimento do aluno.

3. Considerações Finais

O Ensino de Química apresenta diversas dificuldades no processo dialético de ensino e aprendizagem, vários são os obstáculos epistemológicos que impossibilitam o processo de formação do conhecimento científico. Estes entraves acabam gerando concepções incertas acerca dos conceitos científicos que acabam não desenvolvendo o processo cognitivo dos estudantes, deixando-os estagnados em um senso comum.

Muitos dos conceitos estudados na Química são abstratos, tais como moléculas, átomos, densidade, volume, eletronegatividade, reatividade, entre outros. Muitos estudantes acabam tendo contato com esses termos somente no Ensino Médio, gerando certo impacto momentâneo, mas que é natural com o que é novo. Além dessa ideia do novo e abstrato, certas metodologias empregadas na disciplina corroboram para que aconteçam obstáculos na aprendizagem, tais como, aulas experimentais não bem elaboradas onde os estudantes acabando focando apenas no visual e esquecem toda a explicação científica por trás da atividade prática.

Muitos livros didáticos também reforçam a criação de obstáculos quando fazem uso de termos análogos que anteriormente eram usados com outras significações pelos estudantes, ou dão vida para conceitos inanimados, ocasionando uma confusão de ideias que não é interessante na formação científica.

A pesquisa também identifica que muitos conceitos químicos não são aprendidos de forma completa, crítica, mas de forma superficial e até resumida, estas características reforçam a ideia de senso comum na aquisição do conhecimento. É de suma importância uma formação científica bem embasada, levando em consideração a complexidade das ciências, para que assim o estudante alcance o aprendizado da melhor forma.

Sendo assim, é primordial que os professores possam identificar a presença de tais obstáculos para aprimorar o seu processo de ensino. A educação científica precisa ser auxiliada pelos professores de forma que seus conceitos façam parte do cotidiano dos estudantes, conduzindo a Química como uma ciência que desperte fascínio e curiosidade.

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Porcentagem de contribuição de cada autor no manuscrito

Marcelo Henrique Freitas Saraiva Guerra – 60%

Ana Karine Portela Vasconcelos – 20%

Caroline de Goes Sampaio – 10%

Gabriela Clemente Brito Saldanha – 10%

Quais as dificuldades encontradas no ensino de ciências?

Como resultados, entre as principais dificuldades destacam-se o pouco tempo disponível para a realização das atividades experimentais, a indisciplina dos alunos, a precariedade de materiais, a falta de espaço e também a falta de recursos humanos apropriados.

Quais são os desafios de ensinar ciências naturais nas séries iniciais?

dificuldades de mudança de postura na prática docente, a falta de reflexão sobre os processos de ensino e aprendizagem, a péssima estrutura dos planos de carreira docente, que nos faz enxergar da importância de levar em consideração a subjetividade do professor [...]”.

Qual é o primeiro obstáculo para a construção dos conhecimentos científicos?

Segundo Bachelard (1996, p. 29), “na formação do espírito científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a experiência colocada antes e acima da crítica – crítica esta que é, necessariamente, elemento integrante do espírito científico” (grifo nosso).

Quais são os desafios e as vantagens de ensinar ciências naturais nas séries iniciais?

O aluno pode transformar em conhecimento toda a curiosidade que tem a respeito dos fenômenos naturais, através da investigação e com isso aprende a desenvolver a autonomia, a formular os seus próprios conceitos e ideias e entra para o mundo da Ciência.