Garantias dos Direitos Sociais: 30 Anos da Constituinte whatsappemailalertConstituinte, entre neste projeto. Show
Os movimentos populares “agrupam o novo sujeito [que] é social (...) indivíduos até então dispersos e privatizados, passam a definir-se, reconhecer-se e a redefinir-se a cada efeito resultante das decisões e atividades realizadas” (SADER, 1988. p.10). No panorama de abertura política da ditadura militar brasileira, nos idos dos anos 1970 e 1980, os movimentos sociais foram se constituindo de
maneira organizada, ativa e descentralizada. Deram o tom polifônico do debate político daquele momento e ainda hoje marcam a história recente do país.
Constituinte sem povo não cria nada de novo.Após o anuncio da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte em 1985, pelo então presidente José Sarney, irromperam iniciativas de criação de entidades com a função de incentivar a participação popular no processo. Comitês e plenários, de forma pluripartidária, foram organizados por todo o país na ideia do estabelecimento de estruturas constituintes paralelas. A instituição de formas participativas diretas foi incluída no regimento interno da Assembleia, sob instrumento jurídico de “emendas populares”. As emendas para serem aceitas, deveriam conter 30 mil assinaturas, além de serem referendadas por no mínimo 3 entidades da sociedade civil. Ao longo da Constituinte foram enviadas 122 emendas populares, contabilizando 12 milhões de assinaturas. As mobilizações pela participação popular se davam no incentivo ao envio de cartas, nas cartilhas e nas reuniões dos movimentos pró-participação popular. Os dois maiores movimentos foram: “Movimento Nacional pela Participação Popular na Constituinte” e “Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte”. Este último com a emblemática frase que marcou o momento: “Constituinte sem povo não cria nada de novo”.
A vez do Povo.Entre 1986 e 1988 o clima da Constituinte favorecia intensa discussão pelas regiões do país. Diversas entidades, muito além da grande imprensa e organizações partidárias, tiveram papel importante no acompanhamento dos trabalhos da Assembleia. Além dos órgãos eclesiásticos, como a CNBB, e das ordens de classe, como a OAB, tantos outros organismos davam o tom da nova Carta. Sindicatos e centrais, como a CUT, CONCLAT, CONTAG, o recém fundado MST, articulavam as principais reivindicações constitucionais dos trabalhadores que giravam em torno do direito irrestrito a greve, da liberdade e autonomia sindical, da liberdade de expressão, política e partidária, e de salário mínimo justo. Especificamente, os movimentos rurais destacavam a importância da implementação de uma nova política agrícola que realizasse a reforma agrária. Diversas manifestações, greves, caravanas a Brasília, plenários e reuniões são a evidencia de uma conjuntura efervescente e multifacetada (CEDI, 1987, pp.111). No texto constitucional, os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais estão colocados no Art. 7°. Nele está garantido o salário mínimo nacionalmente unificado, o seguro desemprego, o décimo terceiro salário, as férias remuneradas, além diversos incisos (34 no total) detalhando as condições legais do trabalho. No Art. 8° está garantido o direito à livre associação sindical, detalhando ainda a não interferência do Estado nestas organizações. E por fim, o Art.9, que assegura o direito a greve. A questão fundiária será detalhada no Capitulo III do Título VII, em que se apresenta a noção de função social da terra, além da Política Agrária que prevê a reforma no campo. As organizações em defesa dos indígenas, como a UNI, levaram adiante a discussão sobre as questões dos povos originários e a efetivação de seus direitos. Na verdade, tratava-se da continuidade de uma luta histórica pela afirmação da pluralidade étnica e cultural. A nova Carta vai abordar de forma inovadora aspectos conceituais ligados à condição indígena e a relação deste com o Estado e a sociedade. No texto constitucional, o abandono de uma anterior “política de assimilação” dá lugar a uma do “direito à diferença”, em que é respeitada a organização social, tradições, línguas e cultura. Aos indígenas é garantida a posse permanente de suas terras tradicionalmente ocupadas, que seriam demarcadas pela União. Uma perspectiva de alteridade vai orientar as ações do Poder Público. Os direitos dos indígenas estão garantidos nos artigos 231 e 232 do título VIII, referente a “Ordem Social”. No primeiro artigo são reconhecidos o direito à diferença e o direito à terra. Os artigos 210 e 215 asseguram, primeiramente, que o Estado proteja as manifestações culturais indígenas. Em segundo lugar certifica o respeito à utilização das línguas e processos próprios de aprendizagem desses povos. Entidades estudantis, a UNE e as UEEs, com os sindicatos e os movimentos de professores, como o MUP (Movimento Unificado de Professores) e o MOAP (Movimento de Oposição Aberta dos Professores), fizeram o texto final ter aspectos inovadores. Os auditórios e teatros das grandes universidades serviram para a discussão e articulação dos movimentos estudantis nesse importante momento. Cabe ressaltar que a discussão em relação ao direito fundamental à educação já estava presente no quadro anterior à Constituinte da Nova República. A Constituição de 1967 preconizou o combate ao analfabetismo e a qualificação dos professores, dando origem ao Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) e a lei de diretrizes básicas da educação. Tais medidas outorgadas pelo regime militar vieram substituir projetos anteriores como o método Paulo Freire de alfabetização de adultos. O texto constitucional e as medidas do governo referentes a educação foram alvo de severas críticas principalmente no fim dos anos 1970, quando o debate aberto volta a marcar presença. A Constituição de 1988 dedica nove artigos (205-214) à questão da educação. No art. 207 está garantida a autonomia universitária, pela primeira vez uma constituição brasileira cita esse aspecto. O art.208 detalha o direito à educação. O inciso I especifica o atendimento dos que estão fora da idade escolar. O inciso IV inclui a creche a pré-escola como parte da educação básica, entendidas como instituições educativas, não de assistência social. O debate do último inciso foi frequente nos movimentos de mulheres na luta pelas creches. A voz do Povo.Por sua vez, as mulheres encontravam-se articuladas, desde os anos 1970, em associações e círculos, ligados ou não à Igreja Católica. Um exemplo notável é a luta das mulheres no “Movimento Feminino pela Anistia” que, criado em 1975, era formado por mães, companheiras e ex-presas políticas que se uniram e marcaram a luta pela Anistia no Brasil.Com o processo de redemocratização, os movimentos tomaram novas formas associativas e plataformas reivindicativas. Em 1979, ocorre o 1° Congresso da Mulher Paulista, em que foi lançado o Movimento de Luta por Creche, e movimentos de união de mulheres começam a aparecer em diversas regiões do país. Em 1983 é criado em São Paulo o Conselho Estadual da Condição Feminina - um mecanismo que ligou a sociedade civil ao poder público na elaboração de políticas públicas para a condição feminina, além da fiscalização dos crimes contra a mulher. Dois anos depois, já no governo de José Sarney, é criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM). O Conselho logo depois lança a campanha “Mulher e Constituinte”, com o lema “Constituinte Pra Valer Tem que Ter Palavra de Mulher”, abrindo um canal de discussão para os direitos das mulheres na nova Constituição. Deve-se destacar também a presença feminina na Assembleia, pois 26 deputadas eleitas fizeram parte dos trabalhos na nova Carta (SAFFIOTI, 1987, pp. 126.). Em relação as garantias legais da mulher, pode-se notar conquistas pontuais e significativas. O Art. 3 coloca como objetivo da República a promoção do bem de todos sem preconceitos; O Art.5 Condena a distinção entre homens e mulheres. No inciso XVIII do Art.7 é garantida a licença maternidade de 120 dias, sem prejuízo no emprego. O mesmo artigo incentiva o trabalho da mulher com normas protetoras no inciso XX. Os Arts.40 e 202 colocam o prazo mais curto para a aposentadoria da mulher. E por fim o §5 do Art. 226 que iguala os direitos e deveres entre homens e mulheres diante o casamento e dos filhos (MACIEL, 1997). A criação de delegacias da mulher, da categoria profissional de empregada doméstica e de um sistema único de saúde são algumas propostas que se tornaram conquistas posteriores à Constituinte. Porém, estavam presentes reivindicações relacionadas a aspectos culturais e morais como: o fim da discriminação no código civil, visando a eliminação da expressão “mulher honesta”; o ensino obrigatório de história africana; o crime sexual como “contra a pessoa” e não “contra os costumes”. Também apareciam o aborto e o controle de natalidade como relacionados às questões de saúde da mulher. Essas questões ainda pendentes nos dias de hoje. É necessário dar destaque à participação dos Movimentos Negros nessa conjuntura. Desde o final da década de 1970 era notável uma efervescência cultural e política desses movimentos, influenciados pelos negros norte-americanos e pelas independências africanas. A fundação do MNU (Movimento Negro Unificado), em 1978, marca um momento de articulação política. O MNU é importantíssimo para compreender a participação negra na Constituinte. O Movimento, em 1986, organizou uma convenção nacional “O Negro e a Constituinte” para reunir reivindicações para a nova Carta. O movimento também teve uma relação próxima com os partidos mais progressistas. A pauta das reivindicações era ampla e girava em torno de questões para além da criminalização do racismo. A proibição da pena de morte, a legalização do aborto, a inclusão da história africana no currículo escolar, são exemplos dos anseios desses grupos. No texto constitucional, o Art.3 coloca como objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos sem preconceito de raça. O Art.5 criminaliza o racismo, colocando-o como crime imprescindível e inafiançável. O Art. 216 garante o tombamento de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. Por fim, considerando que nos anos 1980 a maioria da população brasileira se encontrava em solo urbano, devido ao longo processo de êxodo rural ocorrido na segunda metade do século XX no Brasil, pode-se perceber que o espaço superpopuloso não acompanhou o ritmo de medidas do Estado para com as necessidades dos habitantes. Nesse sentido, um campo heterogêneo de reivindicações foi levado a cabo por movimentos comunitários que destacavam os cortiços, favelas, loteamentos clandestinos e bairros periféricos como locais problemáticos na dinâmica excludente da geografia urbana. Havia uma demanda pela incorporação desses lugares no espaço legal e social da cidade, na busca de uma nova perspectiva de espaço urbano. Nota-se o fortalecimento das articulações em âmbito nacional dessas questões, principalmente após a criação da Articulação Nacional do Solo Urbano (ANSUR) em 1984. Os movimentos e entidades projetavam suas demandas no horizonte legal, no momento que ocorria o processo constituinte e um amplo debate na sociedade. Tais agentes buscavam fundamentar novos diagnósticos da questão fundiária urbana, a partir do estudo da legislação que regulava os usos e posses do solo, atitudes que contribuíram na elaboração da “Emenda Popular de Reforma Urbana”. Uma emenda que contou com 165 mil assinaturas e contribuiu para o texto do capítulo de Política Urbana (art. 182 e 183) da Constituição. Este capítulo serviu de base para o Estatuto da Cidade (2001) (LAVARDI, 1999). Somos todos [ainda] Constituintes.O texto constituinte sintetiza as disputas de forças políticas e socioeconômicas do período, e sanciona o pacto pela redemocratização do país e o estabelecimento da chamada “Nova República”. Em sua história de mais de três décadas, o debate constituinte tem sido confrontado por novas demandas e conjunturas, impondo alterações na carta original. Nesse período, 105 emendas constitucionais foram incorporadas. Além dessas modificações, o texto está sujeito a chamada “mutação constitucional”, em que novas interpretações do texto alteram o seu sentido original, dando margem a interpretações polêmicas que fogem de seu espírito cidadão. É evidente que a Constituição não se manteria inalterada permanentemente.
Perceber as disputas políticas em torno do texto constituinte como algo que não pertence ao passado, é trazer para o cerne do debate: Sob qual regime democrático e perspectivas de justiça e igualdade viveremos?GaleriaPreâmbulo da Constituição Federal, 1988 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. Capítulo II Galeria VídeosReforma Agraria na Constituinte, TV Senado: https://youtu.be/jEalus0RbV4 PDFsJornal; Comissão Pastoral da Terra; Goiania; Hemeroteca; Acervo Cedic/PUC-SP; mar-abr. 1987 ReferênciasSiglas: Identificação das imagens: Referências Bibliográficas: Constituição República Federativa do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. JACOBI, Pedro R. Movimentos sociais urbanos numa época de transição: limites e potencialidades. In: SADER, Emir (org). Movimentos sociais na transição democrática. São Paulo: Cortez, 1987. p.11-23. LAVERDI, Robson. Na trilha das reivindicações. In: Diálogos, DHI/UEM, v. 3, n. 3: 169-190, 1999. MACIEL, de Almeida Eliane. A Igualdade entre os Sexos na Constituição de 1988. Brasília, 1997. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/159/10.pdf?sequence=. Acesso em 19 fev 2019. MORISSAWA, Mitsue. A História da Luta pela Terra e o MST. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2001.(CEDIC) NERIS, Natália. “A participação do Movimento negro na constituinte de 1988”. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2018/12/08/A-participa%C3%A7%C3%A3o-do-movimento-negro-na-Constituinte-de-1988. Acesso em 11 Abr 2019 Org. CALDEIRA, Antônio Cesar P. Dossiê Constituinte I. Rio de Janeiro: Centro Ecumênico de Documentação e Informação, 1986.(CEDIC) Org. CALDEIRA, Antônio Cesar P. Dossiê Constituinte II: As Grandes Questões Nacionais e as Propostas Populares. São Paulo: Centro Ecumênico de Documentação e Informação, 1987.(CEDIC) SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80). São Paulo: Paz e Terra, 1988. SAFFIOTI, Heleieth. Feminismos e seus Frutos no Brasil. In: SADER, Emir (org.). Movimentos Sociais na Transição democrática. São Paulo: Cortez, 1987. pp. 126. SILVA, Haike R. Kleber. A luta pela anistia. São Paulo: Editora Unesp, 2009. pp. 103-123 Site Povos Indígenas do Brasil. Direitos Constitucionais dos Índios. Disponível em https://pib.socioambiental.org/pt/Constitui%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 20 fev 2019. VERSIANI, Maria Helena. Uma República na Constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 30, nº 60, p. 233-252 – 2010 Sugestões para saber mais: Acervo CEDIC: CréditosPesquisa, seleção de imagens e texto: Curadoria e organização: Revisão: Desenvolvimento: Qual a importância da participação popular na Assembleia Constituinte de 1987A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 contou com a participação cidadã ativa dos brasileiros, que por meio das emendas populares apresentadas, contribuíram para o texto constitucional promulgado.
Qual a importância da participação popular na elaboração da Constituição?A participação popular na elaboração, implementação e fiscalização das políticas públicas ganhou amplitude sem precedentes, contribuindo para aumentar tanto a eficácia e abrangência das ações públicas, como a capacidade de formulação dos movimentos sociais.
Como foi a participação popular na elaboração da Constituição de 1988?Com a redemocratização do país, brasileiras e brasileiros estavam super engajados e faziam questão de ser ouvidos. Por isso, os membros da Comissão Constituinte estavam abertos a receber sugestões de todos que quisessem participar e dar sua opinião no processo legislativo.
Qual e a importância da Assembleia Constituinte?A Assembleia Constituinte é o órgão responsável pela elaboração da Constituição de um país, dando início a um novo ordenamento jurídico.
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