Publicado em 01/03/2021 08h39 Atualizado em 11/07/2022 10h44 Show
Definir participação social implica entender as múltiplas ações que diferentes forças sociais desenvolvem com o objetivo de “influenciar a formação, execução, fiscalização e avaliação de políticas públicas na área social (saúde, educação, habitação, transporte, etc.)”. Tais ações expressam, simultaneamente, concepções particulares “da realidade social brasileira e propostas específicas para enfrentar os problemas da pobreza e exploração das classes trabalhadoras no Brasil” (Valla e Stotz, 1989, p. 6). A Constituição Federal de 1988 garantiu a participação da sociedade na gestão de políticas e programas promovidos pelo Governo Federal – é o chamado controle social. A visão da participação social prevista na Constituição Federal parte do pressuposto de que o Estado brasileiro reconhece que a participação social contribui, ao mesmo tempo, para a construção da democracia, o fortalecimento da cidadania e a melhoria do desempenho da Administração Pública. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), como Órgão responsável pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação (MEC), busca alcançar a melhoria e garantir uma educação de qualidade a todos, em especial a educação básica da rede pública, tendo se tornado o maior parceiro dos 26 estados, dos 5.570 municípios e do Distrito Federal, na condução das políticas públicas que deram origem a diversos projetos e programas: Alimentação Escolar, Livro Didático, Dinheiro Direto na Escola, Biblioteca da Escola, Transporte do Escolar, Caminho da Escola, Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil. E, nessa busca permanente pela qualidade da educação, o modelo de gestão do FNDE privilegia a participação e o controle sociais, não apenas por imposição legal, mas por entender que a participação ativa da população, diretamente ou por meio de seus representantes nos diferentes conselhos sociais constituídos, contribui para a materialização desse preceito democrático da nossa Constituição Cidadã. Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o projeto de lei (PL) 504/2020, que “proíbe a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado”, de autoria da deputada estadual Marta Costa (PSB), repercutiu intensamente, principalmente nas redes sociais, e mobilizou a sociedade civil e empresas do segundo e terceiro setor contra a aprovação de seu texto. Essa movimentação, no geral, não é comum. Isso porque a população se sente distante da política e não se sente representada pelos políticos que ocupam os espaços de poder da política institucional, como demonstra uma pesquisa do Instituto Ipsos (2017), em que apenas 6% dos eleitores estão satisfeitos com a atuação dos políticos que elegeram. Nesse texto, o Politize! discorre sobre a participação social no poder público e a sua potência e necessidade. Mas, antes, vamos relembrar o significado do termo. O que é participação social?A Constituição Federal (CF) de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, garante o controle social, em que a participação da sociedade nas políticas públicas é promovida por diferentes meios. O Ministério da Cidadania determina como essa participação pode ocorrer dentro das esferas de poder:
Qual a importância da participação social no poder público?O artigo “Movimentos Sociais na Contemporaneidade”, de Maria da Glória Gohn, ressalta que, mesmo após 20 anos de promulgação da CF/88, hoje habitualmente se fala em participação social, o que abre portas para um discurso e ação de democracia participativa, em que há uma maior presença da sociedade civil dentro dos espaços da política institucional. A autora ainda menciona que a representação está enfrentando um período de crise, com mudanças em vários países. Existe uma contradição entre legislações apresentadas por parlamentares, por exemplo, e seus eleitores. Assim como o voto de políticos dado sob propostas legislativas que contradiz a vontade daqueles que os elegeram. A cidadania, que é um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, determinados no artigo 1º da CF/88, compreende os direitos e deveres do indivíduo que vão muito além do exercício do voto e da possibilidade de ser votado. Lucas Kogut, Diretor de Planejamento e Vigilância Social da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Rio Branco do Sul/PR, comentou ao Politize! sobre a importância da sociedade civil exercer sua cidadania, se fazendo presente no poder público, o que fortalece o controle social e as políticas públicas: “Em decorrência da natureza complexa das problemáticas sociais, cada vez mais tais problemáticas têm exigido soluções pautadas na governança e cooperação global, inclusive uma premissa da ONU para atingimento da Agenda 2030. Logo, todos os atores sociais possuem especificidades que, associados aos demais, potencializam e maximizam o seu impacto. Portanto, o trabalho da sociedade civil organizado junto ao poder público é imprescindível, visto que, em decorrência de sua fluidez e dinamismo, possui a capacidade de capilarizar a política pública e levá-la a espaços em que o poder público, em função de sua dimensão e burocracia, não conseguem chegar”. Participação social dentro de movimentos e organizaçõesNos últimos anos, algumas organizações da sociedade civil (OSC) surgiram para aumentar essa participação. O artigo de Gohn, “Movimentos Sociais na Contemporaneidade”, mencionado anteriormente, discorre para além da OSC e fala também sobre os movimentos sociais e o associativismo. A formalidade desses movimentos é algo que vem se consolidando cada vez mais, inclusive a preocupação com a formação dos militantes. A comunicação e a informação são imprescindíveis para a ocorrência desta formalização, fazendo com que a mídia tenha a sua devida importância e seja uma grande associativista. Os sindicatos e o ambiente acadêmico também são figuras reconhecidas no associativismo de maneira fragmentada, ou seja, movimentos que possuem a mesma bandeira podem articular com diferentes setores e o seu funcionamento possuir formas distintas de organização. Portanto, a heterogeneidade é parte dos movimentos e de seus militantes e/ou ativistas, assim como diferentes movimentos cooperam entre si e tornam-se dependentes desta intersecção e união. O associativismo fortaleceu organizações da sociedade civil e não governamentais que, advindas dos movimentos sociais populares, ganharam mais notoriedade, enquanto os próprios movimentos se enfraqueciam, em consequência da transição brasileira: do regime ditatorial para o democrático. As organizações não governamentais (ONGs) passaram a criar sua própria estrutura e foram se distanciando cada vez mais dos movimentos sociais. Novos conceitos e ações surgiram e, a partir disso, há uma institucionalização das práticas e organizações populares. Em entrevista ao Politize!, Larissa Ferracine, voluntária do Elas no Poder, ONG que apoia campanhas femininas, ao preparar e ajudar mulheres a ocupar os espaços de poder políticos, comentou sobre a importância da participação social e o que esta significa para ela: “A participação social é uma das ferramentas de acesso à democracia, em que nós podemos atuar nas causas que mais acreditamos. Para mim, fazer parte desses movimentos é atuar na construção de um país melhor, ver mudanças na ponta e ainda exercer o meu papel de cidadã muito além de dois em dois anos, nas eleições. Na minha vivência, que me traz em espaços de privilégios, mas também em recortes minoritários, vejo que a participação social é o meu caminho para lutar por mais direitos e me tornar mais consciente pelo direito de todos”. Como a participação social é incentivada pelo poder público?Algumas leis corroboram para que a participação social seja estimulada e garantida. A Lei Federal nº 8.142/1990 dispõe sobre a atuação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e dá outras providências. Em 2009, as audiências públicas foram regulamentadas, através da emenda regimental 29/09, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde a sua aprovação naquele ano até 2013 foram realizadas 9 audiências do tipo. Entre tantas outras legislações, devemos destacar a LAI (Lei de Acesso à Informação), Lei nº 12.527, sancionada durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff. Ela regulamenta o acesso por parte dos cidadãos às informações públicas, visando uma maior transparência e fiscalização, sendo um grande passo e conquista para a participação social e para o regime democrático. Ainda durante o mandato da ex-presidenta, foi sancionada a Lei nº 12.965/2014, mais conhecida como “Marco Civil da Internet”, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Haja vista que o mundo virtual é um espaço em crescimento, onde há uma articulação entre organizações, políticos e sociedade, leis que o formalizam impactam o seu uso e a forma que o cidadão se dispõe dele. Além disso, vale mencionar que o Marco Civil foi aprovado para que a liberdade de expressão seja compreendida como um exercício democrático e de cidadania, em que todos devem ter o direito de uso. Ainda, em canais de contato de órgãos fiscalizadores, como do Ministério Público, existem ouvidorias públicas, que possibilitam o envio de denúncias, reclamações, sugestões, para o cidadão exercer seu direito e cidadania, além de poder sanar dúvidas e obter informações sobre o serviço público. Muitos desses projetos tiveram sua redação final e elaboração realizados e pensados junto da sociedade civil, como em audiências públicas promovidas por casas legislativas. Alguns mandatários e iniciativas populares procuram métodos para facilitar a participação da sociedade civil dentro dos mandatos e nas casas legislativas. É o caso do aplicativo “Tem Meu Voto”, em que o cidadão pode selecionar uma figura política de seu interesse e acompanhar a sua jornada na política institucional, além de se posicionar contra ou a favor de um projeto legislativo. A empresa se define como suprapartidária e objetiva o voto consciente e o aumento de interesse pela política. Outros utilizam canais de comunicação para incentivar a participação, além de ser um meio de possibilidade de accountability (prestação de contas), para o eleito divulgar suas proposições protocoladas, fazer seu lobby (defesa de interesse) e obter movimentações estratégicas para acúmulo de capital político e eleitoral. Marcas se unem contra o PL 504/2020Retomando o PL (projeto de lei) 504/2020, apresentado no início do texto, que “proíbe a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado de São Paulo”, de autoria da deputada estadual Marta Costa (PSD), ele é um exemplo de projeto que movimentou a internet – ou seja, de participação social na política. Grandes marcas, como Ambev e Coca-Cola, se posicionaram contra o PL 504/2020, usando hashtags como #NãoAoPL504 e #LGBTNãoÉMáInfluência. As maiores agências de publicidade e propaganda do Brasil também se reuniram contra o projeto, como Africa e AlmapBBDO, que usaram suas redes sociais para marcar sua oposição, assim como diretores executivos destas agências e empresas que usaram contas pessoais para colocar seu ponto de vista sobre o PL. A deputada estadual Erica Malunguinho (PSol), primeira transsexual a ocupar um cargo na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), foi a figura principal de oposição a proposta. A parlamentar fez uma série de publicações em suas redes sociais sobre o projeto e informou seus seguidores sobre a tramitação do mesmo, como um passo-a-passo em que comenta o que acontece após a volta da proposta às Comissões da Alesp, determinada posterior aprovação de emenda de autoria da própria Erica. A emenda contou com o apoio de 32 deputados que receberam e-mails da sociedade civil para se oporem ao PL. Algumas instituições se juntaram e, através de um formulário, disponibilizaram os e-mails dos mandatários da casa legislativa para que, juntos, fizessem uma maior pressão sob os mesmos. A aceitação da emenda reforça o poder que a participação social, presencial e virtual, tem no poder público, além de evidenciar a potência da comunicação, que possibilitou a ampliação da discussão por diferentes lugares do país, tomando uma grande proporção. “Toda a campanha que iniciamos no meu gabinete na Alesp contra o PL 504/2020, que associa a população LGBTI+ como “influência inadequada” para crianças, está sendo realizada não só em articulação com muitas figuras públicas, parlamentares, empresas, mas também e essencialmente com muitas organizações e movimentos sociais. Estamos todes com um objetivo em comum: derrubar o PL 504, pois ele representa uma desagregação para a humanidade. A repercussão deste projeto só foi possível porque temos COTIDIANAMENTE denunciado juntes a LGBTfobia da Alesp”, destacou Erica em suas redes sociais. Erica Malunguinho é um exemplo de como os políticos podem utilizar diferentes canais para educar, organizar e estimular os cidadãos a se interessarem e participarem ativamente da política. Leia também: LGBTfobia e os desafios da população LGBTQIAP+ Como participar e ser um cidadão mais ativo no poder público?
REFERÊNCIAS Alesp: PL 504/2020 Época e Negócios: Grandes Marcas contra o PL 504/2020 CLP: Participação social e gestão pública Gazeta do Povo: Crise da democracia Instagram: Erica Malunguinho Instagram: Publicação de Erica Malunguinho Ministério da Cidadania: Informe 13 Pensador: Platão Pensando o Direito: Marco Civil – participação social Planalto: Constituição Federal 1988 Planalto: Lei nº 12.527/2011 Planalto: Lei nº 12.965/2014 Planalto: Lei nº 8.142/1990 Propmark: Alesp aprova emenda para o PL 504/2020 Scielo: Movimentos Sociais na Contemporaneidade Senado Federal: Processo Legislativo – Participação Popular STF: Audiências Públicas Tem Meu Voto Já conhece nosso canal no Youtube?
Qual a relação da participação social e a Constituição Federal de 1988?O direito à participação na gestão da assistência social
Com a Constituição de 1988, a assistência social adquiriu o caráter constitucional de política pública no âmbito da Seguridade Social. Passou a ser um direito para todos aqueles que dela necessitam, e não uma benemerência do Estado ou da sociedade.
Qual foi a participação popular na elaboração da Constituição de 1988?A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 propiciou uma oportunidade inédita de participação política ao povo brasileiro. Em nenhuma das constituições brasileiras anteriores houve a participação do povo como na elaboração da Constituição de 1988.
Qual a importância da participação popular na Assembleia Constituinte de 1987A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 contou com a participação cidadã ativa dos brasileiros, que por meio das emendas populares apresentadas, contribuíram para o texto constitucional promulgado.
Qual e a importância dos movimentos sociais para a elaboração da Constituição de 1988?Vários movimentos sociais contribuíram para a elaboração da Constituição de 1988, dentre esses, merece destaque a luta pela direito à educação, pois é notório o papel fundamental exercido por esta na reconstrução da cidadania.
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