Por Stephanie Kim Abe Show
Uma das muitas ações realizadas pelas redes de ensino nos últimos dois anos, por conta da pandemia, foram formações para que as(os) profissionais de educação pudessem trabalhar no ambiente remoto. No começo de 2021, a Pesquisa Undime sobre Volta às Aulas, que teve a participação de cerca de 3,6 mil municípios (66,9% do total de cidades brasileiras), indicava que aproximadamente metade das redes municipais ofereceram formação docente ao longo de 2020, primeiro ano da pandemia no Brasil – sendo essa realidade mais frequente em municípios de maior porte. Os temas mais abordados nessas formações fora segurança sanitária (77,9%) e as tecnologias para educação não presencial (74,1%), mas outros também aparecem como foco, como indica o gráfico a seguir: Fonte: Pesquisa Undime sobre Volta às Aulas, realizada com cerca de 3,6 mil municípios – jan e fev 2021Em julho de 2021, o estudo constatou que a formação docente era uma alta prioridade entre as ações implementadas para apoiar as escolas nas atividades não presenciais para 49,4% das redes respondentes. No entanto, passado esse período, a formação docente não tem ficado entre as principais ações realizadas pelas secretarias de educação para apoiar as escolas na oferta de ensino, como constataram as pesquisas subsequentes, de novembro de 2021 e março de 2022: Fonte: Pesquisa Undime educação na pandemia, realizada com cerca de 2,8 mil municípios – out e nov 2021Fonte: Pesquisa Undime educação na pandemia, realizada com cerca de 3,3 mil municípios – fev e mar 2022Com a retomada das aulas presenciais e o fim do ensino remoto em grande parte do país, é esperado que as demandas das(os) educadoras(es) para lidar com os impactos que a pandemia causou na aprendizagem de crianças, adolescentes e jovens mudem. Consequentemente, as formações também devem se adaptar a esse novo cenário para melhor contemplar essas demandas. Confira o que se fala sobre recuperação da aprendizagemNesse sentido, várias dúvidas podem surgir para aquelas(es) que pensam esses programas: qual deve ser o foco atual da formação continuada? O que priorizar? Como fazer esse planejamento? O que levar em consideração nesse processo? Essas são algumas das questões que abordamos a seguir. Formação continuada na pandemiaNão foi à toa que a tecnologia apareceu em segundo lugar como tema abordado pelas formações continuadas realizadas pelas redes de ensino em 2020. Num contexto emergencial, em que as escolas estavam fechadas, a forma que muitas redes encontraram de manter o vínculo com as(os) estudantes foi lançando mão de ferramentas e plataformas on-line, acessadas por celulares ou computadores. O foco no primeiro momento foi, portanto, orientar e preparar educadoras(es) para trabalhar com esses novos recursos, em detrimento de outros importantes assuntos que também deveriam ser discutidos no contexto de ensino mediado por tecnologias, como explica Maria Alice Carraturi, membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo: Foto: acervo pessoal
Nesse sentido, houve tanto uma busca individual de educadoras(es) por cursos on-line e protocolos sobre como trabalhar com determinados programas, como formações curtas oferecidas pelas redes de ensino às(aos) suas(seus) profissionais de educação. Veja todo o conteúdo sobre #EducaçãonaPandemiaO que não houve foi planejamento em longo prazo, como pontua Maria Amabile Mansutti, consultora do Cenpec: Foto: acervo pessoal
Um histórico de pouca prática e reflexãoA falta de planejamento e de reflexão nas formações continuadas não são, infelizmente, uma exclusividade do período pandêmico. “Antes da pandemia, tínhamos tanto cursos de curta duração quanto os programas de formação continuada, mais em longo prazo, em que se busca desenvolver certas habilidades nas(os) docentes e fazer um estudo mais profundo com consistência teórica para então aplicar na prática”, explica Amabile. Mas o fato de terem sido um pouco mais práticas, no sentido de ensinar sobre como trabalhar com determinadas ferramentas digitais, diferenciou um pouco as formações continuadas da pandemia do que acontecia historicamente no país. Como explica Maria Alice Carraturi:
As demandas da pós-pandemiaHoje, encontramos na sala de aula os efeitos de dois anos de ensino remoto, que retorna ao presencial aos poucos e aos trancos e barrancos: alta evasão escolar, déficit e diferentes níveis de aprendizagem, emoções à flor da pele, novas tecnologias. É a partir desses tópicos que conseguimos dimensionar as responsabilidades e ações que as(os) docentes precisam pensar atualmente para garantir o direito à educação de suas(seus) estudantes. Com a ajuda da escola, elas(os) precisam desde fazer uma busca ativa das(os) estudantes que estão fora da escola até pensar formas de flexibilizar o currículo e trabalhar com níveis de aprendizagens diversos em uma mesma turma:
Saiba mais sobre as possibilidades de flexibilização curricularPara Maria Alice Carraturi, a questão tecnológica também veio para ficar e, ainda que o ensino remoto esteja ficando para trás, deve continuar presente, cada vez mais, nas práticas pedagógicas docentes. Assim, é preciso não só garantir acesso a equipamentos e conectividade a educadoras(es) e alunas(os), como também repensar e refletir sobre o uso e espaço que vamos dar às novas tecnologias na sala de aula.
Saiba mais sobre os cuidados com a regulamentação da aprendizagem híbridaHabilidades para desenvolver com as(os) docentesPráticas como fazer avaliação diagnóstica e lidar com diferentes níveis de aprendizagem já estavam postas para as(os) professoras(es) antes da pandemia. A diferença é que elas não estavam tão críticas e não eram tão trabalhadas – como devem ser atualmente, para garantir a aprendizagem de todas e todos. Para Bárbara Born, coordenadora de pesquisa do Instituto Singularidades, habilidades importantes nesse cenário complexo são aquelas(es) que conseguem unir eficiência e inovação – que ela chama, resgatando da literatura das pesquisas acadêmicas sobre o assunto, de “expert adaptativo”. “Eficiência” no sentido de conseguir mobilizar os seus diversos conhecimentos (sobre as disciplinas, sobre os conhecimentos prévios dos estudantes, sobre o currículo oficial, sobre práticas pedagógicas diversas etc), e “inovação” no sentido de saber utilizar isso da melhor forma para sua realidade, sua sala de aula. A especialista explicou o conceito durante o painel “Planejando formações continuadas que fortaleçam as práticas docentes no contexto pós-pandêmico”, realizado em março pelo Instituto Singularidades, em parceria com o escritório brasileiro do David Rockefeller Center for Latin American Studies da Universidade de Harvard: Foto: acervo pessoal
Confira abaixo o painel, que também contou com a participação da professora da Escola de Educação da Universidade de Connecticut Kathleen Lynch. Ela falou sobre a sua pesquisa com foco em políticas educacionais que fortaleçam as aprendizagens de estudantes em situação de vulnerabilidade, particularmente na área de Ciências, Matemática e Tecnologias (STEM).
A formação continuada que precisamosO objetivo principal da formação continuada deve ser o desenvolvimento da própria autonomia das(os) profissionais. “A formação precisa ajudar a construir um novo perfil, em que as(os) professoras(es) se vejam e se reconheçam nas suas competências e acumulem saberes. Elas(es) devem ganhar mais autonomia pedagógica e didática”, lembra Amabile. Para isso, é possível realizar formações com diferentes estratégias e conteúdos, sendo alguns mais efetivos que outros.
É por isso que garantir a participação coletiva e criar ambientes colaborativos nas formações continuadas são algumas dessas estratégias que se mostram mais efetivas, em termos de causarem mais impacto na aprendizagem das(os) estudantes.
Se a reflexão entre os pares é essencial e as(os) estudantes precisam estar no centro do processo formativo, o melhor espaço onde realizá-la é na escola.
As especialistas também chamam atenção para a necessidade de planejar os programas de formação em médio e longo prazo, rompendo com a atual visão de curto prazo e urgência com que as secretarias de educação ainda têm trabalhado. Também destacam a necessidade de superar a fragmentação, ou seja, de garantir que os cursos (sejam eles de curto, médio e longo prazo) estejam conectados entre si e façam parte de um programa de formação maior. “As formações precisam conectar currículo com tecnologias e desenvolvimento profissional”, complementa Maria Alice Carraturi. Formação sistêmica: o modelo que o Cenpec põe em práticaÉ pensando no melhor modelo que o Cenpec tem trabalhado com uma formação de forma sistêmica com secretarias municipais de educação:
O modelo foi inspirado no trabalho da especialista em alfabetização Magda Soares, no projeto Alfaletrar, realizado em parceria com a secretaria municipal de educação de Lagoa Santa (MG) há 15 anos. “Ela chama de formação de rede, porque todas(os) as(os) professoras(es) se formam juntas(os). E um grande efeito dela é ampliar o capital profissional da rede toda ao mesmo tempo”, explica Amabile. O modelo de formação sistêmica foi colocado em prática no projeto Letra Viva Alfabetiza, que ocorreu em 2019, em cinco municípios do Vale do Ribeira (SP) e em Varginha, município do norte de Minas Gerais. Leia mais sobre a experiência de Itaóca, que fez parte do projeto Letra Viva Alfabetiza, na alfabetização das(os) estudantesA ideia foi aliar a formação presencial e à distância, para que ambos se complementem em um processo permanente na trajetória docente, promovendo assim o seu desenvolvimento profissional. Foram realizadas 320 horas de curso a distância para professoras(es) alfabetizadoras(es), ao longo de dois anos, envolvendo também a coordenação pedagógica, a gestão escolar e a equipe da gestão educacional.
O modelo sistêmico também garante a avaliação entre os pares e prioriza o que pode ser realizado no chão da escola, sem perder de vista as potencialidades da tecnologia e dos cursos a distância. A avaliação sobre a sua eficácia é averiguada por meio da análise do impacto da formação na evolução das(os) estudantes na alfabetização, por meio de instrumentos próprios de monitoramento e acompanhamento da aprendizagem. “Não avaliamos o programa de formação em si, e sim os efeitos que ele tem nos resultados de desempenho das(os) estudantes – que é o que importa”, diz Amabile. Planejamento e possibilidadesA realidade das formações fragmentadas e individualizadas por todo o país decorre da falta de uma política de formação continuada para professoras e professores. Não é que não haja ações de formação, mas elas não se articulam em uma política. A criação do Sistema Nacional de Educação (SNE) pode ser determinante nessa questão, já que prevê a articulação entre os entes federados, o que poderia ajudar no diálogo entre eles para a pensar uma política nacional de formação continuada.
Fique por dentro do SNENa expectativa de que essa política seja aprovada, homologada e implementada, os estados e municípios vão trabalhando com o que podem e conhecem. A conselheira Maria Alice Carraturi acredita que muitas experiências de outros países podem servir de inspiração para o planejamento de formação continuada das redes – principalmente no que concerne a reflexão sobre a prática:
Para planejar as ações de modo eficaz, é necessário, antes de mais nada, conhecer a própria rede, garantindo assim que possa ser possível criar cursos e programas mais personalizados, que tenham níveis e que atendam melhor as demandas das(os) professoras(es) e, consequentemente, de suas(seus) estudantes. Para a conselheira, essa é uma etapa do processo importantíssima – mas ainda pouco considerada:
No seminário do Instituto Singulares, Bárbara Born também traz à tona pontos importantes a serem pensados no planejamento pelas redes de ensino. Ela reforça a ideia da personalização, de que o modelo único de formação continuada não apoia o desenvolvimento docente; aborda a importância de considerar os conhecimentos prévios das(os) professoras(es) para construir as experiências formativas; e alerta para a necessidade de tempo de dedicação das(os) profissionais para a formação continuada. “Formação continuada tem que ser projeto político”, diz. BNC Formação Continuada na Prática: conheça o documento Para ter mais relatos de experiências internacionais para se inspirar, a leitura do documento BNC Formação Continuada na Prática: Implementando processos formativos a partir de referenciais profissionais pode ser uma boa sugestão. Produzido pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional de Dirigentes Municipais (Undime) e, com a parceria do Profissão Docente e apoio técnico da Fundação Carlos Chagas, e lançado em novembro de 2021, ele apresenta um conjunto de sugestões e recomendações para apoiar as redes estaduais e municipais do Brasil a adotar referenciais profissionais docentes para orientar suas iniciativas de formação continuada a partir da Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada ou BNC-FC). Acesse o documento completo. Veja também
Qual o impacto da formação continuada?A formação continuada deve ser encarada como uma ferramenta que auxilia os educadores no processo de ensino e aprendizagem de seus alunos, na busca de novos conhecimentos teórico- metodológicos para o desenvolvimento profissional e a transformação de suas práticas pedagógicas.
Qual a importância da formação continuada na educação infantil?Na Educação Infantil, a formação continuada de professores é essencial para que os profissionais se atualizem e compreendam em mais profundidade como ajudar os pequenos a se relacionarem com outras pessoas, adquiram conhecimentos diferentes daqueles vivenciados dentro do ambiente familiar, experimentem a ludicidade e ...
Qual a importância da formação inicial e continuada para o bom desenvolvimento das práticas pedagógicas?A formação continuada de professores possibilita a atualização de conhecimentos, troca de experiências profissionais e docentes aprimorando o fazer docente, entre outros.
Qual a importância da formação continuada para a prática pedagógica atual?A formação continuada de professores é uma forma de assegurar a atuação de profissionais mais preparados e capacitados dentro das salas de aula. Dessa forma, ela garante uma educação de qualidade para os seus alunos e, consequentemente, a comunidade na qual a escola está inserida.
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