Que características estabelecem a diferença entre a indústria moderna e o artesanato?

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REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Artesanato Manufatura Fábrica Indústria

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO, p. 4 1a PARTE ARTESANATO COOPERAÇÃO SIMPLES (NA OFICINA) MANUFATURA (NA OFICINA) Cooperação, p. 6 Vantagens econômicas do emprego simultâneo de grande número de trabalhadores, mesmo não se alterando o método de trabalho, ou seja, método de trabalho artesanal, p. 6 Força de Trabalho Individual e Força de Trabalho Coletiva, p. 8 Cooperação Simples, p. 8 A hierarquia decorrente do desenvolvimento da Cooperação, p. 10 A força produtiva do trabalho coletivo não custa nada para o capitalista, e – na aparência – tal força parece ser força produtiva natural e imanente do Capital, mas – na essência – não é, p. 12 Dupla origem da Manufatura, p. 13 O Trabalhador Parcial e sua ferramenta, p. 18 A imobilidade do trabalhador o faz mais produtivo, p. 19 A Manufatura cria as condições para a grande indústria baseada na maquinaria, p. 19 O Papel da maquinaria no período manufatureiro, p. 20 A manufatura desvaloriza o trabalho tornando-o mais barato, p. 21 O espírito burguês sobre a planificação da economia, p. 21 A luta entre as corporações e as manufaturas, p. 22 A diferença entre Cooperação Simples e Manufatura, p. 23 Consequências da manufatura para os trabalhadores, p. 23 Conclusão, p. 25 Página 2 de 53

2a PARTE FÁBRICA – O DOMÍNIO DAS MÁQUINAS A MAQUINARIA E A INDÚSTRIA MODERNA DESENVOLVIMENTO DA MAQUINARIA Introdução, p. 26 A cooperação de muitas máquinas da mesma espécie, p. 32 O sistema de máquinas, p. 34 A propagação do novo modo de produção, p. 37 Conseqüências imediatas da produção mecanizada sobre o trabalhador, p. 39 Apropriação pelo capital das forças de trabalho suplementares. O trabalho das mulheres e das crianças, p. 39 Prolongamento da jornada de trabalho, p. 41 A fábrica, p. 47 _______________ CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 50

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APRESENTAÇÃO

Um dos objetivos do presente trabalho é destacar e discutir um equívoco muito recorrente nos livros didáticos quando tratam da Revolução Industrial. Em geral, informam que tal revolução só foi possível com o surgimento da máquina a vapor. Assim, uma vez inventada a máquina a vapor, e uma vez utilizada na produção de mercadorias, todo um processo complexo de transformações econômicas, políticas e ideológicas entra em curso. Veremos, no decorrer do texto – e dos debates – algumas conseqüências teóricas desta simplificação grosseira. Uma outra deficiência importante que o presente texto procura sanar é a abordagem superficial, tangenciada do mundo do trabalho. Em qualquer época e lugar, a investigação sobre o modo como as pessoas se relacionam para a produção da vida em sociedade é fundamental, básica, o ponto de partida para a compreensão multifacetada desta época e lugar. Mas de todos os processos histórico-universais, se assim podemos nos expressar, é a Revolução Industrial o mais profundo, radical, o processo que mais modificou, subverteu, revolucionou o mundo do trabalho, o mundo dos trabalhadores. Nestas condições, negligenciar as transformações operadas no mundo do trabalho, no qual reside a gênese do novo modo de produção, o capitalismo, é economizar tempo de estudo em detrimento de uma compreensão correta de todo este processo histórico. A Revolução Industrial foi cruel, desumana, essencialmente violenta e brutal, desde o início; violência e brutalidade operada no local mesmo do trabalho: a manufatura, a fábrica. Desumanidades no emprego das máquinas sob o comando da burguesia. É impossível, portanto, compreendermos a Revolução Industrial sem visitarmos as manufaturas, as fábricas, o mundo do trabalho – do campo e da cidade – daquela época. É justamente das alterações nas relações de produção até então vigentes que nasce o proletariado, a classe operária, que se extingue o servo, o senhor feudal, que surge o burguês, o capitalista, a disputa internacional por mercados, e depois o imperialismo, as guerras imperialistas, etc. etc. etc. A Revolução Industrial mudou o mundo definitivamente, e tal Página 4 de 53

mudança começa inicialmente no mundo do trabalho, para aí sim, espraiar-se nas suas configurações sociais, político-militares e ideológicas. A sua gênese é de natureza sobretudo econômica, daí a escolha do autor Karl Marx, quem mais estudou todo esse processo econômico-social na sua forma mais pura, mais essencial. Dada a complexidade do texto, não se destina à leitura autodidata, salvo para aqueles que já possuam alguma noção de economia política. Na verdade, o que apresento aqui é uma seleção de alguns trechos do Livro 1 – Volume 1 – O Processo de Produção do Capital da obra de Marx intitulada O Capital – Crítica da Economia Política, 1a edição (1867). O trecho completo, sem cortes, será disponibilizado oportunamente. Os títulos em itálico são do próprio Marx, e os grifos em itálico e em negrito são meus. Os enxertos de minha autoria são os que estão entre os sinais “[...]”. Os esquemas foram feitos para visualizar trechos mais complexos. Espero que o presente trabalho seja útil como material “de aquecimento” para futuros aprofundamentos sobre o modo de produção capitalista, sua economia, sua política, sua ideologia, sua natureza desumana, autodestrutiva e guerreira.

Evandro de Oliveira Machado. Em 28 de junho de 2010.

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ARTESANATO COOPERAÇÃO SIMPLES (OFICINA) MANUFATURA (OFICINA) COOPERAÇÃO A atuação simultânea de grande número de trabalhadores, no mesmo local, ou, se se quiser, no mesmo campo de atividade, para produzir a mesma espécie de mercadoria sob o comando do mesmo capitalista constitui, histórica e logicamente, o ponto de partida da produção capitalista. Nos seus começos, a manufatura quase não se distingue, do ponto de vista do modo de produção, do artesanato das corporações, a não ser através do número maior de trabalhadores simultaneamente ocupados pelo mesmo capital. Amplia-se apenas a oficina do mestre artesão. De início, a diferença é puramente quantitativa.

1 – VANTAGENS ECONÔMICAS DO EMPREGO SIMULTÂNEO DE GRANDE

NÚMERO

DE

TRABALHADORES,

MESMO

NÃO

SE

ALTERANDO O MÉTODO DE TRABALHO, OU SEJA, MÉTODO DE TRABALHO ARTESANAL

Mesmo não se alterando o método de trabalho, o emprego simultâneo de grande número de trabalhadores opera uma revolução nas condições materiais do processo de trabalho. Construções onde muitos trabalham, depósitos para matéria-prima etc., recipientes, instrumentos, aparelhos etc. que servem a muitos simultânea ou alternadamente, em suma, uma parte dos meios de produção é agora utilizada em comum no processo de trabalho. O valor-de-troca das mercadorias e portanto dos meios de produção não aumenta em virtude de maior exploração de seu valor-de-uso. Aumenta a escala dos meios de produção utilizados em comum. Um local onde trabalham 20 tecelões com 20 teares deve ser bem maior do que o local ocupado por um tecelão independente com dois Página 6 de 53

companheiros. Mas, custa menos trabalho construir uma oficina para 20 pessoas do que 10 oficinas, cada uma com capacidade para 2 pessoas, e assim o valor dos meios de produção concentrados para uso em comum e em larga escala não cresce na proporção em que aumenta seu tamanho e seu efeito útil. Meios de produção utilizados em comum cedem porção menor de valor a cada produto isolado, seja porque o valor total que transferem se reparte simultaneamente por quantidade maior de produtos, seja porque, em comparação com os meios de produção isolados, entram no processo de produção, em virtude de sua maior eficácia, com valor relativo menor, embora representem valor absoluto maior. Por isso, diminui a porção de valor do capital constante que se transfere a cada produto isolado e na proporção dessa queda cai o valor global da mercadoria. O efeito é o mesmo que ocorreria se os meios de produção da mercadoria fossem produzidos mais baratos. Essa economia no emprego dos meios de produção decorre apenas de sua utilização em comum no processo de trabalho de muitos. E esses meios adquirem esse caráter de condições do trabalho social ou condições sociais do trabalho em comparação com os meios de produção esparsos e relativamente custosos de trabalhadores autônomos isolados ou de pequenos patrões, mesmo quando os numerosos trabalhadores reunidos não se ajudam reciprocamente, mas apenas trabalham no mesmo local. Uma parte do instrumental ou dos meios de trabalho adquire esse caráter social antes que o processo de trabalho o conquiste. [Assim, os que concentram meios de produção, mesmo apenas mantendo artesãos juntos no mesmo local de trabalho, derrotam os artesãos independentes ou os pequenos patrões]. A economia dos meios de produção tem de ser considerada sob dois aspectos. Primeiro, barateia as mercadorias, reduzindo desse modo o valor da força de trabalho. Segundo, altera a relação entre mais valia e capital total adiantado, isto é, a soma de suas partes constante e variável. Chama-se cooperação a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos.

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FORÇA DE TRABALHO INDIVIDUAL E FORÇA DE TRABALHO COLETIVA

O poder de ataque de um esquadrão de cavalaria ou o poder de resistência de um regimento de infantaria difere essencialmente da soma das forças individuais de cada cavalariano ou de cada infante. Do mesmo modo, a soma das forças mecânicas dos trabalhadores isolados difere da força social que se desenvolve quando muitas mãos agem simultaneamente na mesma operação indivisa, por exemplo, quando é mister levantar uma carga, fazer girar uma pesada manivela ou remover um obstáculo. O efeito do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo trabalho individual, e só o seria [nos casos em que isto fosse possível] num espaço de tempo muito mais longo ou numa escala muito reduzida. Não se trata aqui da elevação da força produtiva individual através da cooperação, mas da criação de uma força produtiva nova, a saber, a força coletiva [a força produtiva coletiva não é a mera soma das forças produtivas individuais. É uma força produtiva de novo tipo.] Pondo de lado a nova potência que surge da fusão de muitas forças numa força comum, o simples contato social, na maioria dos trabalhos produtivos, provoca emulação entre os participantes, animando-os e estimulando-os, o que aumenta a capacidade de realização de cada um, de modo que uma dúzia de pessoas, no mesmo dia de trabalho de 144 horas, produz um produto global muito maior do que 12 trabalhadores isolados, dos quais cada um trabalha 12 horas, ou do que um trabalhador que trabalhe 12 dias consecutivos. É que o homem, um animal político segundo Aristóteles, é por natureza um animal social.

COOPERAÇÃO SIMPLES Embora realizem simultaneamente e em conjunto o mesmo trabalho ou a mesma espécie de trabalho, podem os trabalhos individuais representar, como partes do trabalho total, diferentes fases do processo de trabalho, percorridas mais rapidamente pelo objeto de trabalho em virtude da cooperação. Se pedreiros, por exemplo, formam uma fila para levar tijolos do pé ao alto do Página 8 de 53

andaime, cada um deles faz a mesma coisa, mas seus atos individuais constituem partes integrantes de uma operação conjunta, fases especiais que cada tijolo tem de percorrer no processo de trabalho, e os 24 braços do trabalhador coletivo, supondo que sejam 12 os trabalhadores, transportam-no mais rapidamente do que os mesmos 12 trabalhadores, se cada um, isoladamente, com seus dois braços subisse e descesse o andaime. O objeto de trabalho [o tijolo] percorre, assim, o mesmo espaço em menos tempo. Também ocorre a combinação de trabalho quando uma construção, por exemplo, é atacada ao mesmo tempo de vários lados, embora os trabalhadores que cooperam realizem a mesma tarefa ou tarefas da mesma espécie. O dia de trabalho combinado de 144 horas que ataca o objeto de trabalho de diversos lados faz avançar a produção total mais rapidamente do que 12 dias de trabalho de 12 horas, realizados por um trabalhador isolado. É que o trabalhador coletivo tem olhos e mãos em todas as direções e possui, dentro de certo limite, o dom da ubiqüidade [onipresença]. Concluem-se ao mesmo tempo diversas partes do produto que estão separadas no espaço. Quando os trabalhadores se completam mutuamente fazendo a mesma tarefa ou tarefas da mesma espécie, temos a cooperação simples. Acentuamo-la porque ela desempenha importante papel mesmo no estágio mais desenvolvido da cooperação. Se o processo de trabalho é complicado, a simples existência de um certo número de cooperadores permite repartir as diferentes operações entre os diferentes trabalhadores, de modo a serem executados simultaneamente, encurtando-se assim o tempo de trabalho necessário para a conclusão de todas as tarefas. Comparando-se com uma soma igual de jornadas de trabalho individuais, isoladas, a jornada de trabalho coletiva produz maiores quantidades de valorde-uso e reduz por isso o tempo de trabalho necessário para a produção de determinado efeito útil. A jornada coletiva tem essa maior produtividade ou por ter elevado a potência mecânica do trabalho, ou por ter ampliado o espaço em que atua o trabalho, ou por ter reduzido esse espaço em relação à escala da produção, Página 9 de 53

ou por mobilizar muito trabalho no momento crítico, ou por despertar a emulação entre os indivíduos e animá-los, ou por imprimir às tarefas semelhantes de muitos o cunho da continuidade e da multiformidade, ou por realizar diversas operações ao mesmo tempo, ou por poupar os meios de produção em virtude do seu uso em comum, ou por emprestar ao trabalho individual o caráter de trabalho social médio. Em todos os casos, a produtividade específica da jornada de trabalho coletiva é a força produtiva social do trabalho ou a força produtiva do trabalho social. Ela tem sua origem na própria cooperação. Ao cooperar com outros de acordo com um plano, desfaz-se o trabalhador dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua espécie.

A HIERARQUIA DECORRENTE DO DESENVOLVIMENTO DA COOPERAÇÃO

Com a cooperação de muitos assalariados, o domínio do capital torna-se uma exigência para a execução do próprio processo de trabalho, uma condição necessária da produção. O comando do capitalista no campo da produção tornase então tão necessário quanto o comando de um general no campo de batalha. Todo trabalho diretamente social ou coletivo, executado em grande escala, exige com maior ou menor intensidade uma direção que harmonize as atividades individuais e preencha as funções gerais ligadas ao movimento de todo o organismo produtivo, que difere do movimento de seus órgãos isoladamente considerados. Um violonista isolado comanda a si mesmo, uma orquestra exige um maestro. Essa função de dirigir, superintender e mediar assume-a o capital logo que o trabalho a ele subordinado se torna cooperativo. Antes de tudo, o motivo que impele e o objetivo que determina o processo de produção capitalista é a maior expansão possível do próprio capital, isto é, a maior produção possível de mais valia, portanto, a maior exploração possível Página 10 de 53

da força de trabalho. Com a quantidade dos trabalhadores simultaneamente empregados cresce sua resistência e com ela, necessariamente, a pressão do capital para dominar essa resistência. A direção exercida pelo capitalista não é apenas uma função especial, derivada da natureza do processo de trabalho social e peculiar a esse processo; além disso, ela se destina a explorar um processo de trabalho social, e, por isso, tem por condição o antagonismo inevitável entre o explorador e a matéria-prima de sua exploração [a força de trabalho]. Com o volume dos meios de produção que se põem diante do trabalhador como propriedade alheia, cresce a necessidade de controlar adequadamente a aplicação desses meios. Além disso, a cooperação dos assalariados é levada a efeito apenas pelo capital que os emprega simultaneamente. A conexão entre as funções que exercem e a unidade que formam no organismo produtivo estão fora deles, no capital que os põe juntos e os mantém juntos. A conexão entre seus trabalhos aparece-lhes idealmente como plano, e praticamente como autoridade do capitalista, como o poder de uma vontade alheia que subordina a um objetivo próprio a ação dos assalariados. Se a direção capitalista é dúplice em seu conteúdo, em virtude da dupla natureza do processo de produção a dirigir que, ao mesmo tempo, é processo de trabalho social para produzir um produto e processo de produzir mais valia – ela é, quanto à forma, despótica. À medida que a cooperação amplia sua escala, esse despotismo assume formas peculiares. De início, o capitalista em germe libertase do trabalho manual quando seu capital atinge aquela magnitude mínima em que começa a produção capitalista propriamente dita. Com o desenvolvimento, o capitalista se desfaz da função de supervisão direta e contínua dos trabalhadores isolados e dos grupos de trabalhadores, entregando-a a um tipo especial de assalariados. Do mesmo modo que um exército, a massa de trabalhadores que trabalha em conjunto sob o comando do mesmo capital precisa de oficiais superiores (dirigentes, gerentes) e suboficiais (contramestres, inspetores, capatazes, feitores), que, durante o processo de trabalho, comandam em nome do capital. O trabalho de supervisão torna-se sua função exclusiva.

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A FORÇA PRODUTIVA DO TRABALHO COLETIVO NÃO CUSTA NADA PARA O CAPITALISTA, E – NA APARÊNCIA – TAL FORÇA PARECE SER FORÇA PRODUTIVA NATURAL E IMANENTE DO CAPITAL, MAS – NA ESSÊNCIA – NÃO É. O trabalhador é proprietário de sua força de trabalho quando a mercadeja; e só pode vender o que possui, sua força de trabalho individual, isolada. Essa condição não se altera por comprar o capitalista 100 forças de trabalho em vez de uma ou por concluir contratos com 100 trabalhadores independentes entre si e não com um apenas. Ele pode utilizar os 100 trabalhadores sem submetê-los a um regime de cooperação. O capitalista paga a cada um dos 100 o valor da sua força de trabalho independente, mas não paga a força combinada dos 100. Sendo pessoas independentes, os trabalhadores são indivíduos isolados que entram em relação com o capital, mas não entre si. Sua cooperação só começa no processo de trabalho, mas depois de entrar neste, deixam de pertencer a si mesmos. Incorporam-se então ao capital [como capital variável]. Quando cooperam, ao serem membros de um organismo que trabalha, representam apenas uma forma especial de existência do capital. Por isso, a força produtiva que o trabalhador desenvolve como trabalhador social é a produtividade do capital. A força produtiva do trabalho coletivo desenvolve-se gratuitamente quando os trabalhadores são colocados em determinadas condições, e o capital coloca-os nessas condições. Nada custando ao capital a força produtiva do trabalho coletivo, não sendo ela por outro lado desenvolvida pelo trabalhador antes de seu trabalho pertencer ao capital, fica parecendo que ela é força produtiva natural e imanente do capital. Se a força produtiva social desenvolvida pela cooperação aparece como força produtiva do capital, a cooperação aparece como forma específica do processo de produção capitalista, em contraste com o processo de produção de trabalhadores isolados independentes ou mesmo dos pequenos patrões. A transformação que torna cooperativo o processo de trabalho é a primeira [transformação] que esse processo [o processo de trabalho] experimenta

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realmente ao subordinar-se ao capital. [Dito de outra forma, o processo de trabalho, ao subordinar-se ao capital, transforma-se em trabalho cooperativo, espécie de trabalho mais produtivo do que as espécies anteriores]. Essa transformação se opera naturalmente. Seu pressuposto, emprego simultâneo de numerosos assalariados ao mesmo processo de trabalho, constitui o ponto de partida da produção capitalista. Esse ponto de partida marca a existência do próprio capital. Se o modo de produção capitalista se apresenta como necessidade histórica de transformar o processo de trabalho num processo social, essa forma social do processo de trabalho se revela um método empregado pelo capital para ampliar a força produtiva do trabalho e daí tirar mais lucro. A cooperação é a forma fundamental do modo de produção capitalista. Na sua feição simples constituí o germe de espécies mais desenvolvidas de cooperação, e continua a existir ao lado delas.

DUPLA ORIGEM DA MANUFATURA Obs.: a manufatura é um estágio qualitativamente superior à cooperação simples, e nasce dela.

A cooperação fundada na divisão do trabalho adquire sua forma clássica na manufatura. Predomina como forma característica do processo de produção capitalista durante o período manufatureiro propriamente dito, que, grosso modo, vai de meados do século XVI ao último terço do século XVIII. A manufatura se origina de dois modos: 1 – DA COMBINAÇÃO DE OFÍCIOS INDEPENDENTES OFICINA

Matériasprimas

Artífice 1 Carpinteiro

Artífice 2 Estofador

Artífice 3 Pintor Carruagens

FASE 1

FASE 2

FASE 3

COOPERAÇÃO SIMPLES Combinação de ofícios independentes Página 13 de 53

A manufatura nasce quando são concentrados numa oficina [OFICINA NÃO É A MESMA COISA QUE FÁBRICA, como veremos adiante], sob o comando

do

mesmo

capitalista,

trabalhadores

de

ofícios

diversos

e

independentes, por cujas mãos tem de passar um produto até seu acabamento final. Uma carruagem, por exemplo, era o produto global dos trabalhos de numerosos artífices independentes, como o carpinteiro de seges, o estofador, o costureiro, o serralheiro, o correeiro, o torneiro, o passamaneiro, o vidraceiro, o pintor, o envernizador, o dourador etc. A manufatura de carruagens reúne todos esses diferentes artífices numa oficina onde trabalham simultaneamente em colaboração. Não se pode dourar uma carruagem antes de ela ser feita. Se, porém, muitas carruagens são feitas ao mesmo tempo, umas podem ser douradas enquanto outras estão noutra fase do processo de produção. Até aí estamos no domínio da cooperação simples que encontra, pronto e acabado, seu material constituído por homens e coisas. Mas, logo sucede uma modificação substancial. O costureiro, o serralheiro, o correeiro, etc. que se ocupam apenas com a feitura de carruagens, perdem pouco a pouco, com o costume, a capacidade de exercer seu antigo ofício em toda a extensão. [Por exemplo, o carpinteiro, com o costume de só fazer carruagens, vai perdendo a capacidade de, por exemplo, fazer uma casa. Vai se especializando, se bitolando numa só parte de todo o seu ofício de carpinteiro. Já não será mais um carpinteiro, mas tãosomente um carpinteiro de carruagens.] Além disso, sua atividade especializada assume a forma mais apropriada a essa esfera restrita. No início, a manufatura de carruagens era uma combinação de ofícios independentes. Progressivamente, ela se transforma num sistema que divide a produção de carruagens em suas diversas operações especializadas; cada operação se cristaliza em função exclusiva de um trabalhador e a sua totalidade é executada pela união desses trabalhadores parciais. Desse modo, combinando diferentes ofícios sob o comando do mesmo capital, surgiram as manufaturas de panos e muitas outras.

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OFICINA OE = Operação Especializada OE

OE

OE

OE

OE

Matériasprimas

OE

Carruagens MANUFATURA de carruagens Combinação de operações independentes → Desapareceram os ofícios

2 – DA COOPERAÇÃO DE ARTÍFICES DE DETERMINADO OFÍCIO Mas a manufatura pode ter origem oposta. O mesmo capital reúne ao mesmo tempo na mesma oficina muitos trabalhadores que fazem a mesma coisa ou a mesma espécie de trabalho [o mesmo ofício, por exemplo.]. Isto pode ocorrer, por exemplo, com trabalhadores especializados em papel, ou em tipos de imprensa ou em agulhas. É a cooperação na forma mais simples. Cada um desses artífices, talvez com um ou dois aprendizes, produz a mercadoria por inteiro e leva a cabo, portanto, as diferentes operações exigidas para sua fabricação, de acordo com a seqüência delas. Continua a trabalhar à maneira profissional antiga. OFICINA

Matériasprimas

Artífice de agulhas

Artífice de agulhas

Artífice de agulhas

Agulhas prontas

Agulhas prontas

Agulhas prontas

Agulhas feitas por cada um dos artífices

COOPERAÇÃO SIMPLES Cooperação de artífices de determinado ofício Página 15 de 53

Contudo, circunstâncias externas logo levam o capitalista a utilizar de maneira diferente a concentração dos trabalhadores no mesmo local e a simultaneidade de seus trabalhos. É mister, por exemplo, fornecer quantidade maior de mercadoria num determinado prazo. Redistribui-se então o trabalho. Em vez de o mesmo artífice executar as diferentes operações dentro de uma seqüência, são elas destacadas umas das outras, isoladas, justapostas no espaço, cada uma delas confiada a um artífice diferente e todas executadas ao mesmo tempo pelos trabalhadores cooperantes.

OFICINA OE = Operação Especializada OE

OE

OE

OE

OE

Matériasprimas

OE

Agulhas feitas por todos os artífices em conjunto

MANUFATURA de agulhas Combinação de operações Independentes → Desapareceram os artífices

Essa repartição acidental de tarefas repete-se, revela suas vantagens peculiares e ossifica-se progressivamente em divisão sistemática de trabalho. A mercadoria deixa de ser produto individual de um artífice independente, que faz muitas coisas, para se transformar no produto social de um conjunto de artífices, cada um dos quais realiza ininterruptamente a mesma e única tarefa parcial. As operações que se encadeiam na seqüência das tarefas sucessivas do artesão de papel, nas corporações alemãs, detacam-se, na manufatura holandesa de papel, em operações independentes, parciais, que correm paralelas, executadas por muitos trabalhadores cooperantes. O agulheiro corporativo de Nuremberg constitui o elemento fundamental da manufatura inglesa de agulhas. Mas, enquanto aquele realiza uma série de talvez 20 operações consecutivas, na Página 16 de 53

manufatura inglesa havia 20 operários trabalhando juntos, cada um realizando uma das 20 operações; e, em virtude de experiências, cada operação foi sendo cada vez mais subdividida e cada nova subdivisão isolada e transformada em função exclusiva de um trabalhador determinado.

Corporação alemã OPERAÇÃO 1 OPERAÇÃO 2 OPERAÇÃO 3 OPERAÇÃO 4 OPERAÇÃO 5 OPERAÇÃO 6 OPERAÇÃO 7 OPERAÇÃO 8 OPERAÇÃO 9 OPERAÇÃO 10 OPERAÇÃO 11 OPERAÇÃO 12 OPERAÇÃO 13 OPERAÇÃO 14 OPERAÇÃO 15 OPERAÇÃO 16 OPERAÇÃO 17 OPERAÇÃO 18 OPERAÇÃO 19 OPERAÇÃO 20

TODAS FEITAS POR UM ÚNICO TRABALHADOR

Manufatura inglesa OPERAÇÃO 1 OPERAÇÃO 2 OPERAÇÃO 3 OPERAÇÃO 4 OPERAÇÃO 5 OPERAÇÃO 6 OPERAÇÃO 7 OPERAÇÃO 8 OPERAÇÃO 9 OPERAÇÃO 10 OPERAÇÃO 11 OPERAÇÃO 12 OPERAÇÃO 13 OPERAÇÃO 14 OPERAÇÃO 15 OPERAÇÃO 16 OPERAÇÃO 17 OPERAÇÃO 18 OPERAÇÃO 19 OPERAÇÃO 20

Operário A Operário B Operário C Operário D Operário E Operário F Operário G Operário H Operário I Operário J Operário K Operário L Operário M Operário N Operário O Operário P Operário Q Operário R Operário S Operário T

A manufatura, portanto, se origina e se forma, a partir do artesanato, de duas maneiras. De um lado, surge da combinação de ofícios independentes diversos que perdem sua independência e se tornam tão especializados que passam a constituir apenas operações parciais do processo de produção de uma única mercadoria. De outro, tem sua origem na cooperação de artífices de determinado ofício, decompondo o ofício em suas diferentes operações particulares, isolando-as e individualizando-as para tornar cada uma delas função exclusiva de um trabalhador especial. A manufatura, portanto, ora introduz a divisão do trabalho num processo de produção ou a aperfeiçoa, ora combina ofícios anteriormente distintos. Qualquer que seja, entretanto, seu ponto de partida, seu resultado final é o mesmo: um mecanismo de produção cujos órgãos são seres humanos. Complexa ou simples, a operação continua manual, artesanal, dependendo portanto da força, da habilidade, rapidez e segurança do trabalhador Página 17 de 53

individual, ao manejar seu instrumento [daí o nome manufatura, obra feita à mão. Na fábrica, as máquinas eliminam a dependência da força, da habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual]. O ofício continua sendo a base. Essa estreita base técnica exclui realmente a análise científica do processo de produção [que mais tarde será possível quando as máquinas tirarem do trabalhador a possibilidade de regular a velocidade do seu próprio trabalho], pois cada processo parcial percorrido pelo produto tem de ser realizável como trabalho parcial profissional de um artesão. É justamente por continuar sendo a habilidade profissional do artesão o fundamento do processo de produção, que o trabalhador é absorvido por uma função parcial e sua força de trabalho se transforma para sempre em órgão dessa função parcial.

O TRABALHADOR PARCIAL E SUA FERRAMENTA

Descendo ao pormenor, vê-se, de início, que um trabalhador que, na sua vida inteira, executa uma única operação transforma todo o seu corpo em órgão automático especializado dessa operação. Por isso levará menos tempo em realizá-la que o artesão que executa toda uma série de diferentes operações. O trabalhador coletivo que constitui o mecanismo vivo da manufatura consiste apenas desses trabalhadores parciais, limitados. Por isso, produz-se em menos tempo ou eleva-se a força produtiva do trabalho, em comparação com os ofícios independentes. Também aperfeiçoa o método do trabalho parcial, depois que este se torna função exclusiva de uma pessoa. A repetição contínua da mesma ação limitada e a concentração nela da atenção do trabalhador ensinam-no, conforme indica a experiência, a atingir o efeito útil desejado com um mínimo de esforço. Havendo sempre diversas gerações de trabalhadores que vivem simultaneamente e cooperam nas mesmas manufaturas, os artifícios técnicos assim adquiridos firmam-se, acumulam-se e se transmitem. A manufatura produz realmente a virtuosidade do trabalhador mutilado, ao reproduzir e levar sistematicamente ao extremo, dentro da oficina, a especialização natural dos ofícios que encontra na sociedade. Página 18 de 53

A IMOBILIDADE DO TRABALHADOR O FAZ MAIS PRODUTIVO

Um artífice que executa, uma após outra, as diversas operações parciais da produção de uma mercadoria, é obrigado ora a mudar de lugar, ora a mudar de ferramenta. A passagem de uma operação para outra interrompe o fluxo de seu trabalho e forma, por assim dizer, lacunas em seu dia de trabalho. Essas lacunas somem quando executa o dia inteiro continuamente uma única operação, ou desaparecem na medida em que diminuem as mudanças de operação. O acréscimo de produtividade se deve então ao dispêndio crescente da força de trabalho num dado espaço de tempo, isto é, à intensidade crescente do trabalho, ou a um decréscimo do dispêndio improdutivo da força de trabalho. O gasto extra de força exigido pela transição do repouso para o movimento é substituído pelo trabalho de prolongar por mais tempo a velocidade normal, uma vez adquirida. Por outro lado, a continuidade de um trabalho uniforme destrói o impulso e a expansão das forças anímicas [anímico: que pertence à alma; psicológico] que se recuperam e se estimulam com a mudança de atividade.

A MANUFATURA CRIA AS CONDIÇÕES PARA A GRANDE INDÚSTRIA BASEADA NA MAQUINARIA

A produtividade do trabalho depende não só da virtuosidade do trabalhador, mas também da perfeição de suas ferramentas. Ferramentas da mesma espécie, como facas, perfuradores, verrumas, martelos etc., são utilizadas em diferentes processos de trabalho, e a mesma ferramenta se presta para realizar operações diferentes no mesmo processo de trabalho. Mas, logo que as diversas operações de um processo de trabalho se dissociam e cada operação parcial assume nas mãos do trabalhador parcial a forma mais adequada possível e portanto exclusiva, tornam-se necessárias modificações nos instrumentos anteriormente utilizados para múltiplos fins. O sentido dessa modificação de forma é determinado pela experiência das dificuldades especiais encontradas com Página 19 de 53

a utilização da forma primitiva. A manufatura se caracteriza pela diferenciação das ferramentas, que imprime aos instrumentos da mesma espécie [várias facas diferentes, todas da espécie faca] formas determinadas para cada emprego útil especial, e pela especialização, que só permite a cada uma dessas ferramentas operar plenamente em mãos do trabalhador parcial específico. Só em Birmingham se produzem umas 500 variedades de martelos, cada um destinado a um processo de produção particular, empregando-se, porém, grande número deles apenas em operações especializadas que fazem parte do mesmo processo. O período manufatureiro simplifica, aperfeiçoa e diversifica as ferramentas, adaptando-as às funções exclusivas especiais do trabalhador parcial. Com isso, cria uma das condições materiais para a existência da maquinaria, que consiste numa combinação de instrumentos simples.

O PAPEL DA MAQUINARIA NO PERÍODO MANUFATUREIRO

O período manufatureiro estabelece conscientemente como princípio a diminuição do tempo de trabalho necessário para a produção de mercadorias, e de maneira esporádica chega a utilizar máquinas, sobrtetudo para certos processos preliminares simples que têm de ser executados em larga escala e com grande emprego de força. Assim, logo se introduzem na manufatura de papel máquinas para triturar os trapos, e na metalurgia, máquinas para moer o minério. Mas, em geral, a maquinaria desempenha, no período manufatureiro, aquele papel que Adam Smith lhe atribui, ao compará-la com a divisão do trabalho. O emprego esporádico das máquinas no século XVII tornou-se muito importante, por ter oferecido aos grandes matemáticos daquele tempo uma base prática e um estímulo para criarem a mecânica moderna. O mecanismo específico do período manufatureiro é o trabalhador coletivo, constituído de muitos trabalhadores parciais.

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A MANUFATURA DESVALORIZA O TRABALHO TORNANDO-O MAIS BARATO

Em todo ofício em que se apossa, a manufatura cria uma classe de trabalhadores sem qualquer destreza especial, os quais o artesanato punha totalmente de lado. Depois de desenvolver, até atingir a virtuosidade, uma única especialidade limitada, sacrificando a capacidade total de trabalho do ser humano, põe-se a manufatura a transformar numa especialidade a ausência de qualquer formação. Ao lado da graduação hierárquica, surge a classificação dos trabalhadores em hábeis e inábeis. Para os últimos não há custos de aprendizagem, e, para os primeiros, esses custos se reduzem em relação às despesas necessárias para formar um artesão, pois a função deles foi simplificada. Em ambos os casos, cai o valor da força de trabalho. A exceção é constituída pelas novas funções gerais resultantes da decomposição do processo de trabalho, as quais não existiam no artesanato ou, quando existiam, desempenhavam papel inferior. A desvalorização relativa da força de trabalho, decorrente da eliminação ou da redução dos custos de aprendizagem, redunda para o capital em acréscimo imediato de mais valia, pois tudo o que reduz o tempo de trabalho necessário para reproduzir a força de trabalho aumenta o domínio do trabalho excedente. Na sociedade, o que estabelece a conexão entre os trabalhos de produtores independentes é o fato de os produtos serem mercadorias. O que caracteriza a divisão manufatureira do trabalho é o fato de o trabalhador parcial não produzir nenhuma mercadoria. Só o produto coletivo dos trabalhadores parciais transforma-se em mercadoria.

O ESPÍRITO BURGUÊS SOBRE A PLANIFICAÇÃO DA ECONOMIA

O mesmo espírito burguês que louva, como fator de aumento da força produtiva, a divisão manufatureira do trabalho, a condenação do trabalhador a executar perpetuamente uma operação parcial e sua subordinação completa ao Página 21 de 53

capitalista, com a mesma ênfase denuncia todo controle e regulamentação sociais conscientes do processo de produção como um ataque aos invioláveis direitos de propriedade, de liberdade e de iniciativa do gênio capitalista. É curioso que o argumento mais forte até agora encontrado pelos apologistas entusiastas do sistema de fábrica, contra qualquer organização geral do trabalho social, seja o de que esta transformaria toda a sociedade numa fábrica.

A LUTA ENTRE AS CORPORAÇÕES E AS MANUFATURAS

As leis das corporações da Idade Média impediam metodicamente a transformação de um mestre artesão em capitalista [em empregador de muitos assalariados trabalhando em cooperação], limitando severamente o número de companheiros que ele tinha o direito de empregar. Também só lhe era permitido empregar companheiros no ofício em que era mestre. A corporação se defendia zelosamente contra qualquer intrusão do capital mercantil, a única forma livre de capital com que se confrontava. O comerciante podia comprar todas as mercadorias, mas não o trabalho como mercadoria. Só era tolerado como distribuidor dos produtos dos artesãos. Se circunstâncias externas provocavam progressiva divisão do trabalho, as corporações existentes se subdividiam em subespécies ou se fundavam novas corporações junto às antigas, sem que diferentes ofícios se reunissem numa única oficina. A organização corporativa excluía, portanto, a divisão manufatureira do trabalho, embora muito contribuísse para as condições de existência desta, especializando, separando e aperfeiçoando os ofícios. Em geral, o trabalhador e seus meios de produção permaneciam indissoluvelmente unidos, como o caracol e sua concha, e assim faltava a base principal da manufatura, a separação do trabalhador de seus meios de produção e a conversão desses meios em capital [em capital constante]. Enquanto a divisão social do trabalho, quer se processe ou não através da troca de mercadorias, é inerente às mais diversas formações econômicas da

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sociedade, a divisão do trabalho na manufatura é uma criação específica do modo de produção capitalista.

A DIFERENÇA ENTRE COOPERAÇÃO SIMPLES E MANUFATURA

Enquanto a cooperação simples, em geral, não modifica o modo de trabalhar do indivíduo, a manufatura o revoluciona inteiramente e se apodera da força individual de trabalho em suas raízes. Deforma o trabalhador monstruosamente, levando-o artificialmente a desenvolver uma habilidade parcial, à custa da repressão de um mundo de instintos e capacidades produtivas, lembrando aquela prática das regiões platinas onde se mata um animal apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. Não só o trabalho é dividido e suas diferentes frações distribuídas entre os indivíduos, mas o próprio indivíduo é mutilado e transformado no aparelho automático de um trabalho parcial. Originariamente, o trabalhador vendia sua força de trabalho ao capital por lhe faltarem os meios materiais para produzir uma mercadoria. Agora, sua força individual de trabalho não funciona se não estiver vendida ao capital. Ela só opera dentro de uma conexão que só existe depois da venda, no interior da oficina do capitalista. O trabalhador da manufatura incapacitado, naturalmente, por sua condição, de fazer algo independente, só consegue desenvolver sua atividade produtiva como acessório da oficina do capitalista. O povo eleito trazia escrito na fronte que era propriedade de Jeová; do mesmo modo, a divisão do trabalho ferreteia o trabalhador com a marca de seu proprietário: o capital.

CONSEQUÊNCIAS DA MANUFATURA PARA OS TRABALHADORES

Na manufatura, o enriquecimento do trabalhador coletivo e, por isso, do capital, em forças produtivas sociais, realiza-se às custas do empobrecimento do trabalhador em forças produtivas individuais.

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Realmente, em meados do século XVIII, algumas manufaturas empregavam de preferência indivíduos meio idiotas em certas operações simples que constituíam segredos de fabricação.

A compreensão da maior parte das pessoas”, diz Adam Smith, “se forma necessariamente através de suas ocupações ordinárias. Um homem que despende toda a sua vida na execução de algumas operações simples... não tem oportunidade de exercitar sua inteligência... Geralmente ele se torna tão estúpido e ignorante quanto se pode tornar uma criatura humana”.

Certa deformação física e espiritual é inseparável mesmo da divisão do trabalho na sociedade. Mas, como o período manufatureiro leva muito mais longe a divisão social do trabalho e também, com sua divisão peculiar, ataca o indivíduo em suas raízes vitais, é ele que primeiro fornece o material e o impulso para a patologia industrial. Hegel tinha idéias muito heréticas sobre a divisão do trabalho. “Por homem culto entendemos, em primeiro lugar, o capaz de fazer tudo o que os outros fazem”, diz ele em sua obra “Rechtsphilosophie”.

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CONCLUSÃO

Decompondo o ofício manual, especializando as ferramentas, formando os trabalhadores parciais, grupando-os e combinando-os num mecanismo único, a divisão manufatureira do trabalho cria a subdivisão qualitativa e a proporcionalidade quantitativa dos processos sociais de produção; cria assim determinada organização do trabalho social e, com isso, desenvolve ao mesmo tempo nova força produtiva social do trabalho. A divisão manufatureira do trabalho, nas bases históricas dadas, só poderia surgir sob forma especificamente capitalista. Como forma capitalista do processo social de produção, é apenas um método especial de produzir mais valia relativa ou de expandir o valor do capital, o que se chama de riqueza social, “Wealth of Nations”, etc., às custas do trabalhador. Ela desenvolve a força produtiva do trabalho coletivo para o capitalista e não para o trabalhador e, além disso, deforma o trabalhador individual. Produz novas condições de domínio do capital sobre o trabalho. Revela-se, de um lado, progresso histórico e fator necessário do desenvolvimento econômico da sociedade, e, do outro, meio civilizado e refinado de exploração.

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FÁBRICA – O DOMÍNIO DAS MÁQUINAS A MAQUINARIA E A INDÚSTRIA MODERNA DESENVOLVIMENTO DA MAQUINARIA

INTRODUÇÃO

Em sua obra “Principles of Political Economy”, diz John Stuart Mill: “É duvidoso que as invenções mecânicas feitas até agora tenham aliviado a labuta diária de algum ser humano”. Mill deveria ter dito: de algum ser humano que não viva do trabalho alheio. As máquinas aumentaram certamente o número dos abastados ociosos. Não é esse o objetivo do capital [aliviar a labuta diária de algum ser humano] quando emprega maquinaria. Esse emprego, como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, tem por fim baratear as mercadorias, encurtar a parte do dia de trabalho da qual precisa o trabalhador para si mesmo, para ampliar a outra parte que ele dá gratuitamente ao capitalista. A maquinaria é meio para produzir mais valia. Na manufatura, o ponto de partida para revolucionar o modo de produção é a força de trabalho [a cooperação simples]; na indústria moderna, o instrumental de trabalho [que evolui para a maquinaria]. É mister portanto investigar como o instrumental de trabalho se transforma de ferramenta manual em máquina e assim fixar a diferença entre máquina e ferramenta. Interessam os grandes traços, as características gerais, pois, como ocorre com as eras geológicas, não existem linhas de demarcação rigorosas separando as diversas épocas da história da sociedade. Matemáticos e mecânicos, seguidos nesse ponto por alguns economistas ingleses, consideram a ferramenta uma máquina simples, e a máquina uma ferramenta complexa. Não vêem nenhuma diferença essencial entre elas e chamam de máquinas as potências mecânicas simples, como alavanca, plano inclinado, parafuso, cunha etc. Na verdade, toda máquina é constituída por aquelas potências simples, qualquer que seja o modo por que se disfarcem e Página 26 de 53

combinem. Mas, essa explicação não tem utilidade do ponto de vista econômico, pois lhe falta o elemento histórico. Por outro lado, procura-se distinguir a ferramenta da máquina, afirmando-se ser a ferramenta movida pela força humana e a máquina por uma força natural diversa da força humana, a saber, a de um animal, da água, do vento etc. De acordo com isso, um arado puxado por bois, que pertence às mais diferentes épocas de produção, seria uma máquina; o tear circular de Claussen que, movido pela mão de um trabalhador, faz 96.000 malhas por minuto, uma ferramenta. E mais, o mesmo tear seria ferramenta, se movido a mão, e máquina se movido à vapor. Uma vez que a aplicação da força animal é uma das mais antigas invenções da humanidade, a produção por meio de máquinas teria precedido a produção por meio dos ofícios manuais. Quando em 1735 John Wyatt anunciou sua máquina de fiar e com ela a revolução industrial do século XVIII, não disse que a máquina seria movida por um burro e não por um homem, embora o burro desempenhasse o papel de força motriz. Seu prospecto falava numa máquina “para fiar sem os dedos”. Toda maquinaria desenvolvida consiste de três partes essencialmente distintas: o motor, a transmissão e a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho. O motor á a força motriz de todo o mecanismo. Produz sua própria força motriz, como a máquina a vapor, a máquina a ar quente, a máquina eletromagnética etc., ou recebe o impulso de uma força natural externa adrede [de propósito] preparada, como a roda hidráulica, o impulso da água; as asas do moinho, a força do vento, etc. A transmissão é constituída de volantes, eixos, rodas dentadas, turbinas, barras, cabos, cordas, dispositivos e engrenagens de transmissão da mais variada espécie. Regula o movimento, transforma-o, quando necessário, da forma, por exemplo, perpendicular em circular, distribui-o e transmite-o às máquinas-ferramenta. O motor e a transmissão existem apenas para transmitir movimento à máquina-ferramenta que se apodera do objeto de trabalho e o transforma de acordo com o fim desejado. É desta parte da maquinaria, a máquina-ferramenta, que parte a revolução industrial no século XVIII. E a máquina-ferramenta continua a servir de ponto de partida sempre que se trata de transformar um ofício ou manufatura em exploração Página 27 de 53

mecanizada [é a máquina-ferramenta quem substitui a habilidade do artesão ou do trabalhador parcial1. A máquina-ferramenta liberta o capitalista de depender da força, da habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual.]. Examinemos

de

perto

a

máquina-ferramenta.

Os

aparelhos

ou

instrumentos com que trabalhavam o artesão e o trabalhador manufatureiro nela reaparecem de modo geral, embora muitas vezes sob forma muito modificada; não são mais instrumentos do homem e sim ferramentas de um mecanismo, instrumentos mecânicos. Às vezes a máquina por inteiro é uma edição mecânica mais ou menos modificada do antigo instrumento profissional, como ocorre com o tear mecânico; outras vezes, os órgãos ativos implantados na armação da máquina-ferramenta são velhos conhecidos, como fusos na máquina de fiar, agulhas na máquina de fazer malhas, a lâmina da serra na máquina de serrar, o cutelo na máquina de cortar etc. A diferença entre essas ferramentas e o corpo propriamente dito da máquina-ferramenta onde se engastam vem desde a origem. Em grande parte são ainda produzidas por artífices ou pela manufatura e depois encaixadas no corpo da máquina-ferramenta, oriundo da produção mecanizada. A máquina-ferramenta é portanto um mecanismo que, ao lhe ser transmitido o movimento apropriado, realiza com suas ferramentas as mesmas operações que eram antes realizadas pelo trabalhador com ferramentas semelhantes. Provenha a força motriz do homem ou de outra máquina, a coisa não muda em sua essência. Quando a ferramenta propriamente dita se transfere do homem para um mecanismo, a máquina toma o lugar da simples ferramenta [a máquina, poderíamos dizer assim, se transforma num coletivo de ferramentas, e o trabalhador, ao invés de operar uma só ferramenta, opera – com o auxílio da máquina – várias ferramentas ao mesmo tempo, simultaneamente.]. A diferença salta aos olhos, mesmo quando o homem continua sendo o primeiro motor. O número de ferramentas com que o homem pode operar ao mesmo tempo é limitado pelo número de seus instrumentos naturais de produção, seus órgãos

1

“Complexa ou simples, a operação continua manual, artesanal, dependendo portanto da força, da habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual, ao manejar seu instrumento [daí o nome manufatura, obra feita à mão. Na fábrica, as máquinas eliminam a dependência da força, da habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual].” Ler novamente as páginas 17 e 18 deste texto. Página 28 de 53

físicos. Na Alemanha, tentou-se inicialmente fazer um fiandeiro trabalhar com duas rodas de fiar, utilizando ao mesmo tempo as duas mãos e os dois pés. Mas era demais. Mais tarde inventou-se uma roda de fiar com pedal e dois fusos, mas os virtuosos capazes de fiar dois fios simultaneamente eram quase tão raros como seres humanos de duas cabeças. A máquina de fiar Jenny, entretanto, fia, de saída, com 12 a 18 fusos; a máquina de fazer malhas trabalha com muitos milhares de agulhas a um só tempo etc. O número de ferramentas com que opera simultaneamente a máquina-ferramenta emancipa-se, desde o início, da barreira orgânica que a ferramenta manual de um trabalhador não podia ultrapassar. Muitas ferramentas põem em evidência de maneira bem contrastante a diferença entre o homem na função de simples força motriz e o homem que exerce seu ofício manual. Na roda de fiar, por exemplo, o pé age apenas como força motriz, enquanto a mão executa a operação de fiar propriamente dita, trabalhando com o fuso, puxando e torcendo o fio. A revolução industrial apodera-se primeiro desta segunda parte da ferramenta e deixa para o ser humano, no começo, a função puramente mecânica de força motriz, ao lado do novo trabalho de vigiar a máquina e corrigir com a mão seus erros. Por outro lado, ferramentas em que o homem desde o início agia como simples força motriz, ao fazer girar a manivela de um moinho, ao tocar bomba para puxar água, ao mover o braço de um fole, ao bater com um pilão etc., cedo deram origem à aplicação de animais, da água e do vento como forças motrizes. As ferramentas dessa espécie, em parte no período manufatureiro e esporadicamente antes dele, transformaram-se em máquinas, mas, apesar disso, não revolucionaram o modo de produção [o que revoluciona o modo de produção é a máquina-ferramenta, não o motor ou a transmissão – reler a pág. 27 deste texto]. No período da indústria moderna torna-se claro que mesmo na sua forma manual já são máquinas. As bombas, por exemplo, com que os holandeses, de 1836 a 1837, secaram o lago de Harlem, foram construídas de acordo com o princípio das bombas comuns, com a diferença apenas de serem seus êmbolos acionados por ciclópicas máquinas a vapor e não por mãos humanas. O fole comum e muito Página 29 de 53

imperfeito do ferreiro, na Inglaterra, se converte ocasionalmente numa máquina de insuflar ar, apenas ligando seu braço a uma máquina a vapor. A própria máquina a vapor na forma em que foi inventada no fim do século XVII, durante o período manufatureiro, e em que subsistiu até ao começo da década dos 80 do século XVIII, não provocou nenhuma revolução industrial. [NÃO

FORAM

AS

MÁQUINAS EM

GERAL

QUE

FIZERAM

A

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL; FORAM AS MÁQUINAS-FERRAMENTA QUE A FIZERAM; eis a questão]. Foi, ao contrário, a criação das máquinasferramenta que tornou necessária uma revolução na máquina a vapor. Quando o homem passa a atuar apenas como força motriz numa máquinaferramenta, em vez de atuar com a ferramenta sobre o objeto de trabalho, podem tomar seu lugar o vento, a água, o vapor etc., e torna-se acidental o emprego da força muscular humana como força motriz. Essas mudanças dão origem a grandes modificações técnicas no mecanismo primitivamente construído apenas para ser impulsionado pela força humana. Hoje em dia, todas as máquinas que tem ainda de impor-se, como máquinas de costura, de fazer pão etc., são construídas tanto para serem movidas pela força humana quanto para serem impulsionadas por força puramente mecânica, sempre que a própria natureza delas não impeça que sejam utilizadas em tamanho pequeno. A máquina da qual parte a revolução industrial substitui o trabalhador que maneja uma única ferramenta por um mecanismo que ao mesmo tempo opera com certo número de ferramentas idênticas ou semelhantes àquela, e é acionado por uma única força motriz, qualquer que seja sua forma. Temos então a máquina mas ainda como elemento simples da produção mecanizada. O aumento do tamanho da máquina-ferramenta e do número dos instrumentos com que opera ao mesmo tempo exige um motor mais possante, que, para vencer a própria resistência, precisa de uma força motriz superior à força humana. Além disso, a força humana é um instrumento muito imperfeito para produzir um movimento uniforme e contínuo. Mas, supondo que o homem exerça apenas a função de força motriz, tomando uma máquina-ferramenta o Página 30 de 53

lugar de sua ferramenta, pode ele ser substituído nessa função por forças naturais. De todas as grandes forças motrizes legadas pelo período manufatureiro a pior era a força do cavalo, uma vez que este não é suficientemente disciplinado, é caro e só pode ser empregado nas fábricas de maneira limitada. Apesar disso, foi o cavalo aplicado com freqüência na infância da indústria moderna conforme testemunha, além das queixas dos agrônomos da época, a circunstância de ter chegado até nós a expressão cavalo ou cavalo-vapor para mensurar a potência das máquinas. O vento era inconstante demais e incontrolável, e já durante o período manufatureiro predominava na Inglaterra, berço da indústria moderna, a aplicação da força hidráulica. Já se tentara no século XVII fazer girar dois pares de mós de um moinho com uma única roda hidráulica. O maior tamanho do mecanismo de transmissão entrou em conflito com a força hidráulica insuficiente, um dos motivos que levou à investigação mais cuidadosa das leis de fricção. Do mesmo modo, a atuação irregular da força motriz dos moinhos, postos em movimento empurrando-se e puxando-se uma manivela, conduziu à teoria da aplicação do volante que desempenha mais tarde papel de grande importância na indústria moderna. Assim, o período manufatureiro desenvolveu os primeiros elementos científicos e técnicos da indústria moderna. A máquina de fiar aperfeiçoada de Arkwright, quando apareceu, era impulsionada pela água. Mas o uso da água, como força motriz dominante, também acarretava certas dificuldades. Não podia ser aumentada à vontade, nem remediada sua escassez; às vezes faltava e não podia ser deslocada do local onde se situava. Só com a segunda máquina a vapor de Watt, a máquina rotativa de ação dupla, se encontrou um motor que produzia sua própria força motriz, consumindo para isso carvão e água, com potência que podia ser inteiramente controlada; um motor que podia ser transferido de um lugar para outro e servir de meio de locomoção, utilizável na cidade e não exclusivamente no campo como a roda hidráulica, permitindo concentrar a produção nas cidades, em vez de dispersá-la pelo interior; universal em sua aplicação tecnológica, pouco dependendo sua instalação das circunstâncias locais.2 O grande gênio de Watt revela-se na 2

“No início das manufaturas têxteis, a localização da fábrica dependia da existência de uma queda d’água Página 31 de 53

especificação da patente que obteve em abril de 1784, a qual descreve sua máquina a vapor não como uma invenção destinada a objetivos particulares, mas como agente geral da indústria mecanizada. [Dito de outra forma, não como máquina-ferramenta]. Ele indicava aplicações das quais muitas só foram introduzidas mais de meio século depois, como, por exemplo, o martelo pilão. Duvidava, entretanto, da aplicabilidade da máquina a vapor na navegação. Seus sucessores, Bourton e Watt, apresentaram na exposição industrial de Londres, em 1851, a mais colossal máquina a vapor para transatlânticos. Depois que os instrumentos se transformam de ferramentas manuais em ferramentas incorporadas a um aparelho mecânico, a máquina motriz, o motor, adquire uma forma independente, inteiramente livre dos limites da força humana. Com isso, a máquina-ferramenta isolada que observamos até agora, se reduz a um simples elemento da produção mecanizada. Uma máquina motriz, um motor, pode agora impulsionar ao mesmo tempo muitas máquinas-ferramenta. Com o número das máquinas-ferramenta impulsionadas ao mesmo tempo, aumenta o tamanho do motor e o mecanismo de transmissão assume grandes proporções. Temos então de distinguir duas coisas: 1 – A cooperação de muitas máquinas da mesma espécie e 2 - O sistema de máquinas.

1 - A COOPERAÇÃO DE MUITAS MÁQUINAS DA MESMA ESPÉCIE

Na cooperação de muitas máquinas da mesma espécie, o produto por inteiro é feito por uma máquina. Ela executa as diversas operações que eram realizadas por um artesão com sua ferramenta, por exemplo, um tecelão com seu tear, ou que eram executadas em série por artesãos com diferentes ferramentas,

com força suficiente para fazer girar uma roda hidráulica. E embora o estabelecimento das manufaturas movidas a água significasse o começo da decadência do sistema manufatureiro doméstico, essas manufaturas que tinham de se instalar necessariamente junto aos cursos d’água e frequentemente se situavam a uma apreciável distância uma da outra, representavam parte de um sistema rural e não urbano. Somente com a introdução do vapor, em substituição ao curso d’água, foram as fábricas concentradas em cidades e localizadas onde o carvão e a água, necessários à produção do vapor, eram encontrados em quantidade suficiente. A máquina a vapor é a mãe das cidades industriais.” (A. Redgrave em Reports of the Insp. Of Fact. 30th April 1860”, p. 36). Página 32 de 53

independentes uns dos outros ou como membros de uma manufatura.3 Por exemplo, na manufatura de envelopes, um trabalhador dobrava o papel com a dobradeira, outro passava a goma, e um terceiro dobrava a aba do envelope na qual fica o emblema que um quarto estampava etc., e cada envelope mudava de mão em cada uma dessas operações parciais. Uma única máquina de fazer envelopes realiza todas essas operações de uma só vez e faz 3.000 e mais envelopes em uma hora. Uma máquina americana para fazer cartuchos de papel, exibida na exposição industrial de Londres de 1862, cortava o papel, passava goma e concluía 300 unidades por minuto. O processo global, dividido e realizado na manufatura através de operações sucessivas passa a ser executado por máquina-ferramenta, que opera através da combinação de diferentes ferramentas. Essa máquina-ferramenta pode ser mera reprodução mecânica de um instrumento manual mais complicado, ou uma combinação de instrumentos simples, diferentes, que tinham cada um uma aplicação especial na manufatura. Nas duas modalidades teremos na fábrica, na oficina que funciona com o emprego dessas máquinas, a cooperação simples.

OFICINA

Matériasprimas

Máquina de fazer agulhas

Máquina de fazer agulhas

Máquina de fazer agulhas

Agulhas prontas

Agulhas prontas

Agulhas prontas

Agulhas feitas por cada uma das máquinas

COOPERAÇÃO SIMPLES O artífice de agulhas (vide quadro da pág. 15) foi substituído pela máquina de fazer agulhas.

3

Do ponto de vista da divisão manufatureira do trabalho, o ofício de tecer não é simples, mas ao contrário, um trabalho manual complicado. Em conseqüência, o tear mecânico é uma máquina que executa múltiplas operações. É falsa a idéia de as máquinas se terem apoderado inicialmente das operações que a divisão manufatureira do trabalho tinha simplificado. A fiação e a tecelagem foram diversificadas em novas espécies, no período manufatureiro, e suas ferramentas aperfeiçoadas e diferenciadas, mas o processo de trabalho não foi dividido, mantendo seu caráter artesanal. Não é o

trabalho, mas o instrumento de trabalho que serve de ponto de partida para a máquina. Página 33 de 53

Pondo-se de lado o trabalhador, ela se patenteia, antes de tudo, na aglomeração num mesmo local de máquinas-ferramenta da mesma espécie, operando ao mesmo tempo. Assim, uma fábrica de tecelagem se constitui de muitos teares mecânicos aglomerados no mesmo local, e uma fábrica de costura, de muitas máquinas de costura também reunidas no mesmo ponto. Essas máquinas-ferramenta, entre si independentes, possuem, entretanto, uma unidade técnica: recebem impulso de um motor comum e esse impulso lhes é transmitido por um mecanismo de transmissão que lhes é até certo ponto comum, uma vez que dele parte uma ramificação particular para cada máquina-ferramenta. As numerosas máquinas-ferramenta constituem assim órgãos homogêneos do mesmo mecanismo motor, do mesmo modo que as ferramentas são órgãos da máquina-ferramenta.

2 - O SISTEMA DE MÁQUINAS OFICINA

Matériasprimas

Máquina 1 Carpinteiro

Máquina 2 Estofador

Máquina 3 Pintor Carruagens

FASE 1

FASE 2

FASE 3

COOPERAÇÃO SIMPLES O carpinteiro, o estofador e o pintor (vide quadro da pág. 13) foram substituídos por máquinas especializadas.

Um verdadeiro sistema de máquinas só toma o lugar das máquinas independentes quando o objeto de trabalho percorre diversos processos parciais conexos, levados a cabo por um conjunto de máquinas-ferramenta de diferentes espécies, mas que se completam reciprocamente. Reaparece então a cooperação peculiar baseada na divisão do trabalho, mas agora sob a forma de combinação de máquinas-ferramenta parciais [ao invés de trabalhadores Página 34 de 53

parciais]

complementares.

As

ferramentas

específicas

dos

diferentes

trabalhadores parciais, na manufatura de lã, por exemplo, a do batedor, a do cardador, a do tosador, a do fiandeiro etc. transformam-se então nas ferramentas de máquinas especializadas, constituindo cada uma destas um órgão especial adequado a uma função especial no sistema. A própria manufatura, de modo geral, fornece ao sistema de máquinas nos ramos em que este primeiro se introduz a base original da divisão e consequentemente da organização do processo de produção.4 Mas, verifica-se imediatamente uma diferença essencial. Na manufatura, cada operação parcial tem de ser executável manualmente pelos operários, trabalhando isolados ou em grupos, com suas ferramentas. Se o trabalhador é incorporado a determinado processo foi este antes ajustado ao trabalhador. Na produção mecanizada desaparece esse princípio subjetivo da divisão do trabalho. Nela, o processo por inteiro é examinado objetivamente em si mesmo, em suas fases componentes e o problema de levar a cabo cada um dos processos parciais e de entrelaçá-los é resolvido com a aplicação técnica da mecânica, da química etc., embora a teoria tenha sempre de ser aperfeiçoada pela experiência acumulada em grande escala.5 Cada máquina parcial fornece matériaprima à máquina seguinte. Funcionando todas elas ao mesmo tempo, o produto encontra-se continuamente em todas as suas fases de transição; em todos os estágios de sua fabricação. Na manufatura, a cooperação direta entre os trabalhadores parciais estabelece determinadas proporções entre os grupos especializados de trabalhadores; de mesmo modo, no sistema de máquinas, a 4

Antes da indústria moderna, a manufatura de lã era, na Inglaterra, a manufatura dominante. Por isso, nela se fizeram, durante a primeira metade do século XVIII, a maior parte dos experimentos. O algodão, cuja industrialização mecanizada exige um tratamento prévio menos exaustivo, beneficiou-se com as experiências feitas com a lã, do mesmo modo que mais tarde a indústria mecanizada de lã desenvolveuse, tomando por base a fiação e tecelagem, a máquina do algodão. Elementos isolados da manufatura de lã foram incorporados ao sistema fabril no decurso dos últimos dez anos que precedem 1866, como ocorreu com a cardagem. “Aplicação da força mecânica ao processo de cardagem..., a qual muito se generalizou desde a introdução da máquina de cardar, especialmente a de Lister... teve sem dúvida o efeito de deixar sem emprego grande número de trabalhadores. A lã era cardada, antes, com a mão, na maioria dos casos, na cabana do cardador. Agora ela é geralmente cardada na fábrica e suprimiu-se o trabalho manual exceto para alguns casos especiais em que se prefere ainda a lã cardada a mão. Muitos dos cardadores manuais encontraram emprego nas fábricas, mas sua produção é tão pequena em relação à das máquinas que grande número de cardadores ficou sem ocupação” (“Rep. of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1856”, p. 16). 5 “O princípio do sistema fabril consiste em substituir a divisão ou a graduação do trabalho entre os artesãos, pela decomposição do processo de trabalho em seus elementos essenciais” (Ure, 1. e., p. 20). Página 35 de 53

contínua ocupação interdependente das máquinas parciais cria uma determinada proporção com referência ao número, ao tamanho e à velocidade das máquinas. A máquina-ferramenta combinada, que consiste num sistema coordenado de várias espécies isoladas ou agrupadas de máquinas-ferramenta, é tanto mais perfeita quanto mais contínuo é o processo em toda a sua extensão, isto é, quanto menos for interrompido o trânsito da matéria-prima da primeira à última etapa, e quanto mais o mecanismo elimina a interferência humana, levando a matériaprima de uma fase a outra. Na manufatura, o isolamento dos processos parciais é um princípio fixado pela própria divisão do trabalho; na fábrica mecanizada, ao contrário, é imperativa a continuidade dos processos parciais. ***

Um sistema [de cooperação de máquinas], quer se baseie na cooperação simples de máquinas-ferramenta da mesma espécie, como na tecelagem, ou na combinação de máquinas de espécie diferente [sistema de máquinas], como na fiação, constitui em si mesmo um grande autômato sempre que é movido por um primeiro motor que se impulsiona a si mesmo. Mas, todo o sistema pode ser impulsionado pela máquina a vapor, por exemplo, embora certas máquinasferramenta precisem do trabalhador para determinados movimentos (a máquina de fiar precisava da ajuda do trabalhador para ser posta em funcionamento até que se inventou a máquina automática; na fiação fina ainda é necessária essa ajuda), ou determinadas partes da máquina, para que esta leve a cabo sua tarefa, tenham de ser dirigidas pelo trabalhador, como se fosse uma ferramenta. É o que se dava na construção de máquinas antes de a espera de torno se transformar em elemento automático. Quando a máquina-ferramenta, ao transformar a matéria-prima,

executa

sem

ajuda

humana

todos

os

movimentos

necessários, precisando apenas da vigilância do homem para uma intervenção eventual, temos um sistema automático, suscetível, entretanto, de contínuos aperfeiçoamentos. São invenções mais recentes o aparelho que pára a máquina de fiar quando parte um fio ou o freio automático, que pára o tear a Página 36 de 53

vapor aperfeiçoado, quando falta o fio da trama na canela da lançadeira. A fabricação moderna [não esquecer que este texto é da segunda metade do século XIX] de papel pode servir para ilustrar a continuidade da produção e a aplicação do princípio automático. A produção de papel fornece elementos bastante ilustrativos para o estudo pormenorizado, não só da diferença entre modos de produção diversos, baseados em instrumentos de produção também diversos, mas também da conexão entre as relações sociais de produção e esses modos de produção. A antiga fabricação alemã de papel nos fornece o modelo da produção artesanal; a holandesa do século XVII e a francesa do século XVIII, o modelo da manufatureira, e a fabricação inglesa moderna, o modelo da fabricação automática. Demais, a China e a Índia nos oferecem duas formas diferentes da antiga produção asiática de papel. A produção mecanizada encontra sua forma mais desenvolvida no sistema orgânico de máquinas-ferramenta combinadas que recebem todos os seus movimentos de um autômato central e que lhes são transmitidos por meio do mecanismo de transmissão. Surge, então, em lugar da máquina isolada, um monstro mecânico que enche edifícios inteiros e cuja força demoníaca se disfarça nos movimentos ritmados quase solenes de seus membros gigantescos e irrompe no turbilhão febril de seus inumeráveis órgãos de trabalho.

A PROPAGAÇÃO DO NOVO MODO DE PRODUÇÃO

A revolução no modo de produção de um ramo industrial acaba se propagando a outros. É o que se verifica principalmente nos ramos industriais que constituem fases de um processo global, embora estejam isolados entre si pela divisão social do trabalho, de modo que cada um produz uma mercadoria independente. Assim, a mecanização da fiação torna necessária a mecanização da tecelagem e ambas ocasionam a revolução química e mecânica no branqueamento, na estampagem e na tinturaria. A revolução na fiação do algodão provocou a invenção da descaroçadora de algodão, com que se tornava possível à produção de algodão na enorme escala exigida. A revolução no modo de Página 37 de 53

produção da indústria e da agricultura tornou sobretudo necessária uma revolução nas condições gerais do processo social de produção, isto é, nos meios de comunicação e de transporte. Os meios de comunicação e de transporte de uma sociedade cujo pivô, para utilizar uma expressão de Fourier, era a pequena agricultura com sua indústria doméstica acessória e o artesanato urbano, não podiam de modo nenhum satisfazer às necessidades de produção do período manufatureiro com sua extensa divisão do trabalho social, com sua concentração de instrumentos de trabalho e de trabalhadores e com seus mercados coloniais, e por isso foram inteiramente transformados. Do mesmo modo, os meios de transporte e de comunicação, legados pelo período manufatureiro, logo se tornaram obstáculos insuportáveis para a indústria moderna com sua velocidade febril de produção em grande escala, seu contínuo deslocamento de massas de capital e de trabalhadores de um ramo de produção para outro e com as novas conexões que criou no mercado mundial. Além das transformações radicais ocorridas na construção de navios a vela, o sistema de transportes e comunicações foi progressivamente adaptado ao modo de produção de grande indústria com a introdução dos navios a vapor fluviais, das vias férreas, dos transatlânticos e do telégrafo. Mas as massas gigantescas de ferro que tinham então de ser forjadas, soldadas, cortadas, brocadas e moldadas, exigiam máquinas ciclópicas cuja produção não se poderia conseguir através dos métodos manufatureiros. A indústria moderna teve então de apoderar-se de seu instrumento característico de produção, a própria máquina, e de produzir máquinas com máquinas. Só assim criou ela sua base técnica adequada e ergueu-se sobre seus próprios pés. Com a produção mecanizada crescente das primeiras décadas do século XIX, apoderou-se a maquinaria progressivamente da fabricação das máquinas-ferramenta. Mas só durante as últimas décadas (que precedem 1866), a enorme construção de ferrovias e a navegação transatlântica fizeram surgir as máquinas ciclópicas empregadas na construção dos motores. Se atentarmos, na construção de máquinas, para a parte da máquina que constitui a máquina-ferramenta propriamente dita, vemos que nesta reaparece o Página 38 de 53

instrumento do artesão, mas em tamanho ciclópico. A parte operante da máquina de perfurar é uma broca imensa, impulsionada por uma máquina a vapor, e sem a qual não poderiam ser feitos os cilindros das grandes máquinas a vapor e as prensas hidráulicas. O torno mecânico é a reedição ciclópica do torno de pedal; a máquina de plainar, um carpinteiro de ferro que trabalha no ferro com as mesmas ferramentas utilizadas pelo carpinteiro na madeira; o instrumento que nos estaleiros de Londres corta as chapas é uma navalha gigantesca; a tesoura mecânica, de dimensão monstruosa, corta o ferro como o alfaiate corta o pano; e o martelo-pilão a vapor se assemelha à cabeça de um martelo comum, mas é tão pesado que nem o deus Tor conseguiria brandi-lo. Um desses martelos-pilão que foram

inventados

por

Nasmyth,

pesa

mais

de

6

toneladas

e

cai

perpendicularmente de uma altura de 7 pés sobre uma bigorna que pesa 36 toneladas. Pulveriza brincando um bloco de granito e não é menos capaz de enterrar um prego em madeira mole com uma série de pancadas leves.

CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS DA PRODUÇÃO MECANIZADA SOBRE O TRABALHADOR

O ponto de partida da indústria moderna é a revolução do instrumental de trabalho, e esse instrumental revolucionado assume sua forma mais desenvolvida no sistema orgânico de máquinas da fábrica. Antes de examinarmos como o material humano se incorpora a esse organismo mecânico, observemos algumas repercussões gerais daquela revolução sobre o próprio trabalhador.

APROPRIAÇÃO PELO CAPITAL DAS FORÇAS DE TRABALHO SUPLEMENTARES. O TRABALHO DAS MULHERES E DAS CRIANÇAS

Tornando supérflua a força muscular, a maquinaria permite o emprego de trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento físico incompleto mas com membros mais flexíveis. Por isso, a primeira preocupação do capitalista ao empregar a maquinaria, foi a de utilizar o trabalho das Página 39 de 53

mulheres e das crianças. Assim, poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores [substituir trabalho humano e, dada a poderosa capacidade de substituir trabalho humano, substituir trabalhadores homens por mulheres e crianças] a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e idade, sob o domínio direto do capital. O trabalho obrigatório para o capital tomou o lugar dos folguedos [brincadeiras] infantis e do trabalho livre realizado, em casa, para a própria família, dentro de limites estabelecidos pelos costumes. O valor da força de trabalho era determinado não pelo tempo de trabalho necessário para manter individualmente o trabalhador adulto, mas pelo necessário a sua manutenção e à de sua família. Lançando a máquina todos os membros da família do trabalhador no mercado de trabalho, reparte ela [a máquina] o valor da força de trabalho adulto pela família inteira [!]. Assim, desvaloriza a força de trabalho do adulto. A compra, por exemplo, de 4 forças de trabalho componentes de uma família talvez custe mais do que a aquisição, anteriormente, da força de trabalho do chefe da família, mas em compensação se obtêm 4 jornadas de trabalho em lugar de uma, e o preço da força de trabalho cai na proporção em que o trabalho excedente dos quatro ultrapassa o trabalho excedente de um. Quatro tem de fornecer ao capital não só trabalho mas também trabalho excedente, a fim de que uma família possa viver. Desse modo, a máquina, ao aumentar o campo específico de exploração do capital, o material humano, amplia, ao mesmo tempo, o grau de exploração. Ela revoluciona radicalmente o contrato entre o trabalhador e o capitalista, contrato que estabelece formalmente suas relações mútuas. Tomando por base a troca de mercadorias, pressupuséramos, de início, que o capitalista e o trabalhador se confrontam como pessoas livres, como possuidores independentes de mercadorias, sendo um o detentor do dinheiro e dos meios de produção e o outro o detentor da força de trabalho, mas agora o capital compra incapazes ou parcialmente capazes, do ponto de vista jurídico. Antes, vendia o trabalhador sua própria força de trabalho, da qual dispunha formalmente como pessoa livre. Página 40 de 53

Agora vende mulher e filho. [No Brasil, não é difícil saber que uma família pobre só consegue comer todos os dias se todos ou a maioria dos seus membros estiverem trabalhando. Um salário mínimo não sustenta uma família. Então, a soma dos salários-mínimos dos que nesta família trabalham pode ser que cubra as despesas indispensáveis para a subsistência.] Torna-se traficante de escravos.6 A degradação moral ocasionada pela exploração capitalista do trabalho das mulheres e das crianças foi descrita de maneira exaustiva por F. Engels em sua obra “Lage der arbeitenden Klasse Englands” e por outros escritores, de maneira tão exaustiva que não é mister voltar ao assunto. A obliteração intelectual dos adolescentes, artificialmente produzida com a transformação deles em simples máquinas de fabricar mais valia, é bem diversa daquela ignorância natural em que o espírito, embora sem cultura, não perde sua capacidade de desenvolvimento, sua fertilidade natural.

PROLONGAMENTO DA JORNADA DE TRABALHO

Se a maquinaria é o meio mais poderoso para aumentar a produtividade do trabalho, isto é, para diminuir o tempo de trabalho necessário à produção de uma mercadoria, em mãos do capital torna-se ela, de início nos ramos industriais de que diretamente se apodera, o meio mais potente para prolongar a jornada de trabalho além de todos os limites estabelecidos pela natureza humana. A maquinaria gera novas condições que capacitam o capital a dar plena vazão a essa tendência constante que o caracteriza, e cria novos motivos para aguçar-lhe a cobiça por trabalho alheio. Antes de tudo, o movimento e a atividade do instrumental de trabalho se tornam, com a maquinaria, independentes do trabalhador. O instrumental 6

Contrastando com o importante acontecimento de a limitação do trabalho das mulheres e das crianças nas fábricas inglesas ter sido uma conquista que os trabalhadores adultos masculinos arrancaram ao capital, ainda encontramos nos mais recentes relatórios da “Children’s Employment Commission” atitudes de trabalhadores que vendem seus filhos, realmente revoltantes e com todas as características de tráfico de escravos. O fariseu capitalista, porém, como se pode ver nesses relatórios, denuncia essa bestialidade que ele mesmo criou, eterniza e explora e que batizou com o nome de “liberdade de trabalho”. Emprega-se trabalho infantil... até para as crianças obterem o próprio pão de cada dia. Sem força para agüentarem trabalho tão desproporcional, sem instrução para orientá-las mais tarde, foram lançadas a uma situação física e moralmente abjeta [desprezível, imunda]. Página 41 de 53

passa a ser animado por um movimento perpétuo e produziria ininterruptamente se não fosse tolhido por certas limitações naturais dos auxiliares humanos, a debilidade física e os caprichos. Como capital, esse autômato possui, na pessoa do capitalista, consciência e vontade, e está dominado pela paixão de reduzir ao mínimo a resistência que lhe opõe essa barreira natural, elástica; o homem. Além disso, essa resistência diminui ante a aparente leveza do trabalho [feito com o uso da] máquina e com o afluxo de elementos mais dóceis e flexíveis, as mulheres e as crianças. A produtividade da maquinaria está na razão inversa do valor que ela transfere ao produto. Quanto maior o período em que funciona, tanto maior a quantidade de produtos em que se reparte o valor transferido pela máquina, e tanto menor a porção de valor que acrescenta a cada mercadoria em particular [por isso ficam mais baratas, porque cada uma contem menor quantidade de trabalho humano nela materializado]. O período de vida ativa da máquina é evidentemente determinado pela duração do dia de trabalho ou do processo diário de trabalho, multiplicada pelo número de dias em que esse processo se repete. O desgaste da máquina de nenhum modo corresponde de maneira matemática e exata ao tempo de utilização dela. Mas, admitida essa correspondência, uma máquina que funciona durante 7 anos e meio, 16 horas por dia, cobre o mesmo período de produção e acrescenta ao produto total mesmo valor que a mesma máquina, se funcionasse durante 15 anos, apenas oito horas por dia. No primeiro caso, o valor da máquina seria reproduzido com velocidade duas vezes maior do que no segundo, e o capitalista teria embolsado 7 anos e meio tanta mais valia quanto ao segundo, em 15. A máquina experimenta duas espécies de desgaste. Um decorre de seu uso, como moedas que se gastam na circulação; outro provém da inação, como a espada inativa que enferruja na bainha. Esta é a deterioração causada pelos elementos. O desgaste da primeira espécie está em relação mais ou menos direta, e o segundo, até certo ponto, na razão inversa do uso da máquina. Mas a máquina experimenta, ainda, além do material, o desgaste moral. Perde valor-de-troca na medida em que se podem reproduzir mais barato Página 42 de 53

máquinas da mesma construção ou fazer melhores máquinas que com ela concorram. Em ambos os casos, por mais nova e forte que seja a máquina, seu valor não é mais determinado pelo tempo de trabalho que nela realmente se materializou, mas pelo tempo de trabalho necessário para reproduzir ela mesma ou uma máquina melhor. Sofre, por isso, maior ou menor desvalorização. Quanto mais curto o período em que se reproduz seu valor global, tanto menor o perigo de desgaste moral, e quanto maior a duração da jornada de trabalho, tanto mais curto aquele período. Quando se introduz a maquinaria, pela primeira vez, em qualquer ramo industrial, aparecem, sucessivamente, novos métodos para reproduzi-la mais barato, e aperfeiçoamentos que atingem não só partes e dispositivos determinados, mas sua construção inteira. É por isso, na primeira fase de sua existência, que esse motivo especial influi de maneira mais poderosa no sentido de prolongar a jornada de trabalho. Fixando-se a duração diária do trabalho e permanecendo invariáveis as demais circunstâncias, a exploração do dobro do número de trabalhadores exige duplicação da parte do capital constante empregada em maquinaria e construções e também da parte empregada em matérias-primas, materiais auxiliares, etc. Prolongada a duração diária do trabalho, amplia-se a escala da produção, permanecendo invariável a parte do capital despendida em maquinaria e construções. Aumenta, então, a mais valia, ao mesmo tempo em que diminuem os gastos necessários para obtê-la. É verdade que isso ocorre em maior ou menor grau, com qualquer prolongamento do dia de trabalho, mas essa ocorrência é mais decisiva na indústria moderna, porque a parte do capital que se transforma em instrumental de trabalho é nela mais preponderante. O desenvolvimento da produção mecanizada dá a uma parte cada vez maior do capital uma forma em que ele pode continuamente expandir seu valor e, ao mesmo tempo, perde valor-de-uso e valor-de-troca, logo que se interrompe o contato com o trabalho vivo. Mr. Ashworth, magnata da indústria têxtil algodoeira inglesa, diz ao professor Nassau W. Sênior:

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“Quando um trabalhador agrícola põe de lado sua pá, torna inútil um capital de 18 pence, durante o período em que ela está parada. Quando um dos nossos” (ele se refere aos trabalhadores das fábricas) “abandona a fábrica, torna inútil um capital que custa 100.000 libras esterlinas”.

Vejam só! Tornar inútil, ainda que por um instante, um capital que custou 100.000 libras esterlinas! É realmente de clamar aos céus que um dos nossos pense em abandonar a fábrica. O domínio crescente da maquinaria torna “desejável” o prolongamento crescente do dia de trabalho, conforme reconhece Senior, doutrinado por Ashworth. A máquina produz mais valia relativa diretamente, ao depreciar a força de trabalho, indiretamente, ao baratear as mercadorias que entram na reprodução dessa força, e, ainda, em suas primeiras aplicações esporádicas, transformando em trabalho potenciado, de maior eficácia, o trabalho empregado, ficando o valor individual de seu produto inferior ao social e capacitando o capitalista a cobrir o valor diário da força de trabalho com menor porção de valor do produto diário. Nesse período de transição em que a produção mecanizada assume o aspecto de monopólio, os lucros são extraordinariamente altos e o capitalista procura explorar ao máximo essa lua-de-mel, prolongando ao máximo possível o dia de trabalho. Quanto mais lucra, mais quer lucrar. Ao generalizar-se o uso da maquinaria no mesmo ramo de produção, cai o valor social do produto da máquina ao nível do valor individual, impondo-se a lei, segundo a qual, a mais valia não deriva das forças de trabalho que o capitalista substitui com a máquina mas das forças de trabalho nela ocupadas. A mais valia origina-se apenas da parte variável do capital, e vimos que a quantidade da mais valia é determinada por dois fatores: a taxa da mais valia e o número dos trabalhadores empregados ao mesmo tempo. Dada a jornada de trabalho, a taxa da mais valia é determinada pela proporção em que a jornada se reparte em trabalho necessário e trabalho excedente. O número dos trabalhadores ocupados depende da proporção existente entre capital variável e capital constante. É claro que a produção mecanizada, por mais que amplie, Página 44 de 53

aumentando a produtividade do trabalho, o trabalho excedente às custas do trabalho necessário, só obtém esse resultado diminuindo o número dos trabalhadores ocupados por dado montante de capital. Ela transforma uma parte do capital que antes era variável, investindo em força viva de trabalho, em maquinaria, em capital constante, que não produz mais valia. É impossível, por exemplo, que dois trabalhadores forneçam tanta mais valia quanto 24. Se cada um dos 24 trabalhadores proporcionar em 12 horas apenas 1 hora de trabalho excedente, proporcionarão em conjunto 24 horas de trabalho excedente, enquanto o trabalho total de 2 será apenas de 24 horas. Há, portanto, uma contradição imanente na aplicação da maquinaria para produzir mais valia, pois dos 2 fatores da mais valia obtida com um capital de magnitude dada, um fator, a taxa da mais valia, só pode ser aumentado por essa aplicação, se ela diminuir o outro fator, o número de trabalhadores. Essa contradição imanente se patenteia, quando, com o emprego generalizado da maquinaria num ramo industrial, o valor da mercadoria produzida à maquina regula o valor de todas as mercadorias da mesma espécie, e é essa contradição que por sua vez impele o capitalista, sem tomar consciência dela, a prolongar desmedidamente a jornada de trabalho, a fim de compensar a redução do número relativo dos trabalhadores explorados, com o aumento tanto do trabalho excedente relativo quanto do absoluto. A aplicação capitalista da maquinaria cria motivos novos e poderosos para efetivar a tendência de prolongar sem medida o dia de trabalho e revoluciona os métodos de trabalho e o caráter do organismo de trabalho coletivo de tal forma que quebra a oposição contra aquela tendência. Demais, ao recrutar para o capital camadas da classe trabalhadora que antes lhe eram inacessíveis, e ao dispensar trabalhadores substituídos pela máquinas, produz uma população trabalhadora excedente, compelida a submeter-se à lei do capital. Daí esse estranho fenômeno da história da indústria moderna: a máquina põe abaixo todos os limites morais e naturais da jornada de trabalho. Daí o paradoxo econômico que torna o mais poderoso meio de encurtar o tempo de trabalho no meio mais infalível de

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transformar todo o tempo da vida do trabalhador e de sua família em tempo de trabalho de que pode lançar mão o capital para expandir seu valor.7 [...] O instrumento de trabalho, ao tomar a forma de máquina, logo se torna concorrente do próprio trabalhador. A auto-expansão do capital através da máquina está na razão direta do número de trabalhadores cujas condições de existência ela destrói. Todo o sistema de produção capitalista baseia-se na venda da força de trabalho como mercadoria pelo trabalhador. A divisão manufatureira do trabalho particulariza essa força de trabalho, reduzindo-a à habilidade muito limitada de manejar uma ferramenta de aplicação estritamente especializada. Quando a máquina passa a manejar a ferramenta, o valor-de-troca da força de trabalho desaparece ao desvanecer seu valor-de-uso. O trabalhador é posto fora do mercado como o papel-moeda retirado de circulação. A parte da classe trabalhadora que a maquinaria transforma em população supérflua, não mais imediatamente necessária à auto-expansão do capital, segue uma das pontas de um dilema inarredável: ou sucumbe na luta desigual dos velhos ofícios e das antigas manufaturas contra a produção mecanizada, ou inunda todos os ramos industriais mais acessíveis, abarrotando o mercado de trabalho e fazendo o preço da força de trabalho cair abaixo do seu valor. Para os trabalhadores lançados à miséria é um grande consolo, dizem, serem apenas temporários seus sofrimentos; outro consolo decorreria de a máquina apropriar-se, apenas pouco a pouco, de um ramo inteiro de produção, com o que se reduz a extensão e a intensidade dos seus efeitos destruidores. Os dois consolos se anulam. Quando a máquina se apodera, pouco a pouco, de um ramo de produção, produz ela miséria crônica na camada de trabalhadores com que concorre. Quando a transição é rápida, seus efeitos são enormes e agudos. A História não oferece nenhum espetáculo mais horrendo que a extinção progressiva dos tecelões manuais ingleses, arrastando-se durante decênios e consumando-se finalmente em 1838.

7

Um dos grandes méritos de Ricardo foi ter compreendido que a maquinaria não era apenas meio de produzir mercadorias, mas também população excedente. Página 46 de 53

Muitos deles morreram de fome, muitos vegetaram por longos anos com suas famílias.

A FÁBRICA

Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, serve à máquina. Naqueles, procede dele o movimento do instrumental de trabalho; nesta, tem de acompanhar o movimento do instrumental. Na manufatura, os trabalhadores são membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, eles se tornam complementos vivos de um mecanismo morto que existe independente deles. O trabalho na fábrica exaure os nervos ao extremo, suprime o jogo variado dos músculos e confisca toda a atividade livre do trabalhador, física e espiritual (F. Engels). Até as medidas destinadas a facilitar o trabalho se tornam meio de tortura, pois a máquina, em vez de libertar o trabalhador do trabalho, despoja o trabalho de todo interesse. Sendo, ao mesmo tempo, processo de trabalho e processo de criar mais valia, toda produção capitalista se caracteriza por o instrumental de trabalho empregar o trabalhador e não o trabalhador empregar o instrumental de trabalho. Mas, essa inversão só se torna uma realidade técnica e palpável com a maquinaria. Ao se transformar em autômato, o instrumental se confronta com o trabalhador, durante o processo de trabalho, como capital, trabalho morto que domina a força de trabalho viva, a suga e exaure. A separação entre as forças intelectuais do processo de produção e o trabalho manual e a transformação delas em poderes de domínio do capital sobre o trabalho se tornam uma realidade consumada na grande indústria fundamentada na maquinaria. A habilidade especializada e restrita do trabalhador individual, despojado, que lida com a máquina, desaparece como uma quantidade infinitesimal diante da ciência, das imensas forças naturais e da massa de trabalho social, incorporadas ao sistema de máquinas e formando com ele o poder do patrão. No cérebro deste estão indissoluvelmente unidos a

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maquinaria e o monopólio patronal sobre ela e, por isso, o patrão, nas divergências com os trabalhadores, a estes se dirige depreciativamente:

“Os trabalhadores das fábricas deveriam lembrar-se agradecidos de que seu trabalho é de baixa qualificação, não havendo nenhuma outra espécie mais fácil de ser adquirido ou melhor remunerado, considerada sua qualidade; nem mais fácil de ser aprendido pelo menos experimentado e pelo maior número. A maquinaria do patrão desempenha, de fato, na atividade da produção, papel muito mais importante que o trabalho e a habilidade do trabalhador, que se podem aprender em 6 meses de instrução, estando ao alcance de qualquer braceiro do campo.”

Ver-se-á, depois, que o patrão fala outra linguagem quando se sente ameaçado de perder seus autômatos vivos. A subordinação técnica do trabalhador ao ritmo uniforme do instrumental e a composição peculiar do organismo de trabalho, formado por indivíduos de ambos os sexos e das mais diversas idades, criam uma disciplina de caserna, que vai ao extremo no regime integral de fábrica. Por isso, desenvolve-se plenamente o

trabalho

de

supervisão

anteriormente

mencionado,

dividindo-se

os

trabalhadores em trabalhadores manuais e supervisores de trabalho, em soldados rasos e em suboficiais do exército da indústria. Através do código de fábrica, o capital formula, legislando particular e arbitrariamente, sua autocracia sobre os trabalhadores, pondo de lado a divisão dos poderes tão proclamada pela burguesia e o mais proclamado ainda regime representativo. O código é apenas a deformação capitalista da regulamentação social do processo de trabalho, que se torna necessária com a cooperação em grande escala e com a aplicação de instrumental comum de trabalho, notadamente a maquinaria. O látego (açoite) do feitor de escravos se transforma no regulamento penal do supervisor. Todas as penalidades se reduzem naturalmente a multas e descontos salariais, e a sagacidade legislativa Página 48 de 53

desses Licurgos de fábrica torna a transgressão de suas leis, sempre que possível, mais rendosa que a observância delas. [...] A enorme destruição de máquinas nos distritos manufatureiros ingleses durante os primeiros 15 anos do século XIX, provocada principalmente pelo emprego do tear a vapor, conhecida pelo nome de movimento luddita, proporcionou aos governos antijacobinos de Sidmouth, Castlereagh e quejandos [que tem a mesma natureza ou qualidade] o pretexto para as mais reacionárias medidas de violência. Era mister tempo e experiência para o trabalhador aprender a distinguir a maquinaria de sua aplicação capitalista e atacar não os meios materiais de produção, mas a forma social em que são explorados.

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ARTESANATO

MANUFATURA

FÁBRICA

INDÚSTRIA

Mercadoria feita pelo artesão, em todas as suas fases; do início ao fim.

Mercadoria feita em regime de colaboração, com a distribuição das fases do trabalho entre diversos trabalhadores, sem máquinasferramenta.

Emprego de máquinasferramenta.

Predomínio das fábricas, ou seja, das oficinas com máquinasferramenta.

O trabalhador se serve da ferramenta.

O trabalhador se serve da ferramenta.

O trabalhador serve à máquina.

Procede do trabalhador o movimento do instrumental de trabalho.

Procede do trabalhador o movimento do instrumental de trabalho.

O trabalhador tem de acompanhar o movimento ou instrumental de trabalho (a máquina).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 1 – O ponto de partida da produção capitalista, diferente da produção artesanal, é a cooperação8, ou seja, “a atuação simultânea de grande número de trabalhadores, no mesmo local, ou, se se quiser, no mesmo campo de atividade, para produzir a mesma espécie de mercadoria sob o comando do mesmo capitalista”. 2 – A cooperação fundada na divisão do trabalho adquire sua forma clássica na manufatura. Predomina como forma característica do processo de produção capitalista durante o período manufatureiro propriamente dito, que, grosso modo, vai de meados do século XVI ao último terço do século XVIII. É um capitalismo manufatureiro, não é ainda um capitalismo industrial. No capitalismo manufatureiro, o comércio domina a produção. No capitalismo industrial, a produção domina o comércio. É a Revolução Industrial, surgida com a máquinaferramenta e o vapor, que tira do poder a burguesia comercial para, em seu lugar, colocar a burguesia industrial. Com a Revolução Industrial, o mundo entra definitivamente na era capitalista. O modo de produção capitalista, com a Revolução Industrial, se propaga e se consolida mundo afora. 3 – A manufatura nasce quando são concentrados numa oficina (oficina não é a mesma coisa que fábrica9), sob o comando do mesmo capitalista, trabalhadores de ofícios diversos e independentes, por cujas mãos tem de passar um produto até seu acabamento final. Na manufatura não existem máquinas-ferramenta. 4 - Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, serve à máquina. Na manufatura e no artesanato procede dele o movimento do instrumental de trabalho; na fábrica, tem de acompanhar o movimento do instrumental. 5 – Indústria é diferente de manufatura porque nela, na indústria, predominam as oficinas que funcionam com o emprego de máquinas-ferramenta, ou seja: as fábricas. 8

“Chama-se de cooperação a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos.” (p. 7) “A cooperação é a forma fundamental do modo de produção capitalista.” (p. 13) 9 Fábrica é uma oficina que funciona com o emprego de máquinas-ferramenta. (p. 33) Página 50 de 53

A Revolução Industrial é parte de um processo histórico que tem início com o renascimento do comércio na Europa Ocidental. Comércio cujos comerciantes eram, em geral, também produtores de mercadorias (os artesãos), que se organizavam em corporações de ofícios. Num dado momento, surge o comerciante desvinculado da produção (o chamado capital comercial) que, diante de um mercado mundial em expansão, se dá conta das limitações da produção artesanal. Vai concentrar artesãos no mesmo local de trabalho, disponibilizar para eles os instrumentos de trabalho, as matérias-primas. Esses artesãos concentrados, nada mais tendo do que a sua própria força de trabalho para venderem, tornam-se assalariados. O processo de trabalho, ao subordinar-se ao capital, transforma-se em trabalho cooperativo10. É o nascimento da manufatura sob o comando de um personagem também novo na história: o capitalista, que derrota as corporações na batalha econômica. Na manufatura, o artesão perde a sua capacidade de exercer seu antigo ofício em toda a sua extensão, dada a divisão do trabalho que nela opera. Desaparece o artesão; surge o trabalhador parcial, o germe da futura classe operária. Mas o mercado mundial não pára de crescer, e nem a manufatura dá mais conta da produção necessária para abastecê-lo. Nela há uma limitação séria: a operação continua manual, artesanal, dependendo da força, da habilidade, da rapidez e segurança do trabalhador individual ao manejar seu instrumento. O capitalista divide ao extremo o processo de trabalho, até que, num dado momento, aparece a máquina-ferramenta11, que garante a qualidade e a quantidade das mercadorias que antes dependiam da habilidade do trabalhador. 10

“(...) a cooperação aparece como forma específica do processo de produção capitalista, em contraste com o processo de produção de trabalhadores isolados independentes ou mesmo dos pequenos patrões. A transformação que torna cooperativo o processo de trabalho é a primeira [transformação] que esse processo [o processo de trabalho] experimenta realmente ao subordinar-se ao capital. [Dito de outra forma, o processo de trabalho, ao subordinar-se ao capital, transforma-se em trabalho cooperativo, espécie de trabalho mais produtivo do que as espécies anteriores]. Essa transformação se opera naturalmente. Seu pressuposto, emprego simultâneo de numerosos assalariados ao mesmo processo de trabalho, constitui o ponto de partida da produção capitalista. Esse ponto de partida marca a existência do próprio capital.” (pp. 12 e 13) 11 O motor e a transmissão existem apenas para transmitir movimento à máquina-ferramenta que se apodera do objeto de trabalho e o transforma de acordo com o fim desejado. É desta parte da maquinaria, a máquina-ferramenta, que parte a revolução industrial no século XVIII. E a máquinaPágina 51 de 53

A máquina impõe o seu ritmo de trabalho, não mais o trabalhador. Máquinas-ferramenta colocadas em cooperação na agora fábrica, precisam de força motriz poderosa, cuja matriz energética seja estável e elástica, e que não dependa de caprichos da natureza, como a hidráulica, por exemplo. É somente aí que surge a necessidade histórica da máquina a vapor, movida a carvão e água, que, se produzida em outro contexto, provavelmente seria apenas uma curiosidade científica. 12 Não é a Revolução Industrial o produto da máquina a vapor. Pelo contrário, é a máquina a vapor o produto da necessidade histórica de uma revolução nos meios de produção, tais como o foram, como exemplos, a descoberta do fogo, a invenção do arco-e-flecha, da agricultura, feitas há milênios13. O emprego generalizado da máquina a vapor é, portanto, filho da Revolução Industrial, não o contrário. E no plano tecnológico, também não é na força motriz que reside a essência da Revolução Industrial: é na máquinaferramenta,

que

antecede

historicamente

o

vapor,

e

que

continuou

revolucionando os meios de produção com o emprego de outras forças motrizes, como os motores elétricos ou à explosão, naquilo que ficou conhecido como Segunda Revolução Industrial.

ferramenta continua a servir de ponto de partida sempre que se trata de transformar um ofício ou manufatura em exploração mecanizada [é a máquina-ferramenta quem substitui a habilidade do artesão ou do trabalhador parcial. Com a máquina-ferramenta, o capitalista deixa de depender da força, da habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual.]. A máquina-ferramenta é um mecanismo que, ao lhe ser transmitido o movimento apropriado, realiza com suas ferramentas as mesmas operações que eram antes realizadas pelo trabalhador com ferramentas semelhantes. Provenha a força motriz do homem ou de outra máquina, a coisa não muda em sua essência. [a máquina se transforma num coletivo de ferramentas, e o trabalhador, ao invés de operar uma só ferramenta, opera – com o auxílio da máquina – várias ferramentas ao mesmo tempo, simultaneamente.]. (pp. 27-28) Uma furadeira elétrica, dentro deste aparato conceitual, é uma ferramenta. Furadeiras elétricas operadas simultaneamente, por um mesmo trabalhador, por intermédio de um mecanismo qualquer (mecânico, por exemplo), é uma máquina. 12 “A própria máquina a vapor na forma em que foi inventada no fim do século XVII, durante o período manufatureiro, e em que subsistiu até ao começo da década dos 80 do século XVIII, não provocou nenhuma revolução industrial. [NÃO FORAM AS MÁQUINAS EM GERAL QUE FIZERAM A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL; FORAM AS MÁQUINAS-FERRAMENTA QUE A FIZERAM; eis a questão]. Foi, ao contrário, a criação das máquinas-ferramenta que tornou necessária uma revolução na máquina a vapor.” (p. 30) 13 Se vivêssemos num lugar onde todos os objetos das nossas necessidades materiais estivessem ao alcance das mãos, tal como no paraíso mitológico de Adão e Eva, não precisaríamos do fogo para nada. O fogo, nestas condições, seria um divertimento, uma curiosidade, mas nunca o produto de uma necessidade histórica de uma revolução nos meios de produção, pela simples razão de, num lugar como esse, inexistir a necessidade de se produzir alguma coisa. Página 52 de 53

Assim como os tanques, a aviação de guerra e tantas outras inovações tecnológicas no campo militar não foram as causas das guerras mundiais do século XX, não foi a invenção da máquina-ferramenta ou da máquina a vapor, ou de qualquer outra máquina, a causa da Revolução Industrial. O ponto de partida de qualquer processo histórico, como a Revolução Industrial, por exemplo, nunca é de natureza tecnológica; é sempre de natureza econômico-social, ou sóciocultural, como queiram. A necessidade social é quem determina, em última instância, a aplicação de inovações tecnológicas, sejam elas fruto de uma investigação metódica, sejam elas produto do acaso histórico. A técnica de fabricar papel-moeda, sem o qual o desenvolvimento do comércio em escala universal não seria possível, não explica o mercado mundial. Exemplificando ao extremo, admitindo ser um índio qualquer, sob um regime de comunidade primitiva, capaz de produzir papel com qualidade para cumprir as funções de moeda, tal papel seria apenas e tão-somente algo de interessante, de curioso, nada mais do que isso para a sua comunidade, porque para um papel-moeda ser útil, não apenas como papel mas como papel-moeda, é necessário haver propriedade privada, produção para um mercado e não para o próprio consumo, Estado, enfim, elementos que a comunidade primitiva desconhece. Não é na história da tecnologia que compreenderemos a Revolução Industrial; é na história das sociedades, das relações de propriedade sobre os meios de produção que os homens estabeleceram entre si, seja lá como, naquela época (século XIX), naquela região (Europa Ocidental), para dar continuidade à vida. É nessa história das relações sociais de produção que encontraremos os fatores causais das permanências e das mudanças nas sociedades. As revoluções tecnológicas fazem parte desta história social, mas não substituem a história social, que é de carne e osso. Prestam-se a esquemas globais explicativos da evolução sócio-cultural, sem dúvidas, mas não descem ao nível estrutural dos fatores causais, em última instância determinantes, a saber: a história das classes sociais e da eterna luta entre elas. Evandro de Oliveira Machado Em 28 de junho de 2010. Ou ficar a Pátria Livre! Ou morrer pelo Brasil. Página 53 de 53

Que características estabelecem a diferença entre a indústria moderna e o artesanato?

Artesanato, em sua maioria,é feito com suas próprias mãos utilizando algumas ferramentas, mas tudo feito por trabalho manual. Já indústria moderna, os produtos são feitos por máquinas.

Qual a diferença entre a indústria e o artesanato?

O ato do artesão transforma uma matéria-prima em produto diferenciado, artesanal e em pequenas escalas. A indústria mecaniza o processo e faz esse mesmo produto em grande escala e em menor tempo. Um é trabalho manual, o outro, trabalho de uma máquina.

O que é artesanato na indústria moderna?

Artesanato – estágio em que o produtor (artesão) executa sozinho todas as fases da produção e até mesmo a comercialização do produto. O modo de produzir artesanal prevaleceu até por volta do século XVII, mas ainda pode ser encontrado em vários países do mundo.

Quais são as principais diferenças entre artesanato e manufatura?

A diferença entre artesanato de manufatura está no fato de que o artesão realiza todo o processo produtivo do início ao fim, enquanto que nas manufaturas já existem princípios básicos de divisão do trabalho.