Sobre a função do diagnóstico psicopedagógico, podemos afirmar que é

Relato de Experiência - Ano 2004 - Volume 21 - Edição 66

Diagnósticos em psicopedagogia

Sônia Moojen

RESUMO

Um modelo de diagnóstico psicopedagógico é proposto com base na diferença entre Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem. No que tange às Dificuldades de Aprendizagem, dois tipos de problemas são levados em conta: A) os naturais e/ou de percurso: dificuldades que todos os indivíduos experimentam em algum momento de sua vida escolar e/ou conteúdo disciplinar, e B) as dificuldades secundárias a outros distúrbios: deficiência mental ou sensorial, assim como aquelas causadas por quadros neurológicos mais graves ou transtornos emocionais significativos. Transtornos de Aprendizagem, conforme o CID-10 e o DSM-IV, abrangem aqueles casos manifestados por um comprometimento específico e significativo na leitura, escrita e matemática -substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarização ou nível de inteligência - e que não sejam resultado direto de outros transtornos. Dificuldades de Aprendizagem e Transtornos de Aprendizagem podem ocorrer simultaneamente. A avaliação psicopedagógica deve ser a mais abrangente possível e realizada no mais curto prazo. Alguns casos requerem um período de tratamento psicopedagógico para que um diagnóstico mais abalizado possa ser efetuado ou, ainda, necessitam de uma complementação através de uma avaliação psicológica e/ou neurológica.

Palavras-chave: Transtornos de aprendizagem, diagnóstico. Aprendizagem. Diagnóstico diferencial. Técnicas de diagnóstico e procedimentos.

ABSTRACT

A diagnostic model in Psychopedagogy is proposed based on the difference between Learning Difficulty and Learning Disability. When dealing with Learning Difficulties two kinds of problems are taken into account: a) natural: difficulties everyone experiences one time or another on certain subject matters during his school period, and b) secondary difficulties (to other pathologies): deficiencies either mental and/or sensorial, as well as those caused by severe neurological impairments, or significant emotional disorders. Learning Disabilities, as per CID10 and the DSM-IV, encompass those cases manifested by specific and significant impairments in reading, writing or mathematics, far below the student's age and his expected schooling and intelligence levels, which are not a direct result from other deficiencies. Learning Difficulties and Learning Disabilities may co-occur. The psychopedagogical evaluation should be as broad as possible, and be quickly presented. Some cases may demand a certain treatment period to be fully diagnosed, and/or a complementation by a psychodiagnostic or neurological evaluation.

Keywords: Learning disorders, diagnosis. Learning. Differential diagnosis. Diagnostic techniques and procedures.


INTRODUÇÃO

Problemas na aprendizagem sempre existiram. A valorização nas diferentes sociedades culturais determina o seu peso e conseqüências para o indivíduo e para seu meio.

Refere Perrenoud1 que:

"Nas primeiras sociedades humanas nem todos podiam pretender exercer o poder, prever o futuro, abastecer o clã, cuidar das doenças ou interceder junto aos deuses com o mesmo sucesso. Alguns conheciam melhor o terreno, tinham melhores estratégias, compreendiam melhor as leis da natureza e eram, por isso, melhores caçadores, criadores, guerreiros, chefes ou feiticeiros."

Em nossa cultura atual, espera-se que a leitura e a escrita sejam adquiridas, em um altíssimo grau de perícia, por toda a população. Conforme refere Sanchez2, isto se constitui em um desafio sem precedentes. Lembra o autor que todas as culturas conseguem, aparentemente sem esforço, que alguns de seus membros consigam uma competência total em uma atividade (ex.: escribas no mundo antigo). Conseguem também que todos seus membros evidenciem algum grau de maestria em certo número de tarefas básicas (manejar eletrodomésticos, alcançar algum grau de alfabetização). Para o autor, a pessoas devem que ter consciência de que é excepcional que uma sociedade proponha a todos alcançar uma competência total em um domínio. Um amplo número de indivíduos não consegue competência completa na leitura-escrita. Nessa perspectiva as dificuldades para operar com a linguagem escrita são, em definitivo, um fenômeno da civilização.

A universalização da plena alfabetização é um projeto cultural e político irrenunciável, porém inédito2.

O trabalho do psicopedagogo se insere nesta perspectiva: tentar reconduzir os que têm dificuldades nas aprendizagens escolares ao mundo da cultura, resgatando seu prazer em novas aprendizagens.

Há vários fatores que dificultam ou impedem a aprendizagem, por isso sua identificação é fundamental para a ação psicopedagógica.

Existe uma sintomatologia muito ampla na área da aprendizagem da leitura, escrita e matemática, decorrente de uma diversidade de fatores etiológicos. Por essa razão, é necessária a adequação terminológica para permitir uma comunicação mais exata entre os profissionais da área, particularmente psicopedagogos, fonoaudiólogos, psicólogos, psiquiatras, neurologistas e professores.

Termos como ‘dificuldades', ‘problemas', ‘discapacidades', transtornos', ‘distúrbios' vêm sendo usados indistintamente na literatura e pelos diferentes especialistas ligados ao tema, muitas vezes para designar problemas diferentes.

Na década de 70, Julio Bernaldo de Quirós3, neurologista argentino, preocupado com o caos diagnóstico na área da lecto-escrita descrevia quadros diagnósticos tais como: Dislexia Específica de Evolução, Dispraxia Óculo-motora Congênita, Disfasia Escolar, Disleria e Transtorno Postural.

Naquela época, eu tentava identificar em meus pacientes características destes quadros. Confesso que nem sempre conseguia, mas já valorizava a tentativa deste cientista de dar uma ordem para o caos de sintomas apresentados pelos pacientes.

É importante esclarecer que este modelo de diagnóstico em psicopedagogia que será apresentado é uma das formas de avaliação psicopedagógica. Há outras que estão na dependência da formação, postura teórica, ritmo e habilidades de cada psicopedagogo. Por traduzir ações e decisões próprias, em alguns momentos, utilizo a primeira pessoa neste relato.

Diagnosticar não é rotular. Um engano comum diz respeito a se pensar que uma classificação de transtornos mentais rotula pessoas, quando, na verdade, o que se classificam são os transtornos que as pessoas apresentam. Além disso, conforme é referido no CID-104: "Uma classificação é um modo de ver o mundo de um ponto no tempo. Não há dúvida de que o progresso científico e a experiência com o uso dessas diretrizes irão requerer suas revisões e atualizações".

DIAGNÓSTICOS EM PSICOPEDAGOGIA

De uma maneira geral, pode-se estabelecer a diferenciação entre Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem.

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Em relação a "Dificuldades de Aprendizagem", consideram-se duas categorias de problemas: os "naturais" (ou de percurso) e os problemas secundários a outros distúrbios.

As dificuldades "naturais" (de percurso) referem-se àquelas dificuldades experimentadas por todos os indivíduos em alguma matéria e/ou algum momento de sua vida escolar. Os fatores causadores dessas dificuldades podem estar relacionados a aspectos evolutivos ou serem decorrentes de inadequada metodologia, de padrões de exigência da escola, de falta de assiduidade do aluno e de conflitos familiares eventuais. Também estariam incluídos nessa categoria os problemas que os alunos apresentam na 1ª e/ou na 2ª série e que ainda não foram identificados como ‘Transtornos de Aprendizagem', já que este último diagnóstico requer certa persistência da dificuldade.

Freqüentemente, um maior esforço consciente ou um trabalho pedagógico complementar é suficiente para uma solução satisfatória das dificuldades. Na prática psicopedagógica observa-se que os sintomas que motivaram a consulta se esbatem rapidamente.

Descrevo, no livro de Rubinstein Psicopedagogia: uma prática e diferentes estilos5, o caso de Rodrigo com dificuldades na alfabetização e que após três meses de terapia psicopedagógica retomou o curso normal de seu desenvolvimento escolar.

Nas dificuldades secundárias a outros quadros diagnósticos, os problemas na aprendizagem escolar são conseqüência de outras dificuldades que podem ser bem detectadas e que atuam, primariamente, sobre o desenvolvimento humano normal e, secundariamente, sobre as aprendizagens específicas. Nessa subcategoria estão incluídos os portadores de deficiência mental, sensorial, e aqueles com quadros neurológicos mais graves ou com transtornos emocionais significativos. Alguns dos quadros específicos relacionados à área psicopedagógica são a hiperlexia, a "variedade jardim" (garden variety* ), entre outros.

Para a caracterização das dificuldades secundárias há necessidade de diálogo com outros profissionais, particularmente psicólogos, psiquiatras e neurologistas.

Considerando a área emocional, sabe-se que os transtornos de personalidade, sobretudo pela característica de ataque ao desenvolvimento dessa personalidade, impedem mais a aprendizagem por atingirem o comportamento da criança. Os transtornos invasivos interferem na capacidade de pensar e os transtornos relacionados a uma doença clínica psiquiátrica interferem tanto na área do comportamento como na área da ideação e do humor, afetando a capacidade de concentração, de motivação e a possibilidade de deixar livre o espaço mental para que a memória e associação de idéias possam operar.

Além do atendimento à área emocional por parte dos profissionais da área, muitas vezes é requerido simultaneamente trabalho psicopedagógico com abordagens diferenciadas.

Igualmente na área neurológica, quadros como Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade, lesões cerebrais, crises epilépticas -tipo ausência - e outras condições relacionadas a alterações sensoriais determinam alterações na aprendizagem.

É importante salientar que os transtornos citados tanto da área neurológica quanto psicológica podem ser comórbidos com Transtornos de Aprendizagem e isto torna ainda mais complexo o diagnóstico psicopedagógico. Nesse caso as alterações na aprendizagem podem exceder àquelas habitualmente associadas com o déficit primário.

Estudo de Caso: Dificuldades Secundárias de Aprendizagem

Caso 1: Anelise, com 11 anos e cursando a 6ª série, realiza avaliação psicopedagógica, dadas as seguintes queixas: mau desempenho escolar (ficou em recuperação em 7 disciplinas no ano anterior); não entrega de tarefas; desempenho irregular; problemas de relacionamento e fobias.

Da história pregressa não há dados significativos de alterações no desenvolvimento: choros até o 3º mês (fome e cólicas); distúrbio de sono e respiração bucal por rinite alérgica.

Consultadas duas escolas freqüentadas pela menina, as queixas eram as mesmas:

  • dificuldades na ortografia e produção textual;
  • dificuldades na matemática;
  • problemas de relacionamento com colegas;
  • timidez, não pergunta embora pareça atenta.
  • A síntese da avaliação psicopedagógica foi a seguinte:

  • sintomas de ardência nos olhos, sono e lacrimejamento ao ler;
  • freqüência de erros ortográficos em nível levemente inferior ao esperado para a faixa de escolaridade;
  • produção textual empobrecida;
  • dificuldades de integração perceptiva;
  • desempenho cognitivo operatório concreto (fase I) parcialmente compatível com sua faixa etária.
  • CONCLUSÃO

    As dificuldades apresentadas por Anelise nesta avaliação não parecem configurar um quadro de Transtorno de Aprendizagem. Sugerese avaliação psicológica e ortóptica para configurar melhor o diagnóstico.

    Solicitada avaliação psicológica, os resultados indicaram um desempenho intelectual em nível médio e um diagnóstico psicológico de Transtorno Oposicional Desafiante, segundo DSM-IV6.

    Portanto, as dificuldades de aprendizagem pareciam ser decorrentes dessa situação e também das alterações constatadas em sua musculatura ocular.

    Foram indicados os seguintes procedimentos:

  • psicoterapia;
  • tratamento ortóptico, já que apresentava estrabismo latente alternante para perto, com grande insuficiência de convergência. Foi necessário início imediato no tratamento, pois o desvio para perto era muito grande;
  • acompanhamento com Amiga Pedagógica Qualificada que, orientada pela psicopedagoga, auxiliou na recuperação dos conteúdos em defasagem.
  • TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM

    A descrição dos Transtornos de Aprendizagem tem por base os dois principais manuais internacionais de diagnóstico:

  • o CID-104, elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e concluído em 1992, com apoio de pesquisadores e clínicos em cerca de 50 países;
  • o DSM-IV6, organizado pela Associação Psiquiátrica Americana e publicado em 1994, com o auxílio de mais de 60 organizações e associações de diversas partes do mundo. O DSM-IV- TR publicado em 2000 não apresentou nenhum avanço em relação ao seu antecessor.
  • Ambos manuais reconhecem a falta de exatidão do termo ‘transtorno', justificando seu emprego para evitar problemas ainda maiores, inerentes ao uso das expressões ‘doença' ou ‘enfermidade'.

    O termo ‘transtorno' é usado no CID-104 para indicar a "existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais" .

    No DSM-IV6, "cada um dos transtornos mentais é conceitualizado como uma síndrome ou padrão comportamental ou psicológico clinicamente importante, que ocorre em um indivíduo e que está associado com:

  • sofrimento (por exemplo, sintoma doloroso);
  • ou incapacitação (por exemplo, prejuízo em uma ou mais das áreas importantes do funcionamento);
  • ou com risco significativamente aumentado de sofrimento atual, morte, dor, deficiência ou uma perda importante da liberdade".
  • A caracterização geral dos Transtornos de Aprendizagem não difere muito nesses manuais.

    O DSM-IV6 situa os Transtornos de Aprendizagem no Eixo 1 na categoria dos Transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou adolescência e conceitua:

    "Os Transtornos de Aprendizagem são diagnosticados quando os resultados do indivíduo em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarização ou nível de inteligência. Os problemas na aprendizagem interferem significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades de leitura, matemática ou escrita. Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades de aprendizagem podem exceder aquelas habitualmente associadas com o déficit. Os Transtornos de Aprendizagem podem persistir até a idade adulta".

    O CID-104 denomina, mais especificamente, os Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares situando-os dentro da categoria dos Transtornos do Desenvolvimento Psicológico. Abrange:

    "grupos de transtornos manifestados por comprometimentos específicos e significativos no aprendizado de habilidades escolares. Estes comprometimentos no aprendizado não são resultado direto de outros transtornos (tais como retardo mental, déficits neurológicos grosseiros, problemas visuais ou auditivos não corrigidos ou perturbações emocionais), embora eles possam ocorrer simultaneamente em tais condições.

    Os TEDHE freqüentemente ocorrem junto com outras síndromes clínicas (tais como transtorno de déficit de atenção ou transtorno de conduta) ou outros transtornos do desenvolvimento (tais como transtorno específico da função motora ou transtornos específicos do desenvolvimento da fala e linguagem)".

    Ambos manuais apresentam basicamente três tipos de transtornos específicos: da leitura, da expressão escrita (ou soletração) e das habilidades matemáticas (o menos estudado). Podem-se estabelecer três níveis de gravidade: leve, moderado e severo. Na minha perspectiva, considero Dislexia somente o nível severo de transtorno, que acompanha o indivíduo por toda a vida.

    A caracterização apresentada acima é geral e não é suficiente para dar conta da especificidade das alterações abrangidas pelo conceito, por isso o destaque feito a seguir a algumas questões pontuais com base, principalmente no CID-104 que é o manual que melhor aprofunda a questão.

    1) Grau de comprometimento na habilidade especificada (leitura, escrita ou matemática)

    A indicação dos manuais é no sentido de haver um grau significativo de comprometimento, medido por testes padronizados, apropriados à cultura e ao sistema educacional. O nível de realização da criança deve estar substancialmente abaixo do esperado para uma criança com a mesma idade, nível mental e de escolarização.

    Caberia comentar dois aspectos desta proposição. O primeiro deles é a questão do grau significativo de comprometimento nas habilidades escolares. Como julgar a significância do comprometimento?

    Considerando a dificuldade para estabelecer o nível de significância do comprometimento, DSM-IV6 aponta alguns critérios que auxiliam, em parte, esta tarefa:

  • em gravidade (um grau que pode ocorrer em menos de 3% das crianças em idade escolar);
  • em precursores do desenvolvimento (dificuldades precedidas por atrasos ou desvios de desenvolvimento mais freqüentemente em linguagem) nos anos pré-escolares;
  • em problemas associados (desatenção, hiperatividade, perturbação emocional ou dificuldades de conduta);
  • no padrão (presença de anormalidades qualitativas que não são usualmente parte do desenvolvimento normal);
  • na resposta (dificuldades escolares não são rápida e prontamente resolvidas por maior ajuda em casa e/ou na escola).
  • Uma segunda questão é a expressa pelos termos: substancialmente abaixo do esperado.

    Embora os manuais refiram quantitativamente a média de dois anos abaixo do desempenho esperado para uma criança com a mesma idade, nível mental e de escolarização, esse espaço de tempo não seria útil para diferenciação uma vez que, por exemplo, um retardo de leitura de 2 anos aos 8 anos de idade cronológica seria muito diferente de um retardo de 2 anos aos 14 anos de idade cronológica.

    Dessa forma, mesmo considerando todas as dificuldades para estabelecer o grau de comprometimento, fica clara a idéia de que somente se pode suspeitar de um diagnóstico de Transtorno de Aprendizagem após dois anos de escolaridade, já que o problema tem que ser persistente.

    2) Época de aparecimento

    O comprometimento na habilidade escolar especificada deve ser de desenvolvimento, no sentido que deve ter estado presente durante os primeiros anos de escolaridade e não ser adquirido mais tarde no processo educacional.

    3) Prognóstico

    Os problemas que as crianças apresentam são mais persistentes e não evoluem, apesar de um trabalho pedagógico individualizado. Traços desses transtornos, particularmente nos casos mais severos de Transtornos de Aprendizagem na Leitura e na Escrita, também chamados de Dislexia, podem evoluir até a vida adulta. Alguns desses indivíduos até conseguem cursar o 3º grau, mostrando uma notável capacidade para adaptar-se à vida acadêmica, apesar de dificuldades significativas na identificação e escrita de palavras.

    Nos casos de transtornos médios a severos a escola deve providenciar avaliação diferenciada a esses alunos que consiste, fundamentalmente, em priorizar avaliação oral dos conteúdos e oferecer um tempo maior para a realização das tarefas.

    4) Antecedentes

    Normalmente essas crianças tiveram dificuldades de vencer etapas evolutivas anteriores, particularmente a aquisição e o desenvolvimento da linguagem. Esse fato não quer significar que todas as crianças que tiveram dificuldades de linguagem oral possam ter Transtornos de Aprendizagem.

    5) Etiologia

    Os fatores etiológicos originam de anormalidades no processo cognitivo, que derivam em grande parte de algum tipo de disfunção biológica. O CID-104 reconhece que a etiologia dos Transtornos de Aprendizagem não é conhecida, mas que "há uma suposição da primazia de fatores biológicos, os quais interagem com fatores não-biológicos (tais como oportunidade para aprender e qualidade do ensino) para produzir as manifestações".

    Os manuais são mais específicos na identificação dos fatores etiológicos excludentes, pontuando que os Transtornos de Aprendizagem não são simplesmente uma conseqüência de uma falta de oportunidade de aprender, ou descontinuidades educacionais resultantes de mudanças de/ na escola nem são decorrentes de qualquer forma de traumatismo; de doença cerebral adquirida ou de comprometimentos na inteligência global. Também não devem ser diretamente decorrentes de comprometimentos visuais ou auditivos não corrigidos.

    Estudo de Caso: Transtorno da Expressão Escrita

    Caso 2: Guilherme, de 12 anos e 5 meses, cursando a 7ª série, foi encaminhado pela neurologista, em abril de 1998, pois, embora fosse aluno nota 10, sempre apresentou dificuldades na escrita. A mãe refere que ele teve professoras particulares de português, mas "não adiantou". Tirava as notas mais altas da aula em Matemática, História e Geografia e era considerado o "crente" da aula. Guilherme dedicava-se muito à leitura por vontade própria.

    A síntese da avaliação psicopedagógica apontava para um quadro de Transtorno da Escrita Expressiva (segundo DSM-IV6), caracterizado unicamente pelos erros ortográficos, já que a produção textual e a leitura estavam em muito bom nível. O nível ortográfico, conforme ditado balanceado de Moojen7, é compatível com a 4ª série, portanto 3 anos abaixo de sua faixa de escolaridade. A bem da verdade, nem a classificação do DSM-IV6 (Transtornos da Escrita Expressiva), tampouco a do CID-104 (Transtorno Específico do Soletrar) são adequadas para este caso.

    Observando-se seu material escolar e fichas de avaliação, nota-se que Guilherme sempre apresentou trocas ortográficas que, provavelmente por seu empenho e excelentes condições intelectuais, acabaram "mascarando" a dificuldade.

    Em síntese, o menino apresentou falhas ortográficas significativas desde o início escolar: elas foram persistentes e não evoluíram apesar de atendimento com professoras particulares. O caso ilustra a existência de situações menos severas, mas que também configuram um quadro de Transtorno de Aprendizagem. A terapia psicopedagógica foi concluída após 5 meses. Atualmente, 2004, Guilherme está cursando Direito e estuda quatro línguas estrangeiras: Inglês, Latim, Italiano e Francês, com dificuldades ortográficas nesta última língua.

    No anexo 1, texto sobre Par Educativo escrito por Guilherme.

    Estudo de Caso: Transtorno severo de Aprendizagem da Leitura e da Escrita = Dislexia

    Caso 3: Daise foi encaminhada por uma psicóloga que atendia uma tia da menina. Esta sensível psicóloga suspeitou que a menina tivesse dislexia pelas dificuldades enfrentadas pela menina na alfabetização. O teste psicológico (WISC) evidenciou adequadas condições intelectuais. Depois de encaminhada à neuropediatra que encontrou "quadro compatível com dislexia", foi sugerida avaliação psicopedagógica para confirmação do diagnóstico.

    Daise cursou a 1ª série em 1993 e passou para a 2ª "pois estava quase no estalo". Teve aulas de reforço na escola, mas foi reprovada ao final do ano.

    Enquanto repetia a 2ª série, iniciou tratamento psicopedagógico (de orientação psicológica) em março de 95 que durou todo o ano. Conforme relato pessoal da psicopedagoga, ela achava que Daise não aprendia por bloqueio (problemas com suas histórias pessoais) e, portanto, passou o ano inteiro fazendo atividades livres, desenhos dela e da família, histórias e jogos. Para esta profissional Daise não escrevia textos porque "história para ela era coisa ruim".

    Ao final do ano estava ameaçada de ser reprovada, mas a mãe conseguiu, invocando uma lei, que ela fizesse provas em março/96. Por essa razão estava sendo avaliada para ajudar a decidir se ela repetiria a 2ª série ou iria para a 3ª. Daise não queria fazer novos testes na escola com medo de ser reprovada.

    Fruto de gestação não planejada e com muitas dores, que exigia repouso, a menina nasceu de parto demorado mas obteve apgar 9. Custou a adaptar-se ao leite e utilizou bico e mamadeira até 5 anos. Tinha alterações do sono: pesadelos e solilóquio.

    Na família, a mãe teve dificuldades de fala, o pai trocava sonoras por surdas na escrita e o irmão de 13 anos teve dificuldades de aprendizagem e reprovou na 1ª, 3ª e 5ª série.

    A equipe de especialistas constituída pela psicóloga, neurologista e psicopedagoga estabeleceu, então, o diagnóstico de Transtorno Severo de Leitura e Escrita (ou Dislexia) considerando-se sua evolução, bem como os critérios expressos pelo CID-104. Daise apresentava:

  • um grau clinicamente significativo de comprometimento nas habilidades escolares de leitura e escrita, substancialmente abaixo do esperado para uma criança com a mesma idade, nível mental e de escolarização;
  • um comprometimento desde os primeiros anos de escolaridade;
  • problemas persistentes que não evoluíram significativamente, apesar de um trabalho pedagógico e psicopedagógico;
  • inteligência, medida pelo WISC com a pontuação de 98 (nível médio);
  • presença de antecedentes familiares com dificuldades escolares;
  • dificuldades que não eram conseqüência de uma falta de oportunidade de aprender, ou de descontinuidades educacionais resultantes de mudanças de/ na escola nem decorrentes de qualquer forma de traumatismo; de doença cerebral adquirida ou de comprometimentos na inteligência global. Também não eram diretamente decorrentes de comprometimentos visuais ou auditivos não corrigidos.
  • Nos anexos 2, 3 e 4, material escrito por Daise.

    O PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

    O número e o tipo de sessões necessárias para a realização do diagnóstico psicopedagógico vai depender das queixas apresentadas pelos pais e pela escola. Penso que essa avaliação não deve ser muito longa. Se o psicopedagogo tiver colhido uma boa anamnese, analisar todo o material escolar do paciente desde o início de sua vida escolar e tiver informes suficientes da escola, poderá realizar esta avaliação em duas ou três sessões. O psicopedagogo experiente seleciona testes pontuais e analisa a conduta do paciente durante a avaliação. Conforme a queixa, aplicará testes específicos de leitura, escrita, matemática e nível de pensamento. A aplicação do Teste Par Educativo tem servido para analisar o vínculo da criança com a escola, bem como a produção textual. Outros testes podem ser necessários como os de audibilização (Processamento Auditivo), vocabulário, fluência verbal, consciência fonológica, etc.

    Além da observação e do jogo, utilizo diversos instrumentos para a avaliação psicopedagógica: para a leitura - testes de decodificação de sílabas complexas, de palavras e pseudopalavras; para a fluência e a interpretação - textos informativos; para a escrita - ditado balanceado e texto sobre o Par Educativo; para nível de pensamento - as provas operatórias de Piaget e para avaliar os conhecimentos matemáticos - Teste de Desempenho Aritmético de Stein e os problemas com distratores lingüísticos da mesma autora.

    Freqüentemente solicito um psicodiagnóstico ou avaliação neuropsicológica que trazem aportes importantes para o estabelecimento do diagnóstico final.

    De posse de todos esses dados realizo a entrevista de devolução com os pais, quando são analisados todos os dados coletados e são estabelecidas hipóteses de diagnóstico. Também nesta entrevista são feitas as indicações pertinentes ao caso, estabelecendo-se prioridades de tratamento.

    Para ilustrar a necessidade de um diagnóstico o mais breve possível, são consideradas nesta exposição, as indicações feitas a 11 pacientes novos que consultaram em março de 2004 com queixas escolares (Figura 1).

    Sobre a função do diagnóstico psicopedagógico, podemos afirmar que é

    Figura 1 - Indicações terapêuticas em 11 casos avaliados em 03/04

    Seis pacientes foram indicados para terapia psicopedagógica (55%); dois (18%) para psicoterapia; dois para psicoterapia combinada com atendimento domiciliar de Amiga Pedagógica Qualificada (APQ) e um para psicoterapia e psicomotricidade (9%).

    Em síntese, 55% pacientes ficaram em atendimento na área psicopedagógica (e mais 18% se considerarmos o trabalho do Amigo Pedagógico Qualificado como psicopedagógico). Foram referidos para tratamento emocional exclusivo ou combinado, 45% das crianças.

    Os dados parecem reforçar a necessidade de uma avaliação psicopedagógica pontual e em tempo o mais breve possível, pois nem todos os pacientes que buscam avaliação psicopedagógica necessitam de tratamento nessa área. Salientase que há casos em que um diagnóstico definitivo só é estabelecido após algum tempo de tratamento psicopedagógico.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O diagnóstico dos Transtornos de Aprendizagem e/ou Dificuldades de Aprendizagem é uma das tarefas mais nobres do psicopedagogo, porque envolve conhecimento amplo da diversidade de fatores que interferem na aprendizagem e dos recursos para promoção da aprendizagem.

    Os manuais internacionais de diagnóstico dos Transtornos Mentais devem ser de conhecimento do psicopedagogo, não somente quanto aos Transtornos de Aprendizagem, mas com relação a outras doenças que podem estar associadas. Isto permitirá uma melhor avaliação e auxiliará na escolha de prioridades de atendimento. A consulta aos manuais, sem rotular indivíduos, visa também o estabelecimento de critérios mais precisos de diagnóstico, a comunicação mais fácil com outros profissionais e a contribuição para a ampliação e/ ou reformulação de critérios diagnósticos.

    A avaliação deverá ser a mais abrangente possível, e em tempo mais breve, uma vez que nem todas as crianças ou adolescentes que procuram um psicopedagogo necessitam serem por ele tratadas.

    O psicopedagogo deve fazer relatório objetivo da avaliação psicopedagógica, explicitando o desempenho na leitura, escrita, matemática, em nível de pensamento; o tipo de vínculo com a aprendizagem, bem como outras habilidades (conforme a queixa). Ao final deverão ser estabelecidas hipóteses diagnósticas (provisórias ou não) relacionando todos os dados colhidos.

    Muitas vezes não é possível estabelecer um diagnóstico de Transtorno de Aprendizagem nos dois primeiros anos de escolaridade, pois é muito difícil diferenciar dificuldades "naturais" das que já são indício de transtornos. Pode-se, apenas estabelecer diagnósticos provisórios.

    A discussão com profissionais de áreas afins bem como a necessidade de conhecimento e integração das várias áreas impõem-se ao psicopedagogo, uma vez que ele recebe, diretamente das escolas, crianças com problemas de aprendizagem e que, muitas vezes, requerem outros tipos de atendimento. Cabe ao profissional reconhecer os limites de sua atuação, estabelecer prioridades e fazer os encaminhamentos adequados.

    REFERÊNCIAS

    1. Perrenoud P. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Porto Alegre:Artes Médicas; 1999.

    2. Sanchez E. Realmente somos conscientes de lo que supone alfabetizar a toda la población? Textos de Didáctica de la Lengua y de la Literatura. 33, p.62-77, abril de 2003.

    3. Quirós JB. El lenguaje lectoescrito y sus problemas. Buenos Aires:Editoral Panamericana;1975.

    4. OMS - Organização Mundial da Saúde. CID-10. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10; descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre:Artes Médicas;1993.

    5. Moojen S. Dificuldades ou transtornos de aprendizagem. In: Rubisntein E. Psicopedagogia; uma prática, diferentes estilos. São Paulo:Casa do Psicólogo;1999.

    6. American Psychiatric Association. DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, DSM-IV. 4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas;1995.

    7. Moojen S. Identificação de crianças disortográficas em sala de aula. Bol Assoc Estad Psicopedagogos S Paulo 1985;4(7):30-44.

    Trabalho realizado a partir da experiência da autora de mais de 3 décadas no consultório.

    * garden-variety reading problems (or general reading backwardness) - surgem de causas como pobre instrução, baixa inteligência e motivação fraca.

    Sobre a função do diagnóstico psicopedagógico, podemos afirmar que é

    Sobre a função do diagnóstico psicopedagógico, podemos afirmar que é

    Sobre a função do diagnóstico psicopedagógico, podemos afirmar que é

    Sobre a função do diagnóstico psicopedagógico, podemos afirmar que é

    Fonoaudióloga, Pedagoga e Psicopedagoga. Mestre em Educação: Psicologia Educacional pela UFRGS. Professora da UFRGS (inativa) e dos Cursos de Psicopedagogia Terapêutica da UNIFRA (Santa Maria) e URI (Frederico Westphalen e Erechim). Ex Presidente da ABPp/RS. Conselheira eleita da ABPp Nacional (triênio 2005-07)

    Correspondência

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    Qual é a função do diagnóstico para o psicopedagogo?

    O diagnóstico psicopedagógico é um instrumento que investiga os elementos que se interpõem no processo de aprendizagem do sujeito, o qual podemos pensar como um sujeito aprendente que não está fixo num espaço e lugar.

    Como é feito o diagnóstico Psico

    O diagnóstico psicopedagógico é um processo científico de investigação que parte do levantamento de hipóteses que serão confirmadas ou não ao longo dos passos utilizados na busca da compreensão da forma de aprender do sujeito e dos desvios ou obstáculos que estão ocorrendo em seu processo de aprendizagem.

    São elementos do diagnóstico Psico

    O diagnóstico psicopedagógico institucional já é considerado, portanto, um momento onde as intervenções começam a ser tecidas pois, a partir do olhar investigativo e atento do psicopedagogo, alguns princípios como: análise do contexto e leitura do sintoma; explicações das causas que coexistem temporalmente com o ...

    Para que serve o informe psicopedagógico?

    O atendimento psicopedagógico tem como objetivo ajudar pacientes a recuperarem o prazer pelo aprender, assim como corrigir déficits em seu processo de aprendizagem. Ele pode ser feito com crianças, adolescentes e adultos que se queixam de dificuldades variadas de aprendizado.