A asfixia provocada pelo excesso de informação fragmentada tem imobilizado milhões de pessoas. Para piorar, elas ainda precisam saber filtrar dados reais dos falsos. Grande parte entra num círculo vicioso e busca pela informação, que é tratada como ativo, como um diferencial. Em tempos de alta competitividade em todas as áreas da vida, fica fácil de entender o grau de adoecimento desta sociedade da era da tecnologia da informação. Muitos já não conseguem conviver com a sensação de que estão desatualizados. Sofrem e sentem-se até culpados.
Segundo especialistas da Universidade de Berna, na Suíça, que participaram da Mostra da Comunicação de Berna, em 2012, um ser humano tem a capacidade máxima de ler 350 páginas por dia. Entretanto, o volume de informações que recebemos diariamente por meio da internet, redes sociais, WhatsApp, e-mails, revistas, jornais, rádio e televisão é de cerca de 7.355 gigas, que é o equivalente a bilhões de livros. Como lidar com isso? Quem tenta absorver tanta informação, além de não conseguir, acabará com problemas de saúde. Tudo na vida pede equilíbrio. Infoxicação foi o termo criado, nos idos de 1996, pelo físico espanhol Alfons Cornellá para determinar a relação entre informação e intoxicação, um neologismo que explica a dificuldade para administrar a avalanche de informação com que somos bombardeados diariamente, um mal da era digital. Outro conceito relacionado com esse excesso é a síndrome da fadiga informativa, identificada pelo psicólogo britânico David Lewis, que acomete pessoas que têm de lidar com toneladas de informação e acabam se sentindo paralisadas em sua capacidade analítica, ansiosas, cheias de dúvidas, com danos nas relações pessoais, mau humor, angústia, tristeza, instabilidade e baixa satisfação no trabalho.CRITÉRIOS
A possível saída é apontada por Alfons Cornellá, “desaprendo, logo existo”.
O que não quer dizer deixar de se informar, mas ter clareza e discernimento para escolher que tipo de informação buscar. Cada um tem de criar um filtro, capaz de fazê-lo manejar a informação da melhor maneira possível, com critérios definidos diante de um novo modelo de civilização. Com tanto ruído de informação, fica cada vez mais difícil parar para refletir, elaborar pensamentos e desenvolver ideias. Cornellá diz que é fundamental que as pessoas aprendam a diferenciar “exaustividade (balaio onde cabe tudo) de “relevância” (o que é importante e mais interessante). Isso é fundamental para que não ocorra uma ruptura entre aqueles que enxergam a tecnologia como “solução para vida” e outros que vão “se revoltar contra a conectividade e buscar um mundo que não seja Big brother”. O físico espanhol diz que é importante definir em que mundo se quer viver: o real ou se submeter ao virtual. A imunização, conforme Cornellá, está na decisão de “ler menos e com mais profundidade. Não ficar dentro de uma caverna em que só se escuta o que quer escutar, mas ter acesso a fontes contrastantes e, assim, criar tempo para entender o que se está lendo.”A publicitária Vanessa Stehling, responsável pela criação e ilustração na agência de publicidade on-line Conta Mais, é caçadora de informação e garante que mantém essa busca sob controle.
Vanessa conta que, como estudou comunicação, gosta de chegar em qualquer lugar, “perguntar e, de preferência, já estar bem informada. Tenho uma curiosidade absurda, e com tudo. Tenho amigos médicos e estou sempre a questionar: ‘Como assim?’”. Em tempos de informação líquida, a publicitária explica que o vício em informação tem vários lados. “A profissão requer, sou comunicativa e, de fato, a curiosidade se tornou um hábito na minha vida. É gostoso ler sobre assuntos diferentes. Faço pesquisas e não só sobre a questão profissional, em qualquer rodinha, de amigos, conhecidos, colegas, tenho prazer em falar de várias coisas.
A busca insaciável pela informação começou pelo trabalho, mas se tornou um hobby e não me incomoda. Aliás, o que me incomoda e me desafia é quando alguém me diz: ‘Você sabia?’”. Sempre antenada, Vanessa confessa que toma cuidado para não ser a “chata” da turma, por estar por dentro de tudo. “Às vezes, mesmo sabendo, digo que não sei e lanço frases do tipo ‘não acredito!’, ‘é mesmo?’. Fico me policiando até para não correr o risco de alguém me achar que é mentira ou ficar me testando. Em alguns momentos preciso ser um pouco atriz”, revela.Mas Vanessa concorda que, com o excesso de informação circulando por aí, é impossível saber de tudo. “É absurdo! Na política, então, é ainda pior, porque há opinião polarizada e não unilateral, tem a pluralidade pelo volume de opinião e ainda as fake news. A tarefa fica mais complicada.” No entanto, Vanessa Stehling lembra que, “como Minas não tem mar, vamos para o bar. E existe melhor lugar para expor opiniões e divulgar informações? Acredito que todo mineiro tem esse perfil, gosta de conversar, de trocar informação.
É a nossa prosa. Chega a ser uma necessidade. Não gosto de me sentir por fora. Se tenho uma brecha, vou atrás da informação. Aliás, mais por questão de segurança, não quero ter o celular roubado, meu único momento off-line no ano é no carnaval”.Informação líquida
Vivemos o fim da inteligência intelectual, do culto à boa leitura e do crescimento da sociedade consumista do fake news que não quer perder tempo com a reflexão. Há uma crise de sabedoria
FAKE NEWS
Na tecnocultura, destaca Inez Lemos, a comunicação ocorre on-line. O espaço cibernético é um lugar livre, sem censura. É onde os amadores tornam-se profissionais. “A mania de se informar via internet, sem pesquisar as fontes, tem causado grandes transtornos, verdadeiros desastres. O campo virtual tornou-se, por excelência, o palco da troca de mensagens. Estamos assistindo a um verdadeiro ringue de mentiras, festival de desrespeito, em que todos se julgam donos da informação, compartilhando falsos conteúdos de forma perversa. Sem escrúpulos, gostamos de provocar a indignação vazia, sem sentido. O ódio passou a ser o componente principal da troca de fake news.” A psicanalista ainda completa que “isso ocorre porque as mídias insistiram em manipular conteúdos, criar mentiras com o objetivo de promover um clima favorável para transformar inverdades em verdades. Vivemos a era da pós-verdade, quando um pressuposto é jogado sem ser pesquisado ou questionado”. Vladimir Safatle, doutor em filosofia pela Université de Paris VIII, França, e professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), ao participar do programa Café filosófico, da TV Cultura, para falar sobre escola sem partido, banalização da informação e ausência de estudo na sociedade diante do excesso da razão instrumental, alertou que “chegou-se a um grau de inanidade e absoluta mediocridade, em que as pessoas acham que podem criticar algo sem nunca, de fato, ter lido. Para não falar da trivialidade (das críticas) e do padrão de discussão caricatural que é construído neste país”. Tudo isso, destaca Inez Lemos, revela a fragilidade do momento histórico, “em que a ciência perde credibilidade, o conhecimento é confundido com informação, e o pensamento, a capacidade de refletir e questionar estão em desuso. Importa é a aparência de verdade, é lançar a questão, arriscar a notícia falsa com efeito de verdade. Saber versus poder. Se eu disseminar a fofoca e ela for compartilhada ela se transforma em notícia e cumpre o objetivo.” Inez Lemos acredita que a tecnociência, ao ser utilizada de forma irresponsável, representa um imenso perigo à humanidade. “O Brasil vive um momento delicado. Saímos de uma eleição marcada por fake news, um festival de horrores, informações manipuladas, distorcidas, editadas ao bel-prazer. Pós-moderno, pós-verdade, pós-humano. Somos orientados por aqui e as submetemos aos descalabros. Submissão voluntária em pleno século 21? Cultura da preguiça? Cultura do simulacro? Intoxicamos com inverdades, cultivamos nosso narcisismo de exposição da pior forma possível, no espaço virtual. Longe do real, garantimos nosso gozo perverso. Somos seres dessubstancializados, afogados na alienação e na ausência de sublimação. Sem consistência e carentes, perambulamos, com nossa ignorância, o ciberespaço.”SINAIS DO VÍCIO Necessidades incontroláveis, mudanças de temperamento e conflito com outras atividades sugerem que a informação pode provocar dependência:
Depoimento - Júlia Ramalho, coach de carreiras e executivos, psicóloga e diretora da consultoria Estação do Saber 'Que tipo de informação precisamos para viver?'
Informação de qualidade
O mundo tecnológico moderno tem como característica principal a velocidade das mudanças. No entanto, é preciso buscar fontes confiáveis e leituras que provocam a reflexão e nos ajudem a entender nosso papel na sociedade
DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS
O médico avisa que quem vive nesse turbilhão em algum momento apresentará transtornos para sua saúde. “Já são muito bem conhecidas as consequências dos distúrbios emocionais sobre nosso funcionamento orgânico. As doenças psicossomáticas são efeito dessa relação. Assim sendo, respeitadas as diferenças individuais, cada um terá consequências maiores ou menores, mas que sempre serão percebidas. E, muitas vezes, sem entender a verdadeira causa do problema, que não está no órgão onde surgem esses sintomas ou sinais. Entre esses sintomas encontramos, com grande frequência, distúrbios do sono, depressão, problemas gástricos e intestinais, distúrbios respiratórios, enfim, sintomas em qualquer órgão, porque, afinal, tudo é comandado por nosso encéfalo.” A sensação de ter que saber de tudo é o mal do século 21 e a grande culpada seria a tecnologia? Para Antonio Monteiro, a tecnologia não tem culpa de nada. “Afinal, fomos nós que a criamos. A culpa, se é que podemos dizer que há culpados, é de nós mesmos, que não conseguimos domar essa tecnologia usando-a para melhorar a vida de toda a humanidade. Pelo contrário, a maioria dos atuais grandes problemas é do comportamento humano: egoísmo, individualidade excessiva, degradação do meio ambiente, violência e intolerância.” Antonio Monteiro enfatiza que a diversidade sempre é muito interessante e saber entendê-la e respeitá-la torna os homens melhores. “A troca de opiniões, experiências e valores é fator essencial para a evolução humana. Só não podemos cair na armadilha de buscar informações ou trocá-las apenas com pessoas que pensam como nós.” Mas a busca por informação, por estar 100% informado, é uma corrida inglória. “Lutar contra nossa condição humana é uma luta inglória e um dia, mais cedo ou mais tarde, se pagará por essa tentativa. A detecção desse problema é muito simples: toda vez que você se sentir infeliz ou angustiado por não conseguir consumir e processar todas as informações de que é cobrado, cuide-se. Você está em risco.”2) Há pessoas que adoecem porque querem, mas não conseguem absorver tanta informação.
Adoecer é a última opção, quando as ações das pessoas, para resolver seus problemas, já não dão resultado. Novamente, devemos moderar, filtrar as informações e aproveitar melhor o tempo. Repare que as notícias que não levam a lugar nenhum e deseducam têm mais audiência do que aquelas que nos trariam mais informações de conhecimento. O que devemos fazer é aproveitar melhor nosso tempo, filtrando as informações que realmente façam a diferença em nossas vidas. O tempo, nos dias de hoje, é a maior preciosidade. Tivemos um súbito avanço tecnológico. Estamos evoluindo sob “pressão” em relação ao tempo que existimos (vida humana) e isso faz com que haja um excesso de informação e nosso cérebro tenha dificuldade de organizar toda ela. Não podemos esquecer de que há pouco tempo não tínhamos todas essas informações. O transtorno do excesso de informação é a confusão mental de um cérebro primitivo tendo que se adaptar a uma realidade presente como consequência do avanço tecnológico.3) As pessoas têm acesso à informação, mas não têm tempo para pensar. Como agir?
4) Como filósofo, o que recomendaria para quem tem sede de saber e uma oferta inatingível?
Tem uma dúvida? Anote-a, busque na internet, em lugares confiáveis sobre o assunto. Não se contente apenas com uma fonte. Junte todas elas e chegue a um denominador comum. Passe isso para o papel, computador ou grave em voz para que possa ouvir novamente. Passe adiante para quem tenha interesse em escutar ou até mesmo publique em sua rede social. Não ligue para as críticas, os inteligentes não criticam, eles comentam seu ponto de vista sem ofensas. O resto não importa, não interessa, há pessoas para diminuir e somar. Aproxime-se do que possa te fazer bem e ignore o que te faz mal. Tenha sempre um raciocínio lógico, com razão, mas sem se desfazer da emoção, pois o sentimento é a locomotiva do saber e querer saber mais.* Fonte: www.institutodelete.com
FIQUE POR DENTRO Reflexos da infoxicação
Para saber mais sobre a “doença” que afeta as pessoas conectadas demais, a infoxicação, o programa da TV Brasil Um olhar sobre o mundo, comandado pelo jornalista e ex-correspondente internacional Moisés Rabinovici, entrevistou, direto de Barcelona, Espanha, o criador do termo, em 1996, o físico espanhol Alfons Cornellá, que definiu como mal dessa civilização a soma de informação com intoxicação. Uma epidemia graças “ao vírus que está na internet, TVs, jornais, videogames, blogs, redes sociais, com que todos nós corremos o risco de nos infectar. Com o excesso de notícias, a informação não é totalmente digerida e, por isso, sentimos sintomas como dispersão, estresse e ansiedade, entre outros”. Acesse o link e assista à entrevista: //tvbrasil.ebc.com.br/um-olhar-sobre-o-mundo/2018/08/um-olhar-sobre-o-mundo-06082018 .