Comente sobre a atitude de Quaresma sabendo se que variam entre a obsessão e a decepção

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DICION�RIO DA TEORIA LITER�RIA E EST�TICA DE MONTEIRO LOBATO

organizado por Nelson Ricardo C. dos Santos

A

ACADEMIA (Brasileira de Letras)
1. A Academia est� descendo porque a sina deste pa�s � a descida. O primeiro erro da Academia foi fixar em 40 o n�mero de membros. A �nica raz�o para a escolha desse n�mero, ou a dum n�mero qualquer, s� pode ser um precedente � a menos razo�vel de todas as raz�es. Por capricho dum rei, a Fran�a organizou uma academia de 40 � e os nossos pitecos, z�s, academia de 40! Mas se a Fran�a, por um crit�rio bastante cabo de esquadra, acha que os imortaliz�veis devem ser 40, parece-me pretens�o bastante pitec�ide que um pa�s como o nosso tamb�m pretenda tanto. Vem da� que para um Machado de Assis, um Bilac, um Neto, valores reais, torna-se necess�rio meter l� "enchimentos", como o Dantas e outros. E a pr�pria Francesa recorre a enchimentos � uns marqueses, uns duques, uns prelados. O resultado vai ver, c� na nossa, que acabar�o entrando at� presidentes da Rep�blica, porque n�o h� raz�o para que a um general Dantas Barreto n�o se siga um Marechal Hermes da Fonseca.. E assim a nossa Academia ir� descendo, como tudo mais em nossa terra, at� ficar uma panelinha de gente equ�voca. Acho, pois, que um homem de letras visceral como voc� n�o deve nunca pensar em academizar-se. Muito prefer�vel que de fato te imortalizes com tr�s ou quatro romances a Flaubert, dos s�lidos e imperituros. A Academia est� ficando a Guarda Nacional da Literatura Ind�gena. (1:331)
2. A id�ia da Academia falhou por birra minha. N�o quis transigir com a praxe l� - a tal praxe de implorar votos, e eles s�o extremamente suscet�veis nesse ponto. Um acad�mico aqui de S. Paulo chegou a dizer: "Se o Lobato me pedisse o voto, claro que eu o daria; mas n�o pedindo, prefiro votar num peda�o de pau". Ora, n�o h� gosto em fazer parte dum gr�mio de mentalidade assim e n�o pedi nada a ningu�m; fiz mais: mandei outra carta desistindo da minha candidatura. O Carlos de Laet n�o leu essa segunda carta em sess�o, alegando que deixaria a Academia mal. "Seria o mesmo que pedir uma mo�a em casamento e depois escrever que n�o a quer mais. Todos ficam fazendo mal ju�zo da honra da "des-pedida". (2:244)
3. Fui convidado para dirigir um jornal e estou pensando. N�o me seduz o jornalismo. "E a Academia?" perguntas. N�o sei, Rangel. Tenho medo de academias, coisa algemante, e n�o possuo o "feitio acad�mico", j� o disse o Vicente de Carvalho. A Academia � bonita de longe, como as montanhas. Azulinha. De perto... que intrigalhada, meu Deus! Que pav�es! Quanta gralha com penas de pav�o l� dentro!... E depois, aquela farda! J� figuraste o grotesco do fard�o? Eu, metido naquilo! Voc�, metido naquilo! O Ricardo, metido naquilo, com o espadim de cortar papel � cintura... N�o sei por que um acad�mico fardado me lembra caix�o de defunto. Os gal�es, talvez. (2:282-283)
4. Aquela Academia � o maior ninho de intrigalha do mundo. Houve tanta coisa neste meu per�odo de entra-n�o-entra que fiquei avaliando que inferno � a vida dos desgra�ados mortais que se imortalizam com aspas. Um conselho te dou: nunca penses em entrar para l� ou para qualquer outro gr�mio. � neles que a gente se desilude totalmente dos homens � que v� como s�o bestas e mesquinhos. O meio de vivermos em paz neste mundo est� no isolamento. Diz o ditado que quem se mete com crian�as sai mijado - e sai cagado quem se mete com adultos. (4:139)
5. Recebi a tua �ltima. N�o podes entrar para a Academia por causa da "desordem da tua vida urbana"; no entanto, ela admite a frescura dum J. do R.. Os imortais, a contar de J�piter, sempre viram com indulg�ncia os Ganimedes... Enfim, s�o brancos, digo imortais, l� se entendem. Eu acho a Academia uma bela coisa, depois que o Alves a enriqueceu. � positivamente um neg�cio imortalizar-se vitaliciamente. Porque duma maneira ou doutra a renda do legado h� de reverter em benef�cio dos frades da ordem. Talvez isso explique o recrudescimento do avan�a que se nota agora a cada vaga. (13:40-41)

ADJETIVOS
A observa��o sobre os teus adjetivos pode ser generalizada. Apliquei-a aos teus porque me veio enquanto te lia. Nos grandes mestres o adjetivo � escasso e s�brio � vai abundando progressivamente � propor��o que descemos a escada dos valores. Um jornalistazinho municipal, coitado, usa mais adjetivos no estilo do que Pilog�nio na caspa.
Eles pingam adjetivos. Contei os adjetivos em Montaigne, Renan e Gorki. S�brios. Shakespeare, quando quer pintar um cen�rio (um maravilhoso cen�rio Shakespiriano!), diz, seco: "Uma rua". O Macuco diria: "Uma rua estreita, clara, poeirenta, movimentada, etc". O Macuco espalhou mais adjetivos pelo Belenzinho do que gonococus - e nunca houve uma espingarda que o abatesse!...
Tolstoi s� usa o adjetivo quando incisivamente qualifica ou determina o substantivo. Tenho que o maior mal da nossa literatura � o "avan�a" do adjetivo. Mal surge um pobre substantivo na frase, vinte adjetivos lan�am-se sobre ele e ficam "encostados", como os encostados das reparti��es p�blicas. A moda de hoje � o adjetivo eciano. Aquele "cigarro l�nguido" do E�a fez mais mal � nossa literatura do que a filoxera aos vinhedos da Champagne.
Isto me veio ao ler em teu Di�rio a "mancha" sobre o lampi�o da sala. Se expulsasses dali todos os adjetivos encostados, aquilo ganharia oitenta por cento. (1:106-107)
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Ver: ESCREVER 5 (2:51-52)
ESCRITORES: CAMILO CASTELO BRANCO 3 (2:52-54)

ARTE
1. Na pen�ltima carta d�s como defini��o de arte do Taine a sua defini��o de obra d arte, coisa muito diferente. Defini��o de arte foi coisa que o sensato e cautelos�ssimo Taine teve o esp�rito de n�o tentar, para n�o dar a topada que todos os definidores v�m dando desde a Gr�cia. Todas as defini��es de arte que conhe�o degeneram em no��o, e isto pelo absurdo de aplicar o processo definit�rio, coisa puramente cient�fica e l�gica, ao fato mais incient�fico e il�gico da humanidade - a Arte. Com os sextantes mede-se a altura das estrelas, mas n�o se medir� nunca a altura do amor duma menina. Quanto � tua quest�o de "arte cient�fica", n�o pesco um xis. Ci�ncia � conjunto de conhecimentos sobre as leis dos fen�menos; arte � concretiza��o de emo��es. Misturar estas coisas � tentar a combina��o qu�mica de ovos e batatas. (1:91-92)
2. Dizes que Inoc�ncia n�o te agradou porque n�o tem muita arte. Mas que � arte sen�o esse dom de criar simpatias, provoc�-las, revel�-las, traduzi-las? Que valem as torturas art�sticas dum Goncourt perto duma p�gina de Manon Lescaut ou Paulo e Virg�nia? Arte, esse torturado de borzeguim medieval ou o encanto, a simpatia humana de Manon? Bem sabes que Manon Lescaut � livro eterno - e Goncourt j� passou. A arte deste s� o � para um punhado de homens afins, num certo tempo � a arte de Manon � para toda gente, em todos os tempos.
A arte de Inoc�ncia me parece eterna porque � simp�tica, como a definiste � e que � simpatia? Uma correla��o, uma corrente de indu��o entre A e B. Existe alguma arte que n�o produza esta corrente? E n�o deixa de ser art�stica a obra d arte que a produz. Quem l� hoje uma obra antiga, se esta obra n�o traz incubada a for�a da simpatia que se traduz no prazer da leitura? (1:126)
3. Acho tua arte subjetiva em excesso � e a grande arte � objetiva (Shakespeare, Tolstoi, Zola, Balzac, Moli�re). Descreves um caso isolado, �nico, quando a arte est� no contr�rio, na universaliza��o; o particularismo cabe � ci�ncia. (1:173)
4. A arte nasce quando o homem cessa de lutar contra o meio adverso. Nasce como florada conseq�ente � completa evolu��o da planta. Na Gr�cia, a benignidade do clima e a amenidade da natureza n�o ofereciam resist�ncia ao homem, e as for�as que este, em caso contr�rio (caso da �ndia, do Brasil, da Sib�ria, por exemplo), despenderia em rea��es contra o meio agressivo, convergiram para enseivar o instinto est�tico, dando origem � maravilhosa eclos�o das artes cl�ssicas. (7:71)
5. A obra d arte n�o tem valor intr�nseco. N�o h� valor intr�nseco. O valor de um poema reside em o n�mero de esp�ritos por ele emocionados. As obras m�s caem por escassez de partid�rios. (7:72)
6. A arte nasce quando o homem domina o meio adverso; como um luxo, como flora��o da planta ap�s a vit�ria desta sobre todos os �bices opostos � sua desenvoltura. Na Gr�cia, a amenidade ambiente, n�o opondo resist�ncias ao homem, permitiu que, em vez de dispersar suas for�as contra a natureza agressiva, ele as convergisse para a infloresc�ncia.
N�s no Brasil ainda estamos a crescer, a enfolhar, a radicar. Por isso o que chamamos arte n�o passa de simples reflexos de artes alheias. Arte como a grega - em bloco, conglomerada, todas reunidas em torno dum mesmo tronco (um ideal racial) como verg�nteas de igual pujan�a - t�-la-emos um dia, no ano 2.000 ou 2.500 quem o sabe? E t�-la-emos porque n�o h� planta que n�o venha a flor. Se vem a rosas ou a flor de ab�bora, j� � outro caso. (7:99)
7. Sem a interven��o da arte � imposs�vel transmitir aos p�steros a sensa��o exata do que se passou. S� a arte sabe perpetuar o que foi a vida. (8:71)
8. As belas artes, filhas, uma da r�verie, qual a m�sica; outra, da sensa��o visual, como a pintura; outra, da �lgebra das propor��es, como a arquitetura; outra, da escolha e estiliza��o da forma t�til, como a escultura; outra, da idea��o vocabular, como as belas letras: todas se condicionavam a �pocas e povos como peculiaridades. Na Gr�cia de P�ricles, a escultura; na It�lia de Le�o X, a pintura; na Alemanha do s�culo 18, a m�sica; na Fran�a, o teatro; na Inglaterra, a novel�stica. (8:117)
9. Arte n�o � isso; arte n�o � reprodu��o fiel; arte � vida; s� � artista aquele que reproduz a sensa��o da vida em toda a sua intensidade com tudo que ela tem de bom e mau, de coerente e de absurdo, de feio e de formoso, de est�pido e gracioso. A arte � uma objetiva��o do subjetivo, e como objetivar sentimentos quando estes n�o existem, quando estes n�o vibram dentro do artista? (11:129-130)
10. O valor duma obra d arte cota-se pelo seu coeficiente de temperamento, cor e vida - os tr�s valores que lhe travam a unidade, promanantes, um do homem, outro do meio, outro do momento. A arte descentrada dessa tripe�a de categorias e que tem como fator-homem os "heimatlos" (homem de muitas p�trias, posto em evid�ncia pela guerra); que tem como "terroir" o mundo e como �poca o Tempo, ser uma soberba alcachofra quando o volapuk senhorear o globo: por enquanto, n�o!
Donde uma conclus�o l�gica: o artista cresce � medida que se nacionaliza. � mister que a obra d arte denuncie ao mais r�pido volver d olhos a sua origem, como as ra�as denunciam pelo tipo individual o grupo etnol�gico. (16:46)
11. Todas as artes s�o regidas por princ�pios imut�veis, leis fundamentais que n�o dependem da latitude nem do clima.
As medidas da propor��o e do equil�brio na forma ou na cor decorrem do que chamamos sentir. Quando as coisas do mundo externo se transformam em impress�es cerebrais, "sentimos". Para que sintamos de maneira diversa, c�bica ou futurista, � for�oso ou que a harmonia do universo sofra completa altera��o, ou que o nosso c�rebro esteja em desarranjo por virtude de algum grave destempero.
Enquanto a percep��o sensorial se fizer no homem normalmente, atrav�s da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato n�o poder� "sentir" sen�o um gato; e � falsa a "interpreta��o" que do bichano fizer um tot�, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes. (16:60)
12. Ci�ncia e Arte nasceram para viver juntas, porque Arte � harmonia e Ci�ncia � verdade. Quando se divorciam, a verdade fica desarm�nica e a harmonia falsa. (17:96)
13. As crian�as vinham descendo a escada dos pedreiros e breve apareceram fora do templo.
� Corram aqui! � gritou-lhes Dona Benta. � Est�o perdendo uma coisa �nica no mundo - a frisa do Partenon explicada pelo Senhor P�ricles.
Os meninos aproximaram-se.
� Que tal acha estes cavalos, Pedrinho? � perguntou Dona Benta. � S�o da Tess�lia.
O menino examinou-os com ares de entendido.
� Bons, sim, vov�. S�o "manga-largas" leg�timos - s� que t�m o focinho muito fino. Os cavalos que eu conhe�o n�o s�o assim.
� Nem os daqui � disse P�ricles. � Os escultores n�o reproduzem a natureza tal qual �. Modificam-na num certo sentido, com uma certa inten��o. Arte � isso.
� Mas ent�o o belo n�o � natural "escarrado", vov�? � perguntou o menino.
� N�o, meu filho. Se fosse, os melhores museus do mundo seriam as escarradeiras, e a maior das artes seria a fotogr�fica, porque a fotografia reproduz exatamente a natureza. A arte � uma estiliza��o, isto �, uma falsifica��o da natureza num certo sentido, como acaba de dizer o Senhor P�ricles. Voc� bem sabe que n�o � nas fotografias que encontramos o belo - � nos desenhos que modificam o real segundo o gosto do desenhista. (27:150-151)
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Ver: DRAMA (1:174)
ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 3 (7:333-338)

ARTE MODERNA
Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo, e tutti quanti n�o passam de outros tantos ramos da arte caricatural. � a extens�o da caricatura e regi�es onde n�o havia at� agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma � mas caricatura que n�o visa, como a verdadeira, ressaltar uma id�ia, mas sim desnortear, aparvalhar, atordoar a ingenuidade do espectador.(...)
"Arte moderna": eis o escudo, a suprema justifica��o de qualquer borracheira.
Como se n�o fossem modern�ssimos esse Rodin que acaba de falecer, deixando ap�s si uma esteira luminosa de m�rmores divinos; esse Andr� Zorn, maravilhoso virtuose do desenho e da pintura; esse Brangwyn, g�nio rembrandtesco da babil�nia industrial que � Londres; esse Paul Chabas, mimoso poeta das manh�s, das �guas mansas e dos corpos femininos em bot�o.
Como se n�o fosse moderna, modern�ssima, toda a legi�o atual de incompar�veis artistas do pincel, da pena, da �gua forte, da "ponta seca", que fazem da nossa �poca uma das mais fecundas em obras primas de quantas deixaram marcos de luz na hist�ria da humanidade. (16:61-62)

ARTISTAS
1. Somos uns pelicanos, Rangel. Vivemos a arrancar penas, carne e coisas de n�s mesmos para que n�o morram os nossos pobres filhinhos liter�rios. Os artistas subjetivos que s� tiram de si em vez de tirar do mundo que os rodeia, ficam introspectivos em excesso e acabam satisfazendo a um p�blico muito restrito: a si mesmos. Mas os artistas objetivos, os Kiplings, sugestionam e fazem estremecer de emo��o grandes plat�ias - e o aplauso da plat�ia � o feij�o com arroz de todos os artistas. (1:220-221)
2. Os artistas deixam a estrada real por onde segue toda gente e caminham por veredas laterais. Os grandes abrem picadas, os mi�dos repisam-nas. (7:98)
3. H� duas esp�cies de artistas. Uma composta dos que v�em normalmente as coisas e em conseq��ncia fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados, para a concretiza��o das emo��es est�ticas, os processos cl�ssicos dos grandes mestres.
Quem trilha por esta senda, se tem g�nio � Praxiteles na Gr�cia, � Rafael na It�lia, � Rembrandt na Holanda, � D�rer na Alemanha, � Zorn na Su�cia, � Rodin na Fran�a, � Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento, vai engrossar a pl�iade de sat�lites que gravitam em torno desses s�is imorredoiros.
A outra esp�cie � formada dos que v�em anormalmente a natureza e a interpretam � luz de teorias ef�meras, sob a sugest�o estr�bica de escolas rebeldes, surgidas c� e l� como fur�nculos da cultura excessiva. S�o produtos do cansa�o e do sadismo de todos os per�odos de decad�ncia; s�o frutos de fim de esta��o, bichados ao nascedoiro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do esc�ndalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento.
Embora se d�em como novos, como precursores duma arte a vir, nada � mais velho do que a arte anormal ou teratol�gica: nasceu com a paran�ia e a mistifica��o. (16-60)
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Ver: ARTE 10 (16:46)

ASSOCIA��O DE ID�IAS
� Essa f�bula est� com cara de ser sua, vov� � disse Pedrinho. � Eu conhe�o o seu estilo.
� E �, meu filho. Inventei-a neste momento, e sabe por qu�? Porque me lembrei daquela pe�va ca�da l� no pasto e dum jabuti que estava escondido debaixo dela. Sei quanto dura a madeira da pe�va e sei quanto vive um jabuti - e a f�bula formou-se em minha cabe�a. E todas as f�bulas foram vindo assim. Uma associa��o de id�ias sugere as historinhas.
� Associa��o de id�ias � isso?
� Sim. A gente pensa numa coisa. Esse pensamento puxa outro. Esse outro puxa terceiro. � o que os s�bios chamam associa��o de id�ias. (28:259)

C

CAP�TULOS
Recebi Vida Ociosa. Parece-me aconselh�vel trocar a simples enumera��o dos cap�tulos, coisa anti-comercial, pela denomina��o dos cap�tulos, coisa comercial�ssima. Acho horrivelmente �rido um romance de cap�tulos numerados. E � f�rtil o em que cada cap�tulo tem um titulozinho tentador. Como faz Mestre Machado. O do L�o Vaz tamb�m � assim. Tudo que nos livros predisp�e bem o p�blico ledor e comprador � agrad�vel a Deus. Se queres, eu mesmo batizo os cap�tulos - ou ent�o mandas-me da� os nomes. (2:189)

CARICATURA
Diga-se, por exemplo, da caricatura, maldade velha que nasceu quando o animal que ri farejou no repuxo dos m�sculos faciais um meio de matar �s claras -matar moralmente, j� se v�. E que nasceu na Gr�cia para ve�culo dum sutil alcal�ide de nome "eironeia", do qual foi S�crates um h�bil manipulador. E desde ent�o nada se forrou a esse veneno - nem homens, nem deuses, nem cavalos.(...)
N�o h� pa�s onde a caricatura n�o vice em folhas peri�dicas como um g�nero de primeira necessidade, indispens�vel ao f�gado da civiliza��o. Como a ironia e o chiste n�o s�o plantas vulgares, e porque o rir-nos uns dos outros � da higiene humana, custeia cada povo as suas mutucas - os seus caricaturistas - como as cortes medievais, por fome de lirismo, cultivavam poetas oficiais de p�gaso arreado � porta para pulinhos ao Parnaso em dia de anos do rei ou nascimento de algum principezinho. E em nada se estampa melhor a alma de uma na��o, do que na obra de seus caricaturistas. Parece que o modo de pensar coletivo tem seu resumo nessa forma de riso. (16:3-7)
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Ver: ARTE MODERNA (16:61-62)

CARICATURA NO BRASIL
Numa hist�ria geral da caricatura a hist�ria da nossa ter� meia p�gina, se tanto. E explica-se a mingua. Enquanto col�nia, era o Brasil uma esp�cie de ilha da Sapucaia de Portugal. Despejavam c� quanto elemento antissocial punha-se l� a infringir as Ordena��es do Reino. E como o escravo ind�gena emperrasse no eito, para aqui foi canalizada de �frica uma pretalhada inextingu�vel. At� a vinda de D. Jo�o o Brasil n�o passava de �ndio e matar�u no interior e senhores, feitores e escravos nos n�cleos de povoamento da costa, muito afastados entre si e rarefeitos. Em toda essa fase o Brasil n�o d� de si nenhum bruxoleio de arte.
E assim vai at� que um tranco de Napole�o d� com o rei de Portugal para cima do Rio de Janeiro. Apesar da pressa com que arrumou as malas, D. Jo�o VI trouxe todos os ingredientes para uma boa implanta��o aqui: fidalgos de orgulhosa pros�pia, nobres matronas, almotac�s, estribeiros-mores, a�afatas da rainha, v�cios de bom tom, pitadas de arte e ci�ncia e mais ingredientes b�sicos duma monarquia preposta a pegar de galho.
Infelizmente nenhum caricaturista acompanhou o transporte de tanta caricatura para as terras do Novo Mundo. Insan�vel lacuna! Que maravilhosos temas a �poca fornecia!...(...)
Se hoje temos Voltolino, Yantok e tantos mais e sobretudo esse J. Carlos que encheu toda uma �poca e p�s a arte da caricatura no Brasil a par da dos velhos pa�ses cultos, devemo-lo � grande id�ia d O Malho, de satisfazer as ingenuidades est�ticas do povil�u.
Mas h� uma coisa que impede o crescimento e a plena flora��o da nossa caricatura: a restri��o cada vez maior da liberdade de cr�tica ao governo. E sem liberdade da mais ampla a caricatura fenece como a gram�nea que tem sobre si um tijolo. Perde a clorofila. Descora.
D� um esparguinho branco...(16:11...21)

CARTA
1. O g�nero "carta" n�o � literatura, � algo � margem da literatura... Porque literatura � uma atitude - � a nossa atitude diante desse monstro chamado P�blico, para o qual o respeito humano nos manda mentir com eleg�ncia, arte, pronomes no lugar e sem um s� verbo que discorde do sujeito. O pr�prio g�nero "mem�rias" � uma atitude: o memorando pinta-se ali como quer ser visto pelos p�steros - at� Rousseau fez assim - at� Casanova.
Mas cartas n�o...Carta � conversa com um amigo, � um duo - e � nos duos que est� o m�nimo de mentira humana. Ora, como da minha conversa escrita com Rangel se salvasse quase todas as cartas, tive ensejo, um dia de l�-las - e sinceramente achei que constitu�am uma "curiosidade editorial" de bom tamanho. E que teriam interesse para o p�blico justamente porque ao escrev�-las nunca me passou pela mente que jamais fossem dadas a p�blico. Mas vacilei. D�-las ou n�o? T�o �ntimo tudo aquilo. Tantas perversidadezinhas para com os amigos, tanta piada para cima do Nogueira - o companheiro que no fundo mais admir�vamos... Al�m de que isso de cartas � sapato de defunto. Depois que o autor morre � que elas aparecem.
Pensei, pensei, pensei. Por fim, v� l�. Tenho s�rias d�vidas sobre se estou ainda vivo - e se as cartas sa�rem com a minha revis�o de semi-vivo, apresentar-se-�o podadas de muitas inconveni�ncias que um semi-morto j� n�o subscreve. (1:l7-18)
2. Por que usas etiquetas comigo? Tuas cartas vivem cheias de "fa�a o favor", "se n�o for inc�modo", e mais f�rmulas da humana hipocrisia. S�o trope�os. Quando te leio, vou dando topadas nisso. Fa�a como eu. Seja bruto, chucro, enxuto. (1:52)
3. ...De modo que essas tr�s irredut�veis institui��es humanas - o vizinhato, o c�o e o namorado noturno - interpuseram-se como uma trindade de a�o entre mim e a ci�ncia do Paula Batista, e com tal prepot�ncia que me vi for�ado a afastar o po�o da sabedoria e matar o tempo com uma quarta institui��o humana: conversar por escrito. (1:72)
4. Apontas-me, como crime, a minha mistura do "voc�" com "tu" na mesma carta e �s vezes no mesmo per�odo. Bem sei que a Gram�tica sofre com isso, a coitadinha; mas me � muito mais c�modo, mais l�pido, mais sa�do - e, portanto, sebo para a coitadinha. �s vezes o "tu" entra na frase que � uma beleza; outras � no "voc�" que est� a beleza - e como sacrificar essas duas belezas s� porque um Coruja, um Bento Jos� de Oliveira, um Freire da Silva, um Epifanio e outros perobas "n�o querem"? N�o fiscalizo gramaticalmente minhas frases em cartas. L�ngua de cartas � l�ngua em mangas de camisa e p�-no-ch�o - como a falada. E, portanto, continuarei a misturar o tu com voc� como sempre fiz - e como n�o faz o Macuco. Juro que ele respeita essa regra da gram�tica como os judeus respeitavam as vestes sagradas do Sumo Sacerdote. Logo, o dever nosso � fazer o contr�rio.
(1:79-80)
5. J� notaste como � mais vivo o estilo das cartas, do que o de tudo quanto visa aparecer em livro ou jornal? Acho maravilhoso o prime saut das cartas. Eu queria ver em todos os teus livros o elance primesautier da �ltima carta que me mandaste. A cara�a do p�blico, a "fei��o" do jornal, os moldes do editor, sempre antepostos aos nossos olhos quando "escrevemos para imprimir", acanham-nos a express�o, destroem-nos a alerteza do �lan. Eu, por mim, s� lia cartas e mem�rias como as do Casanova. (2:54)
6. Que id�ia sinistra a tua, de publicarmos as minhas cartas! Seria dum grotesco supremo, porque cartas s� interessam ao p�blico quando s�o hist�ricas ou quando oriundas de, ou relativas a, grandes personalidades. No nosso caso n�o h� nada disso: n�o s�o hist�ricas e n�s n�o passamos de dois pulg�es de roseira - eu, um pulg�o publicado; voc�, um pulg�o in�dito. O interesse que achas nas tais cartas � o interesse da coruja pelas peninhas dos seus filhotes. Formam um �lbum de instant�neos de nossa vida. Mas o p�blico quer penas de pav�o, plumas de avestruz ou aigrettes de gar�a: n�o quer peninhas de filhote de coruja. Todos iriam rir-se de n�s, al�m de que est�o cheias de maldadezinhas endere�adas a amigos e conhecidos, sobretudo por mim, que tenho a mania de arrasar tudo, a come�ar por mim mesmo. N�o. Varra com a id�ia. (2:198-199)
7. Fui mexer na minha tremenda papelada epistolar e tonteei. � coisa demais. � um mundo. Pus a Ruth separando aquilo e classificando por ordem de data - � o primeiro passo. O segundo ser� separar certas cartas, como as tuas, que s�o as mais numerosas; e como por milagre tenho aqui as minhas, estou vendo que desse passo vai sair coisa grossa e talvez muito interessante. Desconfio, Rangel, que essa nossa aturada correspond�ncia vale alguma coisa. � o retrato fragment�rio de duas vidas, de duas atitudes diante do mundo - e o panorama de toda uma �poca. Literatura, hist�ria e mais coisas. (2:351)
8. Heitor// Recebi a tua carta de 12, realiza��o de um "projeto velho" e fico-lhe grato pelo te lembrares do exilado das Areias. Tem raz�o de ser a tua quiz�lia pelo escrever cartas, ve�culo pequenino demais quando se tem muito a dizer e embara�oso quando n�o h� assunto. A carta � boa e f�cil de se escrever quando h� um neg�cio bem positivo a tratar e por isso o ideal delas me parece que s�o as cartas comerciais. Que gosto sentar-se � mesa sem vacila��es, sem pensar, lan�ar no papel um bem caligrafado Am.� e Snr., para in�cio de meio palmo de literatura s�lida e sucinta! Infelizmente o destino n�o reserva para n�s essa boa del�cia... Mas vamos ao que serve. (3:100)

CL�SSICOS
� O Visconde de Castilho foi dos maiores escritores da l�ngua portuguesa. � considerado um dos melhores cl�ssicos, isto �, um dos que escreveram em estilo mais perfeito. Quem quiser saber o portugu�s a fundo, deve l�-lo � e tamb�m Herculano, Camilo e outros.(...)
� Meus filhos � disse Dona Benta �, esta obra est� escrita em alto estilo, rico de todas as perfei��es e sutilezas de forma, raz�o pela qual se tornou cl�ssica. (25:144-145)

CONCURSO LITER�RIO
Recebi tamb�m uma carta do Samuel Soares, que se d� com voc�. Quer um absurdo - a minha interven��o para que os juizes dum tal concurso d�em aten��o ao livro dele. N�o s� n�o sei quem s�o esses juizes, como isso de tentar influir juizes n�o � coisa que T�mis admita. Ele que espere e se resigne � sorte. Os julgamentos dos concursos liter�rios s�o feitos mais ou menos pelo sistema do "cara ou coroa". Se ele tiver sorte, ganhar�. (4:229)

CONTO
1. Sou partid�rio do conto, que � como o soneto na poesia. Mas quero contos como os de Maupassant ou Kipling, contos concentrados em que haja drama ou que deixem entrever dramas. Contos com perspectivas. Contos que fa�am o leitor interromper a leitura e olhar para uma mosca invis�vel, com olhos grandes, parados. Contos-estopins, deflagadores das coisas, das id�ias, das imagens, dos desejos, de tudo quanto exista informe e sem express�o dentro do leitor. E conto que ele possa resumir e contar a um amigo - e que interesse a esse amigo. (1:243-244)
2. Nunca escrevi contos e n�o sei se me ser� coisa poss�vel. O que eu considerava contos, se releio agora me sabem a cr�nicas com pretens�es humor�sticas. No fundo n�o sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pinc�is a s�rio (pois sinto uma nostalgia profunda ao v�-los - sinto uma saudade do que eu poderia ser se me casasse com a pintura), arranjei, sem nenhuma premedita��o, este derivativo da literatura, e nada mais tenho feito sen�o pintar com palavras. Minha impress�o predominante � puramente visual. Ora, sendo eu assim, vejo-me em apuros com os teus empurr�es para a realiza��o imediata.
Vou tentar - mas bem desesperan�ado. Se at� aqui n�o produzi um s� conto que mere�a tal nome, isso demonstra minha inaptid�o para esse g�nero liter�rio. (1:251-252)
3. Ando frio com o conto. Acho um campo muito restrito, coisa s� para os grandes mestres. Engano pensar que por ser mais curto seja mais f�cil, mais pr�prio de principiante. Este deve come�ar com um Rocambole e s� depois de bem maduro fazer um continho. A prop�sito, lembro-me dum plumitivo de Pindamonhangaba, que me abordou um dia e contou da sua id�ia de publicar um livro de pensamentos. E explicava: "N�s, principiantes, devemos come�ar pelo princ�pio, pelo primeiro grau; coisinhas leves, pensamentos; depois sonetos; depois contos e por fim novelas e romances". Ele andava com uma trena no bolso. (1:265)
4. Mas da id�ia � realiza��o o caminho � �spero. Talvez voc� tirasse do assunto a coisa que imagino. Eu n�o me atrevo - porisso reduzi o romance a conto - um conto que � apenas um frouxo programa do romance.
Toda gente considera o conto um g�nero leve - e tomam o leve como sin�nimo de f�cil. Mas note que em todas as literaturas s� emerge do conto um Maupassant para dez romancistas. Mesmo assim, achas que � poss�vel meter Maupassant na plana de Balzac, Dostoievsky e Tolstoi? N�o creio. � mister fazer bom e grande e o contista, embora alcance o bom, n�o pode chegar ao grande. � ourivessaria, n�o � arquitetura. Cellini fez o Perseu, mas faria o Taj Mahal? O meu Bocatorta conto � pobre maquete em gesso dum terr�vel monumento. Miniatura.
Viver um ano, dois, tr�s, dentro dum romance, construindo um romance, como Flaubert. Que f�lego exige! Que sa�de - e n�s somos uns doentinhos. (1:280-281)
5. Li os Oitenta Contos n O Dia. Interessante, mas frouxo no fim. N�o acaba de modo satisfat�rio para o leitor e para Apolo. Fecho de conto � como fecho de soneto; � o tudo! � onde est� o busilis. Porque o conto inteiro n�o passa dum preparo para o fecho - e se depois de cacetearmos o leitor com o tal preparo lhe dermos fecho desapontante, ele diz como c� a dona Nen�: "Outro of�cio!" (2:234)
6. Outro conselho que darei para contos � n�o fabric�-los na cabe�a, e sim colh�-los na vida. Quem cria os bons contos n�o somos n�s, � a Grande Mestra - a Vida. N�s apenas os captamos e os pomos em forma liter�ria. D�-se com eles o mesmo que com os brilhantes. O garimpeiro acha-os, e depois o lapidador os transforma em maravilhosos solit�rios. Fa�a assim. Garimpeie. Pegue os contos da vida que passarem ao seu alcance - e bote-os em forma art�stica, sem visar coisa nenhuma sen�o o bom acabamento da obra. Fa�a assim que quando menos pensar estar� com uma linda cole��o de contos vivos, pois s� s�o vivos os criados pela vida. (4:43)
7. Confundem-se geralmente os dois g�neros, e muito cronista por a�, dos mais perfeitamente caracterizados, jura que � contista. O verdadeiro conto n�o passa de uma narra��o incisiva e bem travada em todas as suas partes de modo a dar relevo a um fato, c�mico ou tr�gico. Antigamente definiam-no como a narrativa agrad�vel de coisas imagin�rias. Com o advento do naturalismo ele ampliou o quadro e admitiu dentro mais coisas do que permitia a concep��o antiga. Inda assim exige como essencial a narrativa em progress�o na qual tudo tenda para o desenlace final, imprevisto e sugestivo. O conto nunca deixar de ser aned�tico. � mister que o leitor, acabada a leitura, possa recont�-lo a terceiro, isto �, apresentar rapidamente o esqueleto, o arcabou�o aned�tico. Dos nossos contistas poucos seguem esta orienta��o. Deixam-se arrastar pelo devaneio, afrouxam a contextura da obra por meio de repetidas digress�es, ou de excessivas min�cias descritivas, in�teis para o efeito final. S�o, em suma, em vez de contistas, cronistas. (10:34-35)
8. Se ainda escrevo de quando em quando, � por h�bito, e para desencruar a fita desta m�quina. E s� escrevo quando o acaso me faz encontrar na rua um diamante bruto entre cascalhos, a que o mundo chama "conto". Quem os faz n�o � o escritor, sim a vida, como � a natureza que faz os diamantes. O escritor apenas os acha; e depois de achado, se n�o tem pregui�a, toma-o do ch�o, lapida-o, e engasta-o numa trama de associa��es l�gico-est�ticas, que � o anel onde vai figurar o brilhante. (12:57)
9. ― Contos andam a� aos pontap�s, a quest�o � saber apanh�-los. N�o h� sujeito que n�o tenha na mem�ria uma d�zia de arcabou�os magn�ficos, aos quais, pra virarem obra d arte, s� falta o vestu�rio da forma, bem cortado, bem cosido, com pronomes bem colocadinhos. ( 17:67 )
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Ver: CRIA��O 4 ( 2:137-138 )
CRIA��O 7 ( 2:253-254 )

CONTO POLICIAL
O conto policial est� muito bem desenvolvido, e voc� diz bem: para esse g�nero, s� a l�ngua da�. E quem sabe se � esse o teu caminho na literatura? Experimente-se. N�s nunca sabemos o que somos, e s� o acaso nos revela. Quem sabe se n�o anda um Van Dyne ou um Conan Doyle oculto dentro de Artur Coelho? Esse g�nero liter�rio � o que mais se coaduna com a mentalidade cinematogr�fica que as fitas americanas criaram no mundo. (4:218)

CRIA��O
1. N�s dois somos o inverso. Somos cracas eternamente grudadas ao pago natal. Somos cogumelos, chap�us-de-sapo, temos o aparelho de locomo��o destitu�do de rodinhas amarelas - libras ou d�lares. Somos �pteros. Ping�ins! Nossas capacidades embotam-se na mesquinhez da introspe��o e na sordidez tacanha de meiozinhos roceiros p�fios, onde n�o h� os caracteres fortes e sint�ticos que o romance requer para n�o degenerar em teatrinho do Jo�o Minhoca; onde n�o h� dramas - (como imaginar os �tridas em Areias); onde nada h� que n�o seja choco. Desta Areias onde apodre�o h� tr�s meses nem o gancho dum Shakespeare tirava sequer um t�tulo de drama.
Parece-me erro supor que o artista cria independentemente do meio. Meio p�fio, artista p�fio - obra d arte p�fia. Entre n�s, s� no Rio h� ambiente para alguma arte - e porisso todos os que t�m veia para l� acodem. Os que ficam no interior s� d�o de si �gua parada. Veja, Rangel - estamos n�s dois condenados a ser �gua parada... Voc� casou; eu vou casar. Casamento: feixe de ra�zes que vir�o agravar ainda mais o nosso chap�u-de-sapismo. E, no entanto, n�s temos talento, Rangel - sentimos isso, n�o? Ningu�m sabe, ningu�m percebe; talvez nunca desconfie disso o mundo - e no entanto temos talento! (1:176)
2. Vivo esperando a ocasi�o prop�cia - essa ilus�o. N�o h� disso. Para quem de fato possui criatividade, todos os momentos s�o prop�cios. (1:177)
3. Ando com uma id�ia. O Pl�nio Barreto insiste em que eu escreva um romance para a Revista e estou com id�ia de um romance � Dumas ou Paulo de Kock, cheio de a��o e di�logos, tudo t�o violento que o leitor perca o f�lego. O p�blico anda farto de psicologia e descritivo - a mania dos nossos romancistas atuais - e � a raz�o de deix�-los �s moscas.
Vamos fazer uma coisa: destrin�ar o segredo dos eternamente lidos. Depois seguiremos a maneira deles, mas sem nos afastarmos da observa��o, do real, do verismo que est� em nossa ess�ncia. (2:127-128)
4. O fim visado num romance ou conto deve ser o m�ximo de impress�o no leitor com o m�nimo de meios. � nesse sentido que voga o meu barco. Progrido em "concentra��o", fujo sistematicamente � "dilui��o". Prefiro fabricar um martelo de pinga a um barril de garapa azeda. E se a ilus�o me n�o transtorna o senso cr�tico, creio que estou com a verdade. Que verdade? A deduzida dos melhores cap�tulos das melhores obras dos melhores autores. Por que melhores autores? Porque mais intensa e duradouramente lidos. A Desforra ganharia se voltasse ao fogo para apertar o ponto. Ficaria metade em volume e o dobro em grau alco�lico.
A humanidade gosta de bebidas fortes - whiskey, rum, k�mmel, vodka e mais "fogos l�quidos". J� os xaropes e �guas panadas, e mesmo a �gua pura, t�m menos fregueses - e com eles ningu�m se vicia.
Esta minha observa��o vai com todas as reservas. Ser assim no caso de aceitares como verdadeiro o meu crit�rio de concentra��o. Porque em boa cr�tica todos os g�neros se equivalem, contanto que as obras sejam filhas do talento.
Ando a preparar um livro de contos - assinado H�lio Bruma - coisas antigas refeitas. A refus�o limita-se a podas, desgalhes, descascamentos - sempre "des", isto �, concentra��o. E sinto que ganham com o desbaste. Em regra somos na mocidade extremamente excessivos, folhudos como certas �rvores t�o enfolhadas que n�o h� ver nelas a beleza maior: o tronco e o engalhamento. (2:137-138)
5. O Presente da Loveling e o urso de Tolstoi s�o demonstrativos de que para bem dizer � mister escrever pouco e concentrado. A prolixidade � o grande mal. Antigamente eu "borrava" dez tiras e no �ltimo "a limpo" obtinha vinte. Hoje borro dez para obter cinco. Podo impiedosamente - e nunca me arrependo. Ontem li no Imparcial uma cr�tica do Jo�o Ribeiro que abunda nestas id�ias. (2:140)
6. Quanto ao meu livro, espero completar a� uns quinze contos que me agradem; publico-os na Revista do Brasil e depois de impressos dou-lhes a forma definitiva. S� ent�o arriscarei nos quinze contos os dois contos de r�is que me custar a edi��o. N�o tenho pressa nem entusiasmo. J� estou muito longe do assanhamento dos dezoito anos.
Se me seduz uma id�ia, ponho-a em conto, mas sempre com muita pregui�a. O gosto vem depois, na polidura do borr�o, no acepilhamento, no envernizamento. O ato bestial de parir um monstrengo, informe, sujo de sangue e placentas, � o mesmo na arte e na vida feminina. O gosto da m�e come�a depois de lavado e vestido o fedelho. (2:147)
7. L� pelo fim do ano darei livro para o p�blico. Contos. Inda hoje escrevi um. O Rapto. Fui a Campos do Jord�o com o Macedo Soares e na esta��o de Pinda vi um aleijado num carrinho, en�rgico, a ralhar com os filhos que o puxam. Senti uma coisa: aquele homem, apesar de aleijado, era o importante e rico da fam�lia, o que ganhava a subsist�ncia de todos com as esmolas recebidas. Da� o seu tom mand�o, apesar de viver sem pernas dentro do carrinho. Um conto formou-se em minha cabe�a, e de volta despejei-o no papel, como quem despeja a bexiga.
Ando cheio de contos l� por dentro. Contos s�o bernes. A gente pega os germes aqui e ali, e eles ficam germinando, gestando-se em nossos misteriosos �teros subconscientes. Um dia, como o feto das mulheres aos nove meses, eles v�m � tona da consci�ncia e anunciam-se: "Queremos sair!" E ent�o escrevemos aquilo com a facilidade com que as f�meas d�o cria. Os contos fluem da pena para o papel como um "berne de tempo", bem esvurmado. O curioso � que quando produzo um conto, de forma nenhuma o tenho completo na cabe�a; tenho l� dentro uma s� coisa: a id�ia central do conto. Tudo mais se forma no ato de escrever. A primeira frase que lan�o determina as demais. N O Rapto n�o havia nem rapto nem nada; s� havia esta id�ia central: um cego que justamente por ser cego era o �nico da fam�lia que ganhava dinheiro e tinha import�ncia. (2:253-254)
8. N�o concebo artista capaz de construir obra valiosa, se reside em cidade pequenina, marasmada. S� nos grandes centros h� ambiente para a criatividade, uma excita��o cerebral cont�nua, formada pelos mil estimulantes urbanos. Na ro�a o c�rebro assenta, como l�quido vascolejado posto a repousar. (7:20)
9. H� duas esp�cies de obras, a que � feita e a que sai de dentro da gente � que sai no momento pr�prio, com a naturalidade do feto a espirrar do �tero materno depois de nove meses de sono. � sempre dif�cil e doloroso fazer uma obra; mas � fac�limo e delicioso parir uma. O delicioso est� no aliviar-nos de qualquer coisa que nos incomoda l� dentro � certas press�es.
Antes de mais nada, por�m, meu caro Fl�vio, devo confessar-te que eu j� morri. O que ainda anda c� pelo mundo � apenas a materializa��o �dica do Lobato morto. Quer que te conte como ele escrevia contos? Isso talvez te ajude no romance, esclarecendo a fisiologia est�tica. Lobato n�o fazia contos, paria-os.
N�o escrevia deliberadamente; s� quando a coisa vinha, quando a bolsa das �guas rebentava e n�o havia rem�dio sen�o parir. Ele paria para aliviar-se de subit�neos engravidamentos � sobretudo os causados pela indigna��o. O seu livro mais interessante seria o em que contasse a obstetr�cia da sua literatura.(...)
Estude o teu caso como um bom m�dico e veja se conv�m operar ou esperar que o �tero o expila naturalmente.
Os engravidamentos do Lobato eram instant�neos. H�-os mais lentos. O que friso � a indispensabilidade do engravidamento e da chegada a termo. Estude-se, Fl�vio. Seja obstetr�cio. (12:50-55)
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Ver: CARTA 5 (2:54)
LINGUA 1 (1:248-249)

CR�TICA
1. E estou transformado na "�ltima palavra" da cr�tica local, depois duns artigos sobre os trabalhos da minha namorada n�mero 2 - a de fun��o est�tica. O povo olha-me com uma esp�cie de terror sagrado, tantas foram as coisas bonitas que, em estilo de atelier de Paris, eu disse na an�lise dos quadros de Georgina - chama-se Georgina. O meio de sermos admirados pelo povo � n�o sermos entendidos. Outros artistas da terra, geniozinhos municipais, procuram-me; querem tamb�m que eu diga deles coisas incompreens�veis. E o diretor do jornal fez-me a honra de declarar que sou a "�nica autoridade cr�tica da terra". Quer dizer que tamb�m n�o me entende.
Ontem houve concerto no teatro e uma comiss�o veio implorar que do alto da minha Compet�ncia eu derramasse a potassa da Cr�tica sobre as gorduras do Desempenho. Desfiz-me em frases feitas desmerecedoras do meu M�rito e por fim prometi. E acabo de encher cinco tiras com quanto argot musical assimilei em S. Paulo nas cr�ticas do Camarate e do Barjona. Falei em vocaliza��o, registro de voz, euritmia, tonalidades crom�ticas e outras pilh�rias do caso. Saiu-me coisa t�o boa que, relendo-a, eu mesmo n�o entendi nada. Imagine o sucesso que vai ser! (1:90-91)
2. Na "quest�o da simpatia" voc� me respondeu com argumentos ad hominem, o que em cr�tica n�o soa bem. Cr�tica tem que ser ci�ncia, coisa alta, investiga��o dos fatos liter�rios apenas. Fora disso a Cr�tica n�o passa de Impressionismo - ramo da literatura comum. Diz voc�: "Prefiro Goncourt a Manon". Mas isso n�o prova a superioridade de Goncourt sobre Manon. Do mesmo modo que se voc� preferir Silvestre Ferraz a Londres, isso n�o prova que Londres n�o seja a capital do Imp�rio Brit�nico. Voltaire preferia Scarron a Shakespeare, o que n�o impediu que a Posteridade preferisse Shakespeare a Scarron. Quem quer fazer-se cr�tico deve p�r-se de lado, afastar o subjetivo; e se n�o for assim, faz literatura em vez de cr�tica. (1:133)
3. N�o concordo com a tua id�ia de que todo cr�tico � um rat� da literatura, porque a cr�tica � um ramo da literatura para o qual certos sujeitos nascem com aptid�es especiais. Olhe Taine, Sainte Beuve, Macaulay. Mas n�o deixa de ser certo que muitos cr�ticos de segunda s�o literatos fracassados em outros g�neros. Sentem o prazer sat�nico de se suporem numa sacada, e l� de cima cuspirem nos que passam pela rua. Prazer de juiz sentenciador - mas juiz que se nomeia a si pr�prio, n�o � nomeado pelo governo. Vingan�a, picu�nha contra a Fatalidade. "Falhei no meu poema? Pois esperem que vou desancar todos os poemas alheios". O Albalat me parece dos tais. Aquilo de s� admitir Homero, e ir filiando um estilo a outro at� chegar ao de Homero, aquilo me parece �dio aos seus contempor�neos donos de estilo. (1:278-279)
4. Mas isto de opini�o � como nariz, cada qual tem a sua e essa � a boa, como o bom e certo � o nosso nariz. Tu �s maior em letras, e eu me saio um tolo com estas pedagogias. L� tens tua arte; c� tenho a minha. Criticar � sempre dizer: "Eu faria assim". Ao que pode o Autor objetar como o Maneco Lopes: "E que tenho eu com isso?" Por essa raz�o n�o me meto a criticar as �guas. Dou apenas a impress�o geral que pediste. (2:16)
5. Obrigado pelo oferecimento, mas prefiro que digam de meus livros os estranhos. Aos amigos quero-os calados: j� lhes conhe�o a opini�o e tamb�m conhe�o o grau de amizade de cada um. A amizade nunca foi boa cr�tica. E, entretanto, recorreria a ela se o livro empacasse. Quem quer um filho empacado? Mas n�o empacou. Fui feliz. N�o pedi ju�zo cr�tico a ningu�m e estou tendo mais e melhor do que realmente mere�o. Ainda ontem falou a Gazeta de Not�cias em artigo especial, e na v�spera havia falado O Pa�s. Mando os recortes. De voc� eu queria uma cr�tica � nossa moda, confidencial, em carta - sobretudo apontando os defeitos. Um defeito apontado � muitas vezes um defeito corrigido. J� uma qualidade elogiada � quase sempre um v�cio futuro: o autor passa a apur�-la em demasia e cai no excesso, como o econ�mico cai na avareza ou o liberal na prodigalidade. (2:179)
6. Est�s fazendo a cr�tica como a quero, � moda do Will Durant, na Hist�ria da Filosofia. A cr�tica h� de ser assim. A obra dos homens vista � luz da vida dos homens. O sucesso imenso de Durant vem de que pintou conjuntamente a vida dos fil�sofos e suas filosofias. Interpenetram-se tanto, a vida e as id�ias da gente, que n�o h� desligar as duas coisas. (12:49)
7. Tu �s um monstro de orgulho, Fl�vio. Pois queres atacar ao M�rio s� porque ele exerceu o seu natural direito de cr�tica? Ele n�o te insultou, n�o te ofendeu. Como ent�o revidar? Revidar o qu�? Se tiras ao cr�tico a liberdade de criticar, matas a cr�tica, Fl�vio. Fa�o votos para que a Censura impe�a a sa�da do teu artigo no Casmurro. Fica feio para voc� danar com um cabra criticamente s� porque ele n�o gostou do teu livro da maneira pela qual querias que ele gostasse. (12:75)

CR�TICO
1. Isto de falar na cr�tica e dar balan�o aos cr�ticos � sintoma de gravidez de livro. Mal a gente pensa em editar-se e j� o pensamento nos vai para os tais que declaram ao p�blico se somos g�nios, talentos, simples promessas ou cavalgaduras. Que asneira fazer um livro! Arriscar a dolorosas decep��es - para que e por qu�, santo Deus? (2:109)
2. Chegada hoje tua carta de 14, com o recorte. Deu-me prazer que o 1.� artigo que aparece (ou que me chega) sobre as O.C. seja o teu, e n�o o de algum cr�tico profissional. Cr�tico diz o que conv�m; j� voc� diz o que sente. (4:219)
3. A incompreens�o, meu caro, � o grande mal da vida, e a compreens�o a coisa rara, por excel�ncia. Tu compreendes, e me compreendeste: um sujeitinho que trabalha na sua toca, descreve o que viu e sentiu, e no fundo chora das coisas serem como s�o e n�o como deveriam ser. S� isso. T�o simples e ningu�m acerta. Os cr�ticos comprazem-se em malabarizar sobre as teorias e explica��es mais dif�ceis, que v�o procurar longe, esquecidos sempre que a verdade anda-lhes ao p�, caseira e humilde. (13:56)
4. � Que quer dizer cr�ticos? � perguntou Narizinho.
� Cr�ticos s�o os homens sabid�es que nos dizem o que � bom e o que n�o presta. S�o os nossos cicerones, ou guias, em assunto de arte. (22:225)
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Ver: CR�TICA 7 (12:75)
L�NGUA 1 (1:248-249)

D

DEFINI��O
Uma das caracter�sticas da boa defini��o � ser curta. "O homem � um b�pede implume". Quando a defini��o se estende demais, tentando abarcar todos os mobil�ssimos pseudopodos da coisa definida, degenera em "no��o" ou "tratado" sobre a coisa. Deixa de ser defini��o, s�mula da ess�ncia. (...)
O meio pr�tico de p�r em prova uma defini��o � aplic�-la como um cobertor sobre a coisa definida; se a defini��o a cobre bem, n�o deixando nenhum rabinho de fora, � �tima. (5:12-13)

DESCRI��O
Se �guas e Arvoredos est� um borr�o, posso anotar nas costas, n�o � assim? Um defeito, meu, teu, nosso: damos espa�o demais ao cen�rio, com preju�zo das figuras. Em Camilo quase n�o h� cen�rio; as almas v�o logo entrando em cena. Shakespeare pinta-o com uma palavra. N�s nos perdemos nas mignardises da paisagem, a copiar at� as perninhas dos carrapatos - v�cio que vem do tempo em que o Naturalismo zolaiesco nos seduziu. Mas aquilo era exagero propositado. Eles estavam botando a l�ngua para o Romantismo. Tu tens paisagens bel�ssimas, mas estragadas pela abund�ncia dos detalhes. Queres escrever tudo, quando o certo � apenas sugerir - � dar um r�pido relevo de estereosc�pio com meia d�zia de pinceladas r�pidas e manhosas. Pinceladas-carrapicho, nas quais se enganchem as reminisc�ncias do leitor. For�amo-lo assim a colaborar conosco � ele v� mil coisas que n�o dissemos, mas que com os nossos carrapichos soubemos acordar dentro dele.
O mais belo e sugestivo cen�rio que conhe�o � um de Shakespeare no Henrique IV, ato 30, suponho: "A street". Nessa rua eu pus toda a impress�o sugerida pelo transcorrer dos dois primeiros atos. Vi uma velha rua da cidade inglesa, como naquele meu momento me parecia que devem ser as ruas trafegadas por Falstaff. Qualquer outra indica��o prejudicaria a id�ia pr�-sugerida l� no meu imo, colidindo. Isto mostra como a extrema sobriedade, quando h�bil, desentranha maravilhas da imagina��o do leitor � e o tolo as vai atribuindo ao romancista esperto. Em suma, o caso � esperteza, como nas f�bulas do jaboti. Fazer que o leitor puxe o carro sem o perceber. Sugerir. Arte � isso s�. (2:13-14)

DI�RIO
Que te direi do teu Di�rio que j� n�o tenha dito? Devorei-o, coisa de come�ar e n�o largar, e a impress�o foi a dum filme que alternasse fotografias de id�ias com fotomontagens de cenas. Diz voc� na carta que o mandou como reflexo do teu Eu atual, e vejo que muito j� se distanciou daquele Rangel amoroso e em excesso descritivo dos anteriores volumes. Agora sim, est� como compreendo um Di�rio: reposit�rio de sensa��es de primeira m�o, dos tais pensamentinhos que nos passam pela cabe�a como rel�mpagos, de id�ias nascidas como em gera��o espont�nea, insubsistentes, de vida curta como a dos fogos f�tuos; poeira luminosa, p� de diamante da inconsciente e ininterrupta lapida��o da nossa intelig�ncia. Mil coisinhas enfim que se perderiam se n�o fosse a patena dum di�rio a recolh�-las. Perguntas em franc�s o por que da coisa e afirmas que Robinson n�o cuidaria disso. Chi lo sa? O maior prazer do nosso ego�smo � gozar a sensa��o da nossa personalidade � pelos ouvidos, ouvindo-nos � pelos olhos, vendo-nos � pela intelig�ncia, introspeccionando-nos. O resto do mundo s� nos importa pelos acr�scimos, ou o "emprosperamento" que traz para o nosso Eu. Porque, afinal de contas, somos cada um o centro do Universo. Ora, um Di�rio conserva a imagem do nosso Eu no passado, fomenta-nos portanto os instintos do ego�smo, desse modo redobrando a sensa��o dos eus passados, isto �, das nossas fases evolutivas. Se um espelho comum j� nos d� prazer, que valor n�o � um espelho retrospectivo que nos d� a cara dia a dia, pelo espa�o de anos! O Di�rio � esse retrospecto da nossa intelig�ncia. Por isso creio que, sendo como somos, ainda que f�ssemos Robinsons escrever�amos Di�rios. (1:130-131)
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Ver: ID�IAS (Registro de) (1:114-115)

DICION�RIO
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Ver: VOC�BULOS 1 (1:239-241)
L�NGUA 8 (8:101-107)

DRAMA
O drama � tudo na arte, porque o drama � a biografia da Dor e a Dor � a m�e da Arte. Inda ontem, relendo �squilo, vi que sua grandeza repousa na grandeza das dores que pinta. Os �tridas, Prometeu, Orestes, Eletra, Atossa, Cassandra � dor, s� dor, na desesperada luta contra a Fatalidade. A arte nasce da dor, como a p�rola. Sabe que a p�rola � o produto duma doen�a da ostra? Onde h� doen�a h� dor �- logo a p�rola vem da dor. (1:174)

E

EDI��O
1. Minha id�ia � que quem se edita por conta pr�pria faz uma coisa anti-natural � como entre as mulheres o parir pela barriga, na cesariana. Mas, seja l� como for, proponho estes pontos: 1) N�o haver pressa; 2) Apurarmos a forma, de modo que os cr�ticos exigentes n�o descubram nem uma l�ndia de pronome mal colocado; 3) Ler um a produ��o do outro, comentar, criticar, sugerir, vetar; 4) As duas partes conformar-se-�o com as senten�as, mas ficam com o direito de rejeitar o veto; 5) A fatura material do livro ser� perfeita; prosa boa impressa em papel de embrulho vira carne seca da fedorenta; champanha em caneca de lata vira zurrapa. (1:242-243)
2. Anda o Nogueira com livro em Portugal! H� de ser o Venerando, hist�ria j� minha conhecida. Nogueira tem preocupa��es c�micas � a qualidade do papel, o tamanho das margens, ilustra��es, como se um livro valesse por outra coisa que n�o o miolo. Quem procura essas galantezas estranhas � literatura n�o mostra confian�a no que escreve. � procurar muletas. Veja se um Machado, um Anatole, um Euclides, l� v�o pensar nessas bobagenzinhas. (1:327)
3. Veja voc� como para o mundo tem peso um nome que assina artigos no jornal. A gente passa de servo da gleba � classe dos senhores. O "senhor" � o homem armado, que pode desta ou daquela maneira tornar-se ofensivo. A grande desgra�a na vida � ser inofensivo, Rangel. Veja as minhocas. Por essas e outras, n�o concordo com o teu afastamento do jornal. Para quem pretende vir com livro, a exposi��o peri�dica do nomezinho equivale aos bons an�ncios das casas de com�rcio � e em vez de pagarmos aos jornais pela publica��o dos nossos an�ncios, eles nos pagam � ou prometem pagar. (2:20-21)
4. A vantagem de dar a Vida em revista � poderes t�-la em forma impressa para o "passar a ferro" final. Em manuscrito a gente n�o v� totalmente um livro. (2:102)
5. � indispens�vel vires a p�blico em livro, porque o livro � como o germe que faz a palma, a chuca que faz o mar. (2:180)
6. O meu segredo foi continuamente e sempre o mesmo editor. O Otales editou-me desde o come�o at� a vinda da "Brasiliense". Tens de fixar-te num editor a�, e ir ganhando-lhe a confian�a. Assegurado o editor, nada mais tens que fazer sen�o ir botando ovos liter�rios como uma boa galinha Leghorn; todos os anos, um ou dois ovinhos � e mantendo sempre reeditados os ovos anteriores.(...)
Para conseguir uma casa o pedreiro tem que assentar muitos tijolos; para criar uma renda de direitos autorais o escritor tem de escrever muitos livros e cuidar muito deles, e mant�-los sempre editados, etc. Com um livro, ou dois, ou tr�s, um escritor n�o arranja a vida, como com um tijolo, ou dois ou tr�s, o pedreiro n�o constr�i uma casa. Mas com 30, 40, 50 livros um escritor cria uma torneira donde manar� money durante toda a sua vida e a dos filhos. Eu, por exemplo, disponho de 30 torneiras na "Brasiliense" e 25 aqui - total 55, todas pingando �gua sem parar. N�o basta fazer o livro; � preciso edit�-lo; e depois, reedit�-lo sempre; s� assim um autor cria um manancial perene. (4:210-212)
7. Escolha um bom editor e fique com nele toda a vida. N�o ande pulando de um para outro como um saltamontes com formicida no rabo. Bom autor faz o bom editor - o editor amigo. Para fazer um bom editor v�rias coisas s�o precisas, e entre elas a mais absoluta corre��o nas contas. Nunca sacar dinheiro antecipadamente. Autor que faz isto, perde logo o editor, porque n�o h� nenhum que tolere semelhante pr�tica. (4:214)
8. Faze o que fiz. Vira-te editor, e ent�o ter�s sempre editor em casa absolutamente conforme aos teus desejos e caprichos. Foi como fiz em 1917 e deu certo. E como fa�o ainda hoje. Entrei como s�cio para a Editora Brasiliense e tirei meus livros do Octales; e agora vou na Argentina estudar o lan�amento da Editora Continental, com muitos elementos dinheirosos daqui. Por qu�? Para tamb�m l� ter editor como quero para os meus livros. Era o que eu te aconselharia, meu caro Fl�vio, a voc� um sol novo que anunciei mas ainda sempre impedido de soltar raios. (12:71)
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Ver: L�NGUA 1 (1:248-249)

EDUCA��O
1. Recordando minha vida colegial vejo qu�o pouco os mestres contribu�ram para a forma��o do meu esp�rito. No entanto, a J�lio Verne todo um mundo de coisas devo! E a Robinson? Falaram-me � imagina��o, despertaram-me a curiosidade � e o resto se fez por si.
J�lio Verne levou-me a Humboldt, e depois � Geografia e �s demais ci�ncias f�sicas e sociais. Foi o aperitivo. Entreabriu-me as cortinas do mundo como coisa viva pitoresca, composta de paisagens e dramas. De posse dessa vis�o, e esporeada pela imaginativa, a intelig�ncia "compreendeu e quis saber". Que menino, ap�s a leitura de Keraban o Cabe�udo, n�o corre espontaneamente a abrir um atlas para ver onde fica o B�sforo?
A Intelig�ncia s� entra a funcionar com prazer, eficientemente, quando a imagina��o lhe serve de guia. A bagagem de J�lio Verne, amontoada na mem�ria, faz nascer o desejo de estudo. Suportamos e compreendemos o abstrato s� quando j� existe material concreto na mem�ria. Mas pegar de uma pobre crian�a e p�-la a decorar nomes de rios, cidades, golfos, mares, como se faz hoje, sem interm�dio da imagina��o, chega a ser criminoso. � no entanto o que se faz!... A arte abrindo caminho � ci�ncia: quando compreender�o os professores que o segredo de tudo est� aqui? (7:8-9)
2. O Coronel Teodorico n�o concordava com o modo de Dona Benta tratar os meninos.
― A comadre d� muita liberdade para eles. Crian�a n�o � assim que a gente trata. Crian�a a gente doma, como os potros.
E era assim na casa dele. Havia castigos: pux�es de orelha, cocres, chinelo ― e ficar sentado num canto ― e n�o ter sobremesa no jantar ― e n�o ir � cidade no domingo. Apesar de tudo isso, seus filhos n�o eram bem educados e n�o faziam progressos nos estudos.
Dona Benta respondeu:
― Isto de educar crian�as � a arte mais delicada que existe. O mesmo que lidar com broto de roseira. Qualquer coisa errada que a gente fa�a para um broto, ele "sente" e fica marcado pelo resto da vida ― para bem ou para mal.
E Dona Benta foi al�m, a filosofar em termos muito acima da compreens�o do coronel, t�o acima que ele cochilou e dormiu.
Era sempre assim nas visitas do fazendeiro � sua comadre; quando a conversa se elevava um pouco, e Dona Benta entra a discorrer com a sua eleva��o de sempre, ele "tirava um corte."
As id�ias de Dona Benta sobre educa��o eram muito especiais. Quem entrasse em sua cabe�a assistiria ao jogo do seu pensamento. (� interessante o jogo de futebol do nosso pensamento. Um jogo que n�o se interrompe nunca ― s� quando dormimos. Um solil�quio. Falamos como n�s mesmos numa conversa mental que n�o tem fim. Certas pessoas, quando perdem o perfeito equil�brio, "falam sozinhas", na rua ou onde estejam. Muito freq�ente ouvimos esta frase: "Fulano anda falando sozinho", com o significado de "Fulano est� desarranjado da cabe�a." Mas mentalmente n�o h� no mundo quem n�o viva a falar sozinho, pois que o ato de pensar � isso.)
Enquanto o seu compadre Teodorico roncava na cadeira de balan�o, Dona Benta falava sozinha.
― "Crian�a a gente doma, como os potros!" disse o compadre e como quase todas as pessoas pensam ― � aqui no s�tio que eu vejo exatamente o contr�rio. N�o domei Pedrinho, nem Narizinho, nem Em�lia, e duvido que haja crian�as mais bem educadas. "Bem educadas" no verdadeiro sentido, n�o no sentido comum; pois o que vejo por a� � confus�o de "bem educado" com "bem comportado", isto �, com a submiss�o das pobres crian�as a todas as ordens dos pais ou professores. "Sente-se com as m�os sobre o colo e fique quietinha ― e a triste crian�a, o bichinho mais irrequieto da natureza, fica ali a constranger-se e a bocejar de t�dio, para que umas toupeiras, como este meu compadre, se rejubilem e digam: "Est�o vendo como � bem educada esta crian�a?"
E h� a significa��o da crian�a! Para quanta gente as crian�as n�o passam duma simples annoyance, como dizem os ingleses! Para outras s�o brinquedos, enfeites da casa, bonecas vivas. Poucos t�m a verdadeira no��o do que � crian�a para o mundo, ou para a humanidade. � a pr�pria humanidade na parte em que se vai formando o futuro. O futuro!... Palavra tremenda. O futuro � tudo, � a continuidade, a perpetua��o. O passado da humanidade � de alguns milhares de anos. O presente � o dia de hoje. O futuro � toda a imensidade de tempo que o homem possa viver neste planeta!... O presente � 1, o passado � 10 ― o futuro � 1.000 ou 1.000.000 ― que sabemos n�s?
Tudo o que a humanidade de amanh� vai ser est� em germe na crian�a de hoje. Se f�ssemos mais inteligentes e compreensivos, a vida na terra poderia tornar-se ed�nica. E o caminho para isso seria dos mais simples: considerar a crian�a como o broto do futuro e condicionar esse futuro por meio do condicionamento do broto. Poder�amos planejar o futuro! Fazer do futuro um sonho de felicidade e beleza, com o simples condicionamento do broto!
Narizinho apareceu na varanda! Veio dizer que Em�lia estava judiando do Visconde.
― Judiando como? ― perguntou Dona Benta.
― Judiando mentalmente, vov�. Quer que o Visconde mude de id�ia, como a gente muda de roupa.
― Que id�ia ela quer que o Visconde mude?
― H� um broto de roseira que teima em se voltar para o lado do sol, isto �, para fora da janela. Em�lia n�o quer isso. Quer que o broto se volte para dentro, a fim de que quando o broto der rosas ela nem precise levantar-se na redinha para apanh�-las � ser� s� espichar a m�o. E o Visconde diz que o broto age assim por causa dum tal "tropismo", que � a irresist�vel tend�ncia dos brotos de se voltarem para o lado em que h� mais luz.
― E que tem isso?
― Tem que Em�lia n�o quer que o Visconde admita o tal tropismo.
Dona Benta riu-se. Aquelas crian�as brincavam com express�es cient�ficas como outras brincam de bolinhas ou pelota. Em�lia a judiar do Visconde por causa do tropismo ― a atra��o ou repuls�o que certas subst�ncias ou fen�menos exercem sobre o protoplasma! Ali no broto da roseira era o fen�meno luz que atra�a a protoplasma do broto...
― Luz!... falou Dona Benta. Nem Einstein sabe o que � a luz! Tropismo: atra��o que a luz exerce sobre o broto humano, a crian�a?
Quantos problemas, meu Deus! Mas uma coisa me parece certa: est� nas m�os do presente condicionar o futuro por meio da moldagem dessa cera mole chamada crian�a. Desde que a crian�a � a massa de que sai o futuro, se soubermos lidar com essa massa daremos ao futuro a forma que quisermos ― que planejarmos.
E a boa velhinha devaneou longamente sobre as tremendas possibilidades duma coisa que viesse substituir a atual imbecilidade a que damos o nome de educa��o, e que seria o Planejamento do Futuro ― O Plano Q�inq�enal que da cera de hoje fizesse sair um Futuro Maravilhoso, planejado, estudado, idealizado, em vez do que, como at� hoje, o que o Acaso quer que saia.
Nesse momento o coronel acordou. Bocejou, espregui�ou-se.
― Parece que dormi, comadre...
― Dormiu, sim, uma boa soneca.
O coronel acabou de despertar e recordou-se do que estava conversando. Retomou o fio das id�ias e disse:
― Pois � como eu estava dizendo, comadre. Crian�a a gente doma, como os potros.
― E se em vez de as domar n�s a condicion�ssemos de acordo com um s�bio planejamento do futuro?
O Coronel Teodorico abriu a boca. Piscou tr�s vezes. N�o entendeu nada.
Dona Benta suspirou, e l� consigo disse para si mesma:
― A dificuldade � essa. Este idiota do meu compadre � o 90 por cento da humanidade. Nada podemos fazer sem o seu apoio � mas como obter apoio de quem n�o compreende?
O fazendeiro bocejou de novo e tentou prosseguir em suas teorias, mas Dona Benta o interrompeu:
― Durma, compadre. Deixe isso de pensar para mim... (9:297-301)
3. Sair da Quinta Avenida, o torvelinho perp�tuo, e cair na Biblioteca P�blica, corresponde a mudar de planeta. Reina l� um sil�ncio de recolhimento, e ainda uma constante temperatura de primavera, por mais que fora o ver�o escalde.
Mr. Slang levou-me � se��o das crian�as, que eu ainda n�o conhecia.
As crian�as... Creio que foi Dumas quem disse ser estranho como duns animaizinhos t�o inteligentes sai o est�pido bicho que � o homem adulto. Sim, sim. Tem raz�o. O lindo da crian�a, o ultra lindo das crian�as est� em que s�o naturais. Com o crescer mete-se a educa��o a fazer do animalzinho natural o animalejo social. Educar vale dizer socializar, isto �, artificializar. Da� a estupidez adulta. Educa��o... Meio de arruinar a exce��o em proveito da regra, disse Nietzsche. Meio de destruir a coisa �nica que d� valor: � personalidade, individualidade. Mas...
Encantou-me, aquilo. Em duas grandes salas, presididas, do centro, por uma guardi� na sua mesa entre grades (�timo esse engradamento do �nico adulto ali existente), desdobram-se, cobrindo as paredes, as estantes baixas onde tudo que � literatura infantil publicada no mundo se re�ne. Cadeirinhas de meia altura, mesinhas em miniatura, toda a mob�lia criada "ad hoc" para os freq�entadores da se��o, fazem-nos sorrir logo de entrada. Apesar de estupidificado pela educa��o, o pobre adulto conserva dentro de si a crian�a que foi ― e sorri s�mente, animalmente, todas as vezes que algo lhe fala a essa crian�a.
Assim se deu comigo. Pus-me a sorrir o sorriso puramente biol�gico, sem inten��o, sem causa � o sorriso da crian�a solta. Aquelas cadeirinhas, aquelas mesinhas, aqueles livros de figuras...
N�o h� ali regulamento estragador do prazer do consulente; ou ent�o o regulamento � feito de modo a coincidir com os impulsos naturais da crian�a que entra: ― "fossar" na imensid�o de livros, sem atender a mais nada al�m da sua natural curiosidade e irrequietismo.
Gostei, sim; gostei do sistema. Vi dois meninos entrarem, de narizinho para o ar, farejando. J� conheciam os recantos da biblioteca. Foram a uma estante e sem vacilar um deles puxou certo livro. Sentaram-se no ch�o para folhe�-lo.
Aproximei-me para ver que obra os havia interessado. Era um livro de ci�ncia infantil, aberto na p�gina dos aeroplanos. O mais taludo explicava ao menor uma particularidade qualquer de certo aparelho, talvez expondo uma grande id�ia que tivesse na cabe�a. O outro olhava apenas, sem �nimo de objetar.
― Um futuro Lindbergh, murmurou Mr. Slang. � assim que eles se formam.
― Estou gostando imensamente da liberdade que gozam aqui as crian�as, Mr. Slang! Deitados sobre o livro, no ch�o, esses dois! Mas isto � �nico! Chega a fazer-me perdoar v�rios crimes da Am�rica.
O prazer das crian�as � ali intenso, porque podem mexer � vontade. O "n�o fa�a isso, n�o bula nisso" n�o existe. Podem tirar das estantes os livros que desejarem, dois, tr�s, quatro ao mesmo tempo, e v�-los, l�-los, cheir�-los quanto quiserem, onde e como quiserem � no ch�o, como os nossos dois futuros aviadores, nas mesinhas, nas cadeirinhas de balan�o. E nem sequer necessitam rep�-los no lugar. Nenhuma obriga��o ali, al�m da de se regalarem com a livralhada deliciosa, cheia de coelhinhos que falam, como o famoso Uncle Wrigley que todas as crian�as adoram; e a Raggedy Ann, boneca de pano famosa, e Alice in Wonderland, e Robinsons de todos os jeitos, e Gullivers de todos os formatos, e Tom up my thumb e Cinderela...
Quanta raz�o tinha Peter Pan, o menino que jamais quis crescer! murmurei com toda a sinceridade de alma. Que asneira crescer, ficar gente grande, ter de virar bicho social ― est�pido, hip�crita, recalcado... Ser um Hoover, atrapalhad�ssimo com os tremendos problemas do ap�s-guerra, quando se pode ser aquele garoto, que sonha talvez um novo aeroplano, sem asas, sem motor, sem rabo...
Mr. Slang concordou, confessando que a vida lhe f�ra um perfeito sonho m�gico at� o dia em que perdeu a cren�a nos coelhinhos que falam, nas fadas que com a varinha de cond�o viram uma coisa noutra, nos pr�ncipes encantados que se casam com princesas mais encantadas ainda. E como contou v�rios epis�dios da sua inf�ncia de sonho, passados no Kensington Garden de Londres, parque onde jamais se atreveu a entrar depois de adulto ― de medo de matar as deliciosas impress�es ali recebidas em crian�a. (15:211-214)
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Ver: LITERATURA INFANTIL-JUVENIL 8 (9:249-256)

EPOP�IA
� Pura verdade, meu filho. A navega��o a vela foi uma epop�ia.
� Que � epop�ia, vov�? � perguntou a menina
� Eu sei! � exclamou o menino. � Epop�ia �, por exemplo, Os lus�adas, de Cam�es, n�o �, vov�?
� N�o �, meu filho. Dar exemplos n�o � definir. Epop�ia quer dizer poema em que o poeta canta uma grande empresa her�ica, uma alta fa�anha. Os lus�adas s�o uma epop�ia mas "a epop�ia n�o �, por exemplo, Os lus�adas..."
� Mas ent�o, vov�, navega��o � epop�ia? � algum poema?
� Sim. � um poema n�o escrito, porque est� acima das for�as de um poeta cantar a s�rie infinita de dramas, hero�smos, abnega��es e sacrif�cios que enchem os anais da navega��o. (21:106)

ESCREVER
1. Tua carta � um atestado da tua doen�a: literatura errada. Julgas que para ser um homem de letras vitorioso faz-se mister uma obsess�o constante, uma consciente martela��o na mesma id�ia �- e a mim a coisa me parece diferente. Tenho que o bom � que as aquisi��es sejam inconscientes, num processo de sedimenta��o geol�gica. Qualquer coisa que cres�a por si, como a �rvore, apenas arrastada por aquilo que Arist�teles chamava entelequia � e que em voc� � o rangelismo e em mim o lobatismo. Deixa-te em paz, homem, n�o tortures assim o teu pobre c�rebro. Andas a fazer com ele como os comil�es ininteligentes que comem at� adoecerem. Esque�a que h� literaturas no mundo e viva a� uma vida bem natural. Ande muito a p� ou a cavalo, converse com toda gente, coma bem, namore caboclinhas nas estradas, v� aos ser�es do senhor Cura, arrote - e quando dormir, ronque. Ver�s que boa � a vida sem literatura. E tamb�m ver�s como fica boa a literatura quando o corpo est� contente.
J� notei que esses constantes e permanentes contatos com as Grandes Id�ias e os Grandes Prest�gios operam do mesmo modo que aqueles in�meros "confortos" do Jacinto Gali�o das Cidades e as Serras. Enfaram, esmagam. Pensamos que aquilo saiu da cabe�a dos autores como Minerva da cabe�a de J�piter e achamo-nos inferiores, com grande dor do nosso amor pr�prio. E, perturbado, com os olhos tontos pela doen�a, chegas at� a ver em mim algo nuevo, quando na realidade o que h� � um pouco da coisa saborosa que o Sieur de Montaigne inventou (literalmente): bom senso, horse sense, como dizem os ingleses - senso de cavalo. O Bom Senso � a filosofia da justa medida, do ver-claro, do enxergar at� de noite, como os cavalos.
Perguntas quantas horas "literatizo". Nem uma, meu caro, porque s� leio o que me agrada e s� quando estou com apetite. N�o troco uma conversa com uma macaquinha (o sexo na mulher corrige a banalidade, no homem agrava-a, diz Machado) pela melhor trag�dia de Eur�pedes, porque por mais banal que seja a mo�a � sempre mais humana que um livro � e o humano quer o humano. Ler e comer, s� quando h� apetite; fora da� � uma insuport�vel corv�e. Tamb�m n�o escrevo por obriga��o. Escrevo quando os dedos comicham � ou quando o Benjamim me forja a escrever. Neste caso � o meio de ver-me livre do Benjamim. N�o tenho horas prediletas � minhas horas s�o as que coincidem com a disposi��o. H� horas em que nos sentimos extraordinariamente aptos para pensar e tudo nos vem f�cil e claro. Outras h� em que estamos imaginosos, todo cheios de casulos a picarem, como ovo na hora de sair o pinto. Queira voc� tirar o pinto antes do tempo � o pinto morre. Est�mago e c�rebro: duas respeitabilidades. Respeit�mo-las, Rangel.
Estou de viagem para Taubat�, onde vou ganhar dinheiro e junt�-lo para o sonhado tour du monde. Podias te mudar para l� e organizar�amos o trust da advocacia no Norte de S�o Paulo. O Benjamim seria o nosso representante em Pinda e o Pereira de Matos em Ca�apava. Sare, homem! Est�s mal�ssimo de engurgitamento liter�rio. Vomite o Flaubert. (1:47-49)
2. Escrever � como comer, exige fome ou pelo menos apetite... (1:129)
3. Mas n�o tolero escrever por obriga��o. Traduzo quando quero. Fa�o coisas para A Tribuna quando quero. Do contr�rio, sentir-me-ia escravo no eito. (1:250)
4. No momento em que escrevemos, o nosso esp�rito acostuma-se com os defeitos, n�o os v�. Mas se passados uns dias relemos, j� os defeitos se visibilizam. (1:255)
5. Que importa que a massa nos n�o entenda? � massa compete admirar. O entender � s� das minorias. Atenta neste belo clar�o de Fialho: "Tomou as m�os do agonizante, um m�rmore molhado." A minoria entrepara, at�nita com a beleza. A maioria n�o para, passa, mas admira, porque n�o entendeu - o intelig�vel � o supremo pasmo das multid�es. Vejamos agora isso dito no estilo bunda: "Tomou as m�os do agonizante: estavam geladas por um suor frio." O clar�o da frase de Fialho vira aqui uma luzinha de vela de sebo; entendem-na todos; a clareza democr�tica atinge o apogeu - mas que analidade! L�ngua bunda, estilo anal, id�ias de toda-gente, aninhadas como piolhos dentro de bolas de escaravelho. O escaravelho da adjetiva��o dessorada pelo adv�rbio. O adjetivo sempre m�dio (porque in medio virtus! O in medio em tudo na vida s� d� o med�ocre). Nunca o adjetivo extremo; e para desenervar o adjetivo m�dio de suas �ltimas fibrilas ainda n�o fl�cidas, um aux�lio pr� ou posposto. Este aux�lio � sempre muleta. � um modificativo que dessangra e empalidece o adjetivo, cambando o vigor da frase. (2:51-52)
6. � in�til andares ajuntando e mandando opini�es sobre minhas literaturas. N�o dou valor a essas rea��es, nem as procuro. Escrevo porque tenho de escrever, porque sou for�ado a escrever, para dar vaz�o ao pus dum fur�nculo scribendi de incur�vel intermit�ncia - n�o para conquistar nome, gl�ria, o que seja. E a prova � que para n�o me inscreverem no rol dos literatos, a mim que n�o passo de simples fazendeiro, voltei a usar os velhos pseud�nimos com que me escondia no Minarete - H�lio Bruma, Mem Bugalho e Chico Taboca (este, inven��o do Sim�es Pinto e saiu como o nariz dele). E n�o escrevo mais no Estado nem na Revista do Brasil, � qual havia prometido um artigo sobre o pintor Almeida J�nior, porque estou em mar� vazante e com horror aos literatos. As rodinhas do Pirralho, da Vida Moderna, do Estado, da Cigarra e outras que freq�entei em meu �ltimo m�s em S. Paulo, fizeram-me mudar de opini�o quanto a estes urup�s daqui. O caboclo parece-me hoje a��car refinado perto do a��car preto que s�o os urup�s citadinos de gravata. Que pulhas! (2:122-123)
7. Isso de melhorar o escrito velho n�o melhora coisa nenhuma; h� o caso do santeiro que de tanto apurar o olho do santo deixou-o cego. (2:175)
8. Falas em colabora��o para a Tribuna, paga... Isso � grave e merece pondera��o. Escrever � uma ma�ada, como bem sabes, depois de passada a �poca em que a gente escreve unicamente pelo prazer de ver-se impresso. Ora, eu j� passei essa �poca feliz e hoje s� concebo que se extravaze pelo bico da pena tantos ideais sobre umas tantas tiras de papel quando alguma vantagenzinha resulta disso. E pensando assim, assim o fa�o. Por isso, se quiseres, te mandarei umas amostras de artigo, de v�rios g�neros, a ver se encontram cota��o na bolsa jornal�stica da�. Se n�o, voc� nos devolver�, porque n�o � nenhuma honra a gente ver-se impresso de gra�a e lido a cem-r�is por pessoa. (3:101-102)
9. Como v�s tenho andado constante na "Tribuna" - o que ainda n�o pude conseguir � prestar: o interior burrifica e escrever vai muito do h�bito, que perdi com um interregno de v�rios anos. (3:109)
10. N�o pare de escrever. Como uma pianista se torna uma Guiomar, se n�o trabuca todos os dias no exerc�cio para adquirir agilidade nos dedos e apuramento do ouvido? Discipline o corpo. Todos os dias, � mesma hora, sente-se � mesa e escreva. Dentro dum m�s estar� acostumada - e pronto. (4:43)
11. O segredo de escrever bem est� a�. O leitor � um t�nel. O escritor tem de atravess�-lo com o seu comboio de id�ias. Se as id�ias n�o v�o na ordem prescrita por Brisbane, uma depois da outra, uma bem engatadinha na outra, fica na porta do t�nel um bolo de freight cars que n�o passa, que n�o entra, est� entendendo?
Voc�, exuberante que �, demasiado rica de id�ias, amontoa-as em excesso na mesma frase � embolota-as, encaro�a-as, esquecida que est� levando-as a atravessar um t�nel escuro, �mido, ap�tico, e geralmente est�pido. Se voc� pretende escrever para V. mesma, ent�o est� �timo, porque, como m�e das id�ias, todas se te apresentar�o claras como s�o claros e louros at� os filhinhos pigmentosos das m�es pretas. Mas se pretende levar comboios de id�ias (contos) atrav�s do t�nel escuro chamado leitor, ent�o tem de mudar de t�tica e seguir o conselho de Brisbane. Sabe quem era ele? O maior jornalista americano, o mais lido, o mais bem pago. Por qu�? Porque fez essa mir�fica descoberta de que o leitor � um t�nel escuro. (4:66-67)
12. Se V. pretende dedicar-se � literatura o meu conselho � que leia e releia Machado de Assis, sobretudo nos contos. � o �nico mestre que temos. Tudo mais perto dele se apaga. Durante este carnaval reli-lhe 5 livros, e humilhei-me da minha literatura. Diante dele sou a maior das bestas. (4:69)
13. Compense os amargozinhos do cotidiano com a cria��o liter�ria - com a fatura do romance. Nada absorve tanto. Nada nos faz tanto "esquecer". � como a pinga para o pau-d �gua. Para esquecer os seus males f�sicos, Gibbson absorveu-se na obra que o imortalizou. A cr�tica reconhece que se gozasse de boa sa�de n�o teria criado coisa t�o grande � ter-se-ia dispersado. (4:228)
14. Resta agora que se realize e n�o desaponte o pagozinho natal. Isto � - que escreva as Mem�rias. H� dois modos de escrever. Um, � escrever com a id�ia de n�o desagradar ou chocar ningu�m - escrever ataulfamente, academicamente, gaspardutramente, cardinaliciamente, n�ofedenemcheiramente. � o meio mais pr�tico de n�o ser lido por ningu�m de perpetuar-se in�dito embora publique mil obras. Outro modo � dizer desassombradamente o que pensa, d� onde der, haja o que houver - cadeia, forca, ex�lio. Se o futuro Palma escritor tomar pelo primeiro caminho, ir� para o c�u quando morrer e ter� na terra as b�n��os de todos os bispos e mais "m�quinas de manter o status quo". E se o Palma escrever com fiel gram�tica e bem comportadamente, como Xavier Marques, o mais aguado coco liter�rio que os cocais baianos produziram, � capaz de acabar na Academia Brasileira de Letras, com um paneg�rico do Ataulfo colado no fi�. E ao morrer ser� enterrado com fard�o, o famoso fard�o todo gal�es � um caix�o de defunto dentro do outro. Mas se disser o que pensa, em estilo brabo como o do Vasconcelos Maia, um maravilhoso contista que voc�s t�m a�, Palma o Marujo receber� as palmas da vit�ria e ter� palmas at� dos ranzinzas ao tipo lobatiano.
Vamos ver que caminho escolhe - o dos bispos ou o dos pestes. O assunto � �timo. Todo assunto � �timo. O que raramente � �timo � o manipulador do assunto. Porque os homens s�o uns quando falam � interessantes, expressivos, pinturescos, e ficam idiotas quando escrevem. O mesmo que diante do fot�grafo. Raro o fotografando que diante do fot�grafo n�o "muda de cara" � deixa de ser o que naturalmente � para tornar-se o lorpa que � em geral o sujeito fotografado com pose. Cumpre distinguir. Se � fotografado instantaneamente, n�o tem jeito de virar lorpa e sai como Deus o fez; mas se se fotografa com pose, ah, minha Nossa Senhora das Candeias! Como muda!... (4:254-255)
15. E a conclus�o a que cheguei aqui a deixo para medita��o de Edgar Cavalheiro e outros cr�ticos. Parece que o segredo de escrever e ser lido est� em duas coisas � ter talento de verdade e escrever com a maior aproxima��o poss�vel da l�ngua falada, sem perder, portanto, nenhum dos farelinhos ou sujeirinhas da vida, pois � a� que se escondem as vitaminas produtoras do misterioso e perturbador "qu�" das verdadeiras obras d arte". (5:57)
16. Escrever � gravar rea��es ps�quicas. O escritor funciona qual antena � e disso vem o valor da literatura. Por meio dela fixam-se aspectos da alma dum povo, ou pelo menos instantes da vida desse povo. (6:3)
17. Uma grande li��o para os escritores � o fato de s� sobreviverem os livros vividos. E s�o raros, porque os homens que vivem n�o t�m tempo de escrever; e os que escrevem profissionalmente, n�o vivem. Poder� chamar-se vida o marasmo do escritor sempre metido entre quatro paredes, a ler o que os outros escreveram e sem �nimo, ou sem jeito, ou sem oportunidade, ou sem temperamento, para viver a crueza e a viol�ncia da vida? Eles apenas imaginam a vida, e na pintura duma floresta ou dum tipo n�o conseguem esconder a imita��o inconsciente que em sua arte substitui a cria��o.
Daniel Dafoe escreveu dezenas de livros. Um s� nasceu vivo, e vive ainda hoje, e viver� sempre, Robinson Cruso�, porque foi tomado da boca de um marujo que realmente naufragara e vivera sozinho numa ilha deserta.
Prevost tamb�m escreveu �s d�zias, mas s� a hist�ria de Manon Lescaut vive e viver� eternamente, porque nela a vida estua e palpita como um cora��o ofegante.
O valor de Kipling, de Conrad, de Jack London, est� na intensidade e na variedade de vida que esses homens viveram.
N�o h� em seus livros cena ou paisagem que n�o ressalte como coisa vista e vivida.
E no caso dos livros vividos pouco importa que os autores tenham sido escritores; a vida interessa tanto � humanidade, que ela tudo perdoa a uma obra vivida. Venha sem forma, venha b�rbara, grosseira, incompleta, ao avesso de todos os c�nones da arte. Se � obra viva, viver�. (6:117-118)
18. H� os que aprendem a escrever, como os papagaios aprendem a falar; e h� os que escrevem por destino, t�o organicamente como respiram, suam e o mais. (7:229)
19. Come�a a escrever, isto �, a lan�ar no papel as suas ainda informes rea��es mentais. (7:332)
20. A hora mais preciosa dum escritor est� na concis�o. Quem diz em vinte palavras aquilo que outro o faz em cem �, pelo menos num ponto, cinco vezes mais interessante. Que ponto? No tempo que toma o leitor. Mas a regra de ouro da concis�o � das mais dif�ceis de ser seguida. A tend�ncia de quase todos que escrevem consiste justamente no contr�rio: dizer em cem palavras aquilo que caberia em vinte. (9:167)
21. BENTIM � Quero que o sr. diga o que um jovem deve fazer para ser um grande escritor como o foi.
MURILO � Ali�s, o �...
LOBATO � Crescer e aparecer. Esta � uma condi��o indispens�vel. Antes que esse jovem cres�a e apare�a ele n�o poder� ser nada. Crescendo ele alcan�ar� a maturidade, ele dar� tudo de si, por� em relevo as qualidades latentes que ele possua e se, de fato, ele tem qualidades, esse jovem aparecer�. De maneira que o aparecimento de um jovem no mundo das letras � uma coisa que depende exclusivamente das qualidades naturais desse jovem. Se ele tiver qualidades boas, ele vencer�; se ele n�o tiver qualidades boas, ele fracassar� e com muita justi�a. Eis o que pensa o velho Lobato, com a sua longa experi�ncia acumulada.
MURILO � A conversa est� muito interessante, mas urge terminar. Pediria permiss�o para rematar com duas ou tr�s perguntas de ordem pessoal. A primeira seria esta: de todas as suas obras, qual a que mais lhe agrada, qual a que fala mais de perto ao seu cora��o?
LOBATO � De todas as minhas obras, a que mais me agrada � a que me d� mais dinheiro, a que me d� maior lucro. Revendo as minhas contas eu vejo que � "Narizinho Arrebitado", porque j� vendi uma s�rie de edi��es de "Narizinho", mais de 100.000 exemplares. Portanto, esta � a querida do meu cora��o. Se eu dissesse qualquer coisa diferente, seria mentira ou hipocrisia.
MURILO � Bem. E agora, Monteiro Lobato, uma outra pergunta de car�ter estritamente pessoal: se lhe fosse dado viver de novo a sua vida, gostaria de ter vivido como viveu, teria, por exemplo, sido escritor?
LOBATO � � uma pergunta muito insidiosa esta. V�rias respostas me acodem de pronto, mas n�o sei se elas merecem exposi��o. Eu francamente n�o sei... n�o sei se voltaria a esta posi��o. Talvez voltasse porque h� nela uma coisa que me seduz muito � � o interesse que as crian�as revelaram por uma parte de minha obra: a parte infantil. O grande n�mero de cartas de crian�as que recebo, a sinceridade com que elas dizem e o fato de virem n�o s� do Brasil, como de outros pa�ses, sobretudo dos pa�ses de l�ngua espanhola, me fazem crer que se eu voltasse a viver de novo a minha vida, eu ia entrar pelo mesmo caminho, porque n�o creio que em qualquer outro setor me fosse poss�vel ter as mesmas compensa��es que tenho com as crian�as. Ainda agora mesmo eu recebi aqui uma senhora, m�e de Lilibeth. Essa Lilibeth � uma menina encantadora, que mora na Rua Monte Alegre, que prometeu me visitar. Eu estou ansioso, � espera da visita da Lilibeth. Eu considero uma visita de Lilibeth um pr�mio. Ora, sendo in�meras as crian�as que me visitam e sendo a maioria delas crian�as de grandes qualidades, que eu aprecio imensamente, eu considero cada uma delas um pr�mio. De maneira que eu sou um sujeito multipremiado. E um sujeito que se acostuma a ser multipremiado numa vida, se voltar outra vez ao mundo ele quer continuar assim. De maneira que eu acho que queria isso: viver de novo a minha vida, a vida que eu vivi escrevendo coisas mais variadas, de mais interesse para as crian�as e mais, porque as crian�as me condenam uma coisa: que eu escrevi pouco para elas; poderia ter escrito muito mais. E eu creio que sim. Eu perdi o tempo escrevendo para gente grande, que �� uma coisa que n�o vale a pena.
MURILO � Chegamos � �ltima pergunta: nesta hora, neste momento, qual seria o seu maior desejo, Monteiro Lobato?
LOBATO � Meu maior desejo, neste momento, seria ver este locutor pelas costas e eu j� l� em cima, no meu apartamento, na cama, para descansar desta esfrega que eu levei hoje." (9:347-349)
22. Minha literatura, meu caro, n�o � literatura usual dos "homens de letras" convencidos de uma por��o de coisas e sem olhos para os p�s, como os pav�es. � literatura de ocasi�o. � ramo da grande ind�stria do recuperamento, ou do aproveitamento das coisas do ch�o. Por isso n�o escrevo habitualmente � s� quando o acaso me favorece com o encontro de uma coisa feita pela vida e s� � espera de quem a tome, lapide e engaste. Ind�stria. (12:57-58)
23. E que estilo, Ver�ssimo! A l�ngua te obedece como massa de p�o entre os dedos do bom padeiro. Absolutamente limpo de est�ticas � maneirismos, exibicionismos, flores de cera, besteiras. Escrever bem � isso, Ver�ssimo � � escrever como V. escreve � organicamente, com o correntio de uma fun��o natural da nossa filosofia. Escrever bem � mijar. � deixar que o pensamento flua como a vontade da mijada feliz. (12:64)
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Ver: CARTAS 5 (2:54)
ESTILO 17 (8:327-328)
FORMA 3 (10:22-23)
ROMANCE NO BRASIL (5:47-51)

ESCRITOR MODERNO
O escritor moderno n�o pode mais ser ao tipo daqueles pobres iluminados da gera��o Coelho Neto, totalmente ignorantes de que as ci�ncias do homem existem e permeiam tudo, e tornam inaceit�vel qualquer manifesta��o art�stica que n�o traia as suas imensas, tremendas conquistas. (12:62)

ESCRITORES
1. Bilac perguntou ao Heitor de Morais por que motivo eu lhe fugia (isto �, por que o n�o incensava) e achou-me "esquisito". Acostumou-se o grande poeta ao coro perp�tuo de "Ohs!" da rodinha do Estado. Os literatos c�lebres lembram-me os pol�ticos que jamais caem, como o Rodrigues Alves. Estes espantam-se duma oposi��ozinha; aqueles n�o admitem essa coisa linda que � uma pequenina animadvers�o gratuita. Porque t�m um nome do tamanho dum bonde amarelo e moram no andor da apoteose, acham inadmiss�vel que um ignaro an�nimo tenha a pregui�a do rapaz� e por higiene fuja ao beija-m�o. (2:144)
2. O que me increpas ao estilo � certo. Reconhe�o-o e � deliberadamente que sorvo as brutezas de Camilo. Esse galego soa a carne crua numa terra em que, a avaliar pelo "amarel�o" do estilo comum, os escritores s� se alimentam de marmelada branca. Em todas as literaturas eu procuro sempre o carn�voro � os Kiplings, os Menckens, os Gorkis � e ponho os alfenins de banda: Pierre Loti, Catulle Mendes e mais mimos de V�nus. Meu regime diet�tico � dos clor�ticos: Ferro Bravais, bifes vermelhos, coisa bem azotadas. Evito farinhas. O fim em vista � mineralizar o Verbo para ver se n�o morro da t�sica mesent�rica do "estilo brasileiro", para o qual devo ter predisposi��o congenial: "Colhe hoje mais uma primavera no jardim risonho da sua preciosa exist�ncia, etc." O estilo nacional, morno e sorna, rev� capil� com goma, xarope de melancia, mingau de araruta.
Camilo � o estilo estadulho. D� porradas geniais! Kipling � o estilo White Label. Enebria depressa. Gorki � vodka. Derruba. E n�s? Alencar � capil� com �gua Florida, bebido em "copo de leite". Macedo � capil� com canela, bebido em caneca de folha. Bernardo Guimar�es � capil� com arruda, bebido em cuia. Coelho Neto � capil� com Gr�cia, bebido em �nfora de caba�a. Machado de Assis � capil� refinado, filtrado, pur�ssimo, bebido pela ta�a da cicuta de S�crates. Afr�nio � capil� com �cido f�nico. Ruy �... Mentira! Ruy n�o � capil�. Euclides tamb�m n�o � � mas se fosse, seria capil� com geod�sia. Grandes ou pequenos, bons ou maus, em todos n�s o capil� perce; como transparecem em todos n�s, socialmente, as taras vindas naquela nau de Tom� de Souza que nos abasteceu a estirpe com 400 degredados e 40 jesu�tas. (2:162-163)
3. Recebi a sua de 14, com os retratos... que entusiasmo, meu Deus! rem�dio para cur�-lo � um s�: Chegar at� a�, jantar com voc�s na ponta do quebra-mar e... decepcion�-los! O melhor da festa � sempre, sempre, sempre, esperar por ela. Os escritores s�o grandes e interessantes vistos atrav�s de sua obras. De perto, nas pessoas meu Deus! S�o como bestas e vulgares! Eu tinha uma f� que perdia a fala cada vez que se encontrava comigo em qualquer parte. Resolvi cur�-la. Mostrei-me como sou e ela... n�o s� nunca mais perdeu a fala ao ver-me como nunca mais quis saber de mim. Com voc�, o Aramis e a turma lobat�fera vai se dar o mesmo. Voc�s almo�am-me ou jantam-me na ponta do quebra-mar e...
�_ "Que decep��o, hein, Aramis? � um cretino como todos os outros", e no t�mulo desse Lobato idealizado, que tanto te entusiasma, depositar�s a florzinha amarela da desilus�o! (4:238)
4. Em mat�ria de escritores, temo-los de duas categorias: a dos necess�rios e a dos in�teis. Uns revelam o pa�s a si pr�prio, bem vendo, bem sentindo e bem reproduzindo os estados d alma e de corpo da brasileira coisa e da brasileira gente; outros tomam o tempo dos ocupados com uma arte pela arte singularmente pulha.
Uns constroem deveras uma literatura: fixa��o exata do momento �tnico, c�smico e mental. Outros bizantinizam. Cronistas, �s vezes brilhantes do omini re, a varridela saneadora do tempo n�o deixar� da agita��o desses escritores uma isca sequer. (8:48)
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Ver: LITERATURA BRASILEIRA 1 (10:3-9)
POETISA (6:187-188)
ROMANCE NO BRASIL (5:47-51)
ROMANCISTAS 1 (7:228)

ALBERTO RANGEL: Alberto Rangel levou ao apogeu a arte de construir pir�mides de acrobacia, com id�ias que se agarram umas �s outras, pelas m�os ou com os dentes, e com encantadora per�cia tenteam no nariz voc�bulos raros ou t�cnicos � tudo perfeitamente matem tico, e a tal ponto que se retirarmos um toda a pir�mide desaba em escombros. Os assuntos, os temas, as paisagens, os tipos e o enredo s� entram ali como pretexto para a demonstra��o da per�cia malabar do autor.
� Quer ver que maravilhoso arranjo melo-est�tico-cient�fico eu fa�o com caboclo maleiteiro do Amazonas?
E faz. Faz uma perfeita maravilha melo-l�tero-cient�fica, com todas as dificuldades brilhantemente vencidas, para encanto dos cultos apreciadores do "raro". Mas a coisa descrita n�o tem import�ncia. Mera talagar�a. Mero pretexto para a "performance", como diria Guilherme de Almeida. (7:230)

ALMEIDA GARRETT: Peguei de Garrett estes dias. � elegante, vivo, chistoso e lib�rrimo, no sentido de fugir a cangas de escolas e m�todos. Estou em Arco de Sant Ana e Viagens. Falta-lhe a genial trucul�ncia de Camilo. (2:64)

BERNARD SHAW: E depois de Wells ter�s de ler Bernard Shaw, o Voltaire moderno. Este te dar� o modelo do homem que sabe pensar e apresentar id�ias na forma mais perfeita. Shaw constitui um complemento de cultura, um remate final. Sem l�-lo, nenhum homem moderno completou seu curso. Mas Shaw est� em ingl�s; n�o foi traduzido ainda em nossa l�ngua � e parece que V. n�o sabe ingl�s. Outro percal�o tremendo. N�o saber ingl�s em nossos tempos � ser apenas meio homem � um toco sem pernas. De volta para o Brasil tenho id�ia de fechar minha vida com a tradu��o de Shaw � mas uma tradu��o capaz de ser aplaudida pelo terr�vel velhinho � a minha obra prima. Isso porque n�o encontro um melhor fim de vida do que passar meus �ltimos anos mergulhado no oceano do novo Voltaire, como um bicho de goiaba dentro da goiaba. Shaw � mar e a mais deliciosa das goiabas. (18:47)

CAMILO CASTELO BRANCO: 1. Confundes bobamente duas coisas: cl�ssicos e Camilo. Camilo n�o � cl�ssico no sentido gramatic�ide do termo; e para afundarmos os dois no mar do classicismo, nunca te convidaria eu, porque os aborre�o sobre todas as coisas. Convidei-te para o passeio atrav�s de Camilo como rem�dio contra o estilo redondo dos jornais que somos for�ados a ingerir todos os dias. Camilo � laxante. Faz que eliminemos a "redondeza". � a �gua limpa onde nos lavamos dos solecismos, das frouxid�es do dizer do notici�rio � e tamb�m nos lavamos da adjetiva��o de homens copados como Coelho Neto. Camilo � lix�via contra todas as gafeiras. E al�m desse papel de potassa c�ustica, ele nos d� essa coisa linda chamada topete. Camilo nos "desabusa", como aos seminaristas t�midos um companheiro desbocado. Ensina-nos a liberdade de dizer fora de qualquer forma. Cada vez que mergulho em Camilo, saio l� adiante mais eu mesmo � mais topetudo. E o topete filos�fico eu o extraio de Nietzsche. Agora estou fazendo uma viagem com o meu topetudo estil�stico em Vinte Horas de Liteira. (2:10-11)
2. Quanto a Camilo, vejo-o sempre o mesmo e �nico. E cada vez mais me d� E�a a id�ia dum creme Chantilly, muito gostoso. Camilo � rosbife quase cru, vermelho. A semana passada li dum f�lego Agulha em Palheiro. Que garbo! � um romance sa�do de dentro dele como um rato sai dum buraco. � um jato. E sabe que anda em Portugal um vivo movimento de rea��o pr�-Camilo? O c�mbio do E�a cai, e como n�o h� nenhum "grande novo", o rem�dio � retroceder umas esta��es e parar em Camilo. Amiudam-se os estudos camilianos. Recebi mais um de Pimentel e h� dias o Jornal do Com�rcio trouxe colunas sobre ele.
Eu de mim n�o quero outro mestre. Leia isto:
"As portuguesas caem de maduras, ou porque a lasc�via as sorveu antes de sazonadas, ou porque v�m ao ch�o, de velhas. As ind�genas s�o pardas como p�o de rala, t�m uns palavriados que travam a ervilhaca e gelam os mais escandescidos desejos. S�o carnes de ral� onde amor n�o acha em que pegue. Lembra-se (� de Cam�es que Camilo fala) das lisboetas que chiam como pucarinho novo com �gua."
Que desgarre!... "chiam como pucarinho novo com �gua..." e mais adiante:
"Mas entrevejo na cerra��o de tr�s s�culos que o poeta, na apoteose de Albuquerque terribil e do Castro forte, elaborando a epop�ia que sagrou a idolatria de semi-deuses uma falange de piratas, escrevia com as m�os lavadas de sangue inocente do �ndio, a quem os conquistadores apenas concediam terra para sepultura como precau��o contra a peste dos cad�veres insepultos, quando n�o exumavam os dos reis ind�genas, na esperan�a de que lhos resgatassem com aljofar e canela. Fa�anhas de Cam�es n�o sei decifr�-las nos seus poemas; eles, os poemas, s� por si sobejam na sua hist�ria como a��es glorios�ssimas".
Isto, Rangel, n�o � dizer passado por alambique, mas mijado! Nada aqui da impecabilidade estafante de Flaubert, anti-natural, anti-humana, anti-art�stica, toda ficelles, receita e formas. As ficelles do E�a tamb�m transparecem muito, e come�am a enjoar quando percebemos que s�o ficelles. Camilo � floresta virgem, irregular, com perambeiras e espig�es, com taquaru�us, brom�lias, borboletas de azul celeste em v�os boiados, e mamangavas tremendas e sapos que espirram leite venenoso. E�a � um jardim franc�s daqueles que Le Notre desenhava. � poss�vel levantar a planta dum jardim, mas quem tira a planta duma floresta virgem � dum Camilo? Eu recomendo a Boemia do Esp�rito aos que sofrem de lazeira de estilo. (2:25-26)
3. Em Camilo noto curiosa evolu��o: nos �ltimos livros, velho e doente, � ele um feixe de ossos amarrados por uma rede telef�nica de nervos mais vibr�teis que cordas e�lias. Seu estilo reflete o Camilo do fim. N�o h� ali c�lulas de gordura. Nada balofo, s� durezas. Veja na Boemia do Esp�rito:
"Se o advers�rio Rodrigues almeja desforrar-se da justi�a dura e rude com que o incomodo, haja-se por vingado na repugn�ncia com que lhe replico. Tenho pesar de haver sacudido com a pena e a luva que me atirou. Enganaram-me uns fementidos jornais que por a� inculcaram o te�logo com a adjetiva��o encomi�stica das p�lulas de fam�lia. Caluniaram-no. A sua ignor�ncia dava-lhe j�s a uma sossegada irresponsabilidade em coisas de letras. Colocaram-me nesta atitude de lutador pimp�o, em mangas de camisa, obrigado a defender-me das vaias de ignorantes ao cabo de 36 anos de estudo apenas interrompido pelas dores de todas as esp�cies e pelas prostra��es das longas vig�lias, etc.
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Pelo contr�rio, escrevo com a tristeza dos velhos que, na pen�ltima esta��o da viagem, olham para o passado e n�o avistam na via dolorosa clareira onde n�o avulte um grupo de miser�veis. A Teologia era a �nica pot�ncia que me tinha deixado passar sem pedrada, mas afinal nem essa... Ela depois disso raros filhos desova que n�o venham gafos de oftalmia purulenta que os n�o deixa encarar as frechas aflitivas da luz. Alguns, por�m, conhe�o com a �ris normal, s�, remirando a fito todos os esplendores da ci�ncia, etc.
Temos aqui 13 adjetivos para 198 palavras � 6%! N�o pode haver linguagem mais virilizada, mais enxuta, mais ossos e nervos � e gordura nenhuma. Nada amolengante. Lembra vergalho de boi estorricado ao sol. S� 13 adjetivos e todos matematicamente exatos. Vejamos Fialho:
"Tomou as m�os do agonizante, um m�rmore molhado. Est� a amanhecer l� fora, e os cinzentos azuis dessa madrugada de inverno entram no quarto como albesc�ncias fun�rias que me espantam."
Temos aqui 3 para 30 palavras � 10% e em descritivo!
O pior vezo nacional � cevar o estilo como se cevam porcos. O ideal liter�rio parece que � a banha. Est� gordinho? Ah, ent�o est� lindo.
Toca jejuar at� emagrecer �s justas propor��es � jejuar de adjetivos modificat�rios. S�o a gafa. O qualificativo � tinta boa, viva, crua; o modificativo � �gua diluente, dessorante: "Radiava um c�u azul"; o azul est� forte, na pureza com que sai dum tubinho do Ceruleum Blue do Windsor & Newton. Posponha-se-lhe um "desmaiado".
Radiava um c�u azul desmaiado...
Adeus, vigor! Junte-se mais um "diafano",
Radiava um c�u azul, desmaiado, diafano...
e do Portugal nervoso de Camilo saltamos para o Brasil toucinhento de Jo�o do Rio. J� � aquarela, �gua rala, �gua parada, pintura de mo�a. Dir�o: "� um g�nero como outro qualquer." Sim, mas que n�o sobrevive, como sobrevivem os fortes claro-escuros de Rembrandt � e o tudo na biologia � sobreviver. O que j� nasceu desbotado, continua a desbotar pela a��o do tempo. Cumpre notar que a coisa descrita perde, na passagem do c�rebro do autor para o do leitor, uns 30% de for�a pictural, como a corrente el�trica perde de intensidade na passagem do gerador para o quadro de distribui��o. (2: 52-54)
4. O m�rito de Camilo est� em que nos ensina todas as acrobacias da l�ngua, e nos mostra todas as "bravuras" e ainda nos diverte. Quando se p�e a tro�ar � enorme! Quando vira palha�o e vai descambando para o reles, sai-se com um disparate de g�nio e salva tudo... Em mat�ria de di�logos de gente do povo, n�o sei de nada igual. Veja isto, do Onde est� a Felicidade?
O Jo�o Antunes, por alcunha o C�gado, natural de Lixa, viera rapazito de 12 anos para Lisboa, conduzido pelo seu tio materno, o tio Antonio Cabeda, com destino de embarcar para o Brasil. Achando-se no cais da Ribeira com o dito seu tio, admirando o tamanho do iate, que o bom Antonio Cabeda denominava uma anau de guerra mar�tema, com grande espanto do rapaz chegou-se a eles um homem gordo, de jaqueta de ganga amarela e chinelos de ourelo, perguntando ao tio Cabeda se o rapaz embarcava.. � resposta afirmativa, disse o homem gordo, mandando que se cobrissem os admiradores da anau de guerra mar�tema, que era dono de duas lojas de mercearia na Fonte Taurina, e muito desejava manter em uma delas um rapaz que tivesse boa pinta para o neg�cio.
� A respeito de pinta, ela aqui est� como se quer, disse o tio, levantando com orgulho a cara do sobrinho, como o troquilhas que mostra os dentes duma cavalgadura.
� N�o tem mau olho, n�o, disse o merceerio. Quer V. deix�-lo comigo? O Brasil � em toda parte. Tenha ele cabe�a e boa aquela para o neg�cio, que em toda parte se arranja dinheiro
� Tu queres ir ou ficar, rapaz?, perguntou o tio, atirando com a perna direita sobre o pau de lodo.
� Eu... resmungou o rapaz, fazendo em torcidinhas a borda do barrete.
� V�... � decidir! Isto � mar� de encambar enguias. Assim como assim, este senhor diz bem: o Brasil � em toda parte. Queres ou n�o queres?
� O que vosmec� quiser; eu antes queria ficar aqui mais perto da minha gente. Acho que o Brasil � por a� abaixo muito longe. Etc.
Qual � o naturalista que apanha viva assim uma cenazinha destas, de todos os dias? Eis porque incursiono nos outros, mas em mat�ria de l�ngua minha base de opera��es � Camilo. (2:65-66)
5. Eu continuo a n�o achar salva��o fora de Camilo, a ponto de n�o conseguir ler Os Maias. J� o Machado de Assis eu o alterno com Camilo. Donde concluo que em mat�ria de estilo h� dois, Camilo l� e Machado aqui. Todos os demais cansam. Agradam muito no come�o, como um peda�o de bolo ingl�s, mas acabam enfarando. Camilo e Machado s�o como o p�o com manteiga � coisas de que ningu�m enjoa nunca.
Rangel, n�o abandones o Camilo! � um par de halteres, um trap�zio, uma barra fixa, um campo de futebol, um barco de regata ou um sal�o de gin�stica dos mais completos onde apuramos todos os m�sculos da l�ngua. A raz�o de haver eu parado de escrever � que estou amolando o estilo no rebolo camiliano. Se me pega o fio, volto � arena. Se n�o, paci�ncia. Fico de fora, no sereno. (2:98-99)
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Ver: VOC�BULOS 7 (2:13)

CATULO DA PAIX�O CEARENSE: Catulo � o grande poeta nacional.
O Brasil possui poetas em barda e alguns magn�ficos; mas n�o s�o poetas universais que jogam com imagens vindas de longe � de Anacreonte a Verlaine. Poetas que tanto seriam brasileiros como mexicanos, franceses ou russos.
Catulo, por�m, � o poeta da terra, a harpa e�lea que ressoa ao menor arfar destes ch�os. Amores, anseios, sofrimentos humildes, cismas vagas, o verdadeiro sentir da nossa gente s� nele encontra voz. E que voz! Com que vigor se exprime! Com que inaudita riqueza de imagens novas, sem eiva de reflexo europeu!
Catulo � bem a voz da terra bras�lica. Voz das coisas e voz das gentes. Tanto fala nele o amor do vaqueiro como a ang�stia bracejante da peroba que a queima da floresta deixou semi-carbonizada no viso do espig�o.
Aos demais poetas ouvimo-los tomados dum estranho transtorno interno. Uma coisa grande, uma coisa vaga, informe, monstruosa, cresce dentro de n�s, expulsa o moderno de importa��o e nos deixa sozinhos com a ra�a. Nosso peito se enche de av�s, como um albergue tomado de assalto por sombras ambientes.
Acodem tupinamb�s de pedras verdes nos l�bios dos que comiam portugueses com tripas e tudo; acodem velhos lusos de barba em colar; acodem as iracemas que se cruzaram com esses barbad�es iniciais; acodem av�s fazendeiros de a��car, bandeirantes, tropeiros que acabaram bar�es do Imp�rio, acodem homens dos garimpos, ca�adores de on�a, senhores de escravos, sinh�s-mo�as e sinh�s-velhas � toda essa gente passada que viveu, amou, chorou e com as armas que pode foi tirando da floresta imensa um pa�s.
Acodem em tumulto para ouvir a l�ngua que foi a deles e ouvir aquelas imagens, �nicas que lhes sugerem coisas vistas e vividas. E enquanto o poeta geme ao viol�o o seu descante, permanecemos assim, obstru�dos de ra�a, no �xtase de �ncubos atravancados de vener�veis s�cubos av�s. (6:136-137)

CHARLES DICKENS: Sabe o que estou lendo com enorme agrado? Macaulay o incompar�vel, e Dickens. As mem�rias de Pickwick s�o um modelo de arte. Diz-se l� num cap�tulo o que os cacet�ssimos psic�logos de hoje dizem em todo um livro. Acho arqui-preciosa a leitura dos ingleses: livra-nos de absorver a infec��o lu�tica dos franceses: galiqueira mental que vai dessorando as nossas letras e fazendo-as um luar da francesa. E, fora dos ingleses, leio Camilo; n�o passo dia sem umas p�ginas. (2:139)

COELHO NETO: Coelho Neto queixa-se de que recebe poucas "missivas". Isso � sinal de rea��o, assoupissement. Neto � aquela jaboticabeira que vejo daqui. A folhagem excessiva n�o me deixa ver o desenho nervoso e bonito do tronco e dos galhos. Se Neto tivesse a coragem de podar-se, que lindo n�o ficaria! H� nele 200 mil adjetivos a mais. (2:31)

E�A DE QUEIROZ: 1. Releio Os Maias. Como � grande, no sentido de volumoso. Dava dois, tr�s livros diferentes. Acho que Os Maias seriam um belo romance se fosse traduzido em portugu�s e levasse poda de foice. H� frases como esta: "Desde mo�o fora c�lebre, na capital, por p�r casas a espanholas; a uma mesmo dera carruagem ao m�s". Acho o E�a o culpado de metade do emporcalhamento da l�ngua no Brasil, onde o lido e o imitado � s� ele, ele e mais ele. Mas E�a progrediu muito no fim. A Ilustre Casa de Ramires j� est� escrita em l�ngua que escova os dentes. (2:58)
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Ver: ESCRITORES - CAMILO CASTELO BRANCO 2 (2:25-26)
ESCRITORES - FIALHO DE ALMEIDA 2 (2:153-154)

EMILE ZOLA: Le docteur Pascal. A sensa��o de quem sai dum romance de Zola � sempre a mesma, de reconcilia��o com o mau presente e de imensa esperan�a no futuro. Pascal � o homem por vir, cidad�o desse mundo de verdade e justi�a que Zola sonhou. Tamb�m Clotilde � a mulher futura, companheira meiga dos futuros Pascais. Nascidos assim fora de tempo, ca�ram v�timas da precocidade, hostilizados pelo meio.
� grande Zola nestes rev�os pelos pa�ses quim�ricos donde traz cria��es deste jaez. E � o maior dos rom�nticos. Abandona o passado e romantiza o futuro. L�gico, talvez sua obra morra por excesso de l�gica. Todo excesso mata. (7:38-39)
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Ver: ESCRITORES - HONOR� DE BALZAC 1 (1:354-355); 2 (7:6-7)
ESTILO 11 ( 2:59-60 )

EUCLIDES DA CUNHA: 1. Tua an�lise do estilo rompente de Euclides me satisfaz. A ossatura e o m�sculo, ele os consegue como dizes. Mas n�o bastaria isso. Sem a rede de nervos dum pensar original, fortemente enfibrado pelo metal deploy� das ci�ncias naturais e sociais e da filosofia moderna, bem digeridas e assimiladas, Euclides n�o seria esse fen�meno novo que nos esbarronda, um homem que tem o que dizer, sabe o que diz e o diz � assombro! � em portugu�s de verdade. Porque a l�ngua de Euclides j� � a L�ngua. (2:51)
2. S�bito, um rel�mpago. Explodem Os Sert�es. A dose de ci�ncia que Euclides ensartou no grande livro soube-nos ao paladar como revela��o maravilhosa. Lemo-lo com os cabelos em p�. E quando Euclides citou Gumplowicz, sentimo-nos siderados. Aquilo dava impress�o de arma secreta de Hitler...
O fenomenal triunfo d Os Sert�es proveio sobretudo da dose de ci�ncia embrechada no livro e do arrojo de suas ant�teses. Novidade das grandes. Mergulhados que ainda viv�amos no impressionismo dos "Perf�s de Mulher" de Alencar, os rel�mpagos euclidianos nos cegavam os olhos. E tamb�m n�o est�vamos afeitos ao estilo nervoso, aqui e ali cortado de curtos-circuitos chispantes. Euclides foi o nosso primeiro desasnador. (5:107-108)
3. Na nossa literatura de reflexo, insistentemente �gua de rosas, cor de rosa, maciazinha, cheia de "pequenas" cor de batata, de morenas de bu�o, de "Moreninhas" que se perdem com bo�mios velhos e se casam com amanuenses de peito afundado; tremendamente burocr�tica em Machado de Assis; sem um her�i que n�o fosse suburbano, sem uma paisagem que n�o fosse variante da palmeira com um c�u "americanamente azul" atr�s, irrompe de s�bito Euclides como um Mongol Tonante a chispar raios � raios de met�foras in�ditas, uivos de indigna��o, com asperezas de lixa grossa, com desprezo de todos os veludilhos. A for�ar, a refor�ar, a dobrar a for�a dos verbos dessorados com o admin�culo do "re" refor�ante � ressurte, rebrame, recresce, refoge, ressalta... A enxertar na pobreza do vocabul�rio beletr�stico uma quantidade de termos t�cnicos de alto efeito anal�gico � imprimadura, jusante, a montante, incoerc�vel... A introduzir todas as ci�ncias na literatura � at� a Geologia, coisa que os nossos antigos vates de cabeleira desconfiavam ser alguma irm� esquecida do velho lote das musas gregas. A arremessar � cara do leitor incauto nomes-bombas: Maudsley, Gumplowicz... A ter a coragem de erguer os olhos dos detalhes meramente pitorescos � grande vis�o de conjunto � e a ver o pa�s como ele �: sonho de Nabucodonosor. Colosso de p�-no-ch�o bichento na base (o sert�o); de modesta cal�a de brim no meio (as cidadezinhas); de gravata de seda e cartola no topo (Rio de Janeiro). Indumentariamente civilizado na cabe�a ao pesco�o (cartola, pastinha, pince-nez de galalite, bigode raspado, colarinho americano, gravata de viscose (Capital Federal); semi-civilizado do pesco�o ao umbigo (nos sentimentos de cordura e aceita��o resignada, bud�stica, chinesa, do marasmo eterno (o "interior" urbano); barbaresco do umbigo aos p�s (no sert�o sem fim, l� onde Get�lio acaba e Lampi�o come�a).
E isso num meio geogr�fico literariamente cana�nesco, todo perfumes da "balsamina em flor", todo sabi�s pousados em espanadores em p� (palmeiras), todo borboletas amarelas e ag�inhas murmurejantes; mas na realidade, com a exce��o do Sul, todo carrascais e caatingas espinhentas, e mandacar�s cru�is, e rios que correm para dentro como unhas encravadas, e pantanais que n�o t�m fim, e estiagens re-dantescas, e um sol, ah, que sol! que re-sol! que peste de sol! que eterno Lampi�o facinoroso!
Euclides, g�nio que era, foi o primeiro a ver a realidade do conjunto, a trag�dia do homem derrotado pelo meio, e a tra�ar um grandioso painel ... Gustavo Dor� no Inferno, mas sem os arredondamentos cl�ssicos de Dor�. Quadro estupendo! E pintou-o com tintas in�ditas; n�o com os tubinhos de aquarela Windsor & Newton ou Gunther Wagner, mas com tintas tomadas do ch�o: a lama negra dos barreiros, o vermelho do sangue em co�gulos dos jagun�os, as escorr�ncias s�pias do canga�o dos sert�es e do canga�o pior da mazela administrativa. E n�o espalhou essas tintas com pinceizinhos macios de p�lo de marta, sim com estupendas brochas de barba de bode amarradas com cip� arranha-gato. Na "casa dos dois mil r�is" da nossa literatura, Os Sert�es de Euclides equivalem a um bloco de pedra, trabalhado a picareta por um Bourdelle mongol e estouvadamente atirado para cima de todos aqueles pentinhos e sabonetinhos e miminhos de celul�ide. (6:250-252)
4. A arte de Euclides da Cunha, por exemplo, era uma espl�ndida demonstra��o da engenharia e do cienticismo feita com palavras liter�rias. (7:230)

FIALHO DE ALMEIDA: 1. Talvez seja influ�ncia de Camilo e Fialho, esses dois impenitentes. Sobretudo Fialho, que chega a tornar-se antip�tico de tanta ferocidade. Uma hiena com cirrose no f�gado e enjaulada n�o estilaria tanto fel como a pena desse tranca. Que estilo! B�rbaro como um huno, belo como a sa�de. Estilo que n�o da satisfa��es a ningu�m � que n�o manda dizer. (2:25)
2. Fialho � um estilo, Rangel! S�o dois os grandes estilos � Camilo e Fialho. E�a, que eu tanto admirava, parece-me, ao p� destes dois colossos, um alegre cozinheiro de operetas parisienses. Um arregalador. Sabe o que �? Cal�o de "mambembe". O trabalho deles aparece nos an�ncios de espet�culo.

Hoje Hoje
O REI BABAU

Arreglo de "Le Roi Bobeche" de Coignard
por
E�a de Queiroz

A palavra me arrepiou quando a topei pela primeira vez; hoje compreendo o valor expressivo do neologismo. Com grande talento, E�a arreglou Paris para uso de Lisboa.
Mas em Fialho h� g�nio, h� estilo. Possui ele uma vis�o artilhada de telesc�pios e microsc�pios. Vai logo aos recessos mais �ntimos, �s privadas, aos subterr�neos da alma humana e revela as pudicas e escondid�ssimas escorr�ncias. E quando descreve cen�rios, usa lucila��es de rel�mpagos. Quis a janela aberta: estava um dia supremo, vivo de sol, com tintas loiras de inverno sobre os montes." (2:154-154)
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Ver: ESTILO 10 (2:22)

FRANCISCA J�LIA: Tal a fei��o real que a distingue. Tanta majestade, por�m, n�o lhe apaga e sequer obscurece o brilho. Os versos de Francisca J�lia primam, sobremodo, por brilhantes. � a sua caracter�stica: refulgem a cada passo, no felic�ssimo da express�o, no entremostrar da imagem, no inesperado de uma evoca��o long�nqua. Senhora do segredo da palavra, do contexto ideal dos termos, tem pronto o voc�bulo-padr�o para o renovamento das id�ias e para as associa��es novas.
A acusa��o de impassibilidade e frieza, comum, ali�s, a todos os parnasianos, pesa tamb�m sobre essa genu�na representante da escola. Mas, sem raz�o, de certo. N�o � impass�vel o que brilha, nem frio pode ser. Brilho � vibra��o, � luz e calor, � vida, sens�vel e ardente. (10:189-190)

FREI LUIZ DE SOUZA: Tamb�m tentei umas leituras de cl�ssicos, Vieira nas cartas, Lucena, Fr. Luiz de Souza... N�o vai. N�o me d�o prazer nenhum. Jurei ler todo um volume de Fr. Luiz e fiquei perjuro. O mesmo que subir um Himalaia. Por maior que seja a decis�o, a gente arreia a meio morro. O sono n�o deixa. Dormi dez p�ginas do maravilhoso Fr. Luiz de Souza. E que sono, Rangel! Dos incoerc�veis. Duns que eu tinha em menino, quando me levavam ao teatro, de camarote. Lembro-me duma Traviata. Eu fazia esfor�os inauditos para ver o que acontecia �quela mulher, e consegui manter os olhos abertos at� l� pelas onze horas. A� n�o ag�entei mais. Lembro-me que fiz um esfor�o prodigioso para ficar acordado � mas o sono me derrubou. Fiquei toda a vida com essa impress�o na mem�ria � a incoercibilidade do sono � e agora, nesta idade, vejo a coisa repetir-se, nesta fazenda, por obra e gra�a do "mavioso", do "maravilhoso" Fr. Luiz, o cl�ssico que recebe os melhores adjetivos. Tanto adjetivo me faz desconfiar. Quando a gente dorme no meio duma coisa, o remorso nos faz dizer maravilhas dessa coisa. Imposs�vel que os outros leitores desse frade tamb�m n�o hajam sentido o "sono da Traviata" que eu senti. (2:64-65)

GILBERTO FREYRE: No caso de Gilberto houve olhares desconfiados. Seu livro era sociologia, jogava com toda a t�cnica da misteriosa ci�ncia e com a sua estranha terminologia. A desconfian�a vinha de ser tudo aquilo muito am�vel e l�mpido � ou muito caseiro. Era l� poss�vel que na tal sociologia coubessem vatap� baiano e mais coisas gostosas? E que fosse ci�ncia verdadeira tanto negrinho insinuado nas casas-grandes, e tanta mucama a fazer cafun�s nos primeiros herdeiros dos latif�ndios? Nos primeiros momentos o Brasil ficou na d�vida ou "interdito", como dizem os franceses, sem saber ao certo que g�nero de literatura ou ci�ncia era a tal Casa-Grande & Senzala. Os cr�ticos juravam ser ci�ncia, mas o tom era muito alegre, sadio e pitoresco para ser ci�ncia. Muito transit�vel. Nossa concep��o de ci�ncia ainda estava ligada ao ar macilento, �s olheiras fundas, � magreza asc�tica, aos olhos cansados e exigidores de �culos fort�ssimos. Ci�ncia de verdade, s� nos livros narcotizantes. Um livro de ci�ncia tinha de adormentar o leitor j� nos primeiros cap�tulos, lev�-lo ao cemit�rio no fim.
Gilberto, por�m, dava uma ci�ncia viva, cabritante, sem papoulas, sem impenetrabilidades, e riqu�ssima de tons humanos. Ele falava em "cheiro de mulata", em bodum de negro, em leituras secretas, em brinquedos de crian�as, em an�ncios de jornais, em beijos atr�s da porta, em modas de vestidos e penteados. E falava muito em comidas. Seu livro era uma casa inteira, com sala de visitas, sala de jantar, quartos de dormir, banheiro, copa, cozinha e quintal. Pois ci�ncia ent�o n�o era apenas sala de visitas? Em vez de nos pintar uma fic��o ele nos pintava um Brasil que nos envolvia de todos os lados, cru, vivo, palpitante. Nada do narcisismo at� �quela data obrigat�rio, nem da gravidade mazorra. Nada do preto que se entraja de ariano e como ariano procura impingir-se no baile � embora, como o asno da f�bula que vestiu a pele do le�o, ficasse com a catinga de fora.
Mas a desconfian�a foi passando e Gilberto venceu. Ensinou ao pa�s a Gaia Scienza de Nietszche ou essa deliciosa composi��o que � a ci�ncia misturada com a arte � com todas as artes, inclusive a culin�ria, t�o vital nos destinos humanos, e a er�tica, a mais cultivada de todas. E Gilberto Freyre tornou-se o Grande Desasnador, o delicioso mestre da verdadeira ci�ncia sociol�gica como a entendem os homens de g�nio.
A ess�ncia dos livros de Gilberto � serem saborosos. Entrar neles n�o � entrar na cela de Spinosa, coitado, t�o alto mas t�o secant. De emendatione intellectus... que caix�o de defunto! Entrar num livro de Gilberto � entrar numa sala de festa, cuja mesa de banquete fulgara e rescende como os quadros de natureza-morta dos planturosos pintores flamengos d antanho. Ali tudo � vida e joie de vivre � e � ao mesmo tempo ci�ncia da mais alta, aprendida com os maiores mestres, os Franz Boas e os John Dewey. Mas ci�ncia apresentada por um Raguenau tropical.
Na primeira carta que escrevi a Gilberto e Melo Meneses cita (coisa tamb�m daquele tempo da Revista do Brasil), dizia eu para o menino-prod�gio: "Pobre Gilberto! Tens muito viva a marca, o signo terr�vel, que p�e contra um homem a legi�o inteira dos med�ocres". Fui prof�tico. O grande inimigo de Gilberto Freyre tem sido sempre a mediocridade � na cr�tica, no governo, no leitor comum. Mas ainda est� para aparecer uma verdadeira intelig�ncia que com ele n�o comungue. Podemos at� dizer que o melhor teste quanto ao valor duma intelig�ncia � p�-la diante dum livro de Gilberto. A intelig�ncia med�ocre fatalmente o repelir� com o mesmo �mpeto com que o acolher� a intelig�ncia de escol.
E al�m da mediocridade da intelig�ncia h� mais coisas que Gilberto teve o dom de ofender: o narcisismo patri�tico, o jesuitismo de todas as cores, a velha mentira social cl�ssica, que apesar de t�o faisand�e ainda vige e vi�a, sobretudo no cl� dirigente. E n�o podia deixar de ser assim, porque Gilberto � luz e sa�de de corpo, alma e esp�rito � o ambiente mais antip�tico aos morcegos e percevejos. O sangue que corre nas veias da sua literatura � um sangue arterial bem oxigenado � n�o � a g�lida solu��o vermelha de permanganato de pot�ssio dos bicharocos trevosos. O Brasil futuro, presumivelmente mais decente que o atual, vai dever muit�ssimo a Gilberto, o Grande Desasnador. (5:108-111)

GUILHERME DE ALMEIDA: 1. Aquele nosso grande poeta parece-se com a �gua: � inodoro, incolor e ins�pido quando faz prosa. No verso melhora. Mas vem surgindo um Guilherme de Almeida, cujo N�s revela muita coisa. Parece-me poeta de verdade � n�o apenas burilador de versos como o F., ou parnasiano de miolo mole, essas venerandas rel�quias do passado, Alberto, etc. E Bilac, que era a salva��o, deu agora para rimar filosofia alheia e fazer patriotismo fardado. Alberto est� um perfeito vieux beau. (...)
Guilherme � o balbucio duma corrente nova que acabar levando para o bueiro os lecomtistas de cabelos pintados com Juventude Alexandre. Tenho muita f� nesse menino de Almeida. S�o os dois de S. Paulo: Vicente de Carvalho, gl�ria leg�tima mas j� sem uma asa, e Guilherme, uma linda manh�. O espa�o entre ambos � inter-estelar: � o Saco de Carv�o da Via Lactea. ( 2:144-145 )
2. A caracter�stica da poesia de G. de A. reside na novidade. � poss�vel fazer nuevo, em mat�ria de poesia, nesta Poetol�ndia? �. Guilherme o fez. E o fez, porque deixou de banda a imita��o dos vates repimpados no pin�culo da consagra��o, acad�micos imortais por decreto com san��o penal aos incr�us. E no assunto, na maneira, nas cambiantes, no ritmo, na rima, em tudo procura e consegue ser sempre ele pr�prio. N�o ressaibam seus versos o marasm�tico parnasianismo greco-herediano, in�ado de m�rmores heleno, gerebas de Atenas, marafonas de Corinto, pedras velhas da Acr�pole, vagabundos-fil�sofos da �gora, nem bichos reais ou fabulosos, centauros e elefantes, p�gasos e rinocerontes. O amor que os sonetos descantam � um amor fino, delicado, cheio de maciezas civilizadas. N�o tresandam a cant�ridas. Guilherme � um artista fino de um s�culo e nunca vira fauno fumegante de satir�ase de que se arredam desconfiados at� os pr�prios leitores machos � como se representassem no papel certos poetas sorvados pela orgia, mag�rrimos e tisg�entos.
N�o corre atr�s da rima rara, nem anda com utensis, de ourives, a polir e repolir lat�es, a gessar plaquets, para dar aos seus Montanas um brilho f�tuo que a ningu�m ilude. A poesia coa-se-lhe para o verso fluente e puro, brotada dalma, sem recurso ao camartelo, � lima, ao buril, ao saca-rolhas para embrechados artificiosos. � em suma G. de. A. poeta como o foi Ricardo Gon�alves, e n�o joalheiro como �mpam por a� os malabaristas da forma que o n�o s�o integrais � moda velha de Jo�o de Deus, Byron e quantos fulgem com brilho eterno do Parnaso. Que del�cia n�o � seguir com o pensamento os est�dios do poema Guilhermino sem trope�ar uma s� vez num tronco de coluna d�rica, ou esbarrar com um centauro em desapoderado corcoveio emp�s de fugitiva ninfa! Como isto nos descansa da muita ma�ada que o Syllabus liter�rio do momento nos for�a a adorar e beijar, impingindo como o zaimph da Salamb� o que n�o passa de desbotada bandeira do Divino! ( 9:71-73 )

HONOR� DE BALZAC: 1. Ontem perdi o sono e conclui a leitura do Cousine Bette. Rangel, Rangel! Balzac me assombra. � g�nio dos absolutos. Lembro-me duma imagem de Zola, comparando a obra de Balzac a um colossal edif�cio inacabado - tijolos n�s, andaimes, s� o arcabou�o externo. N�o � nada disso. N�o tem nada de inacabdo � mas Balzac n�o � homem que des�a a truques, remates, ornatos secund�rios. Pinta a largas espatuladas. Diz o essencial, cria blocos apenas, formid�veis blocos, mas n�o alisa a pedra, n�o usa lixas, n�o lhes enfraquece a grandeza. Que tipos! Que prod�gios! Que coer�ncia! Que fertilidade! Que mina! Que celeiro de id�ias e imagens! Que multid�o de gente viva estua dentro de seus romances! Como perto dele � p�lido e artificial Zola, com sua arte mec�nica, sua l�gica invari�vel, seu romantismo despido das belezas her�icas do romantismo! Balzac nem em cap�tulos divide a narrativa. Aquilo rompe e rasga, e vai numa catadupa tumultuosa, numa avalanche, at� o fim. Quelle puissance! J� li Cesar Birotteau e a Cousine e afundo-me agora em toda a sua obra, como num mar. J� n�o dispenso todo Balzac! (1:354-355)
2. Desigual, Balzac, e irregular como a pr�pria natureza: caracter�stica dos verdadeiros g�nios. (...)
O contraste de Balzac � Zola, tipo do talento. Um � caos; outro, ordem. Um descompassa, desafina, estruge: � natureza, ora c�u azul, ora desfeita pela tempestade; outro, sempre sereno, � um eterno jardim, uma "coisa feita" com infinitos de l�gica, de disciplina e de m�todo. Ambos grandes, cada qual da sua grandeza, mas um imenso � Balzac. (7:6-7)

JO�O DO RIO: Quanto ao "no Brasil ningu�m imita o E�a", do Jo�o do Rio, pode-se opor o "no Brasil toda gente imita o E�a". S�o exageros equivalentes. Eu j� li e gostei do Jo�o do Rio; hoje parece-me tolo, plaquet chocalhante, marac�, cuia com pedrinhas dentro. Insubstancial. Usa umas eleg�ncias de rastacuero. Tem uns bar�es de Belfort que ele acha mais elegantes que os bar�es do Pil�o Arcado ou um bar�o do Jambeiro da minha terra que n�o dava jambos. N�o h� mulheres em suas hist�rias, h� madames � coisa muito parecida com madamas. E descobriu um homem ingl�s de nome Oscar Wilde que ningu�m sabia quem era, e eu acho que � mentira dele. Dorian Gray! Potoca. C�rcere de Reading! Potoca. Salom�! Potoca. Esse misterioso "Oscar Wilde" (nome inteiro, Oscar Fingall O Flahertie Wills Wilde) � uma pura mistifica��o do Jo�o do Rio. Outra novidade dele foi o lan�amento do adjetivo "inconceb�vel" e do "up to date" em vez de "na moda". Jo�o descobriu tamb�m uma tal l�ngua inglesa, que igualmente me parece potoca. Tudo nele s�o potocas � tudo nele � Rua do Ouvidor. N�o fica. (2:14-15)

JORGE AMADO: Seus livros da Bahia revelam-me mais que um escritor, que um romancista, que um artista. Revelam-me uma for�a da natureza, uma esp�cie de harpa e�lia que ressoa � passagem dos ventos dos dramas da mis�ria. Da� a especial�ssima impress�o que causam � �nica inconfund�vel e TR�GICA. Tr�gica no sentido grego da palavra. Na planura da literatura brasileira, Jorge Amado vai ficar com um bloco s�bito de montanha h�spida, cheia de alcant�s, de cavernas, de precip�cios, de massas brutas da natureza.
Dif�cil definir seus livros, meu caro Jorge. Eles desgarram todos os moldes assentes �- s�o livros de dar dor de cabe�a aos acad�micos, aos seguidores de regras de arte.
Livros dolorosamente terr�veis porque cont�m verdade demais. E cont�m verdade demais porque, como harpa e�lia que voc� �, eles s�o a pr�pria verdade circulante no ar como ondas captadas por uma antena potent�ssima.
As antenas que voc� possui v�o-se aperfei�oando em pot�ncia. "Jubiab�" me pareceu que seria o pico culminante. "Mar Morto" sobe mais.
Vou retribuir seu livro com um meu � o �ltimo. Ambos trazem a nossa vis�o desesperada da mis�ria brasileira.
Voc� pinta-lhe os quadros mais dram�ticos. Eu ingenuamente aponto um rem�dio. Diferen�a de idade. Talvez com a minha idade voc� tamb�m cometa a ingenuidade de apontar rem�dios... (4:14-15)

LIMA BARRETO: 1. Conheces Lima Barreto? Li dele, na �guia, dois contos, e pelos jornais soube do triunfo do Policarpo Quaresma, cuja segunda edi��o j� l� se foi. A ajuizar pelo que li, este sujeito me � romancista de deitar sombras em todos os seus colegas coevos e coelhos, inclusive o Neto. Fac�limo na l�ngua, engenhoso, fino, d� impress�o de escrever sem torturamento � ao modo das torneiras que fluem uniformemente a sua corda d �gua. Vou ver se encontro um Policarpo e a� o ter�s. Bacoreja-me que temos pela proa o ramancista brasileiro que faltava. (2:108)
2. Como ainda estou de resguardo e preso em casa, leio como nos bons tempos de Taubat�. Fechei neste momento um romance de Lima Barreto, Isa�as Caminha. � dos tais leg�veis de cabo a rabo. Romancista de verdade. Amanh� vou assinar com ele contrato para a edi��o dum livro novo, Vida e Morte de M. J. Gonzaga de S�, cujos originais j� est�o aqui. A letra � infam�rrima e irregular�ssima. H� trechos em que o autor positivamente cambaleia, e outros em que p�ra para "destripar o mico". Mas quanto talento e do bom! (2:186)

MACHADO DE ASSIS: 1. H� a Magia Negra, a Magia Branca � e a Magia Liter�ria. D Amicis � um grande Mago Liter�rio. E sabe, Rangel, que aqui no Brasil tamb�m h� um livro com o poder de me enfeiti�ar assim? Creio que j� o li, espa�adamente ou de uma assentada, oito ou dez vezes, e sempre com o mesmo encanto: Mem�rias P�stumas de Br�s Cubas. (2:37)
2. H� o exemplo de Machado de Assis, que nunca podemos perder de vista. Aquele cuidado com a forma � talvez 80% na grandeza do ins�gne mestre. (4:252)
3. Entre as obras de Machado de Assis cumpre acrescentar mais esta: a biografia que ele determinou.
Machado de Assis, na sua ascens�o ao Perfeito, parte do quase enfadonho. O medo de inovar, de exceder-se, de dizer demais, tira qualquer interesse aos seus primeiros romances � mas o leitor enfadado sente que h� ali uma inapreens�vel superioridade. Talvez a da l�ngua, que come�a a produzir efeitos novos. De uma plasticina pobre, como � a l�ngua portuguesa, come�am a brotar surpreendentes finuras � e ficamos sabendo que a riqueza de uma l�ngua n�o vem da sua opul�ncia vocabular. Pobre tamb�m � a argila, que d� toscas panelas nas m�os do oleiro ou d� o Perseu nas de Benvenuto Cellini. Por fim a grande revela��o veio: n�o h� l�ngua pobre, n�o h� argila pobre, para um grande artista. H� artistas pobres. H� artistas t�o miseravelmente pobres que s� sabem escrever jogando com toda a riqueza vocabular da l�ngua. "Fizeste-la rica porque n�o pudeste faz�-la bela", disse Zeuxis ao disc�pulo que pintara uma V�nus excessivamente enfeitada.
Machado de Assis ensinou o Brasil a escrever com limpeza, tato, finura, limpidez. Criou o estilo lavado de todas as douradas pulgas do gongorismo, do exagero, da adjetiva��o tropical, do derramado, da enxundia, da folharada intensa que esconde o tronco e o engalhamento da �rvore.
Antes dele havia grandes mestres que come�avam contos assim: "O pegureiro tangia o armento para o aprisco." Era lindo, o extasiante, a beleza de espernear. Machado de Assis provou que isso � o idiotamente feio. Como o provou? Fazendo o contr�rio. Escrevendo. "O negro tocava o gado para o curral."
Machado de Assis expulsou do estilo todas as falsidades. Expulsou at� o patriotismo e a grotesca brasilidade � essa intromiss�o da pol�tica de "terroir" na arte. Foi contempor�neo de casos de super-idiotia, em que poetas de nome falavam em "c�u brasileiramente azul". Para Machado de Assis um c�u azul � simplesmente, e sempre, um c�u azul � s�.
Ensinou-nos a escrever t�o bem, dando-nos uma s�rie de obras t�o perfeitas de equil�brio e justa medida, que "abafou a banca", como diria um meu amigo analfabeto, impenitente jogador de roleta. E n�o s� o abafou no Brasil, como ainda em Portugal. Nem o pr�prio E�a de Queiroz, o talento mais rico em arte que Portugal produziu, chega � perfei��o de Machado. Em E�a h� "eleg�ncias", maneirismos, atitudes � deliciosas atitudes, mas que o impediram de planar nas regi�es seren�ssimas do estilo de Machado de Assis.
Os contos de Machado de Assis! Onde mais perfeitos de forma e mais requintados de id�ia e mais largos de filosofia? Onde mais gerais, mais humanos dentro do local, do individual? Temos de correr � Fran�a para em Anatole France encontrarmos um seu irm�o. Este, entretanto, desabrochou no mais prop�cio dos canteiros � animado por uma alta civiliza��o, estimulado por todos os pr�mios, rodeado de todos os requintes do conforto e da arte. J� o pobre Machado de Assis s� teve como ambiente um s�rdido Rio colonial, e pr�mio nenhum afora a sua aprova��o �ntima, e parqu�ssima renda mensal para a subsist�ncia; e como leitores, nada do mundo inteiro, que era o leitor de Anatole � mas apenas meia d�zia de amigos. O pre�o pelo qual vendeu ao editor Garnier a propriedade liter�ria de toda a sua obra � oito contos de r�is, 500$000 cada livro � mostra bem claro a extrema redu��o do seu c�rculo de leitores.
Mesmo assim, cercado por todas as limita��es, foi de sua pena que saiu a primeira obra prima da literatura brasileira, essas Mem�rias P�stumas de Braz Cubas, livro que um dia o mundo ler com surpresa. "Sera poss�vel que isto surgisse num pa�s in fieri, l� pelos fund�es das Am�ricas?" dir�o todos.
E deu-nos depois Dom Casmurro, o romance perfeito, e Esa� e Jac� e Quincas Borba e finalmente Memorial de Aires, obra em que estiliza e romanceia o nada � o nada da velhice � da sua velhice de quase 70 anos.
Entremeio aos romances foi produzindo contos � e que contos! Que maravilhosos contos, diferentes de tudo quanto se fez no Brasil ou na Am�rica! Contos sem truques, sem "machine", sem paisagem de enchimento, tudo s� desenho do mais cuidado, como os de Ingres. Tipos e mais tipos, almas e mais almas � uma prociss�o imensa de figuras mais vivas do que os pr�prios modelos. E em que estilo, com que pureza de l�ngua!
A literatura brasileira � pobre de altos valores. Muita gente na canoa, muito livro, muito papel impresso, muita vaidade e, modernamente, muito cabotismo. Mas est� redimida de todos esses defeitos pela apresenta��o de uma obra de solidez eterna, t�o duradoura quanto a l�ngua em que foi vazada.
"Missa do Galo", "Uns Bra�os", "Conto Alexandrino", "Cap�tulo dos Chap�us", "Anedota Pecuni�ria" � � dif�cil escolher entre os contos machadianos, porque com La Prensa � que me animei a dizer sobre ele, t�o pequenino, t�o insignificante, t�o miser�vel me senti. Envergonhei-me de ju�zos anteriores em que, por esnobismo ou bobagem, me atrevi a fazer restri��es ir�nicas sobre tamanha obra. E se n�o desisti da incumb�ncia foi por me proporcionar ensejo de penitencia��o em p�blico. Porque, francamente, acho grotesco que na atualidade brasileira algu�m ouse falar de Machado de Assis conservando o chap�u na cabe�a. Nossa atitude tem de ser a da mais absoluta e reverente humildade. Quem duvidar, releia o "Conto Alexandrino" ou a "Missa do Galo".
Somos todos uns bobinhos diante de voc�, Machado...
A cautela desconfiada com que o Machado de Assis social viveu no meio carioca permitiu-lhe o m�ximo de felicidade poss�vel no seu caso � um caso dif�cil, de extrema superioridade mental aliada a extrema sensibilidade de um orgulho sem licen�a de manifestar-se em vista do tom da pele e do cargo incolor que ocupava na administra��o. Quantos ministros orgulhosos e ocos n�o foram seus superiores legais e sociais � a ele que, por natureza, era o mais alto do Brasil? A vassoura do esquecimento j� varreu para a lata do lixo o nome de todos esses magnatas, de todos esses seus "superiores"; mas o nome de Machado de Assis continua em ascens�o.
Havia nele um curioso gregarismo. Sempre gostou de gr�mios, sociedades liter�rias; chegou at� a fundar uma academia de "imortais" da qual foi o presidente e se tornou o �nico imortal sem aspas. A explica��o disso talvez fosse a sua ing�nita necessidade de observar o "jogo das marionetes": agremiando-as em torno de qualquer tolice humana, tinha-as comodamente � m�o para o estudo, como o anatomista tem em seu laborat�rio reservas de coelhos, c�es e macacos em gaiolas, para uso experimental.
A filosofia de Machado foi mansamente triste. Estudou demais as cobaias, conheceu demais a alma humana. Filosofia sem revolta, calmamente resignada. A conclus�o �ltima aparece em Braz Cubas, o her�i da vulgaridade satisfeita que termina as mem�rias p�stumas com um balan�o em sua vida terrena. Balan�o com saldo. Que saldo? "N�o tive filhos, n�o transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa mis�ria."
Saldo equivalente apresentou a vida de Machado de Assis. N�o teve filhos. N�o legou a criatura alguma os seus pigmentos, a sua gagueira, a sua tara epil�ptica, o seu desencantamento das marionetes � j� que n�o poderia legar-lhe tamb�m o seu g�nio. E n�o houve em sua vida ato de maior generosidade. Que coisa terr�vel para uma criatura qualquer, ainda que de mediana sensibilidade, conduzir pela vida afora a carga tremenda de ser filho de Machado de Assis!
� Sabe quem � aquele corvo triste que vai saindo daquela reparti��o?
� Aquele corcovado, moreno, careteante?
� Sim. Pois � o filho de Machado de Assis...
Estamos a ver o ar de apiedada compun��o que se estamparia no rosto do informado.
A natureza s� permite aos g�nios uma filha: a sua obra. Machado de Assis compreendeu-o como ningu�m, e depois de dar ao mundo a mais bela das filhas afastou-se do tumulto sozinho, cabisbaixo, na tranq�ilidade dos que cumprem uma alta miss�o e n�o deixam atr�s de si nenhuma sombra dolorosa. (7:333-338)
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Ver: ESCRITORES: CAMILO CASTELO BRANCO 5 (2:98-99)

MARIA JOS� DUPR� (SRA. LEANDRO DUPR�): Rangel: apareceu-nos uma senhora Dupr� que est� operando uma revolu��o liter�ria. Est� nos ensinando a escrever � e eu j� muito aproveitei a li��o. Revelou-me um tremendo segredo: o certo em literatura � escrever com o m�nimo de literatura! Certo, porque desse modo somos lidos, como ela est� sendo e como eu consegui ser nos livros que limpei de toda "literatura". Como nos envenenou aquela gente que andamos a ler na mocidade! S� agora me sinto completamente sarado, gra�as � medica��o Dupr�. Para que bem me entendas, ter�s que ler o �RAMOS SEIS, romance que a Editora acaba de publicar com um pref�cio meu, que a autora n�o encomendou, pois nem sequer de vista a conhe�o. O caso me interessou tanto (li o livro em provas), que me lancei a esmiu��-lo nesse pref�cio.
Coisas que te disse antigamente confirmam-se agora, depois duma conversa tida com o Marques Camp�o, um pintor excelente e inteligente (coisa rara) e do livro da Dupr�. Camp�o revelou-me o segredo da aquarela: n�o empastar as cores, n�o sobrepor tintas, pois s� assim alcan�amos o que nesse g�nero h� de mais belo: a transpar�ncia. No estilo liter�rio d�-se a mesma coisa: o empastamento mata a transpar�ncia, tal qual nas aquarelas. Se eu digo "c�u azul", estou certo, porque n�o sobrepus tintas e obtive transpar�ncia. Mas se venho com aqueles "lindos" empastamentos liter�rios que nos ensinaram ("c�u azul turquesa" � "a cer�lea ab�bada celeste"), estou fazendo literatura; e sobre a coisa linda que � a palavra "azul" sobreponho um tom empastante "turquesa" que no esp�rito do leitor ira sugerir a esposa dum Abud qualquer, ou "cer�leo", que nos sugere cera , positivamente borro o azul do c�u � em vez do c�u lindo que eu quis descrever me sai uma "literatura". A Dupr� mostrou-me que se pode escrever com zero de "literatura" e 100% de vida. � o que estudo no pref�cio.
Parece incr�vel! Pois n�o � que com a tirada acima voltei atr�s e estou naqueles tempos de Taubat� e Areias em que nos carte�vamos semanalmente, a debater a eterna "procura" dos nossos "eus" liter�rios?
Como nos procuramos, Rangel � e parece que nos achamos... Faltou-me naquele tempo uma Dupr� mas a mim me salvaram as crian�as. De tanto escrever para elas, simplifiquei-me, aproximei-me do certo (que � o claro, o transparente como o c�u). Na revis�o dos meus livros a sa�rem na Argentina estou operando curioso trabalho de raspagem � estou tirando tudo quanto � empaste.
O �ltimo submetido a tratamento foram as F�bulas. Como o achei pedante e requintado! Dele raspei quase um quilo de "literatura" e mesmo assim ficou alguma. O processo de raspagem n�o � o melhor, porque deixa sinais � ou "esquirolas", como eu diria se ainda tivesse coragem de escrever como antigamente.
Estou receitando a Dupr� e a raspadeira a v�rios amigos de talento e ainda "salv�veis", como o Ces�dio Ambrogi de Taubat�, o qual est� tonto como quem tomou uma dose muito forte de 914. Escreveu-me uma carta curios�ssima, que te mandarei. (2:338-340)

OLAVO BILAC: O poeta, no entanto, ao compor o "Ca�ador de Esmeraldas" n�o tomou de Corneille um voc�bulo, nem de Anatole um conceito, nem de Musset uma noite, nem de Rostand um galo, nem de Lecomte uma frialdade, nem da Gr�cia um acanto, nem de Roma uma virtude. Mas, sem o querer, pelo fato de ser um moderno aberto a todos os ventos, tomou de Corneille a pureza da l�ngua, de Musset a poesia, de Lecomte a eleg�ncia, da Gr�cia a linha pura, de Roma a fortid�o d�alma � e com o antigo-bruto fez o novo-belo.
Nada em Bilac rev� enxerto de arte alheia. O vocabul�rio � o velho vocabul�rio da metr�pole; as almas s�o almas velhas, as personagens n�o vieram embalsamadas num livro de Abel Hermant; o material �, em suma, o mesmo com o qual o cacet�o quinhentista nos seca a paci�ncia com descri��es de mosteiros e milagres teatral�ssimos, capazes de adormecer incur�veis doentes de ins�nia. (16:33)
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Ver: ESCRITORES: GUILHERME DE ALMEIDA ( 2:144-145 )

PAULISTAS: Recebi a de 12, com os recortes da parelha de "imortais" que mandei e sobre os quais silenciaste. O Frango Sura est� me cheirando a literato dos bons. Ah, que gente! Que perus recheados com a farofa da vaidade! Enfarei-me deles em S. Paulo. O maioral da taba � o Vicente de Carvalho, poeta dos maiores da l�ngua � mas que pena ser tamb�m peru recheado! Seus amigos formam-lhe uma corte luizesca; Vicente n�o solta um simples borborigma sem que eles, em redor, n�o arregalem o olho e murmurem em �xtase. "N�o � arroto, � Cam�es!" O Amadeu Amaral � excelente criatura e esfor�a-se por ser modesto � mas de todos os lados "gavam-no" demais. Sabe o que � gavar? � a tradu��o do "gaver" franc�s � comer demais ou fazer comer demais. Em Strasburgo os produtores do "Pat� de Foie Gras" prendem os gansos em gaiolas, pregam-lhes os p�s para imobiliz�-los e gavam-nos, isto �, metem-lhes pela garganta a dentro um angu, afim de superaliment�-los for�adamente. A maior v�tima dessa viol�ncia alimentar � o f�gado do ganso, que incha, fica enorme � exatamente o que os fabricantes do pat� querem. Pois o excelente Amadeu deve estar com o f�gado bem inchado, tal � a "gavage" a que o submetem. Anda mais cevado de ditirambos do que um imperador romano. O Em�lio de Menezes disse que para o Amadeu entrar na Academia era necess�rio que se diminu�sse a si pr�prio com um ano de banhos de pedra-hume! O Ot�vio Augusto, o J�lio C�sar, todos � aquilo � um m�tuo endeusar-se que est� a pedir lenha. O Amadeu tem as chaves do Estado e recebe hosanas de toda parte � at� de Baependi. O Nogueira manda de l� os seus gravetinhos para o fogacho propiciat�rio � mas Amadeu n�o murmura o Sancta simplicitas de Jo�o Huss na fogueira. (2:78)

RICARDO GON�ALVES: Guarde isto do Araripe Junior: "Milton um dia, definindo a sua est�tica, disse: Poet must be a true poem. Com isto quis dizer que a obra liter�ria que n�o � pura resultante dum organismo, pode ser tudo, menos obra art�stica. As verdadeiras regras est�o no sangue, nos nervos, na estrutura do indiv�duo, na cerebra��o inconsciente". Grande verdade. Por que o Ricardo n�o comp�e um poema? Porque ele � em si um poema � um poema de pernas. E n�s sent�amos isso e ador�vamo-lo como a encarna��o de um poema de Musset. Que � que faziam o Raul e o Artur, sempre com olhos no Ricardo? Liam aquele poema vivo e semovente. Poet must be a true poem! Eu queria esfregar Ricardo no nariz de Milton para que ele visse como acertou. ( 2:47 )

RUDYARD KIPLING: Em face do desconhecido, do inexplic�vel da natureza, das amea�as ocultas no sombrio da floresta, do escach�o das grandes quedas d��gua, do rugir das feras, o homem sente essa emo��o contagiosa chamada p�nico. � Pan que se aproxima, � alguma montaria de Pan, � um elemento, uma for�a qualquer das com que Pan brinca � e a emo��o p�nica surge, sempre com a sua caracter�stica de contagiosa.
Diante dos mist�rios da natureza, Kipling sente essa emo��o p�nica, fixa-a com os recursos art�sticos do seu estilo e faz que ela contagie o leitor. Reside nisso o seu g�nio.
O cen�rio de Kipling � quase sempre a �ndia, como o de Jack London, outra alma p�nica, � quase sempre a fria terra do Alasca. Seus personagens nunca s�o os personagens franceses � um macho que ca�a uma f�mea pertencente a um terceiro e num hotel exercita uma fun��o fisiol�gica que o deixa desapontado e de crista ca�da. � o tigre crudel�ssimo e covarde � Shere Khan; � a pantera negra de movimentos el�sticos � Bagheera; � a tribo do Bandar-logs, que nas ru�nas de uma cidade morta, engolida pela j�ngal, brinca de cidade, como n�s aqui, bandarloguissimamente, brincamos de pa�s; � a serpente das rochas, Kaa, magn�fica de velhice e arte; � Jacala o Mugger do Mugger-Ghaut, velho crocodilo comedor de coolies; � Purun Bhagat, o Primeiro Ministro de um principado indiano que se fez santo e gastou meia vida num p�ncaro do Himalaia, meditando sobre o grande milagre da vida; � Quiquern, o cachorrinho vitimado pela inferioridade ego�stica de uma tal Maisie � a Mulher; � Kim, o menino que cavalgava canh�es...
Kipling � a vida, a natureza, o Ar Livre, a Fera, a �ndia inteira, como Joseph Conrad � o Mar com todos os peixes e tempestades. Pan, em suas infinitas modalidades, o surpreende e assusta, e Kipling anota esses sustos e os p�e em composi��o art�stica para que tamb�m os leitores o sintam e se assustem panicamente.
C�ndido de Figueiredo diz candidamente que p�nico � medo sem motivo. Eu queria met�-lo no caminho dos Dholes, os C�es Vermelhos do Dekkan em razia depredat�ria pelos dom�nios de Mowgli � para ver se os figos do figueiral desse homem n�o se arrebentavam todos eles e se ele n�o rasgaria imediatamente aquela p�gina do seu dicion�rio. O medo causado por um avan�o de Dholes � para ele medo sem motivo...
Cada conto de Kipling � uma obra prima que vale toda a clor�tica literatura francesa atual. Tomemos "The Undertakers" que poder�amos traduzir como os Necr�fagos. Tr�s personagens s� � Jacala o velho mugger (crocodilo da �ndia), o Chacal e o Adjudant-crane. Este Adjudant � uma esp�cie de Grou, coisa parecida com o nosso Jaburu de bicanca tucanal, mas reta.
Encontram-se ao p� de uma ponte e conversam. O Chacal, miserabil�ssimo e sempre faminto, lamuria e bajula o mugger, de cujos restos vive. Chama-lhe Protetor dos Pobres, Orgulho do Rio e outras coisas que os nossos Chacais de dois p�s costumam dizer dos muggers que viram governo.
Toda a psicologia do lambujeiros, do fraco, do covarde, do miser�vel, estampa-se nos gestos e palavras desse animalzinho no qual Kipling, talvez sem inten��o, pinta o bajulador humano. Nas atitudes e palavras do Grou estampa-se a esperteza do "aproveitador". D� id�ia de um tabeli�o da ro�a que faz pol�tica e r�i verbas da C�mara. J� o mugger, c�nscio da sua for�a, reproduz exatamente a psique dos grandes homens, isto �, dos homens que galgam posi��es e pelo simples fato de se verem l� em cima, com a faca e o queijo na m�o, julgam-se n�o s� onipotentes como oniscientes. "Eu penso assim. � assim. Eu, eu, eu..."
O Mugger do Mugger-Ghaut era, do focinho � cauda, todo eus � todo ele � e o Chacal batia no peito, concordando at� com o que o crocodilo n�o dizia.
Nessa conversa dos tr�s necr�fagos, o mugger rememora ou, melhor, conta a hist�ria de um dos mais terr�veis dramas da domina��o brit�nica na �ndia, o Indian Mutiny, no qual se ergueram para o massacre em massa dos ingleses todas as tropas de sipaios.
Como conta? Conta como podia cont�-la. Um crocodilo dos rios s� pode ter conhecimento de uma guerra pelos cad�veres que boiam nas �guas e ao sabor da corrente v�o derivando rumo ao mar. Jacala teve not�cia, pelo seu primo o Gavial, comedor s� de peixe, de que as �guas do Gunga � o Ganges � "estavam muito ricas" � e rumou para l�. De fato, encontrou-as riqu�ssimas, tantos eram os cad�veres de ingleses que passavam boiantes. Jacala engordou como nunca em sua vida e muito apreciou o fato dos "caras-brancas" n�o usarem as pesadas j�ias que usam os nativos. J�ias pesadas fazem mal at� a est�magos de crocodilos. Fartou-se e refartou-se do s�lido beef brit�nico.
Depois houve um arrefecimento na prociss�o de cad�veres. As �guas come�aram a empobrecer-se. Por pouco tempo, ali�s. Novas ondadas de corpos recome�aram a derivar � mas desta vez cad�veres de nativos. Era a revanche, era o ingl�s j� a dominar o motim e a massacrar a carne indiana a tiros de canh�o.
� preciso parar. Quem se mete a falar de Kipling esquece-se de que o mundo tem mais o que fazer e espicha-se como se estivesse a escrever livro. Kipling � a vida, � a Natureza � e a Natureza sempre foi muito comprida.
Forne�amos Kipling, e autores que tais, ao nosso pobre povo, at� aqui envenenado pelos romancistas da alcova francesa e por dicionaristas como o tal do medo sem motivo. Demos-lhe escritores p�nicos � porque s� eles sabem a Vida e s� suas obras contagiam os leitores com a mais alta das emo��es � a Emo��o P�nica. (7:325-328)

RUY BARBOSA: Ruy Barbosa me d� a impress�o, na ci�ncia, duma superposi��o de autores; no estilo, duma superposi��o de cl�ssicos. Vejo nele Vieira, Bernardes, Latino, Frei-Luiz, Herculano, Camilo � dele pessoalmente, s� a sabedoria e fina arte do misturador. Ruy � uma grande Central telef�nica a que v�o ter todos os fios; e do conglomerado ressoa uma voz e�lia, de qualquer lado que bata o vento. � uma focaliza��o. Toda a ci�ncia, toda a literatura de todos os tempos e povos converge seus raios naquele refletor mental que os emburrilha, funde e d� � como as cores fundidas d�o a luz branca � esse clar�o cegante, excessivo, que atrai todas as mariposas e afugenta todos os morcegos: RUY BARBOSA.
Ruy tem o g�nio dos cadinhos: funde. Falta-lhe o g�nio das retortas: que cria. Ruy d� "misturas" geniais; n�o d� "combina��es" novas. Tenho para mim que Ruy � muito mais For�a da Natureza do que For�a Individual. � um estu�rio ampl�ssimo onde cada punhado d��gua que tomamos mostra o nome do afluente contribuinte; ou cada folha ou flor carreada conta de que �rvore caiu.
Acho Ruy imenso como o Amazonas, mas sem a imensidade dum Shakespeare, dum Nietzsche, dum qualquer Grande Emissor de id�ias. Dele me disse ainda h� pouco Martim Francisco, em Santos: "Ruy � um grande escritor sem talento: porque n�o cria." Nada mais falso. Imposs�vel talento maior que o de Ruy. Chega at� �s raias da genialidade � mas fica-se na categoria do g�nio sem medula criadora.
Eu j� tive o meu per�odo febril de ruismo, igual ao teu de hoje: foi em fins de Afonso Pena e Nilo e todo o Hermes. Aquele Ruy combativo, cruel como Jeov , feroz como Ezequiel, foi a culmin�ncia do "fenomeno Ruy". Mas ainda nessa fase funcionou como o refletor de todas as �nsias, queixas e desejos da na��o. Fez-se Voz da Natureza, Boca do Pa�s. Naquele tempo, por pol�tica, estavas divorciado dele. Tentei conversar contigo sobre a �guia que depenava o Avestruz e tu fugiste com o corpo. Hoje d�-se o contr�rio. Eu � que estou divorciado de Ruy... por motivos b�licos. E n�o o leio. Como tor�o pela vit�ria da Alemanha e Ruy � o paladino da derrota alem�, resumo a minha opini�o sobre ele com a imbecilidade dum calouro: "� uma besta!" Mas sei ou sinto que isso � pura imbecilidade minha diante de imbec�s ainda maiores que eu. E se n�o o leio � na certeza de que se o ler, a "besta" me converte com a sua l�gica de a�o e c� me p�e o germanismo de cuecas, de pernas para o ar. Porque o meu germanismo tem fundamentos grotescos: a causa n�mero um � ser aliad�filo o meu barbeiro; a n�mero 2 � serem aliados o Estado de S. Paulo, todos os meus amigos e toda gente. Germanizando, eu me isolo do barbeiro, do jornal e duma s�cia de amigos. Pura quest�o de higiene mental. (2:155-157)

EST�TICA
1. Que diferen�a de mundos! Na Gr�cia, a beleza; aqui, a disformidade. Aquiles l�; Quas�modo aqui. Esteticamente, que desastre foi o cristianismo com a sua insistente cultura do feio. (1:207)
2. Mas falemos em coisas profanas. Li o teu �ltimo artigo... Nunca viste reprodu��o dum quadro de Gleyre, Ilus�es Perdidas? Pois o teu artigo me deu a impress�o do quadro de Gleyre posto em palavras. Num cais melanc�lico barcos saem; e um barco chega, trazendo � proa um velho com o bra�o pendido largadamente sobre uma lira � uma figura que a gente v� e nunca mais esquece (se h� por a� os Ensaios de Cr�tica e Hist�ria do Taine, l� o cap�tulo sobre Gleyre). O teu artigo me evocou a barca do velho. Em que estado voltaremos, Rangel, desta nossa aventura de arte pelos mares da vida em fora? Como o velho de Gleyre? Cansados, rotos? As ilus�es daquele homem eram as velas da barca � e n�o ficou nenhuma. Nossos dois barquinhos est�o hoje cheios de velas novas e arrogantes, atadas ao mastro da nossa petul�ncia. S�o as nossas ilus�es. Que lhes acontecer ?
Somos v�timas de um destino, Rangel. Nascemos para perseguir a borboleta de asas de fogo � se a n�o pegarmos, seremos infelizes; e se a pegarmos, l� se nos queimam as m�os. N�s tr�s, eu, voc� e o Edgard, sofremos da mesma doen�a e, pois, trilharemos as mesmas sendas e voltaremos ao cais na barca de Gleyre � com aquele mastro ca�do, a lira largada, a b�ssola sem agulha. E por que isso, Rangel? Porque em n�s tr�s h� uma coisa que nos obriga a partir, a ca�ar a borboleta, embora certos de que o retorno ser na barca de Gleyre. Essa coisa dentro de n�s � o que explica a imensa disparidade entre voc� e o Breves, entre o Edgard e o Goulart, entre eu e o Macuco. O que n�o impede que Breves, Goulart e Macuco nos olhem com profundo desprezo. Devemos ser para eles o que eles s�o para n�s.
Estamos mo�os e dentro da barca. Vamos partir. Que � a nossa lira? Um instrumento que temos de apurar, de modo que fique mais sens�vel que o galvan�metro, mais penetrante que o microsc�pio: a lira e�lia do nosso senso est�tico. Saber sentir, saber ver, saber dizer. E tem voc� de rangelizar a tua lira, e o Edgard tem que edgardizar a dele, e eu de lobatizar a minha. Inconfundibiliz�-las. Nada de imitar seja l� quem for. E�a ou �squilo. Ser um E�a II ou um �squilo II, ou um sub-E�a, um sub-�squilo, sujeiras! Temos de ser n�s mesmos, apurar os nossos Eus, formar o Rangel, o Edgard, o Lobato. Ser n�cleo de cometa, n�o cauda. Puxar fila, n�o seguir.
O trabalho � todo subterr�neo, inconsciente; mas a Vontade h� que marcar sempre um norte, como a agulha imantada.
Esses nossos desalentos, esses nossos t�dios iterativos, esses nossos desesperos, provam a favor, Rangel, n�o provam contra. S�o reflexos da misteriosa gesta��o subterr�nea. Como vem isso? Sempre como eco do constante processo anal�tico inerente � gesta��o. Voc� l� uma pagina genial de Hugo e a compara��o inconsciente que fazes entre ele e voc� desnuda-te uma aparente inferioridade. Eu vejo uma cena, procuro o meio de transmit�-la por meio de palavras, n�o consigo e perco a confian�a em mim. O Edgard sente uma sensa��o nova, estranha, jamais sentida por ningu�m no mundo; analisa-a e n�o a apreende � e ei-lo de dia estragado, azedo sem saber porqu�. Mas esse eterno "procurar", Rangel, � que � a grande coisa que h� dentro de n�s e n�o h� no Macuco. O Macuco n�o procura coisa nenhuma, porque est� certo de que � um g�nio e n�o precisa de coisa nenhuma.
Cansado de desanimar, eu n�o desanimo mais, depois que apanhei a causa dos meus des�nimos. Trabalho �s ocultas l� no subconsciente. Em qu�? Na afina��o da lira e na fixa��o com palavras do que ela apanha. O sonho, sabes qual � � o sonho supremo de todos os artistas. Reduzir o senso est�tico a um sexto sentido. E, ent�o, pegar a borboleta!
Voc� me pede um conselho e atrevidamente eu dou o Grande Conselho: seja voc� mesmo, porque ou somos n�s mesmos ou n�o somos coisa nenhuma. E para ser si mesmo � preciso um trabalho de mouro e uma vigil�ncia incessante na defesa, porque tudo conspira para que sejamos meros n�meros, carneiros dos v�rios rebanhos � os rebanhos pol�ticos, religiosos ou est�ticos. H� no mundo o �dio � exce��o � e ser si mesmo � ser exce��o. Ser exce��o e defend�-la contra todos os assaltos da uniformiza��o: isto me parece a grande coisa. Se a tomarmos como programa, � poss�vel que um dia apanhemos a borboleta de asas de fogo � e n�o tem a m�nima import�ncia que nos queime as m�os e a nossa volta seja como a do velho de Gleyre. (1:80-83)
3. Outra coisa que precisamos debater � a afina��o do senso est�tico afim de que ressoe �s vibra��es impercept�veis ao vulgo. Para as almas gordas e coradas, bem simples � a classifica��o do mundo. Em mat�ria de visualidade, as 7 cores do arco-�ris; em som, as 7 notas da escala. E h� as 3 virtudes teologais, os 3 poderes do estado, os 10 mandamentos da lei de Deus. E com tudo reduzido a 3, a 7 ou a 10, o b�pede vive, ama, pensa que pensa e perpetua-se. O imens�ssimo mundo dos cambiantes escapa-lhe. E h� ainda o mundo das sub-cambiantes, das infra-vibra��es, das coisas que s� o t�sico ouve ou s� os perdigueiros farejam. H� o mundo subliminal, dos hist�ricos, artistas e loucos. E h� as estratosferas e as toposferas. E h� o Au-dela, Rangel. Temos que nos tornar harpa e�lia de mil cordas, finas como os da Cabeleira de Berenice. (2:9)
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Ver: ADJETIVO ( 1:106-107 )
L�NGUA ( 1:248-249 )

ESTILO
1. E aquele Sheridan que nos desancou a todos, menos a voc�, � mesmo o Lino. Bem que tentou esconder-se, desancando-se tamb�m a si pr�prio � mas o estilo � o homem, e o Lino est� mais ali do que na rua Br�ulio Gomes. (1:38-40)
2. Estilos, estilos... Eu s� conhe�o uma centena na literatura universal e entre n�s s� um, o do Machad�o. E, ademais, estilo � a �ltima coisa que nasce num literato � � o dente do siso. Quando j� est� quarent�o e j� cristalizou uma filosofia pr�pria, quando possui uma luneta s� dele e para ele fabricada sob medida, quando j� n�o � suscet�vel de influencia��o por mais ningu�m, quando alcan�a a perfeita maturidade da intelig�ncia, ent�o, sim, aparece o estilo. Como a cor, o sabor e o perfume duma fruta s� aparecem na plena matura��o. Repare no Machado. Quando lhe aparece a cor, o sabor, o perfume? No Br�s Cubas, um livro quarent�o. Que estilo tem ele em Helena ou Iai� Garcia? Uma bostinha de estilo igual ao nosso. Ao E�a s� o encontramos j� estilizado e inconfund�vel nos Ramires. Antes de nos vir o estilo o que temos � temperamento. H� na arte do desenho um exemplo claro disso na "estiliza��o", duma flor, suponhamos. A flor natural � o nosso temperamento; a flor estilizada � o nosso estilo. Enquanto esse temperamento n�o alcan�a o apogeu da caracteriza��o, n�o pode haver estilo. O E�a nas Prosas B�rbaras n�o tem estilo; usa e abusa barbaramente da "impropriedade" com o fim de irritar o Camilo Castelo Branco, o Bulh�o Pato e os burgueses do Porto. Esse abuso da impropriedade, que � primeira vista parece ser a sua futura caracter�stica do estilo (tanto � alta a dose nas primeiras coisas), nos Ramires aparece homeop�tico e felic�ssimo, e da mesma s�bia dosimetria de Machado de Assis.
Poder�s, Rangel, com os elementos b�sicos que h� em voc�, ter um estilo, e certo que o ter�s � mas ainda � cedo. Est�s verdolengo. E o ter�s lindo, sobretudo se deres menos apre�o �s lisonjas f�ceis dos amigos. Lembra-te que mutuamente j� todos nos demos de g�nio l� no Cen�culo e no entanto bem pequena � a dose de simples talento de todos n�s, reunidos e multiplicados uns pelos outros.(1:101-102)
3. Esse Albalat que o Ricardo te mandou anda interessando muito � rapaziada de S. Paulo que pretende lugar nas letras. Tenho a impress�o de que � obra v� e perigosa, talvez das que ensinam um certo estilo � e neste caso teremos estilo posti�o, como h� dentes posti�os. Estilo � cara; cada qual tem a sua e o que fazemos para modificar nossa cara � em geral mexer nos p�los, barba e grenha, e podemos sair um bigodud�ssimo Umberto I ou um cara-rapada �. americana. O mais do nosso rosto n�o se sujeita a travestis. No estilo tamb�m h� algo de imut�vel, de ing�nito, de inalter�vel, a despeito de tudo o que fa�amos para deform�-lo. N�o as exterioridades, mas essa alma-mater, esse eixo central, � que verdadeiramente constitui o estilo. ( 1:259 )
4. Estou lendo Memoires d�Outre Tombe, de Chateaubriand. Acabei o Albalat. Bom, mas de pouco valor para n�s aqui. Discreteia sobre o estilo franc�s, e as coisas mudam quando em portugu�s. A parte referente ao estilo descritivo em Homero � �timo, e boa para n�s. A conclus�o que tirei do livro � que estilos n�o se fabricam, nem se ajustam por influxo de regras; s�o o que s�o, como o nariz das pessoas. O mais, arrebiques, sobrecargas, posti�os que s� aparentemente melhoram o natural ing�nito e espont�neo de cada um. (1:275-276)
5. Nossos estudos de cl�ssicos deram um resultado curioso: tua linguagem ficou metade s�culo 20 e metade s�culo 15. Pareces um homem de cartola e bofes de renda, ou de palet� saco e sapatos de fivela. O que eu achava melhor � que decantasses o estilo. Que o deixasses filtrar e assentar por si mesmo, porque estilo n�o � uma coisa que se fa�a deliberadamente de acordo com certos moldes; estilo � cara, � fei��o, � fisionomia, � nariz. O amanho da cara n�o vai al�m do asseio da pele, do pentear ou n�o os cabelos, do cortar ou n�o os bigodes. Se algu�m passa al�m disso e usa cremes e ruges, perde a cara e vira "maquillage". (1:302)
6. Volto ao Euclides. Estive a l�-lo e pareceu-me que a s�bria e vigorosa beleza do seu estilo vem de n�o estar cancerado de nenhum dos cancros do estilo de toda gente � estilo que o jornalismo apurou at� ao ponto-de-bala acad�mico, tornando-o untuoso, arredondado e impessoal. 1) Euclides evita prepor o adjetivo ao substantivo, o que contraria a l�gica percep��o cerebral. Por exemplo: "exaustivas correrias", �paup�rrimas choupanas", "esguia palmeira". O que na mec�nica da leitura o c�rebro tem de representar ao receber a impress�o dum desses adjetivos (sem ter ainda recebido a impress�o do substantivo posposto), � uma qualidade vaga e dissipada em extremo, capaz de mil articula��es diversas: ao passo que na forma contr�ria � "palmeira esguia", por exemplo � a impress�o � de exata nitidez e vigor; o c�rebro representa a coisa indicada pelo substantivo e imediatamente a qualifica ou determina com o adjetivo posposto. Ora, em Euclides n�o h� adjetivos prepostos aos substantivos, ao passo que no estilo de jornal � esta a forma que predomina ("nosso inteligente colaborador", "o distinto amigo", a "gentil senhorita", a "virtuosa consorte", o "honrado comerciante desta pra�a", etc.). 2) Os verbos em forma composta, essa nojenta coisa de agregar o "ter" e o "haver" ao resto da verbalhada. � outro v�cio dessorante, que enfraquece o estilo com amortecer a nitidez da impress�o cerebral ("haviam dito", "tinham estado comendo", etc.). As formas verbais simples s�o espl�ndidas de energia e Euclides s� emprega as compostas quando indispens�veis. J� o estilo de jornal s� quer saber das compostas, justamente porque meliflui a frase, f�-las de sal�o de Clube Recreativo. Abro um Minarete e encontro: "andaram percorrendo", "tiveram come�o", "estavam reclamando", "foram verificados", etc. A explica��o do fato � a mesma do adjetivo preposto � dispers�o, dissipa��o. 3) Os adv�rbios em mente, outra asquerosa inven��o do jornal com o fito de adocicar o estilo por causa das leitoras folhetinistas, normalistas, pianistas, feministas � todo o hospital dos clor�ticos para os quais o jornal � um p�o de cada dia � p�o doce. A raz�o ainda � a mesma. Claro que t�m mais for�a as formas � "de leve", "� larga", "� s�s" � do que o "levemente", o "largamente", o "solitariamente". Euclides � idiossincr�sico aos adv�rbios em mente e o estilo de jornal n�o quer outra coisa. Pela-se por eles. (1:312-313)
7. Sobre a mat�ria temos muito que falar � para dizer sempre a mesma coisa. Estilo � como o nariz na cara: cada qual o tem como Deus o fez e n�o h� dois iguais. A miragem est� nisto: a gente procura, por efeito de mil influi��es, aperfei�oar o estilo � aperfei�oar o nariz. No entendimento dessa perfei��o � que nos transviamos. H� a estrada real, ampla, macadamizada, freq�entad�ssima, e h� as picadas que podemos abrir marginalmente no matagal chapotado. Quase todo mundo toma pela estrada e pouqu�ssimos se metem pelas picadas. Resultado: engrossam-se as fileiras do estilo redondo e s� um ou outro conserva o nariz que Deus lhe deu. Por aperfei�oar o "estilo" temos de entender exaltar-lhe as tend�ncias congeniais, n�o conform�-lo segundo um certo padr�o de moda. O estilo padr�o mais em moda hoje desfecha no estilo de jornal, nessa "mesmice" que florece, igualada no g�nio, na cor, no tom, no cheiro, tanto no Monitor Paraense de Bel�m como na Tribuna do Povo de D. Pedrito, e � o mesmo no Estado e no Correio da Manh�. Quem conduz a humanidade e esse estilo � o Mestre-Escola, � o Gram�tico Letrudo, s�o os mil "Conselheiros" que no decorrer da vida nos v�o podando todos os galhos rebeldes para nos transformar naqueles tristes pl�tanos da Pra�a da Rep�blica � �rvores loucas de vontade de ser �rvores de verdade.
Mas n�s somos bons jardineiros de n�s mesmos, o que nos cumpre � matar as lagartas, extirpar os caramujinhos e brocas, afofar a terra e bem adub�-la. Em mat�ria de poda, s� a dos galhos secos. E a �rvore que cres�a como l� lhe determina a voca��o. Isso, concordo, � aperfei�oar o estilo. O mais desnatura-o, troca o nariz natural por um nariz de carnaval. (2:6-7)
8. Meu h�bito em tudo � p�r de lado m�todos e seguir as intui��es da veneta. Acho a veneta algo muito s�rio e misterioso, Rangel. � como se uma for�a dentro de n�s cochichasse. (2:13)
9. Do que n�o gostei foi do som � o estilo. Noto uma preocupa��o de simplicidade que me parece excessiva, como quem quer escrever de chinelas para ser lido por homens de chinelas. O som � meia vit�ria, meia gl�ria, meio valor total duma obra. Talvez mais � talvez tr�s quartos.
O que Anatole conta no Silvestre Bonnard entra por um quarto no total da obra prima; os tr�s quartos restantes forneceu-os o modo de dizer, o som. (2:16)
10. A tua observa��o sobre a Maupin � exata. � preciso alento para um escritor ir at� o fim no tom for�ado que assumiu no come�o. Muito mais f�cil fazer como Fialho, que n�o resume tom nenhum � � si mesmo no livro todo e vai �s do cabo, nada o empece; diz "puta" e "fideputa" quando h� mister e onde toda gente poria discretos sin�nimos ou rodeios preservat�rios dos arminhos e catarros moral�sticos. (2:22)
11. Para o trabalho do estilo, a primeira empreitada � modific�-lo, como diz voc�, das "maneiras" consagradas. Fugir sobretudo da maneira do E�a, a mais perigosa de todas, porque � gracios�ssima e muito f�cil de imitar. "Cigarro l�nguido" � "Caneta melanc�lica" � "Tinteiro filos�fico". Tamb�m o descanso nas linhas ex�ticas � preciso � sobretudo no ingl�s. A literatura alem� tamb�m ensina muito. Sudermann revelou-te um grande segredo, e a mim quem mo revelou foi Hauptmann. O Caminho dos Gatos � romance de deixar sementes em nosso terreninho, quanto � composi��o e ao modo de dizer.
A literatura francesa infeccionou-nos de tal maneira que � um trabalho de H�rcules remover as suas sedimenta��es. � gafeira lamelar. Temos que ir tirando aquilo casca por casca. Da casca haurida em Zola j� nos alimpamos; a flaubertina e a goncurciana ainda subsistem em voc�. Temos depois as casquinhas hauridas aqui � a casca eciana, a fialhana, a euclidiana e at� a camiliana. Abusamos de Camilo como certos sifil�ticos abusam do merc�rio. O espiroqueta morre, mas ficamos com os dentes estragados. Temos que eliminar todas as cascas e ficarmos em carne viva. Ser� poss�vel, Rangel? Certas cascas nos ficam como pele e d�i o arranc�-las. (2:59-60)
12. Tua carta vem com uma frase absurda: "Sinto necessidade de arrepiar carreira em estilo e recome�ar do princ�pio." Equivale a: "Examinei ao espelho minha cara e sinto necessidade de voltar atr�s os bigodes, o nariz, o ar, e refaz�-la segundo um molde que me bacoreja c� dentro." Olha, Rangel, enquanto te preocupares com o estilo, n�o o ter�s. Estilo � o jeito da gente. E todo jeito artificialmente procurado desajeita uma pessoa. O que devemos � comportar-nos com grande dec�ncia no trato da l�ngua, e s� a aprendermos no trato dos mestres. Que preocupa��o de estilo h� nesse Camilo que transcrevi? E que estilo! Donde a conclus�o: T�m-no os que n�o o procuram � os descuidosos.
Para o diabo o estilo, pois � e toca para a frente. (2:66)
13. E por falar em estilo: quando deixamos a id�ia correr ao fio da pena, sem nenhuma pr�-concep��o quanto � "maneira" ou regra e, pois, n�o procuramos "fazer estilo", � justamente quando temos estilo. Receita: Quem quiser estilo, jamais o procure. (2:67)
14. Renego todas as minhas observa��es. Estilo � cara, vivo dizendo. E querer que por causa disto ou daquilo o vizinho reforme o nariz ou a boca, � besteira. Sustente a cara que Deus te deu e Camilo apurou, e os Lobatos que v�o �s favas. (2:142)
15. Mas em Fialho h� g�nio, h� estilo. (...) E quando descreve cen�rios, usa lucila��es de rel�mpagos. "Quis a janela aberta: estava um dia supremo, vivo de sol, com tintas loiras de inverno sobre os montes."
N�s, Rangel, n�s do Minarete, viciados pelo senhor Emile Zola at� no modo de pegar na caneta, pervertemo-nos com a maneira de Zola � �tima e certa nele, porque era dele, mas p�ssima em n�s porque nos sufocava o surto da nossa maneira; n�s, Rangel, dir�amos assim:
"Pediu que abrissem a janela. Fora, um dia soalheiro (interfer�ncia do E�a) derramava o ouro de sua luz sobre a terra inteira, e nos montes punha tons alaranjados de outono."
Nove palavras a mais e quatro calorias de express�o pict�rica a menos. E isso se nos content�ssemos apenas com 28 palavras, o que seria um puro milagre de economia vocabular, dada a nossa verborr�ia incoerc�vel. E hoje que o "naturalismo" zolaico passou, ainda andamos patinhando por l�, como gente de anquinhas em esta��o de vestidos colantes. Eu j� dei limpa de enxada em meu terreno, mas h� muito rebroto que preciso estar sempre quebrando. � preciso deixar o ch�o totalmente livre das coisas plantadas, para que nele brotem as sementinhas que os ventos trazem � as guanxumas, os carur�s, as beldroegas, os cord�es-de-frade, as gram�nias congeniais e personal�ssimas desse conglomerado de �rg�os, sangue e c�lulas que Ca�apava v� passar na rua e classifica no g�nero Homo, indiv�duo Lobato. E como somos, eu e voc�, uma velha parelha a puxar o mesmo carro, convido-te a empreender esta terr�vel obra de sacha, extirpadora das ervas francesas. E melhores gadanhos n�o conhe�o, que o velho Camilo e este truculento Fialho. Gadanhemo-nos, Rangel! Com um ano deste regime, curamo-nos da sarna g�lica. Para filosofia, Nietzsche, que � um tanque desbravador de tudo, e tem a sublime coragem de nos dizer: Vade mecum? Vade tecum! Queres seguir-me? Segue-te! (2:154-155)
16. Compreendo o estilo em literatura como fiel mensageiro encarregado de transmitir ao leitor as id�ias do autor.
Servo, escravo, "pr�prio" que deve ter as qualidades dos bons servi�ais: brevidade, simplicidade, humildade, fidelidade, passividade.
H�-os, por�m, petulantes, pern�sticos; servos mal educados que n�o d�o o seu recado sem que preambulem por conta pr�pria e fiquem a ma�ar o leitor com exibi��es alheias ao acaso. O caso � sempre o mesmo: dar o recado com humildade de servo e safar-se. (7:39)
17. � Confesso, miss Jane, que a sua aprecia��o do �ltimo domingo me desalentou, e ainda permane�o sob essa impress�o...
� Que vaidosos os mo�os! Lembre-se de meu pai. Quantas vezes fazia e refazia a mesma experi�ncia, com uma paci�ncia de beneditino! Porisso venceu. Lembre-se do esfor�o incessante de Flaubert para atingir a luminosa clareza que s� a s�bia simplicidade d�. A �nfase, o empolado, o enfeite, o contorcido, o rebuscamento de express�es, tudo isso nada tem com a arte de escrever, porque � artif�cio e o artif�cio � a cuscuta da arte. Puros maneirismos que em nada contribuem para o fim supremo: a clara e f�cil express�o da id�ia.
� Sim, miss Jane, mas sem isso fico sem estilo...
Que finura de sorriso temperado de meiguice aflorou nos l�bios da minha amiga!
� Estilo o senhor Ayrton s� o ter quando perder em absoluto a preocupa��o de ter estilo. Que � estilo, afinal?
� Estilo �... ia eu responder de pronto, mas logo engasguei, e assim ficaria se ela muito naturalmente n�o mo definisse de gentil maneira.
� ... � o modo de ser de cada um. Estilo � como o rosto: cada qual possue o que Deus lhe deu. Procurar ter um certo estilo vale tanto como procurar ter uma certa cara. Sai m�scara fatalmente � essa horr�vel coisa que � a m�scara...
� Mas o meu modo natural de ser n�o tem encantos, miss Jane, � bruto, grosseiro, in�bil, ing�nuo. Quer ent�o que escreva desta maneira?
� Pois certamente! Seja como �, e tudo quanto lhe parece defeito surgir como qualidades, visto que ser reflexo da coisa �nica que tem valor num artista � a personalidade.
Refleti comigo uns instantes e disse por fim:
� Est� bem, miss Jane. Vou tentar mais uma vez. Vou escrever como sair, sem preocupa��o de esp�cie nenhuma � nem de gram�tica, e ver� que horror...
� Isso! exclamou ela encantada. Acertou. Isso � que � escrever bem. Refa�a o primeiro cap�tulo com esse crit�rio e traga-mo no pr�ximo domingo. Serei franca como o fui na tentativa anterior, e se me parecer que de fato n�o tem as qualidades precisas, di-lo-ei francamente e n�o pensaremos mais nisso. (8:327-32 )
18. N�o vem dos grandes mestres das artes pl�sticas a fei��o est�tica duma cidade. Vem antes de humildes artistas sem nome � do marceneiro que lhe mobilia a casa, do serralheiro que lhe bate o ferro dos port�es e grades, do entalhador de guarni��es e molduras, do fundidor, do estofador, do ceramista, de quantos direta ou indiretamente afei�oam o interior da casa urbana. Como tais obreiros s�o numeros�ssimos, dilata-se-lhes a zona de influ�ncia. Sai-lhes inteirinha das m�os a casa popular, como ainda a burguesa, e em boa parte o palacete rico. Apreende-se claro a for�a do profissional an�nimo atentando para o Rio de Janeiro, cidade plasmada pelas manoplas calosas dum mestre d�obra que, sendo legi�o, � um s�, t�o uniformemente imprimiu em tudo o cunho mazorral da sua pouca finura em arte. Se em menino esse mestre atravessasse uma escola bem orientada, onde lhe desbastassem a gafeira grossa, que maravilha n�o seria a capital do Brasil!
Uma vez que � assim, curar da educa��o art�stica do oper�rio, ensinando-lhe o bom gosto, desabrochando-lhe o senso da arte, norteando-lhe um impulso da criatividade, � dar moldes indeterminados, mas individual�ssimos, � cidade futura.
�, portanto, criar estilo.
Estilo � a fei��o peculiar das coisas. Um modo de ser inconfund�vel. A fisionomia. A cara.
N�o ter cara � um mal tamanho que as cidades receosas de cri�-la pr�pria importam m�scaras alheias para fingir que t�m uma. (16:23-24)
19. Estilo n�o se cria. nasce. Nasce por exig�ncia do meio.
Ora, num meio incapaz desta exig�ncia, compete aos artistas provoc�-la, criando o estado d�alma prop�cio.
E que artista � capaz disso?
O an�nimo, o artista legi�o � s� ele.
Est� pois nas m�os dum estabelecimento como o Liceu, j� perfeitamente radicado, criar o estilo da cidade, criando o artista-oper�rio capaz de estilo.
Basta para isto incit�-lo � independ�ncia, ensina-lo a olhar em torno de si e a tirar da natureza cincunjacente os assuntos das composi��es, o motivo dos ornatos, a mat�ria-prima, enfim, da sua arte.
Feita a semeadura, as messes vir�o com o tempo fartas e consoladoras � e teremos assegurado um futuro menos incaracter�stico do que o presente macacal. (16:27-28)
20. O estilo � a fisionomia da obra d�arte. Produto conjugado do homem, do meio e do momento, � pelo estilo que ela adquire car�ter.
No rosto humano, trate-se de um hotentote ou de um d�lico-louro, a m�scara subsiste sempre, adstrita ao esquema morfol�gico da esp�cie; tem dois olhos, nariz, boca e orelhas, mas apesar disso nunca se confunde uma com outra. Paira nelas um elemento sutil, de penosa defini��o, embora flagrante: a fisionomia. Sem este "ar", a m�scara perde o carater e vira "cara de boneca".
Assim, na obra d�arte, al�m dos elementos intr�nsecos, permanentes, regidos pelas leis eternas das propor��es e do equil�brio, h� o estilo que mais n�o � do que a sua fisionomia inconfund�vel. Resultante da personalidade do artista, representa ele o vinco forte do seu temperamento emotivo. Se, por�m, da poesia, pintura ou escultura � artes mais suscet�veis de se impregnarem deste coeficiente pessoal � passarmos � arquitetura, amplia-se o fen�meno, sem que, entretanto, refuja � lei. J� n�o � o homem, sen�o o meio, que imprime estilo � obra. O elemento individual raro d� algo de seu. Mas d� muito, d� tudo, a estesia m�dia da coletividade.
O estilo arquitet�nico varia conforme o grau de intelig�ncia, compreens�o e sentimento art�stico de cada povo. Nasce do solo como planta ind�gena, se o povo � criador e espont�neo como o grego. Na arquitetura hel�ncia nada grita em disson�ncia com o homem ou com a terra; jamais houve nada t�o bem adaptado � paisagem envolvente, � �ndole da ra�a, aos seus usos e costumes, �s suas necessidades, aos seus sentimentos e id�ias. A simplicidade da vida, a formosura do tipo, a acuidade do pensamento, a frugalidade do povo eleito: � tudo sintoniza com a singela nobreza dos seus monumentos. (16:37-38)
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Ver: ESCRITORES 2 (2:162-163)
ESCRITORES: CAMILO CASTELO BRANCO 3 (2:52-54)
ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 3 (7:333-338)
ESCRITORES: MARIA JOS� DUPR� (2:338-340)
EST�TICA 2 (1:80-83)
FIGURA DE LINGUAGEM (28:199-200)
ROMANCE NO BRASIL (5:47-51)
VOC�BULOS 2 (1:258-259), (1:263-264)

ESTILO BRASILEIRO
Nosso estilo deve ser a decorrente natural do estilo com que os av�s nos dotaram. Sempre vivo, sempre em fun��o do meio, se quer fugir � pecha de rastacuerismo deve retomar a linha do passado e desenvolv�-la � luz da estesia moderna. Para isso existem os artistas, temperamentos de elei��o atrav�s dos quais a natureza se coa e surge satisfeita em arte. Coe-se arte colonial atrav�s dum temperamento profundamente est�tico, filho da terra, produto do ambiente, alma aberta � compreens�o da nossa natureza: e a arte colonial surgir� modern�ssima, bela, fidalga e gentil como a l�ngua b�rbara de Vaz Caminha sai bela, fidalga, gentil e modern�ssima dum verso de Olavo Bilac. (16:33)

EXPRESS�O T�CNICA
Hans esteve algum tempo em Set�bal, com certeza provando o gostoso vinho moscatel que l� fabricam. Depois tomou o caminho de Lisboa. Sua ten��o era seguir para as �ndias numa das frotas que dali costumavam zarpar.
� Zarpar? � interrompeu Pedrinho. � Por que fala assim t�o dif�cil hoje, vov�?
� N�o estou falando dif�cil, Pedrinho. H� certas express�es que se chamam "t�cnicas" e que voc�s precisam ir aprendendo. Zarpar se diz quando um navio ou uma esquadra sai dum porto. � uma express�o t�cnica, isto �, de sentido exato. (21:92)

F

F�BULAS
1. � Esta f�bula est� errada � gritou Narizinho. � Vov� nos leu aquele livro do Maeterlinck sobre a vida das formigas � e l� a gente v� que as formigas s�o os �nicos insetos caridosos que existem. Formiga m� como essa nunca houve.
Dona Benta explicou que as f�bulas n�o eram li��es de hist�ria natural, mas de moral. (28:171)
2. Dona Benta riu-se.
� N�o, Em�lia. Quem inventou a f�bula foi o povo e os escritores as foram aperfei�oando. A sabedoria que h� nas f�bulas � a mesma sabedoria do povo, adquirida � for�a de experi�ncias. (28:218)
3. � Muito bem. Vamos agora ver se n�o perdi meu tempo. Que � que voc� conclui de tudo isto, Pedrinho?
� Concluo, vov�, que as f�bulas, mesmo quando n�o valem grande coisa, t�m sempre um m�rito: s�o curtinhas...
� Muito bem. E voc�, minha filha?
� Para mim, vov�, as f�bulas s�o sabid�ssimas. No momento a gente s� presta aten��o � fala dos animais, mas a moralidade nos fica na mem�ria e de vez em quando, sem querer, a gente aplica el cuento, como a senhora diz.
� Muito bem. E voc�, Em�lia?
� Eu acho que as f�bulas s�o indiretas para um milh�o de pessoas. Quando ou�o uma, vou logo dando nome aos bois: este mono � o Tio Barnab�; aquele asno carregado de ouro � o Coronel Teodorico; a gralha enfeitada de penas de pav�o � a filha de Nh� Veva. Para mim, f�bula � o mesmo que indireta.
Dona Benta voltou-se para o Visconde.
� E que pensa das f�bulas, Visconde?
O sabuguinho assoprou e disse:
� Na minha opini�o, as f�bulas mostram s� duas coisas: 1.o) que o mundo � dos fortes; e 2.o) que o �nico meio de derrotar a for�a � a ast�cia. Essa da Liga das Na��es, por exemplo. Os animais formaram uma liga, mas adiantou? Nada. Por qu�? Porque l� dentro estava a on�a, representando a for�a e contra a for�a de nada valem os direitos dos animais menores. Bem que a irara fez ver o direito desses animais menores. Mas nada conseguiu. A on�a respondeu com a raz�o da for�a. A irara errou. Em vez de alegar direito, devia ter recorrido a uma esperteza qualquer. S� a ast�cia vence a for�a. Em�lia disse uma coisa s�bia em suas Mem�rias...
� Que foi que eu disse? � perguntou Em�lia, toda assanhadinha e importante.
� Disse que se tivesse um filho s� lhe dava um conselho: "Seja esperto, meu filho!" Se n�o fosse a esperteza, o mundo seria duma brutalidade sem conta...
� Seria a f�bula do Lobo e o Cordeiro girando em redor do sol que nem planeta, com todas as outras f�bulas girando em redor dela que nem sat�lites � concluiu Em�lia dando um pinote.
Dona Benta calou-se, pensativa. (28:280-281)

FIGURA DE LINGUAGEM
� Bravos, vov�! � aplaudiu Narizinho. � A senhora botou nessa f�bula duas belezas bem lindinhas.
� Quais, minha filha?
� Aquele �ouviu latir ao longe o perigo" em vez de ouvir latir ao longe os c�es; e aquele "pastou a benfeitora" em vez de pastou a moita. Se Tia Nast�cia estivesse aqui, dava � senhora uma cocada.
Dona Benta riu-se.
� Pois essas "belezinhas" s�o uma figura de ret�rica que os gram�ticos xingam de sin�doque...
� Eu sei o que � isso � berrou Em�lia. � � "sem" com um peda�o de bodoque.
Ningu�m entendeu. Em�lia explicou:
� Sine quer dizer "sem". Quando o Visconde quer dizer "sem dia marcado", ele diz sine die. � um latim. E "doque" � um peda�o de bodoque...
� Parece que � assim mas n�o � Em�lia � explicou Dona Benta. � Sin�doque � a synedoche dos gregos, e quer dizer compreens�o.
� E que tem a compreens�o com as duas belezinhas? � quis saber a menina.
� Tem que falando em "perigo" em vez de c�es, e em "benfeitora" em vez de moita, toda gente compreende a troca das palavras � e fica a tal belezinha que voc� achou. A sin�doque troca a parte pelo todo, como quando dizemos "velas" em vez de "navios"; ou troca o g�nero pela esp�cie, como quando dizemos "os mortais" em vez de "os homens"; ou troca uma coisa pela qualidade da coisa, como quando dizemos "perigo" em vez de "c�es" e "benfeitora" em vez de "moita".
� E para que serve isso? � perguntou Narizinho.
� Para enfeitar o estilo.
� Mas a senhora mesma n�o disse que o estilo muito enfeitado, muito floreado, � feio?
� Sim. Quando � muito enfeitado fica feio e de mau gosto, mas se aparece discretamente enfeitado fica bem bonitinho. Se voc� vai � vila com uma flor no peito, fica linda como uma sin�doque. Mas se se enfeitar demais, fica apalha�ada e revela mal gosto. Tudo na vida depende da justa medida; nem mais, nem menos; antes menos do que mais.
� Ent�o � o tal usar e n�o abusar � lembrou a menina.
� Isso mesmo. Discri��o � isso.
Narizinho, que era uma menina muito discreta, compreendeu perfeitamente. (28:199-200)

FIL�SOFO MODERNO
O fil�sofo moderno � algo muito mais modesto que o fil�sofo ao tipo cl�ssico, construtor de tremendos sistemas l�gicos. O fil�sofo moderno � um avant coureur do cientista, isto �, um homem que se localiza nas fronteiras da ci�ncia e, com bases nas aquisi��es desta, vai antecipando conclus�es inevit�veis. (5:95)

FOLCLORE
1. Pedrinho, na varanda, lia um jornal. De repente parou, e disse a Em�lia, que andava rondando por ali.
� V� perguntar a vov� o que quer dizer folclore.
� V�? Dobre a l�ngua. Eu s� fa�o coisas quando me pedem por favor.
Pedrinho, que estava com pregui�a de levantar-se, cedeu � exig�ncia da ex-boneca.
� Emilinha do cora��o � disse ele �, fa�a-me o maravilhoso favor de ir perguntar � vov� que coisa significa a palavra folclore, sim, tet�ia?
Em�lia foi e voltou com a resposta.
� Dona Benta disse que folk quer dizer gente, povo; e lore quer dizer sabedoria, ci�ncia. Folclore s�o as coisas que o povo sabe por boca, de um contar para o outro, de pais a filhos � os contos, as hist�rias, as anedotas, as supersti��es, as bobagens, a sabedoria popular, etc. e tal. Por que pergunta isso, Pedrinho?
O menino calou-se. Estava pensativo, com os olhos l� longe. Depois disse:
� Uma id�ia que eu tive. Tia Nast�cia � o povo. Tudo que o povo sabe e vai contando de um para outro, ela deve saber. Estou com plano de espremer Tia Nastacia para tirar o leite do folclore que h� nela.
Em�lia arregalou os olhos.
� N�o est� m� a id�ia, n�o, Pedrinho! �s vezes a gente tem uma coisa muito interessante em casa e n�o percebe.
� As negras velhas � disse Pedrinho � s�o sempre muito sabidas. Mam�e conta de uma que era um verdadeiro dicion�rio de hist�rias folcl�ricas, uma de nome Esm�ria, que foi escrava de meu av�. Todas as noites ela sentava-se na varanda e desfiava hist�rias e mais hist�rias. Quem sabe se Tia Nast�cia n�o � uma segunda Tia Esm�ria? (26:7-8)
2. Em�lia ficou a olhar a cara de Narizinho.
� Esta hist�ria � disse ela � ainda est� mais boba que a outra. Tudo sem p� nem cabe�a. Sabe o que me parece? Parece uma hist�ria que era dum jeito e foi se alterando de um contador para outro, cada vez mais atrapalhada, isto �, foi perdendo pelo caminho o p� e a cabe�a.
� Voc� tem raz�o, Em�lia � disse Dona Benta. � As hist�rias que andam na boca do povo n�o s�o como as escritas. As hist�rias escritas conservam-se sempre as mesmas, porque a escrita fixa a maneira pela qual o autor a comp�s. Mas as hist�rias que correm na boca do povo v�o se adulterando com o tempo. Cada pessoa que conta muda uma coisa ou outra, e por fim elas ficam muito diferentes do que eram no come�o.
� Quem conta um conto aumenta um ponto � lembrou Pedrinho.
� Sim, aumenta um ponto e introduz qualquer modifica��o. Ningu�m que ou�a uma hist�ria � capaz de cont�-la para diante sem altera��o de alguma coisa, de modo que no fim a hist�ria aparece horrivelmente modificada. Todas as hist�rias do folclore s�o assim. H� s�bios que pegam nessas hist�rias e as estudam, e v�o indo at� encontrarem o seu ponto de partida. E mostram as mudan�as que o povo fez. (26: 20-21)
3. � Bom � disse Em�lia. � Esta j� est� mais bem arranjadinha. Mas eu noto uma coisa: as hist�rias populares parecem que s�o uma s�, contada de mil maneiras diferentes. Falam tanto na tal imagina��o do povo e eu n�o vejo nada disso. Vejo apenas uma grande pobreza.
� Sim � disse Dona Benta. � Tamb�m eu n�o encontro grande riqueza de imagina��o no nosso povo. As hist�rias que por a� correm de fato se repetem, parecendo ser todas do mesmo ciclo.
� Ciclo? � repetiu Narizinho. � Que � isso?
� Quando h� uma id�ia central e em redor dela surgem muitas hist�rias parecidas umas com as outras, dizem os s�bios que elas pertencem ao mesmo ciclo. Na Europa houve, na Idade M�dia, o ciclo das hist�rias da raposa. Houve tamb�m o ciclo das hist�rias do Rei Artur. O povo encanta-se com uma id�ia e vai tecendo variantes em torno.
� No cinema de hoje noto a mesma coisa � disse Pedrinho. � Sempre que aparece uma fita original, todas as companhias se aproveitam da id�ia e d�o fitas sobre o mesmo tema. At� enjoa a gente essa repeti��o.
� E na literatura tamb�m � assim � disse Dona Benta. � Sempre que um escritor lan�a uma obra original, com alguma novidade que caia no gosto do p�blico, todos os maus escritores se metem a usar e abusar daquele tema. Quando aqui no Brasil apareceu O Guarani de Jos� de Alencar, veio logo uma f�ria de romances e contos de �ndios que n�o acabava mais. Eram obras de pouco valor, imita��es que o tempo varreu para o lixo com a vassoura do esquecimento. S� ficou O guarani.
� Bom � disse Pedrinho. � Nesse caso, temos nas hist�rias populares o ciclo dos pr�ncipes Jo�ozinhos que saem a correr mundo em procura de velhas que ensinam rem�dios e mais coisas milagrosas. As que Tia Nast�cia j� contou parece que pertencem ao mesmo ciclo. J� estou cansado desse "ciclismo"... (26:35-36)

FORMA
1. Ando a remoer uma observa��o que fiz h� tempos e insiste. A forma perfeita � magna pars numa literatura. N�o basta a id�ia, como a rea��o contra o romantismo nos fez crer � a n�s naturalistas. H� erro em querer que predomine uma ou outra. � mister que venham de bra�o dado e em perfeito p� de perfectibilidade. H� pelo Norte uns escritores de talento que s� querem saber da id�ia e deixam a forma p�r�ali. Eu tamb�m j� pensei assim � que a id�ia era tudo e a forma um pedacinho. Mas apesar de pensar assim, n�o conseguia ler os de belas id�ias embrulhadas em panos sujos. Por fim me convenci do meu erro e estou a penitenciar-me. Imposs�vel boa express�o duma id�ia se n�o com �tima forma. Sem limpidez, sem asseio de forma, a id�ia vem embaciada, como copo mal lavado. E o pobre leitor vai trope�ando � vai dando topadas na m� sintaxe, extraviando-se nas obscuridades e impropriedades. E se � um leitor decente, revolta-se com os relaxamentos � S�lvio Romero, os pequeninos atentados ao pudor da l�ngua � e com todas essas revoltas e extravios e topadas perde o fio da id�ia e acaba com a sensa��o do ca�tico. Acho a l�ngua uma coisa muito s�ria, Rangel. Como a nossa m�e mental.
A forma de S�lvio Romero e outros nortistas, Rodolfo Te�filo, Manuel Bonfim, etc., lembra-me uma estrada de rodagem sem pavimenta��o, toda cheia de buracos e pedras, e dif�cil de caminhar a cavalo � porque ler � ir o pensamento a cavalo na impress�o visual e outras. Machado de Assis me d� a id�ia duma estrada de macadame onde o nosso cavalo galopa t�o maciamente que nem mais atentamos na estrada. Nos outros n�o tiramos os olhos da estrada, tais os perigos e a buraqueira � e como h� de ver a paisagem marginal quem vai de olhos pregados no ch�o? O mal portugu�s mata a maior id�ia, e a boa forma at� duma imbecilidade faz um j�ia. (1:222-223)
2. A tua descoberta da serventia do vern�culo bem aprimorado como tamp�o do vazio de id�ias, cai na regra de que a Forma salva tudo. Haja Forma, e o leitor, engodado pela beleza exterior, esquece-se de pedir beleza interior (id�ia). E assim os patifes da Eleg�ncia fazem com meia arte o que a pede inteira. (2:157)
3. Quanto � forma, imposs�vel eximirmos de v�rias restri��es. Se o objetivo de um escritor � transmitir id�ias e sensa��es, essa transmiss�o ser� tanto mais perfeita quanto mais respeitar a psicologia m�dia dos leitores. Quando, ao inv�s disso, arrastado por preocupa��es de escola, vai contra ela, na v� tentativa de inovar, em vez de causar a impress�o visada causa uma impress�o defeituosa, incompleta, "empastelada", muito diferente da que pretendeu. Tenha isto em vista o jovem romancista, fa�a experi�ncias in anima mobile, abandone teorias, escolas, corrilhos, "ache o seu trilho � e sua obra corresponder� na aceita��o p�blica ao muito que se espera do seu magn�fico talento. (10:22-23)
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Ver: ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 2 (4:252)

FUTURISMO
O futurismo apareceu em S�o Paulo como o fruto da displic�ncia dum rapaz rico e arejado de c�rebro: Oswald de Andrade. Turista integral, alternando estadias em Paris com passeios a Ribeir�o Preto, leituras de Marinetti com leituras d�"O Democrata" de Pil�o Arcado, vis�es de m�rmores de Mestrovich com santos de olhos arregalados feitos na Bahia, apachismos elegantes de boulevard com o mumismo urbano de Mariana e Diamantina � sentia melhor do que ningu�m a nossa cristaliza��o mental e empreendeu combat�-la.
Mas combat�-la como? O velho processo do rico, da s�tira, do sarcasmo sempre se revelou in�til entre n�s. D� resultados nos pa�ses de cultura disseminada, onde um riso como o de Voltaire se propaga em ondas hilariantes dum extremo a outro. Aqui morre nos l�bios de quem o arrepenha, porque a incultura n�o ondula coisa nenhuma.
Mas Oswald, psic�logo de fartos recursos, teve uma id�ia genial: recorrer ao processo da atrapalha��o.
� "Essa gente, refletiu ele, est� a jogar uma partida de xadrez que n�o tem fim; sempre as mesmas pedras, sempre as mesmas regras, sempre as mesmas sa�das de pe�o do rei, sempre os mesmos xeques de rainhas e torre. O riso, a piada de quem lhes sapeia o jogo, de nada vale: n�o ligam, est�o absortos demais. O recurso � um s�, meter as m�os no tabuleiro e mexer as pedras como quem mexe angu."
E embora justificasse o angu com teorias metaf�sicas, transcendental�ssimas, tais teorias n�o passavam duma peninha (o futurismo), cujo fim era atrapalhar inda mais.
Sabem o caso da peninha?
Um sujeito prop�s a outro, esta adivinha��o: "Qual � o bicho que tem quatro pernas, come ratos, mia, passeia pelos telhados e tem uma peninha na ponta da cauda?"
Est� claro que ningu�m adivinhou.
� "Pois � o gato", explicou ele.
� "Gato com peninha na cauda?"
� "Sim. A peninha est� a� s� para atrapalhar."
As teorias est�ticas dos futuristas s�o essa peninha...
Assim pensou e assim fez Oswald. E os enxadristas, com grande indigna��o, tiveram de interromper a partida intermin�vel. Xadrez exige calma, repouso, ordem, regra, sistema, boa educa��o, e do mexer o angu nascera a desordem, a molecagem, o barulho, a extravag�ncia.
O rei passou para o lugar do pe�o; a rainha deu de pular como o cavalo; o cavalo passou a ter movimentos de bispos e no fim de tudo quem levava o xeque-mate era que sa�a ganhando.
"A besta do Homero... A cavalgadura do Shakespeare... O cretinismo do Anatole..."
Invers�o, ou, melhor, atrapalha��o, angu completo dos valores e regras universalmente aceitos. A gram�tica, a boa ordem, a justa medida, a clareza � pilh�rias! Por que � que o pronome reflexo n�o h� de abrir per�odos? E z�s: "Me parece que..." E o "voc�" expeliu o "tu" e a velha asneira, que andava no refugo porque s� os asnos a manuseavam, foi reabilitada, vestida � moderna e veio � tona de livros e jornais, toda garrida, provando mais uma vez que tudo vai da apresenta��o, e que um urubu preparado por Vatel pode saber melhor ao paladar do que uma perdiz assada pelas nossas cozinheiras do trivial.
S. Paulo � um meio muito rico de vitaminas mentais e s� l� era poss�vel que o gesto de Oswald criasse escola. Assim � que brotou do Bom Retiro, Br�s, Bexiga e adjac�ncias uma legi�o de asseclas. Como sempre acontece, poucos dos legion�rios compreenderam o alcance da "batalha do Ernani" oswaldiana, puro "meio" para a consecu��o de um "fim". E com rar�ssimas exce��es esses bravos guerreiros de 18 anos e menos adotaram o meio como fim. Atrapalhar, para Oswald, era o meio de conseguir descristalizar a mentalidade. S�. Mais nada. Ela depois que criasse o que lhe aprouvesse, livremente, sem nenhum dogma, nenhum quadro, nenhuma autoridade constringente. N�o foi outro o objetivo de Oswald, embora ele pr�prio, no calor da luta, se iludisse e tentasse construir, esquecido de que as duas fun��es, a destrutiva e a construtiva, jamais cabem juntas a um mesmo homem. Oswald revelava-se aquele fecundo Nietzsche do "Vade mecum? Vade tecum!" Queres seguir-me? Segue-te!
Em vez disso a pl�iade futurista, coesa no bloco do Quebra-Vidra�as, deu de seguir Oswald, atrapalhando tamb�m, mas errada. Errava adotando a atrapalha��o como fim supremo, objetivo de todas as manifesta��es art�sticas modernas, e n�o como simples meio, �nico eficaz numa terra onde o riso do Voltaire, em vez de matar, engorda.
Por instinto, Oswald sempre repeliu os sect�rios e sempre refugiu de transformar sua colher de mexer, hoje colher de pau-brasil, em paradigma, em marac� sagrado. E passa a vida a criar cismas dentro do grupo, a dividi-lo, a renegar sumos pont�fices (como Gra�a Aranha), a expulsar adesistas � a impedir, enfim, que o chamado futurismo se cristalize em escola e passe a ser fim em vez de simples meio de combate.
Esta brincadeira de crian�as inteligentes, que outra coisa n�o � tal movimento, vai desempenhar uma fun��o s�ria em nossas letras. Vai for�ar-nos a uma atenta revis�o de valores e apressar o abandono de duas coisas a que andamos aferrados: o esp�rito da literatura francesa e a l�ngua portuguesa de Portugal. Valer por um 89 duplo � ou por um novo 7 de setembro. Nestas duas datas est� exemplificado o modo de falar da escola antiga, francesa, e da nascente escola nacionalista.
Porque � estranho isto de permanecermos t�o franceses pela arte e pensamento e t�o portugueses pela l�ngua, n�s, os escritores, n�s, os arquitetos da literatura, quando a tarefa do escritor de um determinado pa�s � levantar um monumento que reflita as coisas e a mentalidade desse pa�s por meio da l�ngua falada nesse pa�s.
Formamos, os escritores, uma elite inteiramente divorciada da terra, pelo gosto liter�rio, pelas id�ias e pela l�ngua. Somos um grupo de franceses que escreve portugu�s � absolutamente alheios, portanto, a um pa�s da Am�rica que n�o pensa em franc�s, nem fala portugu�s.
A eterna queixa dos nossos autores, de que n�o s�o lidos, vem disso � dessa anomalia que eles n�o percebem. O p�blico n�o os l� porque n�o lhes entende nem as id�ias nem a l�ngua. T�m eles que contentar-se com um escol muito reduzido de leitores tamb�m educados � francesa, os quais em regra preferem ir logo �s fontes, aos franceses de l�, aos Anatoles e Verlaines.
Este dualismo de mentalidade e l�ngua tem que cessar um dia. Os gram�ticos h�o de convencer-se, afinal, de que a l�ngua portuguesa variou entre n�s, como acontece todas as vezes que um idioma muda de continente. Como o mesmo latim variou em Fran�a dando o franc�s, em Portugal dando o portugu�s, em Espanha dando o espanhol. E que continuar a variar, a distanciar-se mais e mais da l�ngua m�e, at� que um dia fique em face dela como est� ela hoje em face do latim de C�cero. Seria fato virgem no mundo persistir imut�vel, apesar da mudan�a de continente, o instrumento l�ngua � que � e�lio e varia at� quando muda para um pa�s vizinho.
Em casos tais, freq�entes na hist�ria, a regra � a l�ngua velha ir ficando cada vez mais confinada entre os eruditos, enquanto a l�ngua nova se expande no povo. Por fim vence o povo, que � o n�mero e a for�a. Nos pa�ses europeus de base latina o latim resistiu quanto p�de, escorado pelos s�bios e eruditos � os despresadores da "corrup��o" popular. Dia houve, por�m, em que toda a resist�ncia foi in�til e d�alto a baixo a l�ngua se tornou una, pela vit�ria popular.
Entre n�s estamos ainda longe do tempo em que o portugu�s ser l�ngua apenas de um ou outro abencerragem feroz e n�o lido, mas tudo caminha para tal desfecho. O diss�dio j� esta patente. O povo fala brasileiro e os pr�prios escritores que escrevem em portugu�s n�o o falam em fam�lia. Em casa, de pijama, s� se dirigem � esposa, aos filhos e aos criados, em l�ngua da terra, brasileir�ssima.
Contou-nos Bastos Tigre que ouviu Rui Barbosa dizer de um autor numa livraria:
� "J� conhe�o ele."
E ai de quem n�o falar assim no trato comezinho da vida! N�o s� ganha fama de pedante, de "dif�cil", como n�o � bem entendido. Sobretudo ao telefone. Dada a necessidade de extrema clareza, ningu�m ao telefone fala em portugu�s, se quer evitar complica��es.
Bastos quis um dia falar, depressa, depressa, caso urgente, e esqueceu-se de que estava no Brasil.
� Al�! Se o excelent�ssimo X est�, obs�quio, e grande, far-me-� o atendente, chamando-mo.
Ningu�m pescou. Bastos insiste. Nada. Berra. Nada. Por fim manda �s favas o portugu�s de frei Luiz de Souza e diz:
� O seu Coisada t� a�? Quedele ele, ent�o? Me chame ele, j�, sim, meu bem?
O Coisada acode pressuroso e Bastos jura nunca mais falar ao telefone em l�ngua de escrever.
J� temos dois grandes escritores que escrevem na l�ngua da terra, em mangas de camisa, e pensam de chap�u de palha com id�ias da terra: Corn�lio Pires e Catulo.
A elite franco-portuguesa isola-os com o mesmo desprezo que em Fran�a e It�lia tinham os faladores de latim para com os Dantes e Ronsards latin�fobos.
Em 1559, um tal Sebillet publicou uma coisa com esse t�tulo: "D�fense et Illustration de la Langue Fran�aise", onde havia este peda�o: "Nossa l�ngua n�o deve ser desprezada, m�me de ceux auquels elle est propre et naturelle, et qui en rien ne sont moindres que les Grecs et les Romains."
Entende-se mal e mal o que o homem queria dizer, mas deduz-se que o franc�s nascente era "desprezado" pela elite latinizante.
O mesmo se d� entre n�s. A l�ngua de Corn�lio e Catulo s� merece sorrisos � e � no entanto a que vai vencer! J� a falamos; e acabaremos, cansados de resistir, por escrever como falamos. S� ent�o a literatura ser� entre n�s uma coisa s�ria, voz da terra articulada e grafada na l�ngua das gentes que a povoam.
A resultante da campanha futurista vai tender para apressar este processo de unifica��o. Mas n�o o realizar . N�o � isso obra de um homem, nem de um grupo. � obra do tempo e do povo. (6:110-115)

G

GENIALIDADE
1. Mas como os g�nios s�o por natureza universais, havia d�vida no Brasil sobre a genialidade de Euclides. Faltavam pontos de refer�ncia para a compara��o. S� um, j� longa, na poesia Castro Alves. E um na m�sica, Carlos Gomes. Mas na prosa? Como saber se Euclides era na realidade g�nio, assim sem um ponto refer�ncia em casa e sem que a gente de l� fora se manisfestasse?
Mas os g�nios s�o por natureza universais; e por mais tempo que fiquem de castigo no canto da l�ngua em que plasmaram sua obra, acabam transplantados para todas as l�nguas decentes. (6:252)
2. O caracter�stico do g�nio � ver grande. Todo g�nio � panor�mico. O caracter�stico do talento � analisar min�cias. Dum par de bra�os de mulher faz Machado uma obra-prima liter�ria � mas de �literatura confinada�.(9:240)
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Ver: ESCRITORES: HONORE DE BALZAC 2 (7:6-7 )

GRAM�TICA
1. Confesso, Rangel, a minha ignor�ncia do portugu�s-gram�tica e mais camar�es da filosofia. Guio-me pelo faro, como o pescador que sente que ali naquelas pedras h� garoupas. Infelizmente, faro � nariz; e em dias de resfriado l� se vai o faro. (2:39)
2. Grande bem me fazes com a den�ncia das ingramaticalidades. De gram�tica guardo a mem�ria dos maus meses que em menino passei decorando, sem nada entender, esoterismos do Augusto Freire da Silva. Ficou-me da �bomba� que levei, e da papaguea��o, uma revolta surda contra gram�tica e gram�ticos; e uma certeza: a gram�tica far� letrudos, n�o faz escritores. (...) Estou com um p� na Cafra e outro no ar, a descer com lentid�o e medo sobre a l�ngua lusa verdadeira. Conto saltar. Hei de saltar. No intento de apressar a coisa, voltei-me para a gram�tica e tentei refocilar num Carlos Eduardo Pereira. Imposs�vel! O engulho voltou-me � a imagem do Freire e da bomba. D�-me id�ia duma morgue onde carniceiros de �culos e avental esfaqueiam, picam e repicam frases, esbrugam as palavras, submetem-nas ao fich�rio da cacofonia grega. A barrigada da l�ngua � mostrada a nu, como a dos capados nos matadouros � bra�os, f�gados, tripas, intestino grosso, p�stulas, �pipocas�, t�nias. Larguei o livro para nunca mais, convencido de que das gram�ticas saem Silvios de Almeida mas n�o Fialhos. Mil vezes (para mim) as ingramaticalidades destes do que as gramaticalidades daqueles. E entreguei-me a aprender, em vez de gram�tica, l�ngua � lendo os que a t�m e ouvindo os que falam expressivamente. (2:49-51)
3. H� sempre uma alta nobreza no estilo que se p�e nos moldes sint�ticos dos grandes antigos, procurando tomar como regra o que neles for regra, e n�o se autorizando a constituir como regra geral uma exce��o, uma cinca, um desleixo e Vieira ou Camilo, quando � certo que at� Homero cochilava. Quanto ao meu erro de �se o pratica� � coisa t�o soez e chata que escusava te alongares tanto na demonstra��o. J� o expundi. N�o fujo � pecha de ignorante em gram�tica, e at� proclamo essa ignor�ncia. E na realidade guio-me pelo tato e o faro, pelo aspecto visual e auditivo da frase. Se algum per�odo me soa falso, releio-o em voz alta para perceber onde desafina. E achada a corda bamba, n�o a analiso, dispenso-me de saber que preceito gramatical foi ali ofendido: aperto a cravelha e afino a frase. O m�todo, n�o ser� dos melhores, mas � o meu. � mau mas meu. Topete, hein? E queres ver que ila��es tiro desse topete? N�o arquiteto a frase: despejo-a sobre o papel no jeito, no tom, no rebarbativo, no elance com que me acode � pena. Depois barbeio de leve, sem escanhoar. Raramente substituo adjetivos que saltaram � tona, como peixes. Chamo a isto doigt� e est� acabado. E isto porque dia a dia mais me enjoa a �forma� � tanto na composi��o da frase como no �raconto�, como diz o Fialho em seu volap�k. Tomei-me de tal engulho pelo naturalismo formal�stico, impessoal � peda�os da natureza vistos atrav�s dum molde � que o considero m�quina de fabricar ling�i�a. Entram pela boca Zola, Alu�sio e tutti quanti, sobra�ando o assunto; d�-se � manivela e sai do outro lado sempre a mesma ling�i�a, na forma e no comprimento, apenas com leves diferen�as no tempero interno. (2:55-56)
4. Se por �saber portugu�s� entendes conhecer por mi�do os bastidores da Gram�tica e a intrigalhada toda dos pronomes que vem antes ou depois, concordo com o que dizes na carta: um burro bem arreado de regras ser� eminente. Mas para mim �saber portugu�s� � outra coisa: � ter aquele doigt� do Camilo, ou a magnificente allure processional do Ramalho, ou a sublime gagueira do Machado de Assis. Aqui em S.Paulo o brontossauro da gram�tica chama-se �lvaro Guerra, um homem que anda pela rua derrubando regrinhas como os fumantes derrubam pontas de cigarro. As regras desse homem tremendo, quando v�m ao bico da pena dos escritores, matam, como unhas matam pulgas, tudo o que � beleza e novidade de express�o � tudo que � lindo mas a Gram�tica n�o quer outro gramatic�o daqui escreveu um enorme tratado sobre a Crase; e consta que o S�lvio de Almeida tem 900 p�ginas in�ditas sobre o Til. O livro vai chamar-se: �Do Til�... (2:168-169)
5. L�ngua, ou melhor, gram�tica, � como religi�o ou credo pol�tico. Cada qual tem o seu, e n�o se discute. (12:79)
6. � A gram�tica, minha filha, � uma criada da l�ngua e n�o uma dona. O dono da l�ngua somos n�s, o povo � e a gram�tica o que tem a fazer �, humildemente, ir registrando o nosso modo de falar. Quem manda � o uso geral e n�o a gram�tica. Se todos n�s come�armos a usar o tu e o voc� misturados, a gram�tica s� tem uma coisa a fazer...
- Eu sei o que � que ela tem a fazer, vov�! � gritou Pedrinho. � � p�r o rabo entre as pernas e murchar as orelhas...
Dona Benta aprovou. (28:193)
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Ver: L�NGUA 6 ( 5:29-33 )

H

HIST�RIA
1. O que na Revolu��o Francesa me interessa � o que os est�pidos historiadores � moda cl�ssica n�o contam. Eu quero fatias de vida da �poca, conservadas aqui e ali em mem�rias, em panfletos de despeitados. Interessa-me o bas-fond da revolu��o, o formigueiro dos interesses inconfess�veis, a trama secreta dos bastidores, os fios que movimentavam os polichinelos pol�ticos � os subornos. A hist�ria fala no patriotismo de Danton, na virtude de Robespierre, mas o que me interessa conhecer � o apetite de Danton, a ambi��o de Robespierre. Os grandes homens aparecem infinitamente mais interessantes, mais homens, quando despidos das falsas atitudes com que os veste a Hist�ria � esse reposteiro. (1:314-315)
2. A hist�ria � um processo cont�nuo do que se fez no passado, com o objetivo utilit�rio de nortear o futuro. Se fosse apenas um recreio, o cinema novelesco a superaria com vantagem. S� o que se fez ensina o que se dever� fazer para o diante. (16:197)
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Ver: MEM�RIA (1:340-341)

HUMOR
Humor � a maneira imprevis�vel, certa e filos�fica de ver as coisas. (...)
Pus-me a recordar anedotas humor�sticas e cobri-las com a minha defini��o.
H� uma cl�ssica:
- �Qual a diferen�a entre um elefante e um piano?�
- �N�o sei�.
- �Pois trate de saber, sen�o vai comprar um piano e impingem-lhe um elefante�.
Temos aqui uma resposta perfeitamente humor�stica, porque imprevis�vel, certa e filos�fica. Como n�o h� nenhuma esp�cie de associa��o l�gica entre a pergunta e a resposta, esta � absolutamente imprevis�vel, pois s� prevemos o l�gico. E al�m disso � certa e filos�fica. Nada mais certo que quem n�o percebe a diferen�a entre um elefante e um piano corra o risco de ser enganado e acabe comprando um elefante quando pedir um piano. E � tamb�m filos�fica, no conselho pragm�tico que d�.
Se a resposta fosse previs�vel e consistisse, por exemplo, numa engenhosa associa��o entre as presas do elefante e as teclas do piano, ambas de marfim, ter�amos uma resposta apenas espirituosa, n�o humor�stica. E n�o seria certa nem filos�fica, porque nenhuma associa��o desse g�nero alcan�a a certeza e a filosofia � fica apenas na zona do engenhoso. (5:12-15)

I

ID�IA
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Ver: FORMA (1:222-223 )

ID�IA (registro de)
1. Espero catequisar-te para uma das coisas mais �teis a um homem que pensa por si mesmo. Porque quem pensa por si mesmo tem sempre � tona do pensamento coisas originais e novas � novas combina��es, nuan�as novas, tons novos, coisas que nos parecem in�ditas e que realmente o s�o, caso contadas com todos os pelinhos com que brotaram. Esses pensamentos em geral se perdem � evaporam-se como as primeiras gotas de chuva em pedra quente de sol. S�o como a forma das nuvens. N�o calculas como me agrada recordar hoje o que pensei um ano atr�s; e se � bom com a diferen�a apenas um ano, que dizer quando h� dez ou vinte de permeio? Por que n�o grafar isso diariamente � n�o mariscar diariamente, de peneira, essa escumalha e p�-la no papel para futuro regalo? Essas id�ias-nuan�as, essas sensa��ezinhas-tons? Comecei a fazer isso o ano passado e esta noite, relendo trechos do primeiro caderno, j� cheio e relegado para o fundo da gaveta, achei-lhes um estranho sabor de autenticidade e cor fresca � e a� vai a amostra para te induzir a fazer o mesmo. Infelizmente esses arrepios de momento s�o grafados em letra tamb�m de momento indecifr�vel �s vezes, j� que a letra segue o estado d�alma. H� nelas um descosido, um desprezo �s regras de enfurecer qualquer Cat�o da l�ngua. Pontua��o, ortografia � nada atrapalha. A impress�o s�, mais nada � manchinhas, como se diz em g�ria de pintor. (1:114-115)
2. N�o gostas de reler coisas velhas, cartas antigas � e � o meu maior prazer. Ontem passei umas horas nisso. Pilhamos evolu��o de id�ias. Vemos as id�ias de hoje ainda em bot�o, medrosas � assustadas como se fossem aud�cias. Hoje est�o velhas e nossas cabe�as c�nicas. (1:145)
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Ver: DI�RIO (1:130-131)

J

JORNAL
1. �Pois d� ao jornal o nome de Minarete, sugeri, e no primeiro n�mero explicaremos aos povos o que � minarete � aquelas esguias torres das gentes isl�micas, de cujo topo, ao cair da tarde, os muezins convocam os fies � prece. Um jornal � um minarete de cujo topo o jornalista d� milhos �s galinhas da assinatura e venda avulsa. Fica muito bem esse nome � e � nome que n�o est� estragado. Tribunas do povo, por exemplo, existem centenas.� (1:28)
2. O jornal moderno, ao molde americano, � a reportagem sensacional. Mas com este alcal�ide estupefaciente se d� o mesmo que com os filmes de estrondo: s� est� ao alcance das empresas que nadam em ouro. Sem derrame de libra, d�lar ou peso, n�o h� colher as preciosas orqu�deas da sensa��o � flores que se n�o confundem com o esc�ndalo social. (6:61)
3. O jornal � uma casa de pasto, com quitutes de id�ias e arranjo de pratos di�rios com o tempero ao sabor dum paladar que n�o muda. Fregu�s do jornal � como fregu�s de restaurante. Adquire h�bitos gastron�micos, s�rios e respeitabil�ssimos. Se o jornalista, levado pela veneta ou por humores extravagantes perde o ponto de bala, d� sal demais ou mete banha de lata no que requer manteiga, arrisca-se a um �Idiota!� desconcertante e � perda dum fac��es, gente afim em mat�ria de exig�ncias mentais, tom, timbre, estilo, temas e at� disposi��o tipogr�fica.
Agremiam-se lentamente em torno da folha que melhor lhes vai com o diapas�o, afazem-se � sua mesmice, e a ela identificam-se. Nada evidencia melhor este fato do que a observa��o dos leitores dos velhos �rg�os. Chegam a abdicar do pensamento pr�prio, e esperam, para formar opini�o, que se manifeste o seu mentor de papel e graxa.
- A pe�a de ontem? Fui assisti-la, mas n�o sei se � boa ou m�. Inda n�o li o �jornal�...
N�o dizem os jornais. Singularizam, porque opini�o decisiva h� uma s�, a do seu jornal. Os outros...
Da� jornais de todas as cores e feitios � amarelos, rubros, cinzentos: escritos com cordite l�quida ou mel rosado; vestidos � �ltima moda capistranescamente; sisudos ou brincalh�es; honestos ou canalhas. Diz-me que jornal l�s, dir-te-ei que bisca �s. (...)
Para conquistar o seu p�blico jogam os jornais com dois elementos: tempo e const�ncia de atitude. Confirma-se aqui o ad�gio: pedra que muito mexe n�o cria limo. Sem esta ado��o duma cara ou m�scara fixa, seja ela qual for, imposs�vel criar o limo que torna o jornal vivedoiro. Se muda de cara duas ou tr�s vezes, est� irremediavelmente morto. O p�blico � o limo � afasta-se, murmurando: �Ventoinha!�
Mudar nem para melhora, porque bem ponderado n�o h� melhor nem pior. A verdade n�o existe, a vida � uma irisa��o, e tanto est� certo Rui como Seabra. Tudo varia com o ponto de vista. O Rio � um para quem o v� na Avenida; � outro olhando da Praia Vermelha; e do alto do P�o, quatrocentos metros apenas acima do mar, n�o � mais nem um nem outro, e sim um quadro da natureza, uma simples paisagem. Afirmar que o verdadeiro Rio � este ou aquele � de �tima pol�tica para o partido em que formamos � mas nada filos�fico. Pelo menos � isso o que nos ensina o filosofar da pena, fiel companheira por cujo bico escorre toda a sabedoria humana. E n�o s� a sabedoria como a sandice, o que d� na mesma, p�los que s�o, sabedoria e sandice, do mesmo mundo, o c�rebro. Da� o progn�stico dos jornais. Afirme cada um o que bem saiba ao seu limo, e nada de v�os planados pelo �ter da filosofia pura onde mora a D�vida � certeza �nica, mas de perigos�ssimo uso c� embaixo. Jornal assim, s� de fil�sofos seria entendido, e de mais ningu�m. Quer isto dizer que nem um s� leitor teria porque os fil�sofos ignoram a exist�ncia dos jornais. E quando apanham um � para dar-lhe emprego muito diverso do visado pelas empresas, chegando at� a filosofar sobre o maravilhoso que seria se por acaso pudessem vir em branco. (14:128-131)
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Ver: ESTILO 6 ( 1:312-313 ); 7 (2:6-7 )
OPINI�O P�BLICA (7:6)

L

LENDA
(...) lenda � alma das ra�as cristalizadas pela tradi��o. (...)
A insofre�vel musa do Devaneio encarcerada em cada peito humano, seja Guilherme Shakespeare ou Z� Pichorra, deturpa a realidade, enfolha-a, enflorece-a de poesia � da s� poesia que se n�o molda por figurinos mas sai da alma com a espontaneidade de perfumes vaporados de resed�s � por exala��o funcional.
Tal poesia � a mat�ria da lenda. (...)
E de tudo se v� que a lenda vem do sonho. E que quando o sonho se crispa em convuls�es por influ�ncias internas da atrabilis e externas do excessivo rancor aos f�gados do pr�ximo, vem do pesadelo. (16:105... 112)

LER
1. Tenho lido muito em ingl�s � viagens. H� c� uma por��o de n�meros de Wide World Magazine e do Stand. Enjoei-me do franc�s. Quanto ao Bourget, minha opini�o � que vendas os 18 volumes a algum fogueteiro. N�o h� ar nessa literatura francesa. E lembra-te, menino, que a arte � longa e a vida breve. Como perder tempo com bobagens? Ler � coisa penosa; temos de mastigar, ensalivar e engulir � e que grande tolice comer palha! Alimentemo-nos dos Sumos � os Balzacs, os Shakespeare, os Nietzsches, os Bains, os Kiplings, os Stuart-Mills. Theuriets, Onhets, isso � palha. Bourget tem Mensonges. Fique a�. Dezoito volumes de Bourget! Como te foi cair nas unhas tamanha papelada?
Quanto aos �picos antigos, Dante, Milton, Homero, S� com bons int�rpretes, com Virg�lios cicer�nicos. O pr�prio Lus�adas nunca li inteiro. Cansa-me. J� investi contra o bloco cinco vezes. Come�o achando-o bel�ssimo, e vai bel�ssimo at� dez ou doze estrofes; da� por diante entram a amiudar-se os bocejos e a admira��o vai morrendo. Na estrofe 16� volto as p�ginas para ver se o fim do canto ainda est� muito longe. Na 20� acho meios de interromper a ingest�o da obra-prima e encosta-la por seis meses ou um ano. Mas � admir�vel o Cam�es, n�o resta a menor d�vida. N�s � que somos uns fracalh�es, uns disp�pticos, uns degenerados netos de truculent�ssimos av�s. Um dos nossos antepassados, Cunhambebe, comia um portugu�s inteiro sem arrotar. N�s mal escoramos uma asinha de frango... (1:119-120)
2. Conheces Balzac? Se n�o leste o Lys posso afirmar que n�o, porque � ali que Balzac assume as propor��es desmarcadas dum Shakespeare do romance. A princ�pio me soou entendiante e falsa a sua maneira de tratar o assunto; mas, breve, reconsiderando e mudando o sistema de ler � lendo-o como o fan�tico l� uma enc�clica e n�o como n�s lemos um romance, a voar de id�ia em id�ia dentro do carro do estilo � lendo e pensando, lendo devagar, lendo palavra por palavra, frase por frase, cheguei a ponto de l�-lo dum modo novo: ler admirando, ler em �xtase, ler com espanto, ler bebendo as frases com o terror sagrado da beata que ingere a h�stia. Porque Balzac � s� agora o percebi � � o Grande G�nio da literatura moderna. Compreendes? Balzac � o g�nio da alma moderna, como Shakespeare foi o g�nio da alma antiga. Penetrar, como Balzac o fez, no fundo do pensamento moderno, e p�r a nu todas as almas, quem mais que Balzac o fez? Meu entusiasmo � tanto que s� tenho um conselho a dar-te: L� o L�rio no Vale e depois varre da tua cabe�a o alfabeto, para que nunca mais nenhum livro venha profanar essa leitura suprema e �ltima.L� o L�rio, Rangel, e morre. L� o L�rio e suicida-te, Rangel. Se n�o o tens a�, posso mandar-te o meu exemplar � e junto o rev�lver. (1:215-216)
3. Li Bem Casados duma assentada � e que quer voc� mais? S� as novelas muito empolgantes suportam essa prova. (1:248)
4. A nossa grande gente nacional escreve dum modo t�o requintado, t�o sublimado, t�o empoleirado, que ler a maioria das coisas existentes se torna um perfeito traduzir � e isso cansa. Olhe � aqui est� a reprodu��o dum artigo de Coelho Neto sobre Jos� do Patroc�nio. Eu derrubo este seu l�pis vermelho em cima e juro que a ponta marca uma frase que tem de ser �lida traduzidamente�.
E fiz a prova. Pinguei o l�pis em cima do artigo. A ponta marcou isto: �pela estrada desciam r�cuas em chouto, sacolejando ceir�es e cofos�.
- Bem. O artigo trata da �ltima visita que Coelho Neto fez a Patroc�nio, j� quase moribundo l� numa casinha de Piedade, sub�rbio do Rio de Janeiro. Ora, quem conhece este pa�s, e o Rio, e os sub�rbios do Rio, sabe que por c� n�o existem �r�cuas�, nem �choutos�, nem �ceir�es�, nem �cofos�. Tudo isso s�o velhas tintas lusitanas que Neto usava para pintar paisagens daqui. O leitor, portanto, ter� que verter tais tintas para as equivalentes nacionais � mas s� o far� se for culto e bem dotado de paci�ncia. Em caso contr�rio, repele o autor, dizendo �Outro of�cio!�. Mas, traduzindo em l�ngua comum a tremenda complica��o acima, o que obtemos � muito simples: �Pela estrada desciam burros de carga no trote, sacudindo jac�s�. Como voc� est� vendo, o trabalho � duplo; � um trabalho de leitura simultaneamente articulado com tradu��o mental. Conseq��ncia: quando um leitor incauto pega num desses livros, antes de chegar � terceira p�gina j� est� batendo a testa e dizendo: �Oh, diabo! N�o � que me esqueci do...� N�o diz do que nem � preciso. Guarda o romance para mais tarde � para o sobrecarregad�ssimo dia de S�o Nunca. (5:44-45)
5.Tanto o jornal como o livro funcionam como ve�culos de imagens cerebrais � mas ve�culos ronceiros, que exigem um elevado �ndice de cultura no leitor; que exigem tempo, elemento cada vez mais escasso na atropelada vida moderna; e dinheiro � e, cada vez mais, porque o livro encarece vertiginosamente; e ainda certas disposi��es de esp�rito n�o realizadas com freq��ncia.
J� o cinema, ve�culo de imagens de muito maior envergadura, pede menos tempo, menos dinheiro, menos cultura e menos disposi��es mentais especial�ssimas. Est�, pois, predestinado a bater o livro em uma boa parte dos seus dom�nios e, quem sabe? A bater a pr�pria imprensa. (...)
A novela popular pelo sistema antigo, quer em folhetins de jornais, quer em brochuras baratas, est� quase morta entre n�s, onde, ali�s, nunca teve grande desenvolvimento gra�as ao nosso fant�stico analfabetismo. A propor��o nas capitais e no interior do pa�s entre a novela vista e lida ser�, talvez, de uma para mil. E a inclina��o da balan�a favor�vel � novela vista cresce constantemente. (8:18-19)
6. Quanto aos livros a recomendar....Que coisa dif�cil! Para cada temperamento, para cada personalidade que somos, tais livros. Eu j� disse, n�o sei onde, que temos de ser im�s; e passar de galopada pelos livros, com cascos de ferro imantado, para irmos atraindo o que nas leituras nos aproveite, por for�a de misteriosa afinidade com o mist�rio interior que somos. Ler n�o para amontoar coisas, mas para atrair coisas. N�o coisas escolhidas conscientemente, mas coisas afins, que nos aumentem sem o percebermos etc. isto � comprido. S� conversando. (12:69)
7. � Sim � continuou Pedrinho � mas n�s sabemos ler e voc�s n�o sabem.
- Ler! E para que serve ler? Se o homem � a mais boba de tosas as criaturas, de que adianta ler? Que � ler? Ler � um jeito de saber o que os outros pensaram. Mas que adianta a um bobo saber o que o outro bobo pensou? (20:184)
8. � Ah, a minha hist�ria! � exclamou Belerofonte. � Corre mundo contada por numerosos poetas, entre eles o velho Hes�odo e o grande Homero.
- Este eu sei quem � � disse Pedrinho. � Um cego que andava pelas ruas contando hist�rias.
- Sim, o maior poeta da Antiguidade. At� hoje seus poemas s�o lidos, admirados e estudados pelos homens.
- A Il�ada e a Odiss�ia! Vov� j� nos falou neles.
- Mas n�o basta conhec�-los de nome � observou o her�i; - � preciso l�-los.
- Vov� diz que ainda � cedo � que h� uma leitura para cada idade.
- E tem raz�o. Realmente ainda � cedo para voc�s compreenderem Homero � disse o grego. (26:200)
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Ver: FORMA 1 ( 1:222-223 )
ROMANCE NO BRASIL (5:47-51)

L�NGUA
1. E h� a l�ngua. Acho que nisso de l�ngua a coisa � a mesma que nas argamassas f�sicas. Se os ingredientes n�o forem de primeira ordem, bem limpos de impurezas e misturados nas exatas propor��es, o cimento n�o pega, o reboco falha � e a obra esboroa-se antes do tempo. Contra o reboco o que atua � a chuva, a intemp�rie, a eros�o natural; na obra d�arte � a cr�tica. Quantos escritores cl�ssicos, vazios de id�ias como potes sem �gua, ainda vivem pela l�ngua em que puseram as suas sensaborias! O �s�o vern�culo�, como � bonito! � como o asseio do corpo e das roupas. O escritor que escreve mal � um porco imundo, um fedorento, chulepento. N�o tenha pressa em publicar-se. Olhe os bons exemplos. N�o digo o Flaubert, que aquilo tamb�m era demais � pura doen�a; mas os outros limpos. Doze anos levou Rostand a anunciar esse Chanteclair que anda agora bulindo com o mundo e j� lhe rendeu um milh�o de francos. Valeria a mesma coisa se fosse atamancado em dois meses?
Se voc� gastou dois meses no borr�o dos Bem Casados, leve dois anos no polimento. E para dar comida � febre da cria��o, pode ir compondo o n. 2 e o n. 3. mas imprimir, s� quando estiver flaubertiano! (1:248-249)
2. Parei com as minhas leituras de l�ngua estrangeira. N�o quero que nada estrague minha lua de mel com a l�ngua lus�ada, que descobri como o Nogueira descobriu a P�tria, e o Macuco o verbo �apropinquar�. E sabe o que mais me encanta no portugu�s? Os idiotismos. A maior beleza das l�nguas est� nos idiotismos,e a lusa � toda um Potosi. A parte que as l�nguas t�m de comum � como a estrutura �ssea das v�rias ra�as humanas, coisa que n�o varia apreciavelmente; o que as distingue, o que faz o ingl�s, por exemplo, ser t�o diverso do italiano, s�o as fei��es, os trajes, os modos e as modas de cada um, isto �, os idiotismos fision�micos. Note, observe. Fulana, a mo�a mais graciosa de rosto de todas que enfeitam a� essa tua cidade do Machado, que � que nela a distingue das demais e lhe d� aquela gra�a especial? O idiotismo com que a natureza a dotou; o narizinho arrebitado, a curva da boca, o modelado do queixo; particularidades essas, todas, que fogem � corre��o ideal e cl�ssica das linhas dum rosto normal. Por que � o portugu�s de Portugal t�o superior ao portugu�s do Brasil? Porque � muit�ssimo mais idiotizado pela colabora��o incessante do povo, ao passo que aqui o povo praticamente n�o colabora na l�ngua geral � vai formando dialetos estaduais como na It�lia. (1:272-273)
3. Vai para quatro o n�mero de vezes que me ponho a escrever e estarrece-se-me em meio a pena, tolhida de s�bita vergonha. � o caso que leio e leio Camilo, com o af� dum Henry Morgan a remexer as arcas de um gale�o espanhol capturado no mar dos Cara�bas. Leio-o e penetro-me de Camilo, ensab�o-me com as riquezas do maior sabedor da l�ngua d�aqu�m e d�al�m mar, Algarves e Col�nias; e, com a �descoberta� que fiz do que realmente � a l�ngua portuguesa, espanto-me do atrevimento da filha bastarda que vingou vicejar nestas paragens, tomou-lhe o nome e vive a dar-se como sua sucessora!
Num romance de J�lio Verne h� um Tiago Paganel, ge�grafo de m� mem�ria, ao qual sucedeu o caso, que hoje n�o me espanta, de aprender o espanhol pelo portugu�s. Quando deu pelo engano, abriu a boca. N�o me espanta porque fiz o mesmo: aprendi por c� uma l�ngua bunda pensando que era a nobre e fidalga l�ngua portuguesa.
Sempre vivi nesse elegante atascal da l�ngua francesa, no qual me cevava de literaturas ex�ticas, eslava, brit�nica, escandinava e at� hindust�nica � sem me lembrar fundo as prov�ncias da literatura p�tria. E t�o encrostado me p�s o longo patinhar por anos a fio nesse engano ledo e cego, que n�o creio em cura para o mal. tenho s�filis no idioma, da incur�vel! Mas � prov�vel que encetando agora o estudo da Grande L�ngua, aos oitenta anos menos leigo serei de suas lou�anias, que hoje. E como ajustado ao intento me pareceu Camilo, a ele me arremeti. Fiz vir um fardel de 50 volumes, que trago (tragar, engulir) em parcelas de meio por dia. E espero encomendas feitas a v�rias livrarias lusitanas, que me abaste�am de Francisco Manoel, um sujeito que deve valer muitos Stendhais e Taines. E de Almeida Garret, o visconde resgatador de todas as alim�rias viscondadas, baronadas, acondadas, marquesadas com que o moderno Portugal atravancou o mundo. E de mais Camilo, Herculano, e Tolentino, e Gar��o...Que coorte.
E enquanto de todos me n�o tornar amigo �ntimo em diurno e noturno conversar protesto n�o admitir amizades b�rbaras (no sentido romano, isto � estrangeiras). N�o me mandes, pois, o teatro franc�s, que te delicia; muito tempo hei perdido com esses deliciosos pechisbeques � cocadas que atendem ao paladar mas empecem a alma. Tenho deles em Taubat� um metro de estante, e acodem-me os nomes de Robert de Flers e Caillavet, o seu irm�o siam�s; e Tristan Bernard o Barbinegro, espirituos�ssimo e safad�ssimo; e Maurice Donnay, todo sutilezas de bordel e sal�o; e Alfred Capus, consolador do que tudo esperam da Sorte: e Rothschild, e Paul Hervieu, e Lavendan, e Henry Cain, e o Octave Mirbeau do Nogueira, e Henri Bataille, e o traumatizante Bernstein; e Porto-Riche, e Tarride, e o Edmond Rostand do Ricardo...Acho que em Fran�a h� mais teatr�logos do que espectadores. (1:285-287)
4. Estou procurando casa em S. Paulo para voltar. Sinto-me aqui como bicho fora da goiaba. A goiaba � a l�ngua. P�tria � l�ngua, pura e simplesmente. Fora da l�ngua nativa ficamos como o bicho fora da goiaba. A solid�o filol�gica � pior que a solid�o f�sica. (4:220-221)
5. H� alguns meses tive ocasi�o de ouvir em S. Paulo uma confer�ncia de Lewis Hanke, o inteligente diretor da se��o hisp�nica da Biblioteca do Congresso, de Washington, em miss�o de �good will� pela Am�rica do Sul. Hanke falou em portugu�s � mas num portugu�s de muita novidade para os ouvintes, uma esp�cie de �pidgin portuguese�, n�o s� extremamente pitoresco e deleitoso como perfeitamente compreens�vel. Terminada a confer�ncia, fui cumpriment�-lo e disse-lhe: �Meus parab�ns, Mr. Hanke.O senhor, sem o querer, acaba de realizar uma grande coisa: plantou a semente duma l�ngua nova no mundo � o �Portugu�s B�sico�.
Disse aquilo de brincadeira, mas em seguida, refletindo no caso, convenci-me de que assim como C. H. Ogden criou o maravilhoso instrumento de express�o que � o Ingl�s B�sico, era poss�vel fazer o mesmo para todas as l�nguas vivas � o que viria simplificar enormemente o estudo das l�nguas para prop�sitos pr�ticos.
Nada mais dif�cil do que aprender uma l�ngua estrangeira, porque o manejo duma l�ngua envolve processos mentais s� adquir�veis quando a mamamos no seio materno. O falar em nossa l�ngua nativa torna-se uma fun��o org�nica como outra qualquer � como o respirar, o ouvir, o ver. mas se � assim dif�cil aprender uma l�ngua estrangeira, nada mais f�cil do que assimilar o que nela h� de b�sico, jogando apenas com o vocabul�rio essencial. Ogden reduziu o imenso vocabul�rio da l�ngua inglesa a 800 palavras apenas, as essenciais � e por que n�o aplicarmos o mesmo processo �s outras l�nguas?
O ingl�s se presta singularmente para o processo b�sico de Ogden porque � uma l�ngua sem flex�es, mas a supress�o das flex�es nas l�nguas que as t�m, como o portugu�s, n�o faz mal � compreens�o � como sem o querer Hanke demonstrou em sua confer�ncia. Se a l�ngua mais espalhada no mundo, como � a inglesa dispensa flex�es, isso demonstra que a flex�o � uma inutilidade, um atraso, um retardamento de evolu��o. E no portugu�s da ro�a no Brasil as flex�es v�o desaparecendo. Um caboclo da ro�a fala � moda inglesa. Diz, por exemplo: Eu vou; voc� vai; ele vai; n�s vai; voc�s vai; eles vai; em vez de dizer como no portugu�s gramatical, ou �n�o evolu�do�: Eu vou; tu vais; ele vai; n�s vamos; v�s ides; eles v�o. Temos aqui seis flex�es que o caboclo da ro�a, esse precursor de Hanke, reduz a duas apenas, sem que nenhum modo se fa�a menos compreendido que um membro da Academia Brasileira de Letras.
A id�ia do Basic English � dar ao mundo uma �l�ngua franca�, isto �, aberta a todos � e nada mais poss�vel, sobretudo se a atual guerra tiver desfecho favor�vel aos povos de l�ngua inglesa. Mas a �basifica��o� das outras l�nguas tamb�m seria de enormes vantagens para a intercomunica��o dos povos, pelo menos enquanto o Ingl�s B�sico n�o se universaliza � o que ainda n�o passa de aspira��o.
Se tiv�ssemos esse Portugu�s B�sico, esta cole��o de contos tirados da literatura brasileira certamente alcan�aria muito maior n�mero de interessados, e a todos os estudiosos dum idioma sul-americano pouparia trabalho e tempo. Porque o que nesses contos h� de mais dif�cil para o leitor norte-americano s�o as pequenas nuan�as regionais que a �basifica��o� destruiria sem preju�zo do essencial.
Um exemplo. Certo autor brasileiro come�a um dos seus contos assim: �O pegureiro tangia o armento para o aprisco�.Como traduzir isso para o ingl�s? A tarefa n�o � f�cil, porque exige, primeiramente, que seja vertido para o portugu�s atual que se fala no Brasil. Essa tradu��o em portugu�s atual daria isto: �O negro toca o gado para o curral� - porque j� n�o temos �pegureiro� ou pastores, e sim um �negro� ou um vaqueiro que lida com o gado. E n�o temos �armentos� ou rebanhos, e sim �gado�, em geral. E o verbo �tanger� est� restrito ao uso po�tico (tanger a lira, por exemplo). Em vez de tanger temos o verbo �tocar� (tocar sino, tocar m�sica, tocar galinhas, tocar gado). E n�o temos mais �aprisco�, palavra tamb�m confinada ao uso po�tico. Temos o �curral�. De modo que a frase do nosso contista, na forma arcaica em que a escreveu, � praticamente intraduz�vel para o ingl�s, embora esteja descrevendo a coisa ou a cena mais traduz�vel deste mundo em todas as l�nguas existentes, inclusive o Ingl�s B�sico.
O Basic English n�o passa da �directness� aplicada ao idioma ingl�s. O Portugu�s B�sico seria a mesma coisa aplicada ao idioma portugu�s. E o tradutor inteligente, o que faz quando passa a literatura duma l�ngua para outra � aproximar-se da �directness�. (5:23-26)
6. Temos duas civiliza��es, ou melhor, duas �culturas�: a cultura importada, dos que vivem nas cidades, sabem ler e escrever e at� livros escrevem! E a �cultura local�, filha da terra como um cogumelo � filho dum pau podre, desenvolvida pelo homem do mato - o caboclo, o caipira, o jeca, em suma. Como o jeca nunca leu nada nem escreve, a sua cultura se foi fazendo ao tipo primitivo, por lentas acess�es e restritas experi�ncias locais � e com a transmiss�o sempre oral. O assunto � grande demais para caber num pref�cio; exige livros, j� que se trata duma �cultura� de 15 milh�es de seres humanos. Mas cumpre-nos aqui considerar a galope um dos aspectos dessa �cultura�: a l�ngua, pois foi na l�ngua do jeca que Nho Bento nos encantou.
Essa l�ngua descende da que os portugueses introduziram e que alijou a l�ngua geral ent�o existente nestes territ�rios: o tupi-guarani. Ficou a l�ngua portuguesa sendo a l�ngua geral do Brasil e at� hoje o �. E por que o �? Porque aprendemos o portugu�s de duas maneiras: de ouvido e de leitura. Se o aprend�ssemos s� de ouvido, como acontece com o jeca, a nossa �l�ngua geral� estaria hoje t�o distanciada da l�ngua portuguesa que um portugu�s n�o a entenderia. O que conserva as l�nguas e impede que caminhem com velocidade excessiva pela tentadora estrada da evolu��o, � a escrita.
Mas como o jeca nunca soube ler nem escrever, a evolu��o da l�ngua portuguesa em sua boca se fez a galope. Nho Bento em seus poemas fixa muito bem a l�ngua falada do jeca � e antes que me esque�a: por que os nossos fil�logos n�o extraem a gram�tica dessa l�ngua do jeca? Que interessante seria!... Quanta �muta��o� vocabular, quanta varia��o da sintaxe, da pros�dia, de tudo!... troca do �b� pelo �v�: �cumbersa�, �berso�, �cuverta�... O �lh� substitu�do pelo �i�: �abeia�, �paia�, �maia� (malha)... O �ou� reduzindo a ���: �fumo�, �boto�, �junto�... Quantos aspectos!
Dev�amos fazer a gram�tica da interessant�ssima �l�ngua do jeca� como os franceses fizeram a gram�tica da �l�ngua de oc�; e dev�amos ensinar essa gram�tica nas escolas, lado a lado com a gram�tica portuguesa, em vez de torturar as pobres crian�as com o terr�vel e in�til latim do senhor Campanema. Ficar�amos assim educados em duas l�nguas, a geral, ou portuguesa, e uma l�ngua auxiliar, a do jeca. Que vantagem haveria nisso? Oh, grande: - podermos falar gramaticalmente com os 15 milh�es de jecas que h� no territ�rio brasileiro.
A evolu��o da l�ngua � curios�ssima e inteligent�ssima, como todas as evolu��es n�o atrapalhadas pelos breques dos artificialismos. A forma escrita das l�nguas � um artificialismo tremendamente embara�ador da evolu��o natural das l�nguas. T�o emperrado, que no ingl�s a l�ngua falada est� pra c�, e a escrita est� pra l�. Mr. Churchill escreve �enough� e diz �in�f�. O jeca teve a felicidade de n�o saber ler nem escrever, de n�o se preocupar com a Academia de Letras, de usar dos jornais unicamente o papel � e gra�as a isso �evoluiu� a l�ngua portuguesa s� de ouvido e sempre de acordo com as injun��es da �lei do menor esfor�o� e da �lei da melhor compreens�o�. E como suprimiu besteiras in�teis! Os verbos, por exemplo. N�s, por causa da tirania da escrita, ainda estamos com tantas varia��es pessoais como as tinha o latim. Dizemos: Eu tenho, Tu tens, Ele tem, N�s temos, V�s tendes, Eles t�m. H� um grave defeito aqui. Se o pronome j� indica a pessoa do verbo, por que indic�-la de novo com a varia��o do verbo? Redund�ncia, bobagem � perda de esfor�o. O jeca, muito mais economizador de esfor�o, porque vive na maior das pen�rias, diz: Eu tenho, Vanc� tem, Ele tem, N�s tem, Vanc�s tem, Eles tem. O ingl�s diz: I have, You have, He h�s, We have, You have, They have � e tanto o jeca como o ingl�s exprimem perfeitamente a �pessoa que tem�, sem estarem latinescamente variando o pobre verbo.
H� uma estranha aproxima��o do ingl�s com a l�ngua do jeca, a ponto dum meu amigo, o visconde de Sabugosa, achar que essa l�ngua deriva do ingl�s e n�o do portugu�s, como o saudoso �lvaro Guerra supunha. O jeca forma os seus plurais com a mesma intelig�ncia e economia do ingl�s; diz por exemplo, �as casa�, �os home�, �as mui�, em vez de dizer redundantemente como o portugu�s, �as casa�, �os homens�, �as mulheres�. O ingl�s diz, �the houses� ( a casas), �the men� ( o homem ), �the women�( a mulheres ) � a mesma coisa que o jeca, �so que invertido. Se pondo apenas o artigo no plural a frase fica perfeitamente clara, para que botar no plural tamb�m o substantivo? Pensa com muita raz�o o jeca e o ingl�s faz o mesmo racioc�nio quando pluraliza o substantivo e n�o mexe no artigo.
Tudo isto eu diria no pref�cio ao livro de Nho Bento, se fosse escreve-lo. E acentuaria que o mesmo direito que tiveram os portugueses de corromper o latim e transforma-lo em l�ngua portuguesa, temos n�s, letrados, de corromper a l�ngua portuguesa e transforma-la em �l�ngua brasileira�; e tem o iletrado jeca de �evolu�-la� em outro rumo. Mais cientificamente podemos dizer que a l�ngua portuguesa no Brasil est� sofrendo duas varia��es: uma lenta, da gente da ro�a segregada do urbanismo, do livro, do jornal e do r�dio � o aben�oado jeca que tem a sorte de n�o ler os jornais do governo nem os da oposi��o e de n�o ouvir a �Hora do Brasil�.
Quem condena como coisa �errada� o modo de falar ou a l�ngua do jeca, revela-se curto de miolo. Os modos de varia��o duma l�ngua s�o fen�menos naturais, e n�o h� erro nos fen�menos naturais. Erro � coisa humana. Temos que estudar essas varia��es em vez de tontamente condena-las, pois condena-las equivale, por exemplo, a condenar os an�is de Saturno em nome dos planetas que n�o possuem an�is; ou as caudas dos cometas em nome dos astros suras; ou as sementes da paineira por virem ao mundo envoltas num algod�ozinho em nome das sementes de capi� que v�m nuas.
O latim b�rbaro dizia, ou devia dizer, OCULAVIT AD ME.
Por uma s�rie de corrup��o que os fil�logos de bom faro rastreiam, esse latim deu em Portugal a varia��o: OLHOU BEM PARA MIM. Houve melhoria de express�o; o �bem� est� acentuando o modo de olhar.
O jeca ainda melhorou mais a frase e diz, como vemos no �Doce de Cidra�, um dos poemas de Nho Bento: OLHO BEM N�EU. O pobre jeca, sempre de est�mago vazio e na embira, for�ado a levar ao m�ximo de suas conseq��ncias a lei do menor esfor�o, suprimiu o in�til �u� do �olhou� e dispensou a varia��o pronominal �mim�, j� que s� com o pronome �eu� ele (e todo mundo) se arranja perfeitamente bem. (5:29-33)
7. A grande �rvore da l�ngua latina, que circunst�ncias felizes fizeram vi�ar ao bafejo das brisas mediterr�neas, depois de completo um glorioso ciclo biol�gico morreu como morrem �rvores � escasqueada, broqueada, parasitada, lenhada e afinal derrubada pelo b�rbaro a manejar inconscientemente o machado da evolu��o.
Mas como �rvore que era, morreu perpetuando a esp�cie nas filhas � esses formosos alporques que constituem hoje a fam�lia neolatina.
Bela irmandade! Quatro irm�s opulentas de tesouros liter�rios � a lusa, a italiana, a francesa, a espanhola e a mais humildezinha, aquela entalada no �frege� dos B�lc�s � a rumena. E todas bem enseivadas, ricas, capazes de a seu turno reflorirem em prole magn�fica de que sair�o as netas da l�ngua latina.
C� entre n�s j� vemos grulhar a netinha n�mero um, subvariedade da variedade portuguesa.
� a l�ngua da terra, a l�ngua geral destes vinte e cinco milh�es de criaturas que somos. Coexiste em nosso territ�rio ao lado da l�ngua-m�e e oficial, a portuguesa. Humilde crian�a da ro�a, gerada no seio da arraia-mi�da dos campos e do povinho humilde e sofredor das cidades, negam-lhe p�o e �gua os magnatas cortesanescos que fazem roda de peru em torno da rainha metropolitana.
N�o obstante a menina cresce, conchegada com amor no seio do povo. J� � ela, a neta, e n�o mais a av� erudita, quem satisfaz �s necessidades de interc�mbio mental dos roceiros, das patuleias urbanas e dos literatos que se dirigem �s massas e n�o �s elites. Nela � que o sertanejo ama, o ga�cho bravateia, o retirante chora, o seringueiro lamenta-se, o vaqueiro descanta, o cafajeste pern�stica. Tem j� poetas embelecados pelas gra�as nascentes, e adoradores prosistas, doidos pelo seu linguajar langue, ing�nuo, expressivo e vivamente impregnado da cor, do som, do cheiro, do it�, do agreste da terra bras�lica.
Crescer� essa menina, far-se-� mo�a e mulher e sentar-se-� um dia no trono ora ocupado por sua empertigada e consp�cua m�e. Imperar� no Brasil inteiro � n�o como hoje, �s ocultas e medrosamente, mas �s claras, de justi�a e de direito; e n�o na l�ngua falada apenas, mas na falada, na escrita e na erudita. E a velha l�ngua-m�e, que c� vige mas n�o vi�a, abdicar� de vez em favor da filha esp�ria que hoje renega, e desconhece, e insulta como corruptora da pureza importada.
Cem anos levar� isto? Que importa? Cem, duzentos, quinhentos � isso � nada na vida de um povo. E sinhazinha Brasilina n�o tem pressa. Menina descan�adora, meio �m�e da vida�, ela n�o olha para o tempo e, despreocupada, folga e ri de p� no ch�o � beira dos corgos, pelas vendolas de estrada, nos casebres de sopapo, nos sambas, nas catiras, nas farras, na peraltagem infantil das ruas. Convive apenas com o povinho mi�do. Foge acanhada dos grandes, em cujo olhar severo s� v� censuras e desprezo.
Tem namorados. Corn�lio Pires � um. Valdomiro Silveira � outro. Com eles abre o cora��o e entremostra o ouro que lhe vai dentro.
Gosta ainda de sapatear quando Catulo sapeca o pinho choroso. Mas apesar destas fugidias entradas no grande palco, a artista Brasilina permanece roceira, e s� nos campos reina qual ninfa selvagem � p�s nus, vento nos cabelos, sol nas faces.
Era assim. Mas hoje Brasilina est� s�ria, de testa franzida. Veio perturbar-lhe o sossego um homem seu desconhecido, cuja atitude a surpreende.
Amadeu Amaral, em vez de lhe sussurrar palavras de amor ou desferir descantes de viola, estuda-a. E Brasilina, tomada a s�rio pela primeira vez, escolhida de improviso por um escritor de alto renome que a quer retratar com fidelidade, entrepara, acanhadinha, de p� atr�s e dedo na boca. E Amadeu assim a esbo�a, dos p�s � cabe�a, em tra�os firmes, num carv�o que marcar� entre n�s o in�cio duma fase nova de estudos ling��sticos � e esta fecund�ssima, ver�o.
At� aqui a nossa filologia se limitava a bizantinar sobre verrugas da l�ngua-m�e, mexericando com cl�ssicos, fossando como leitoa pulverulentos alfarr�bios rein�is. Surgia a pol�mica est�ril. C�ndido de Figueiredo intervinha l� de Lisboa com a palmat�ria; os gram�ticos menores � que os h� como carrapatos pelo interior � assanhavam-se; e o ponto debatido em vez de esclarecer-se ficava como novelo que gato brincou.
O estudo �nico em mat�ria filol�gica que nos cumpria fazer n�o o faz�amos. Era essa da l�ngua nova, a l�ngua que ao pa�s inteiro interessa: o estudo, o retrato fiel da Brasilina arisca que atende �s necessidades de express�o de 25 milh�es de jecas que somos. Porque, estranha contradi��o! Falamos � moda de Brasilina mas escrevemos � moda de dona Manuela, por falta de coragem, ou medo ao bolo da palmat�ria portuguesa.
Esse estudo t�o reclamado Amadeu Amaral superiormente o realizou. Seu �Dialeto Caipira� vale por chave de ouro a abrir as portas de um mundo in�dito. � o come�o da gramatica��o de uma l�ngua nova, neta da l�ngua de Hor�cio.
Ele traz pela m�o, honestamente, a caipirinha dialetal paulista e a apresenta ao pa�s.
- Est� aqui o pingo d��gua arisco que vai ser o diamante de amanh�. Exponho-a aos vossos olhos, nuazinha em p�lo, envergonhada e humilde como a apanhei na ro�a. Apanhei-a como o O .F. apanha borboletas: sem lhes tocar nas asas para que nenhuma falripa do irisado se perca. Est� pura e intacta como se surgisse de um banho matinal no ribeir�o.
Estudei-a sob todos os aspectos.
O fon�tico, enunciando as altera��es normais dos fonemas e as modifica��es isoladas. O lexicol�gico, dizendo dos elementos lusos, arcaicos na forma ou no sentido, com que se enfeita; dos elementos ind�genas que assimilou, dos africanos e das elabora��es pessoais � deliciosa cria��o de fino sabor expressivo. O morfol�gico, dando a forma��o das palavras, as maluqueiras teratol�gicas, as flex�es de grau e verbo e o modo todo seu de resolver a quest�o dos pronomes. O sint�tico, reunindo fatos relativos ao sujeito, ao pronome como objetivo direto, �s conjuga��es perifr�sticas, �s ora��es relativas, �s modalidades da negativa e � maneira de circunstanciar o tempo, o espa�o e a causa.
Em seguida organizei um vocabul�rio onde desfio o ros�rio inteiro de palavras que ela criou, ressuscitou, simbolizou e modificou � ou corrompeu, como querem os moralistas vestidos na pele dos fil�logos.
Aqui tendes a minha contribui��o. Juro pela fidelidade do esbo�o � que assim foi que a vi, � l�ngua nova, brincando menineira em terras de S. Paulo. Fa�am outros o mesmo. Retratem-na com este carinho, ao norte, ao sul, ao centro � honestamente, sem retoques.
Porque Brasilina � vol�vel. Traja-se de ga�cha nos pampas, de vaqueira no centro, de seringueira na Amaz�nia e s� a teremos estudada de modo integral, nas gra�as corporais e na psicologia, quando lhe fotografarmos todas as variantes. S� esses trabalho coletivo nos permitir� a posse do diamante bruto que por a� rola nas m�os calejadas do povil�u. Feito isto, � lapid�-lo na ourivesaria da rima e da prosa e teremos criado a l�ngua nova que no futuro falar�o cem ou duzentos milh�es de homens.
� isto que nos diz o livrinho modesto de Amadeu Amaral, o Fern�o Lopes da gramaticologia brasileira.
Seu �Dialeto Caipira� assanhar� as tartarugas filol�gico-perobas, como obra �mpia que d� honras de cidade � �corrup��o�.
Esses carunchos sob forma humana pertencem � fauna cadav�rica. S� se sentem � vontade quando a quest�o � de necropsia. Em se tratando de arrastar a asa a uma rapariga viva, de carne morena e quente, persignam-se como fradalh�es hip�critas e gritam fugindo �s arrecuas:
- Pecado! Pecado!... (8:77-82)
8. Assim como o portugu�s saiu do latim pela corrup��o popular desta l�ngua, o brasileiro est� saindo do portugu�s. O processo formador � o mesmo: corrup��o da l�ngua m�e. A c�ndida ingenuidade dos gram�ticos chama �corromper� ao que os biologistas chamam �evoluir�.
Aceitemos o labeu e corrompamos de cabe�a erguida o idioma luso, na certeza de estarmos a elaborar uma obra magn�fica. Novo ambiente, nova gente, novas coisas, novas necessidades de express�o: nova l�ngua.
� ris�vel o esfor�o do carran�a, curto de id�ias e incompreensivo, que deblatera contra esse fen�meno natural e tenta paralisar a nossa elabora��o ling��stica em nome dum respeito supersticioso pelos velhos tabus portugueses... que corromperam o latim.
A nova l�ngua, filha da lusa, nasceu no dia em que Cabral pisou no Brasil. N�o h� documentos, mas � prov�vel que o primeiro brasileirismo surgisse exatamente no dia 22 de abril de 1500. E desde ent�o n�o se passou um dia talvez em que a l�ngua do reino n�o fosse na col�nia infiltrada de voc�bulos novos, de forma��o local, ou modificada na significa��o dos antigos.
Hoje, ap�s 400 anos de vida, a diferencia��o est� caracterizada de modo t�o acentuado, que um campon�s do Minho n�o compreende nem � compreendido por um jeca de S. Paulo ou um ga�cho do sul.
Quer isto dizer que no povo � e a l�ngua � um produto puramente popular � a cis�o j� est� completa.
Nas classes cultas a diferen�a � menor, se bem que acentuad�ssima, sobretudo na pron�ncia e no emprego de palavras novas. At� arca�smos lusos ressuscitaram c� e s�o correntes de norte a sul. Um deles foi tomado como brasileirismo: o emprego do pronome pessoal �ele� como complemento direto. Ora, isso � coisa velha, forma anterior ao descobrimento do Brasil. Dizem os escabichadores de antigualhas que � de uso corrente nos cancioneiros, na �Demanda do Graal�, no �Amadis�, etc. E citam em Fern�o Lopes muito �viu ela�, �nomeamos ele�, etc. � de Fern�o Lopes! Um dos grandes pais da l�ngua lusa.
N�o � brasileirismo, pois, essa forma velha. � um lusitanismo ressurreto na col�nia.
Hoje, do Amazonas ao Borges, o �ele� e o �ela� desbancaram o �o� e o �a� na linguagem falada, apesar da resist�ncia dos letrados e a resist�ncia da l�ngua escrita. N�o nos consta que algum escritor de m�rito usasse na prosa ou no verso esse pseudo-brasileirismo, embora falando familiarmente incida bela. Mas dia vir� em que se rompa essa barreira, porque as correntes populares s�o irresist�veis, os gram�ticos n�o s�o donos da l�ngua, e esta n�o � uma cria��o l�gica.
Ver�o, pois, nossos netos um futuro Rui, de tanta autoridade como o atual, abrir uma ora��o pol�tica da mais alta import�ncia com esta forma que inda choca o beletrismo de hoje: O Brasil, senhores, amei ele o mais que pude, servi ele o que me deram as for�as, etc.
E ver�o um futuro Bilac lan�ar um �ouvir estrelas� assim:

Ontem divisei ela
na janela...

Ser� isso simplesmente a reabilita��o da forma lusa dos pr�-cl�ssicos, j� vitoriosa na l�ngua falada de hoje.
Riem-me? N�o � mat�ria de riso. � a anota��o singela da marcha dum fen�meno.
Ainda nos det�m hoje o medo � f�rula dos gram�ticos d�al�m mar e de seus prepostos no Brasil. N�o obstante, a corrente do �ele� cresce dia a dia e acabar� expungindo a do �o�.
Al�m dessas incoerc�veis modifica��es sint�ticas, temos outra fei��o evolutiva operada em larga escala: a ado��o de palavras novas por injun��es das necessidades ambientes.
A l�ngua � um meio de express�o. Modifica-se sempre no sentido de aumentar o poder da express�o. A variedade de coisas novas que tivemos necessidades de expressar, num mundo novo como o Brasil, for�ou e for�a no povo um surto copios�ssimo de voc�bulos. Eles brotam por a� como cogumelos durante a chuva. Lutam entre si. Os fracos, os in�teis, caem, como frutos tempor�es, bichados antes de maduros. Os bons, os expressivos e necess�rios, vencem e ficam na l�ngua. A princ�pio, na l�ngua falada. Depois penetram na chamada literatura regional. Passam dela aos gloss�rios de brasileirismos e entram, por fim, consagrados, no panteon dos dicion�rios.
A extens�o do nosso territ�rio favoreceu grandemente o neologismo. Houve al�m disso a contribui��o copiosa do �ndio e do negro. H� agora a do italiano em S�o Paulo e a dos alem�es no sul. A maioria destas palavras s�o de absoluta necessidade. Como falar da vida amaz�nica sem recurso �s mil palavras de cria��o local? Como pintar o Rio Grande sem recorrer ao vocabul�rio ga�cho? E falar do Rio sem tomar as pitorescas inven��es gl�ticas do cafajeste carioca? H� no portugu�s termos que substituam o �encrenca� e seus derivados, de cria��o catarinense? � a �uruca�, a �caguira�, o �engrossamento�, como enunciar a coisa com palavras do Morais?
Sem coragem ainda de lan�armos o nosso dicion�rio, vemo-lo j� em trabalhos preparat�rios, a delinear-se nas obras de B. Rohan, Taunay, Romanguera e tantos outros coletores de regionalismos. Vir� a seu tempo. Convencer-nos-emos um dia de que, se sa�mos de Portugal, nada mais temos com o ex-reino, hoje tumultuosa rep�blica. Vir�, talvez, muito breve. O dicion�rio brasileiro j� nada em elabora��o em v�rias tentativas que nos chegaram ao conhecimento. E a prova da viabilidade da id�ia est� no interesse dos editores no assunto.
Em mat�ria dicionar�stica vivemos inda hoje na absoluta depend�ncia de Portugal. Temos o que Portugal nos manda, Aulete, Vieira, Candido Figueiredo. Este nos deu a honra insigne de incluir na sua obra uma boa c�pia de brasileirismos, para contentar a col�nia e fazer bom neg�cio nela. Os mais s�o dicion�rios rigorosamente portugueses.
Quem l� Alberto Rangel, por exemplo, o mais rico bateador de termos regionais da nossa literatura, em muitos pontos n�o tem meios de lhe compreender o pensamento. Esbarra a cada passo com uma palavra regional coletada por ele, e se recorre aos dicion�rios fica na mesma.
No pr�prio Rui Barbosa quantas palavras n�o existem que o carran�a portugu�s n�o nos deu a honra de �endicionariar�?
Isso, por�m, n�o � culpa deles, que fazem l�xicos portugueses, para seu uso l�. A culpa � nossa, pois j� era tempo de termos publicado o nosso dicion�rio.
Pensando bem a mat�ria, temos de empreender a obra nas seguintes bases: eliminar do novo dicion�rio todas as palavras portuguesas desusadas no Brasil, j� arca�smos, j� lusitanismos de moderna cria��o popular, absolutamente in�teis para as nossas necessidades expressivas. Eliminar todas as palavras coloniais portuguesas que atravancam os dicion�rios atuais, fazendo-os obesos. Dar, principalmente, a significa��o que os voc�bulos portugueses t�m aqui no Brasil, e subsidiariamente a que t�m no ex-reino. Introduzir todas as nossas cria��es ling��sticas, as coletadas pelos glossaristas e as que andam soltas. Fazer, em suma, o dicion�rio pr�tico de que precisa quem vive nesta terra, que j� foi col�nia e est� custando a se convencer de que n�o mais o �.
Ser�, pois, uma obra da grande utilidade e alto alcance, porque consolidar� definitivamente cisma operado na velha l�ngua lusa.
Acontece hoje o seguinte: um menino abre o Aulete e procura a palavra �Hein�; e v� l� a pron�ncia � a n- e�. Ri-se, est� claro, e chama �ane� ao pobre Aulete.
Outro vai ao C. de Figueiredo em busca da palavra �chopim�, que ele ouve todos os dias aplicada a um passarinho preto que parasita o tico-tico, e por analogia aos maridos de professoras. N�o encontra. Mas encontra, por exemplo, �caloqueio�, p�ssaro africano. Temos de abrir a gaiola ao caloqueiro e p�r em seu lugar o chopim. Est� aquele estafermo a empatar um poleiro precioso.
Dir�o: seria melhor conservar todas as palavras portuguesas e incluir todas as nossas. Isso seria fazer uma almanjarra inedit�vel, ou car�ssima, ao passo que o peneiramento acima proposto aliviaria a obra das m�mias in�teis que se esmiram ali, dos exotismos d��ndia e Angola com que nada temos a ver, daria livro maneiro, c�modo, num volume s�, e por pre�o ao alcance do povo.
Acoimam o nosso pobre povo de ignorante, mas n�o lhe d�o sequer um dicion�rio da l�ngua, bom e barato! Os suced�neos portugueses que lhe indicam, sobre lhe n�o satisfazerem as exig�ncias, custam os olhos da cara, oitenta, cem mil r�is.
Al�m desta novidade o novo dicion�rio tem que dar o m�ximo rigor �s defini��es, aproximando-se dos grandes dicion�rios estrangeiros, Webster � frente. Fugir�, assim �s sandices que Aulete e Figueiredo incriminaram aos anteriores e em que incidiram, se bem que em menor escala.
Abro ao acaso este �ltimo e leio: �Desarvorado: - que fugiu desordenadamente�. Logo: navio desarvorado � navio que foge desordenadamente.
E s�o os pap�es da l�ngua. D�o-nos em cima de palmat�ria e ensinam-nos o que se n�o deve dizer, esquecidos de que n�o se deve dizer, sobretudo, asneiras.
Muita coisa se projeta para a comemora��o da independ�ncia. Se for levado a termo o Dicion�rio Brasileiro, nenhuma comemora��o ser� mais significativa. Valer� por um esplendido monumento e por um grande passo na �realiza��o� duma independ�ncia �proclamada� vai fazer cem anos. (8:101-107)
9. Esta minha sa�da serviu para me revelar uma coisa: o que � a p�tria. P�tria � a l�ngua, nada mais. O sair fora da l�ngua nos deixa aleijados � �despatriados� � expatriados. Viver � sobretudo conversar, e como conversar em p�tria estranha, isto �, em l�ngua estranha? A grande coisa que h� no Brasil para os brasileiros n�o � o Duque de Caxias, nem o general Dutra � � a l�ngua.
Afastado da l�ngua, um sujeito como eu, que nunca fez outra coisa sen�o espojar-se na l�ngua, sente-se como mosca � qual os meninos arrancam as asas e as perninhas. Fica vivo, mas... toco.
Volto para a� e n�o farei nada at� morrer sen�o conversar. Aqui n�o converso � falo apenas, num misto de duas l�nguas que todos entendem por um ter�o, e a mim me d� a desagrad�vel sensa��o de estar totalmente imbecilizado. Basta a imbecilidade natural com que nasci; dispenso a suplementar. (12:74)
10. Estava eu a ouvir a prele��o de Mr. Slang sobre Joseph Henry, o inventor do eletromagneto, quando duas sibilas pararam bem � minha frente � e toda a minha aten��o foi pouca para lhes pescar frases do di�logo.
- I�m missing Bob...
- Ain�t it sweet?
Por que foi ela usar em presen�a de Mr. Slang de semelhante barbarismo? Meu ingl�s, at� ali despercebido da presen�a das misses, deu por elas afinal ao toque daquele ain�t. Fez a cara de pontada no cora��o que cada ingl�s n�o degenerado faz quando zurzido por uma dessas liberdades que os americanos tomam com a l�ngua de Macaulay.
- Ain�t it sweet! Repetiu com express�o nevr�lgica. Estou com o dia estragado, meu caro. Vamo-nos � cafet�ria tomar uma dose de Bromo Saltzer.
Custou arrancar-me dali. Tanta coisa a ver e as numerosas inscri��es a ler, de Carlyle e C�cero e Bacon e Pope e Virg�lio. E o di�logo das sibilas a ouvir... Era caturrice de Mr. Slang aquela ojeriza, e tanto me revoltou que mentalmente assumi o compromisso de nunca mais, enquanto estivesse na Am�rica, dizer I am not e sim Ain�t, como as sibilas. Se s�o sibilas e donas da terra, e se em seus l�bios soa t�o bem o Ain�t, viva o Ain�t! Ficasse a l�ngua entregue aos caturras e jamais evoluiria.
Fui para a cafet�ria j� sem vontade de tomar coisa nenhuma. Vontade tinha apenas duma coisa � de que me viesse oportunidade para, com a maior naturalidade do mundo, aplicar durante a conversa pelo menos uma d�zia de Ain�t na carne viva do meu ingl�s, como sinapismos.
- Ainda n�o pude suportar esta liberdade dos americanos para com a l�ngua inglesa, disse-me ele de caminho. Corrompem-na barbaramente.
- Corromper, Mr. Slang, n�o ser� um sin�nimo col�rico de evoluir?
Talvez, mas n�o � coisa que meus nervos suportem. J� cacei tigres na �ndia e no Uganda. N�o mexem com os meus nervos. O Ain�t mexe.
- Mas � esse o meio duma l�ngua desenvolver-se! N�o fosse a aud�cia inconsciente dos ignorantes, e estar�amos ainda hoje, aqui no Novo Mundo, a falar o ingl�s cicer�nico do Dr. Johnson.
- E que lindo seria!...
- Lindo, n�o nego, mas insuficiente para as necessidades da express�o moderna. O caso daquele ingl�s que ouviu a pergunta: �Can a canner can a can that can�t be canned by a canner?� � t�pico. A pergunta seria entendida por todos os americanos da Am�rica, mas o pobre Shakespeare ver-se-ia tonto para decifrar o enigma. As coisas novas que enchem hoje a Am�rica e com as quais nunca sonhou o Dr. Johnson, for�am a varia��o da l�ngua.
- Sei disso, mas desejaria que essas varia��es respeitassem normas est�ticas.
- Culpa t�m os ingleses que fizeram da sua l�ngua uma l�ngua livre cambista. A entrada de palavras na l�ngua inglesa � franca. As palavras chegam de toda parte e estabelecem domic�lio no ingl�s sem que a pol�cia gl�tica as marque com qualquer sinal indicativo de que s�o de fora. Gosto disso, porque sou duma terra terrivelmente protecionista em mat�ria de l�ngua. Palavra ex�tica que entra no Brasil tem de ficar anos e anos marcada com grifo, ou entalada entre aspas, antes de ser naturalizada. At� hoje, apesar de residir no pa�s h� longu�ssimos anos, a palavra elite, por exemplo, ainda aparece marcada � elite ou �elite�. J� vai aparecendo despida dessa pecha aqui e ali; mas para que a elimine de todo, quantos anos de uso di�rio ela ainda necessita!...
- Talvez o mal de que n�s ingleses nos ressentimos venha da rapidez com que a evolu��o da l�ngua se opera aqui. Inda n�o nos pudemos conformar com a mania da Am�rica de fazer num ano o que sempre pediu vinte. Isso n�o d� tempo �s c�lulas cerebrais de se adaptarem � e esquecerem. O mundo ri-se de termos na Inglaterra a palavra �avoirdupois�, que n�o passa duma frase francesa � �avoir du pois�, ter peso, pronunciada � inglesa. Tamb�m acho horr�vel. Mas pior � o verbo americano To vamose...
- To vamose? Inquiri, de rugas na testa. Era novidade para mim tal verbo.
- Sim, prosseguiu Mr. Slang. Esse verbo � corriqueiro nas zonas fronteiri�as com o M�xico e foi formado duma pessoa do verbo Ir � vamos. Os americanos das fronteiras, que n�o conheciam o espanhol, observaram que cada vez que num magote de mexicanos entrados em territ�rio americano soava o grito de � Vamos! Imediatamente todos davam r�deas aos cavalos e l� se iam embora para o lado mexicano. Em vista disso associaram ao som �vamos� a id�ia de �por-se dali pata fora�, e quando querem �tocar� algu�m, usam do verbo �vamos� j� americanizado nesse estranho verbo To vamose, cuja significa��o n�o � a de um convite para seguir junto, mas duma intimida��o para por-se ao fresco. To vamose, pois, quer dizer sair, puxar dali para fora � ou justamente o contr�rio do �vamos� espanhol...
- Realmente, � curioso, murmurei, desatento, com o olho na flecha que indicava a dire��o da cafet�ria.. a fome � um fato.
Sobre esta extrema receptividade da l�ngua inglesa para com palavras de todas as outras l�nguas Mr. Slang ainda falou por algum tempo, citando �Valorization�, palavra que figura no dicion�rio Webster com a defini��o de �act or process of attempting to give na arbitrary market value or price to a commodity by governamental interference, as by maintaining a purchasing fund, making loans to producers to enable them to hold their products, etc.; - used chiefly of such action by Brazil�.
- Defini��o perfeita, como v�, concluiu o meu s�bio e sempre alerta cicerone. No entanto, duvido que haja em qualquer dicion�rio portugu�s ou brasileiro a consigna��o dessa palavra com o sentido criado no Brasil. (15:57-60)
11. � No come�o era Thor, depois ficou Thur, por isso no come�o dizia-se Thorsday. As palavras de todas as l�ngua v�o mudando sempre. Tomemos as palavras �nariz� e �Pedro�. No tempo dos romanos, nariz era nasus e Pedro era Petrus. Mudaram ou foram mudando lentamente. No futuro � poss�vel que em vez de nariz se diga naiz. Um dia havemos de conversar sobre esta cont�nua mudan�a das palavras, que � assunto muito interessante. (22:134)
12. � E assim se foi formando, e se vai formando, a l�ngua. Uma l�ngua n�o p�ra nunca. Evolui sempre, isto �, muda sempre. H� certos gram�ticos que querem fazer a l�ngua parar num certo ponto, e acham que � erro dizermos de modo diferente do que diziam os cl�ssicos.
- Que vem a ser cl�ssicos? Perguntou a menina.
- Os entendidos chamaram cl�ssicos aos escritores antigos, como o Padre Antonio Vieira, Frei Lu�s de Sousa, o Padre Manuel Bernardes e outros. Para os Carrancas, quem n�o escreve como eles est� errado.
Mas isso � curteza de vistas. Esses homens foram bons escritores no seu tempo. Se aparecessem agora seriam os primeiros a mudar ou a adotar a l�ngua de hoje, para serem entendidos. A l�ngua variou muito e sobretudo aqui na cidade nova. In�meras palavras que na cidade velha querem dizer uma coisa aqui dizem outra. Borracho, por exemplo, quer dizer b�bado; l� quer dizer filhote de pombo � vejam que diferen�a! Arrear, aqui � selar um animal; l�, � enfeitar, adornar.
- Ent�o l� h� mo�as bem arreadas?- perguntou Em�lia.
- Sim � respondeu a velha. � Uma dama bem arreada n�o espanta a ningu�m l� do outro lado. Aqui, Mo�o significa jovem; l�, significa servi�al, criado.
Tamb�m no modo de pronunciar as palavras existem muitas varia��es. Aqui, todos dizem Peito; l�, todos dizem Paito, embora escrevam a palavra da mesma maneira. Aqui se diz Tenho e l� se diz Tanho. Aqui se diz Ver�o; l� se diz V�r�o.
- Tamb�m eles dize m por l� Vatata, Vacalhau, Ba�a, Vesouro � lembrou Pedrinho.
- Sim, o povo de l� troca muito o V pelo B e vice-versa.
- Nesse caso, aqui nesta cidade se fala mais direito do que na cidade velha concluiu Narizinho.
- Por qu�? Ambas t�m o direito de falar como quiserem, e portanto ambas est�o certas. O que sucede � que uma l�ngua, sempre que muda de terra, come�a a variar muito mais depressa do que se n�o tivesse mudado. Os costumes s�o outros, a natureza � outra � as necessidades de express�o tornam-se outras. Tudo junto for�a a l�ngua que emigra a adaptar-se � sua nova p�tria.
A l�ngua desta cidade est� ficando um dialeto da l�ngua velha. Com o correr dos s�culos � bem capaz de ficar t�o diferente da l�ngua velha como esta ficou diferente do latim. Voc�s v�o ver. (24:105-106)
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Ver: ESCREVER 5 ( 2:51-52 )
ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 3 ( 7:333-338 )
FORMA 1 ( 1:222-223 )
GRAM�TICA 1 ( 2:39 )
LITERATURA BRASILEIRA 1 (10:3-9 )
ORTOGRAFIA 1 ( 1:329 )
PONTUA��O (1:144-145)
ROMANCE NO BRASIL (5:47-51)
VOC�BULOS 1 ( 1:239-241 )

LITERATURA
1. Porque literatura � uma atitude � � nossa atitude diante desse monstro chamado P�blico, para o qual o respeito humano nos manda mentir com eleg�ncia, arte, pronomes no lugar e sem um s� verbo que discorde do sujeito. (1:17)
2. Literatura � cacha�a. Vicia. A gente come�a com um c�lice e acaba pau d��gua de cadeia. (1:62)
3. Em literatura a condi��o b�sica � haver beleza, e que beleza ali existe? Numa negra s�rdida, na vida imunda que leva, no �amor� que inspira, nas �doen�as vergonhosas� que espalha, nos sargentos que enrabicha � onde qualquer resqu�cio da beleza salvadora? Em nome da Arte veto esse conto e lamento que F. seja suscet�vel do estado de �nimo necess�rio � produ��o de tal coisa. (1:260)
4. Foi-se o tempo da literatura. N�o h� coragem, nem miolo, para esse delicioso jogo de id�ias com mais ou menos estilo. (12:46)
5. � Que hist�ria essa de gato �fazendo sonetos � Lua� ? � interpelou a menina. � A senhora est� ficando muito �liter�ria�, vov�...
Dona Benta riu-se.
- Sim, minha filha. Apesar do meu desamor pela �literatura�, �s vezes fa�o alguma. Isso a� � uma �imagem liter�ria�. A Lua � um astro po�tico, e quando um gatinho anda miando pelo telhado, um poeta pode dizer que ele est� fazendo sonetos � Lua. � uma bobagenzinha po�tica.
- �Desamor pela literatura�, vov�? � estranhou Pedrinho. � Ent�o a senhora desama a literatura?
Dona Benta suspirou.
- Meu filho, h� duas esp�cies de literatura, uma entre aspas e outra sem aspas. Eu gosto desta e detesto aquela. A literatura sem aspas � a dos grandes livros; e a com aspas � a dos livros que n�o valem nada. Se eu digo: �Estava uma linda manh� de c�u azul�, estou fazendo literatura sem aspas, da boa. Mas se eu digo: Estava uma gloriosa manh� de c�u americanamente azul�, eu fa�o �literatura� da aspada � da que merece pau.
- Compreendo, vov� � disse a menina -, e sei dum exemplo ainda melhor. No dia dos anos da Candoca o jornal da vila trouxe uma not�cia assim: �Colhe hoje mais uma violeta no jardim da sua preciosa exist�ncia a gentil Senhorita Candoca de Moura, eb�rneo ornamento da sociedade itaoquense�. Isto me parece literatura com dez aspas.
- E �, minha filha. � da que pede pau... (28:190-191)
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Ver: CARTA 1 ( 1:17-18 )
ESCRITORES: MARIA JOS� DUPR� (2:338-340)
ROMANCE NO BRASIL (5:47-51)

LITERATURA BRASILEIRA
1. A identidade de forma��o dos povos americanos d� � sua hist�ria liter�ria um singular aspecto de fam�lia. Lendo esse monumento de erudi��o e cr�tica que � a Hist�ria de la Literatura Argentina, de Ricardo Rojas, e a Pequena Hist�ria da Literatura, do fin�ssimo Ronald de Carvalho, temos a impress�o de ler cap�tulos de uma obra ainda n�o escrita: a Hist�ria Geral da Literatura Sul-Americana.
Ambos estudam fen�menos de evidente paralelismo, produzidos na Argentina e no Brasil.
Isso � natural. Dada a semelhan�a de forma��o dos dois pa�ses e dado o paralelismo evolutivo das civiliza��es, n�o podiam suas respectivas literaturas submeter-se a leis diversas.
E at� a pergunta formulada na Argentina � temos literatura? � � qual o grande Mitre respondeu pela negativa, se bem que admitindo a exist�ncia de materiais que a formariam no futuro, repetiu-se v�rias vezes no Brasil.
C� e l�, durante os primeiros s�culos, n�o passamos de mero transplante ib�rico em terras americanas; e se houve r�pida diferencia��o na vida social, muito lentamente se produziu a mesma na vida liter�ria.
Embora extremamente nacionalistas e fundamente brasileiros de cora��o, nossos primeiros poetas conservaram-se portugueses de esp�rito. A l�ngua de seus versos, por exemplo, � rigorosamente portuguesa, sem nada da l�ngua nova que se elaborava no seio do povo; as imagens empregadas, o estilo, o torneio da frase, tudo era portugu�s, embora fosse empregado para hostilizar as coisas lusitanas.
A rea��o come�a com os indianistas rom�nticos, fase que marca as primeiras manifesta��es de uma inevit�vel disparidade: povos diferentes, l�ngua diferente, literatura diferente.
A boa acolhida que o p�blico dispensou �s obras dos indianistas indicou bem claramente a senda a seguir:
- Se quereis ser lidos, dai-nos coisas novas de bom cunho nacional.
At� aqui, pois, houve timidez por parte dos precursores. Libertaram-se do classicismo de origem lusitana dominante at� ent�o; assinalaram caminhos novos; lan�aram as bases de um grande edif�cio. Mas n�o foram al�m. N�o foram suficientemente fortes as reservas de personalidade desses escritores para leva-los a todas as conseq��ncias da grande id�ia. E pode-se ainda afirmar que se se lan�aram por tal caminho foi por esp�rito de imita��o, ao ver florescer em Fran�a e nos Estados Unidos o indianismo de Chateaubriand e de Cooper. Foi erro dos indianistas substituir a escola estrangeira por outra escola estrangeira disfar�ada de nacional. Seus �ndios n�o s�o �ndios daqui; s�o gregos cobreados, romanos de tez bronzeada, fic��o universais, tipos arbitr�rios sem validade alguma.
Gon�alves Dias nos legou verdadeiras obras primas nesse g�nero, como o maravilhoso poema Y-Juca Pirama, a �nica p�gina verdadeiramente �pica da poesia brasileira. Na novela, Alencar deu um passo adiante. Estilizou a seu modo o indianismo, com um encanto raro, de forma personal�ssima e j� fortemente brasileira. E tal foi a for�a de suas cria��es, que conseguiu popularizar-se e ser lido como nenhum outro escritor. Por esse motivo o consideramos como verdadeiro criador da �literatura brasileira�, coisa muito diferente de literatura portuguesa feita no Brasil.
Alencar introduziu a nossa paisagem na novela; aboliu as velhas imagens de importa��o � o rouxinol, o lobo, o le�o, o l�rio, e introduziu a �gra�na�, a �on�a�, o �manac�. Alencar reabilitou, em suma, a cor local, embora obedecesse mais � sua imagina��o do que � natureza. Foi um grande reformador que teria renovado mais, se, como pol�tico que era, n�o houvesse acreditado de boa pol�tica transigir em parte com as id�ias dominantes. Viveu no cora��o do povo e nele vive at� hoje atrav�s de suas cria��es magn�ficas de beleza ( embora falsa ): Peri, Ceci, Iracema.
Desse mesmo per�odo sobrevivem dois nomes: Macedo e Bernardo Guimar�es, novelistas ambos. Tamb�m eles se popularizaram e s�o lidos at� hoje porque souberam aplicar a inova��o de Alencar na novela da vida das cidades e das povoa��es rurais. Sem brilho do primeiro, imperfeitos de forma, insuficientes de estilo, frouxos e ins�pidos, sobretudo Macedo, nada deixaram que valha o Guarani ou Iracema. Med�ocres como artistas, salvou-os seu nacionalismo e o terem escrito na l�ngua da terra, para uso da gente da terra. Na poesia, Castro Alves passou como uma torrente eletrizante, conquistando no cora��o do povo um lugar de onde ningu�m o tirou at� hoje. Ao lado deles, um mo�o, Casimiro de Abreu, fez-se poeta da saudade e do primeiro amor. Tal sentimento p�s em seus versos, que, em um pa�s de poetas como � o nosso, ainda � Casimiro o suave int�rprete das inquietudes sentimentais da juventude.
Transcorreu depois uma fase liter�ria fecunda em que se levantaram v�rios nomes. Taunay lan�a Inoc�ncia, uma verdadeira obra-prima, sem defeitos de forma nem de composi��o, e t�o filha do ambiente brasileiro que foi a escolhida para que, traduzida em v�rios idiomas, fosse a plenipotenci�ria, no estrangeiro, de nossa literatura.
Machado de Assis chega a n�vel nunca alcan�ado. Seus livros formam um colar de obras primas dignas de figurar entre as obras primas da literatura universal. Converteu-se em �dolo, em ponto de refer�ncia, em orgulho nacional. Mas n�o conseguiu penetrar na alma do povo. A amarga fic��o do seu humorismo, a estrema finura de sua psicologia e do seu pensamento, o colocaram acima do pa�s. Neste, lhe coube a eterna sorte dos que, deste Sterne, cultivam o �humor�. O povo os repele, porque o povo n�o gosta de ceticismo. O �humor� destr�i e o povo necessita de construtores. Deste modo, Machado de Assis representa algo extra-Brasil, estrela de um c�u estranho desgarrada no meio de nosso sistema estelar.
Na poesia � Olavo Bilac quem alcan�a o cimo da perfei��o, sem lograr tampouco vibrar de acordo com a alma do povo. � outro grego. E � romano, � um C�cero esse fenomenal Rui Barbosa, considerado for�a da natureza, express�o �ltima, canto de cisne da l�ngua portuguesa, condenada no Brasil a deixar o lugar � l�ngua brasileira, sua filha.
Dia a dia se acentua mais este fen�meno: o povo s� l�, s� ap�ia, s� populariza a quem escreve a l�ngua que ele fala. O extremado apego ao velho idioma fez novelistas eminent�ssimos e fecundos, como Coelho Neto, que n�o gozaram, por�m, do apoio p�blico a que tinham direito. E a vitalidade da atual literatura, sua expans�o, sua penetra��o, dependem cada dia mais da ado��o do �portugu�s b�rbaro�, que � o idioma do povo brasileiro. O que aconteceu com o latim na Ib�ria, dando origem ao idioma lusitano, est� acontecendo no Brasil, no conflito daquele com o brasileiro nascente.
Outro obst�culo oposto � expans�o de nossa literatura na alma do povo, prov�m da fascina��o que as elites sentem pelas letras francesas. Artistas de cultura unilateral, eternamente voltados para a Fran�a, como se o mundo fosse a Fran�a, deixaram de auscultar as �nsias est�ticas da ra�a, para seguir servilmente os movimentos franceses. Da� nosso grande parnasianismo que o povo repudiou; e na novela de um psicologismo enfermo que nunca conseguiu interessar a ningu�m. Explica-se deste modo a causa pela qual, apesar do brilho da literatura brasileira, a na��o t�o escassamente se interessa por ela, salvo os casos em que o escritor prescinde dessas influ�ncias mals�s e ressoa em harmonia com a alma popular.
Quem havia de revelar esta conson�ncia? Que havia de assinalar este caminho de Damasco a nossos homens de letras? Um engenheiro que n�o fazia profiss�o de letras: Euclides Cunha. Seu livro Os Sert�es estalou como uma bomba e, por motivos muito simples, teve maravilhosa influ�ncia. Euclides n�o � portugu�s, nem franc�s, nem parnasiano, nem psicologista, nem sat�lite de astro algum. � uma fort�ssima personalidade que soube ver e teve o valor de contar o que viu. Abaixou-se at� o solo e examinou a terra; depois examinou o homem ao natural, e passou � trag�dia deste homem em rela��o � terra. Habituados a uma mentira convencional que a literatura vinha perpetrando, penetrou fundamente essa estranha e personal�ssima maneira de encarar os homens e as coisas de seu pa�s. E de seu livro, pleno de fulgura��es de um genial impressionismo, surgiu algo novo, algo com uma diretriz fecunda que vai dar imenso brilho a nossas futuras letras. O livro de Euclides disse:
- Sigam-me. Apalpem a terra, auscultem-na, vejam como os homens est�o determinados por ela. E fa�am arte que seja a pr�pria terra e o pr�prio homem, seu filho, vistos pelo nosso personal�ssimo temperamento. S� assim interessais o pa�s, sereis lido e realizareis nele a sagrada fun��o que h� de exercer o artista.
A li��o de Euclides frutifica j�. Dia a dia � mais abundante a corrente dos que antes de criar uma obra, abrem-se a todas as impress�es ambientes e d�o corpo �s vagas ansiedades est�ticas de nosso pa�s. Desdenhosos das sendas j� trilhadas, realizam seu pensamento em obras fortes, lib�rrimas, personal�ssimas, sem cuidado do portugu�s que lhes pode fiscalizar o idioma, nem dos Albalat que lhes d�o moldes de estilo.
Na Argentina, foi Sarmiento quem exerceu uma fun��o compar�vel � de Euclides da Cunha. Facundo � uma vis�o maravilhosa, � uma li��o fecund�ssima. � a verdadeira b�blia da literatura argentina. N�o h� caminho verdadeiro que ali n�o esteja indicado, e erra quem dele se aparta. Esses dois livros dizem uma coisa s�: arte � verdade. Ou como dizia Aberto Dures: toda preocupa��o de beleza � nociva � arte. Enquanto detivermos os olhos nos pa�ses de cultura mais avan�ada e adotarmos crit�rios de beleza em moda neles para adapta-los aos nossos, nossa arte ser� um pueril arremedo, sem for�a para subsistir mais que o per�odo de dura��o dessa moda. No dia, pois, em que tivermos a bela coragem de fazer-nos int�rpretes da dor, da alegria, dos anelos, das aspira��es vagas e de quanto sentimento passa pela alma de nossa gente, nossa literatura apresentar� o estranho fulgor com que se apresentou nas letras universais a literatura dos Tolstoi e dos Dostoyewski. (10:3-9)
2. Tem sido notado, desde v�rios anos, que o romance como forma liter�ria, vem sendo quase abandonado no Brasil, onde j� se si � escassa a produ��o de livros relativamente � popula��o e ao que se d� em alguns outros pa�ses do continente. Efetivamente, dentre os poucos volumes aparecidos de tempos para c�, merece o nome de � livros � rar�ssimos s�o os que encerram um romance, com os caracter�sticos bem definidos desse g�nero.
Salvante alguns livros de Coelho Neto, de Af�nio Peixoto, de Lima Barreto, de Xavier Marques, Veiga Miranda, Canto e Melo, e um ou outro mais, a grande maioria dos volumes que a� surgem, quando n�o s�o obras did�ticas, s�o obras po�ticas. Esses os dois grandes mananciais liter�rios no Brasil. Afastados, deixam minguadas porcentagens de obras em prosa de inten��o meramente art�stica. Nem se compreenderia bem como, assim sendo, existia a� uma Academia de Letras de largo sodal�cio, cujas poltronas estejam sempre tomadas e a cujo limiar haja sempre uma turma de candidatos aos lugares porventura vagos...N�o se compreenderia se n�o soubesse que a literatura no Brasil � mero diletantismo, a que s� por irresist�vel pendor natural se entregam sonhadores, os quais mais naturalmente propendem para o verso, prop�cio aos sonhos e fantasias, que para a prosa, mais amigas das realidades. No Brasil, s� pratica a literatura, verdadeiramente, quem, dispondo de meios de vida seguros, tem algum tempo a perder. A literatura n�o � uma carreira de que algu�m possa viver, mais ou menos gloriosamente. �, por assim dizer, um esporte. Da� o acerto com que age a Academia em instituir pr�mios para os novos e desconhecidos, concitando assim � produ��o os estudiosos, uma vez que os literatos oficiais de que ela se comp�e, com poucas exce��es, n�o julgam os tempos prop�cios � elabora��o de livros estritamente liter�rios. (10:10-11)

LITERATURA INFANTIL-JUVENIL
1. Guardo as tuas notas sobre Malazarte. Um dia talvez aborde esse tema. Ando com v�rias id�ias. Uma: vestir � nacional as velhas f�bulas de Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades. Coisa para crian�as. Veio-me diante da aten��o curiosa com que meus pequenos ouvem as f�bulas que Purezinha lhes conta. Guardam-nas de mem�ria e v�o reconta-las aos amigos � sem, entretanto, prestarem nenhuma aten��o � moralidade, como � natural. A moralidade nos fica no subconsciente para ir se revelando mais tarde, � medida que progredimos em compreens�o. Ora, um fabul�rio nosso, com bichos daqui em vez dos ex�ticos, se for feito com arte e talento dar� coisa preciosa. As f�bulas em portugu�s que conhe�o, em geral tradu��es de La Fontaine, s�o pequenas moitas de amora do mato � espinhentas e impenetr�veis. Que � que nossas crian�as podem ler? N�o vejo nada. F�bulas assim seriam um come�o da literatura que nos falta. Como tenho um certo jeito para impingir gato por lebre, isto �, habilidade por talento, ando com id�ia de iniciar a coisa. � de tal pobreza e t�o besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a inicia��o de meus filhos. Mais tarde s� poderei dar-lhes o Cora��o de Amicis � um livro tendente a formar italianinhos... (2:104)
2. Tive id�ia do livrinho que vai para experi�ncia do p�blico infantil escolar, que em mat�ria fabul�stica anda a nenhuma. H� umas f�bulas de Jo�o Kopke, mas em verso � e diz o Correia que os versos do Kopke s�o versos do Kopke, isto �, insulsos e de n�o f�cil compreens�o por c�rebro ainda tenros. Fiz ent�o o que vai. Tomei de La Fontaine o enredo e vesti-o � minha moda, ao sabor do meu capricho, crente como sou de que o capricho � o melhor dos figurinos. A mim me parecem boas e bem ajustadas ao fim � mas a coruja sempre acha lindos os filhotes. Quero de ti duas coisas: ju�zo sobre a sua adaptabilidade � mente infantil e anota��o dos defeitos de forma. Mas pelo amor de Deus n�o os elogie. Ando elogiado demais � como quem se regalou demais com o mel e est� com a boca a arder, e a querer tudo no mundo, menos mel... Desanca-me um pouco, Rangel. Sinto necessidade de humilha��o... (2:193)
3. Mando-te o Narizinho escolar. Quero tua impress�o de professor acostumado a lidar com crian�as. Experimente nalgumas, a ver se se interessam. S� procuro isso: que interesse �s crian�as. (2:228)
4. N�o ficarei muito tempo nesta terra. O calor!... J� te disse que n�o tenho o tr�pico no sangue. Detesto os verdes eternos, o calor quase eterno, a tal primavera eterna que n�o passa da mais eterna e desesperante monotonia. Verde, verde, o ano inteiro! Tudo verde, como o Menino Verde, um �lbum colorido com que me diverti em crian�a, companheiro do Jo�o Felpudo: Lembra-te disso? Pobres das crian�as daquele tempo! Nada tinham para ler.
Ando com id�ias de entrar por esse caminho: livros para crian�as. De escrever para marmanjos j� me enjoei. Bichos sem gra�a. Mas para as crian�as, um livro � todo um mundo. Lembro-me de como vivi dentro do Robinson Crusoe do Laemmert. Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crian�as possam morar. N�o ler e jogar fora; sim morar, como morei no Robinson e n�Os Filhos do Capit�o Grant. (2:292-293)
5. Tamb�m vou fazer mais livros infantis. As crian�as sei que n�o mudam. S�o em todos os tempos e em todas as p�trias as mesmas. As mesmas a�, aqui e talvez na China. Que � uma crian�a? Imagina��o e fisiologia; nada mais. (2:322)
6. Vim do Otales. Anunciou-me que com as tiragens deste ano passo o milh�o s� de livros infantis. Esse n�mero demonstra que meu caminho � esse � e � o caminho da salva��o. Estou condenado a ser o Andersen desta terra � talvez da Am�rica Latina, pois contratei 26 livros infantis com um editor de Buenos Aires. E isso n�o deixa de me assustar, porque tenho bem viva a recorda��o das minhas primeiras leituras. N�o me lembro do que li ontem, mas tenho bem vivo o Robinson inteirinho � o meu Robinson dos onze anos. A receptividade do c�rebro infantil ainda limpo de impress�es � algo tremendo � e foi ao que o infame fascismo da nossa era recorreu para a s�rdida escraviza��o da humanidade e supress�o de todas as liberdades. A destrui��o em curso vai ser a maior da hist�ria, porque os soldados de Hitler leram em crian�a os venenos cientificamente dosados do hitlerismo � leram como eu li o Robinson. Para que bem avalies o que � a crian�a, mando c�pia duma carta recebida ontem, muito t�pica das centenas que recebo dizendo sempre a mesma coisa, embora com menos express�o e intensidade.
Ah, Rangel, que mundos diferentes, o do adulto e o da crian�a! Por n�o compreender isso e considerar a crian�a �um adulto em ponto pequeno�, � que tantos escritores fracassam na literatura infantil e um Andersen fica eterno. Estou nesse setor h� j� vinte anos, e o intenso grau da minha �reeditabilidade� mostra que o meu verdadeiro setor � esse. (2:345-346)
7. Para bem escrever para as crian�as � preciso t�-las como os ju�zes supremos. Ora, voc� tem em casa uma juizazinha. V� fazendo e lendo-lhe. O que ela n�o gostar, n�o presta. O que ela gostar, est� �timo e todas as mais crian�as gostar�o. (4:16)
8. A crian�a � a humanidade de amanh�. No dia em que isto se transformar num axioma � n�o dos repetidos decoradamente, mas dos sentidos no fundo da alma � a arte de educar as crian�as passar� a ser a mais intensa preocupa��o do homem.
Estamos, ainda, infelizmente, num per�odo em que a crian�a, em vez de ser considerada como o dia de amanh�, n�o passa de nuisance. Animalzinho inc�modo, para os pais e professores. Da� toda a monstruosa neglig�ncia a seu respeito.
Livros, revistas e jornais infantis constituem instrumentos da arte de educar esses bichinhos � cris�lidas donde v�o sair os homens de amanh�. A que princ�pios devem obedecer?
Esta proposi��o � mais s�ria e a de mais dif�cil resposta de quantas ainda se hajam formulado. A pedagogia moureja em seu estudo sem que chegue a acordo. Duas correntes, entretanto, se denunciam bem distintas.
Uma, a dos que consideram a crian�a como um homem em miniatura e pede que se d� a ela o mesmo alimento mental e moral que se d� ao homem, com redu��o apenas de dose. Crit�rio dos farmac�uticos: para adultos, uma colher de sopa; para crian�as, uma colher de ch�. Em regra todos os professores de fraco descortino psicol�gico batem-se pela vit�ria deste crit�rio.
Em conseq��ncia surgiu toda uma flora de livros mais ou menos morais e instrutivos, escritos por professores e impostos por outros professores com influ�ncia na administra��o. Tudo �timo, tudo perfeito, absolutamente em concord�ncia l�gica com o conceito de que a crian�a � um adulto reduzido em idade e estatura, e com a mesma psicologia. O defeito �nico desses livros est� em que as crian�as os refugam sistematicamente o alimento que a sua natureza repele.
For�adas a se �recrearem� com tais livros, as crian�as suportam-nos nas aulas ou fora delas como obriga��o. Nunca os procuram espontaneamente. Elas tamb�m suportam o �leo de r�cino, a erva-de-santa-maria, um c�lice desse �leo ou uma x�cara de beberagem lombricida quando os encontram pelo caminho.
A outra corrente admite a crian�a como um ser especial�ssimo, do qual o homem vai sair, mas que ainda tem muito pouco de homem. Em conseq��ncia, o seu alimento mental h� de ser, nunca uma redu��o de dose, mas algo especial. E da qualidade desse alimento, elas t�m que ser os julgadores. Se refugam, n�o presta; se mostram avidez, � �timo.
A crian�a � um ser onde a imagina��o predomina em absoluto. O meio de interessa-la � falar-lhe � imagina��o. Vive num mundinho irreal e dele s� sai, para, aos poucos, ir penetrando no das duras e cruas realidades, quando com o natural desenvolvimento do c�rebro, a intensidade da imaginativa vai-se apagando.
A hist�ria mais conhecida no mundo inteiro � talvez a da menina da capinha vermelha. Come�a a interessar a crian�a ao simples enunciado do t�tulo � aquela capinha vermelha. At� a cor da capinha est� exata, pois que � o vermelho a cor que mais fala a neur�nios infantis.
Quem a comp�s? Quem comp�s essa hist�ria sublimemente infantil que constitui o primeiro contato das crian�as com o mundo como o podem elas compreender e como o querem? A floresta, a senda que levava � casa da vov�, as flores do caminho, a cesta de gulodices, o recado e as recomenda��es da mam�e; depois a apari��o do lobo, a chegada � casa da vov�, o lobo com a touca velha na cabe�a a fingir-se vov� e afinal o desenlace � o nhoque! Do lobo engolindo a menina. Nesse ponto, como nem todas as crian�as podem suportar a cena ou n�o querem que a hist�ria acabe assim, surgem as variantes, a do lenhador que acode com o machado e mata o lobo, tirando-lhe de dentro da barriga a menina vivinha e outras.
Quem quiser formar id�ia do que tem de ser a literatura infantil basta que estude a fundo essa hist�ria, como a que mais vem satisfazendo a todas as crian�as do mundo de uma certa idade desde os tempos medievais. Convencer-se-� ent�o que foi composta pelas pr�prias crian�as por interm�dio de suas m�es ou vov�s.
Fa�a-se a experi�ncia. Conte-se uma hist�ria qualquer a uma crian�a. Ela a vai recebendo com rea��es muito dignas de estudo. Vai corrigindo-a no sentido de p�-la de acordo com as exig�ncias da sua imagina��o. E se o contador possui a necess�ria intelig�ncia para atender a essas rea��es, a hist�ria modifica-se at� cair em ponto de bala.
Imagino que ao ser contada pela primeira vez a hist�ria da menina da capinha vermelha, a primeira crian�a que a ouviu determinou, de in�cio, dois pontos: a capinha e a cor da capinha. �Era uma vez uma menina que usava um vestido azul�, teria come�ado uma vov� l� no fundo da Germ�nia. A loura Gretchen, de quatro anos, que friorentamente a ouvia � vendo atrav�s da vidra�a a neve cair, interrompeu-a a� para a primeira colabora��o. �Vestidinho, n�o, vov� � capinha�. Muito mais interessante com aquele frio uma capinha de l�, l� quente. �Azul tamb�m n�o vov� � vermelha�. O azul � frio, o vermelho � quente.e a hist�ria da menina do vestidinho azul passou a ser, desde esse momento, a hist�ria da menina da capinha vermelha. De modo que o segredo do interesse eterno dessa hist�ria para crian�as est� em que foi uma hist�ria constru�da pelas pr�prias crian�as atrav�s de suas vov�s, e pois exatamente como as crian�as a queriam. E se vieram variantes � que os temperamentos variam e h� que atende-los.
Uma vov� eivada de pruridos pedag�gicos mal orientados, toda ela preocupa��es educativas e c�vicas n�o teria cedido �s rea��es da netinha. Teria imposto a sua hist�ria. Havia de ser vestido, havia de ser azul, a menina n�o conversava com o lobo porque os lobos n�o falam, etc. e tal. Resultado: a netinha dormia antes de chegar ao fim e nunca mais pediria � av� que lhe repetisse a hist�ria � nem que lhe contasse nenhuma outra. Desinteressar-se-ia em absoluto de coisas em choque com a sua imagina��o. E em vez de ouvir hist�rias ou l�-las � visto n�o poder t�-las na medida das suas exig�ncias psicol�gicas, passaria a imagina-las.
As crian�as do mundo inteiro quando n�o possuem livros com as hist�rias que querem ou n�o acham em casa quem as conte como � mister, dispensam livros e contadores. Passam a imaginar por si mesmas as historinhas indispens�veis �quele mundo da sua psique.
Lembro-me de um caso. Um menino muito vivo, de riqu�ssima imagina��o, mas com o mais absoluto horror aos livros. O pai queixou-se. Jojoca n�o lia; sabia ler mas n�o lia; n�o queria ler. Fui examinar os livros de sua estantinha. Oh, livros todos de corrente n�mero um, a que n�o admite a imagina��o. Instrutivos, educativos, civic�ssimos, aconselhados por um professor de �culos e verruga no nariz com um p�lo caracolante.
Fiz uma experi�ncia. Meti entre aqueles livros detestados os contos de Grimm sem recomenda��o ou sugest�o nenhuma. Horas depois o pai pilhou o menino deitado no ch�o de barriga, devorando Grimm. Ah, �este sim!� Foi o seu coment�rio. �Este diz o que eu quero.�
O defeito dos livros impr�prios e, portanto, refugados pelas crian�as est� em que retarda o advento do gosto pela leitura. H� homens que passaram a vida sem ler um livros, fora os escolares, justamente por n�o terem tido em crian�a o ensejo de ler um s� livro que lhes falasse � imagina��o. J� os que t�m a felicidade de na idade pr�pria entrarem em contato com livros que �interessam�, esses se tornam grandes ledores e por meio da leitura prolongam at� o fim da vida o progresso auto-educativo. Quem come�a pela menina da capinha vermelha pode acabar nos Di�logos de Plat�o, mas quem sofre na inf�ncia a ravage dos livros instrutivos e c�vicos, n�o chega at� l� nunca. N�o adquire o amor da leitura.
H� em Nova Iorque uma institui��o muito curiosa. Em certo dia da semana, � tarde, na Public library da 5� Avenida, re�nem-se centenas de crian�as para ouvir hist�rias. Existem contadeiras especializadas, que contam como as crian�as querem que contem. A institui��o tem dois objetivos � recrear as crian�as e estudar-lhes as rea��es, de modo que tudo quanto ocorre � anotado, classificado e estudado de acordo com um crit�rio inteligent�ssimo. As resultantes dessa obra se acham compendiadas num op�sculo que � vendido na Secretaria da Biblioteca. Nele vem o resultado de trinta anos de observa��o e a classifica��o por g�nero das hist�rias que mais interessam �s crian�as.
Esse trabalho tem sido precioso na orienta��o dos novos livros infantis, dos quais a Am�rica � riqu�ssima. Surgiu uma literatura sob medida que n�o imp�e � crian�a, mas deixa-se impor pela crian�a e desse modo satisfaz de maneira completa �s exig�ncias especial�ssimas da mentalidade infantil.
L� tomam-se as medidas das crian�as. Aqui ainda predomina o sistema contr�rio � impor �s crian�as as medidas da gente grande. Os resultados que a educa��o vai conseguindo nos dois pa�ses diz bem alto com quem est� o acerto.
Minha teoria quanto a livros, revistas e jornais infantis decorre das observa��es acima. N�o possuo a m�nima autoridade pedag�gica de qualquer g�nero, e tudo quanto sei de educa��o se resume num arruinar a exce��o em favor da regra. Apesar disso escrevi uns livros que as crian�as gostam de ler. E por que gostam as crian�as de ler esses livros? Talvez pelo fato de serem escritos por elas mesmas atrav�s de mim. Como as coitadinhas n�o sabem escrever, admito que me pedem que o fa�a. Mas n�o que o fa�a como quero e sim como querem elas. H� de ser assim, assim, assim � e humildemente anulo-me para dar � minha clientelazinha um produto que n�o lhe desagrade. Suponho que foi isso que a Comiss�o Executiva desta Confer�ncia de Prote��o � Inf�ncia houve por bem encarregar-me duma das teses.
Resumo o meu parecer em duas palavras, repetindo entretanto que n�o me reconhe�o autoridade nenhuma para dar parecer sobre o que quer que seja e muito menos sobre mat�ria pedag�gica.
Os princ�pios a que devem obedecer os livros, revistas e jornais para crian�as resumem-se em serem livros, revistas e jornais para crian�as � a especial�ssima cris�lida donde o homem vai sair, e nunca para homens de pouca idade.
Um menino d� como produto final um homem, e uma menina d� como produto final uma mulher. Mas um menino ou uma menina n�o � um homem ou uma mulher de idade reduzida. S�o ambos algo muito diferentes, como a cris�lida � diferente da borboleta.
Quanto � melhoria da literatura infantil em nosso Pa�s julgo coisa imposs�vel. N�o h� boa literatura infantil sem bons livros. Uma das condi��es do bom livro � ser barato. Se � caro n�o se dissemina e portanto, por bom que seja fica mal, pois perde a for�a de dissemina��o e torna-se inexistente. Ora as taxas monstruosas que o nosso fisco imp�s sobre o papel impede que possamos ter livros baratos. Todo livro impresso, por causa das taxas, sai caro. A sua vendagem restringe-se. Desaparece a possibilidade de lucro para o editor e o autor � e sem o est�mulo do lucro nada se faz neste mundo.
As taxas sobre o papel, a fim de proteger uns tantos industriais espertos, foram elevadas em 1918 de 300%. Um quilo de papel importado paga hoje direitos de entrada duas vezes mais que o pre�o de custo. � um imposto que recai diretamente sobre a cultura, impossibilitando-a .
As nossas crian�as jamais poder�o ter livros na abund�ncia, qualidade e quantidade dos pa�ses civilizados, porque o nosso governo o pro�be com as suas taxas de alf�ndega. Assim sendo � tolice, ou quando menos ingenuidade, gastar f�sforo em estudar a mat�ria.
Se algum dia o pesad�ssimo imposto sobre a cultura, lan�ado em 1918, for abolido, ent�o sim, poderemos voltar ao assunto. Agora, � perder tempo. (9:249-256)
9. O livro como o temos tortura as pobres crian�as � e no entanto poderia diverti-las, como a gram�tica da Em�lia o est� fazendo. Todos os livros poderiam tornar-se uma p�ndega, uma farra infantil. A qu�mica, a f�sica, a biologia, a geografia prestam-se imensamente porque lidam com coisas concretas. O mais dif�cil era a gram�tica e a aritm�tica. Fiz a primeira e vou tentar a segunda. O resto fica canja.
O An�sio Teixeira acha que � toda uma nova metodologia que se abre. Am�m. (2:96)
10. Recebi sua carta de 27 de dezembro, com v�rios n�meros da Caretinha, �primeira tentativa de revista infantil em minas�. Muito bem. � tentando que o homem chega a todas as realiza��es. Se sua tentativa falhar, tente de novo, por outro caminho. Lembre-se do que diz o Henry Ford: �Um fracasso significa apenas uma oportunidade para come�ar de novo com mais intelig�ncia�.
N�o posso atender ao seu pedido de colabora��o porque ando sempre ocupad�ssimo com o raio do petr�leo, al�m de que uma revista infantil em Minas deve sentir-se abarrotada de colaboradores locais, dado o pendor dos mineiros pelas letras. Mas qualquer reprodu��o que a Caretinha queira fazer de coisas minhas j� publicadas ser� uma honra para mim.
O lan�amento da Caretinha enche-me de prazer porque vejo que em Minas j� se come�a a dar �s crian�as o carinho mental devido. Uma coisa que sempre me horrorizou foi ver o descaso do brasileiro pela crian�a, isto �, por si mesmo, visto como a crian�a n�o passa da nossa proje��o para o futuro. E assim como � de cedo que se torce o pepino, tamb�m � trabalhando a crian�a que se consegue boa safra de adultos. (12:97)
11. � Leia da sua moda, vov�! � pediu Narizinho.
A moda de Dona Benta ler era boa. Lia �diferente� dos livros. Como quase todos os livros para crian�as que h� no Brasil s�o muito sem gra�a, cheios de termos do tempo da on�a ou s� usados em Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele portugu�s de defunto em l�ngua do Brasil de hoje. Onde estava por exemplo, �lume�, lia �fogo�; onde estava �lareira�, lia �varanda�. E sempre que dava com um �botou-o� ou �comeu-o�, lia �botou ele�, �comeu ele� � e ficava o dobro mais interessante. Como naquele dia os personagens eram da It�lia, Dona Benta come�ou a arremedar a voz de um italiano galinheiro que �s vezes aparecia pelo s�tio em procura de frangos; e para o Pin�quio inventou uma vozinha de taquara rachada que era direitinho como o boneco devia falar. (19:194)
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Ver: EDUCA��O (7:8-9)

LIVRO
1. Feliz circunst�ncia me permitiu examinar em provas um livro que � um livro. Para que um livro seja um livro n�o basta possuir a forma de livro, nem rechear-se de frases compostas segundo a arte de bem escrever, e impressas de acordo com a boa t�cnica dos elzevires.
H� que dizer algo novo, encerrar uma grande id�ia, desenvolvida ou em g�rmen, dessas que valem por empux�es de bom pulso na sonolenta carreira da rotina. (6:138)
2. Toda a vida, em todos os pa�ses, houve os escritores que escreveram coisas vend�veis e escritores que escreveram coisas invend�veis. O livro � um artigo, uma mercadoria como outra qualquer. N�o h� diferen�a entre um livro e um artigo qualquer de alimenta��o. Se o artigo qualquer de alimenta��o n�o se vende � porque ele � de m� qualidade, t� podre, estragado, etc... Se o livro n�o se vende � porque n�o presta. Isto, em portugu�s claro. Toda vida eu vi os bons livros serem muito bem vendidos e vi uma natural repulsa do p�blico pelo livro mau. Isso foi assim em todos os tempos e em todos os pa�ses. Hoje, os bons livros vendem-se muito bem, vendem-se como sempre e diante dos maus o p�blico faz suas reservas, suas caretas, recusa, n�o compra. Eu acho que esta situa��o � uma situa��o de perfeita normalidade e est� muito bem que seja assim. Meu desejo � para que os bons livros se vendam e n�o haja nem sequer comprador para um mau livro, porque a pior peste que h� no mundo � um livro mau � a gente perde at� o tempo da leitura. (9:346-347)
3. O primeiro livro � tudo. Tem de ser o melhor de que somos capazes, porque n�o sendo assim o mundo n�o dar� aten��o aos demais, por mais valor que tenham. Em regra o mundo s� toma conhecimento de um livro de cada autor � e muito naturalmente do primeiro. Nem pode ser de outra maneira, porque n�o h� tempo, e muito grato deve ficar o autor se o seu primeiro filho recebe registro no rol das Coisas Leg�veis. (...) Os demais livros que um autor faz � para ganhar dinheiro, satisfazer-se a si pr�prio, etc. N�o o ajudam em nada na constru��o do seu nome. Tenho a impress�o de que o p�blico os compra por v�cio � mas n�o os l�. Vi comigo que morrerei o homem dos Urup�s. O resto que fiz n�o foi levado em conta � ningu�m leu. Foram comprados mas n�o lidos. De modo que o s�bio � aparecer sem pressa com um livro-tanque � que entre por esmagamento pela in�rcia do p�blico adentro. E depois, moita. Quem sabe dos duzentos livros de Pr�vost? E todos l�em Manon. Quem sabe dos mil livros de Foe? E quem n�o l� Robinson? (22:56)
4. A cultura se faz por meio do livro. O livro se faz com papel. Carregar de taxas o papel � asfixiar o livro. Asfixiar o livro � matar a cultura. (14:165)
Um pa�s se faz com homens e livros. Minha visita aos monumentos de George Washington e Lincoln provou-me que a Am�rica tinha homens. Ter homens, para um pa�s, � ter Washingtons e Lincolns, for�as t�o marcantes que sobre sua obra n�o pode a morte. Viva quanto viver a Am�rica, seus dois her�is viver�o com ela, dia a dia mais sublimados. J� nem mais s�o homens hoje, dec�nios passados do desaparecimento da cena, mais semi-deuses. Crescem sempre. Divinizam-se. Em torno destas pilastras a Am�rica se cristalizou. Nas maiores crises morais nunca lhe faltar� o apoio do general que n�o mentia e do lenhador que impediu a destrui��o da obra do general.
Com homens e livros. Nos livros est� fixada toda a experi�ncia humana. � por meio deles que os avan�os do esp�rito se perpetuam. Um livro � uma ponta de fio que diz: �Aqui parei; toma-me e continua, leitor�. �Plat�o pensou at� aqui: toma o fio do seu pensamento e continua, Spinoza�.
Mr. Slang certa vez me disse que o homem s� tinha duas cria��es: a inven��o do alfabeto e a descoberta do fogo. O alfabeto permitiu o ac�mulo da experi�ncia individual; o fogo abriu caminho para a domina��o da natureza. (15:45-46)
6. � Essa � boa! � de primeira! Parece at� que a burrice de Em�lia pegou em voc�, Pedrinho! Vov� sabe de tudo porque l� nos livros e � nos livros que est� a ci�ncia de tudo. Vov� sabe mais coisas do mar, sem nunca ter visto o mar, do que este Senhor Caramujo que nele nasceu e mora. Quer ver? (19:102)
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Ver: LITERATURA INFANTIL-JUVENIL 8 ( 9:249-256 )

LIVRO NO BRASIL
1. Dr. Washington Luis // Perdoe-nos V. Exa. se erramos, dirigindo-nos ao futuro em vez de dirigirmos ao presente. Mas o presente paira em tal nuvem que j� perdeu o contato com as realidades terrenas � e � de realidades que se trata. Trata-se duma triste realidade que at� hoje n�o mereceu o menor olhar de simpatia dos nossos homens de governo � o livro.
V. Exa. sabe que o Brasil vive atolado at� �s orelhas na ignor�ncia, como sabe que s� um instrumento existe capaz de contrabater a ignor�ncia � o livro. Mas o livro no Brasil � v�tima de verdadeira persegui��o, dando at� a entender que o Estado � contr�rio � sua expans�o e o considera perigoso. Hoje o livro s� � acess�vel �s classes ricas, e no andar em que vai, nem a elas, acabando por figurar nas vitrinas das casas de j�ias, como objeto de luxo.
Mas n�o h� cultura poss�vel sem livro e livro barato, livro que penetre nas massas populares e lhes erga o n�vel mental. Que nos vale ter picos como Rui Barbosa, se a plan�cie apresenta um dos mais baixos n�veis culturais do mundo?
O livro barato, acess�vel ao povo, tem sido a nossa obsess�o de editores falidos e ressurgidos, e � isso que nos traz perante V. Exa . neste momento em que se trama contra ele um novo golpe de miseric�rdia.
Podemos sem receio de contesta��o afirmar que o Brasil � a terra por excel�ncia do livro caro. Por qu�? Primeiro, porque o imposto que grava o papel e mais mat�ria-prima que entra na sua composi��o � um imposto feroz, e al�m de feroz, criminoso, porque recai sobre o desdobramento do custo da cartilha de maior voga entre n�s; por esse c�lculo se v� como a quota do papel onera uma cartilha. � monstruoso e, se V. Exa . quiser controlar a veracidade destes algarismos, os Srs. Paulo de Azevedo & Cia., da Livraria Alves, detentora quase, do monop�lio do livro escolar no Brasil, n�o ter�o d�vidas em abrir a sua escrita.
O papel paga de direitos de entrada o dobro do custo.
Mas n�o fica ai a guerra fiscal contra a cultura. H� mais. H� um regime de protecionismo �s avessas que sufoca a nossa ind�stria editora. As taxas s�o estabelecidas de modo a proteger a ind�stria editora de fora, paga metade do imposto que recai sobre o papel, e n�o paga absolutamente nada se vem feito de Portugal!...
Ora, livro � papel impresso. Se o papel vem em branco para ser transformado em livro aqui, paga o dobro do custo; se esse mesmo papel entra j� transformado em livro, paga metade, ou zero se procede de Portugal!
�, ou n�o � um protecionismo �s avessas? �. Ou n�o repetir o gesto de D. Maria, quando mandou destruir os prelos do Brasil-col�nia? Tanto faz destruir m�quinas como impedi-las de livremente concorrer com suas rivais estrangeiras.
E � t�o frisante a inten��o de perseguir o livro, que tanto os jornais como as revistas gozam de regime especial. Para eles o papel entra isento de direitos. A �Ma�a�, o �Rio Nu�, o �Jornal do Bicho�, e quanto s�rdido pasquim existe por este pa�s tem o papel pelo pre�o de custo. O livro, a cartilha das crian�as, o manual t�cnico do oper�rio, tem-no pelo triplo!
Se o Estado reconheceu tacitamente que a imprensa e as revistas n�o podem viver sob o regime do papel ferozmente taxado, por que milagre de sofisma n�o admite que o mesmo se d� com o livro?
At� aqui o nosso pobre livro tem vivido � sombra dos privil�gios concedidos � imprensa e �s revistas. Como a isen��o dava margem a um extenso contrabando, a perseguida ind�stria editora aproveitava-se disso e adquiria na pra�a o papel de que necessitava a pre�os muito inferiores aos da importa��o direta. Esse benem�rito contrabando quebrava, pois, o rigor da taxa��o e foi gra�as a ele que este pobre pa�s p�de ler alguma coisa e crian�as das escolas puderam ter cartilhas ao alcance das suas posses. Mas a aben�oada institui��o est� no fim; o novo regime fiscal impede o contrabando e seus reflexos na cultura e na instru��o j� se visibilizam. O livro sobe; sobem os pre�os dos livros escolares. A sa�da diminui. O Brasil convence-se de que h� uma conspira��o para que ele n�o aprenda a ler...
Acresce ainda uma circunst�ncia. As f�bricas nascidas � sombra da feroz tributa��o do papel acabam de coligar-se para comprar o Congresso (� o termo que usam) a perman�ncia do status quo, se n�o o agravamento das taxas. Seus diretores s�o ricos e poderosos, sabem falar a linguagem que os pol�ticos negocistas entendem, e vencer�o. Vencer�o caso V. Exa. n�o abra os olhos e se ponha ao lado dos interesses da nossa cultura contra os interesses desse grupo. A f� que temos em V. Exa. nos faz crer que isso se dar� e que V. Exa. formar� ao lado do pobre grupo que n�o tem meios de fazer valer suas raz�es, nem tornar ouvida a sua voz: o pa�s.
Se o grupo papel�fero vencer (e a Cia. Melhoramentos de S�o Paulo j� deu um grande tiro de �grosse Bertha� com o seu relat�rio sobre a marca d��gua, sinal de abertura de opera��es), far�o os interessados um excelent�ssimo neg�cio, suas f�bricas dar�o altos dividendos, vinte novos-ricos sair�o da celulose sueca � mas a ignor�ncia nacional crescer� porque o pre�o do livro aumentar�.
Esse relat�rio, cheio de retratos lisonjeativos, � um primor de mistifica��o, e d� boa medida do maquiavelismo das ind�strias que s� vingam � sombra de clamorosas taxas protetoras.
Nada temos a ver com os neg�cios alheios. Mas como o nosso ponto de vista � o da cultura do povo brasileiro e a v�tima da �grosse Bertha� vai ser essa cultura, lembramo-nos de dirigir a V. Exa. estas palavras arrastadas pela frase com que Henry Ford termina o seu maravilhoso livro: Everything is possible...�faith is the substance of things hoped for, the evidence of things not seen�.
Temos f� em V. Exa., e certeza de que, caso volte a aten��o para este problema, ser� ele resolvido a favor da cultura nacional e n�o a favor de um grupo de honrados ganhadores de dinheiro. (3:193-197)
2. Parece incr�vel, mas a vida liter�ria do Brasil, de 15 a 25, girou em redor de mim e da minha editora. Pelas cartas ver�s isso. N�o havia quem n�o me procurasse, e eu ia lan�ando nomes e mais nomes novos, depois de haver aberto o pa�s � entrada de livros. Aquela hist�ria de pular das trinta e tantas livrarias que t�nhamos pelo pa�s inteiro, �nicos pontos onde se vendiam livros, para os 1200 e tantos consignat�rios de Monteiro Lobato & Cia., foi uma das etapas da emancipa��o cultural do Brasil. Na correspond�ncia h�s de encontrar muito reflexo disso. (4:189)
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Ver: LITERATURA INFANTIL-JUVENIL 8 ( 9:249-256 )

M

MEM�RIAS
1. O pr�prio g�nero �mem�rias� � uma atitude: o memorando pinta-se como quer ser visto pelos posteros � at� Rousseau fez assim � at� Casanova. (1:17)
2. Parece que ando na idade de ler mem�rias. S� nelas temos o que � poss�vel de hist�rias verdadeira, com os basfond e as cozinhas e copas da humanidade. A hist�ria dos historiadores coroados pelas academias mostra-nos s� a sala de visita dos povos. � uma garni uniforme, incolor, tanto na Fran�a como na Turquia e R�ssia. Mas as mem�rias s�o a alcova, as an�guas, a chinela, o pinico, o quarto dos criados, a sala de jantar, a privada, o quintal � a pele quente e nua, ora macia, ora craquenta de lepra � da humanidade, a grande humanidade com �h� min�sculo, esse oceano de machos e f�meas que come, bebe e ama � e sup�e que faz mais alguma coisa, al�m disso. (1:340-341)
3. E como v�o as Mem�rias? Li aquelas tiras a l�pis que V. me deu � �ltima hora.Divaga��es � devaneios. Boa anota��o desse sonhar acordado que o franc�s chama �r�verie�. Nas Mem�rias voc� precisa ser �direto� � quanto mais direto um estilo, mais forte a impress�o que causa. (4:251)
4. Mem�rias... N�o h� g�nero mais mentiroso, porque o mundo nos for�a a mentir sempre que falamos de n�s mesmos � qualquer coisa que digamos sobre qualquer assunto estaremos sempre a falar, indiretamente, de n�s mesmos, a nos enfeitarmos ou a nos deprimirmos (se somos masoquistas �s avessas). Gostaria muito de mem�rias como literatura, se o sujeito � interessante, porque nas mem�rias o escritor aborda grande variedade de assuntos e isso o ajuda a pavonear-se em mil cabriolas diversas.
Ah, a nossa covardia infinita! No dia em que aparecer um homem de verdadeira coragem, ah esse homem escrever� o maior livro de mem�rias do mundo � e o mundo o apedrejar�, como apedrejou o marqu�s de Sade, um dos �nicos homens sinceros que existiu.
Somos dois em um � somos o homem que �, e o homem social que precisa ser assim e assado. O que somos, isso morre conosco; s� temos coragem de escrever o que n�o somos, ou o que somos na nossa segunda natureza, a adquirida, a social. Eu tinha vontade (e talvez me atreva a tanto) de escrever uma tentativa de mem�rias � mas sairia com pseud�nimo de verdade, de modo a permanecer impenetr�vel . mas ningu�m tenta isso porque... para que fazer uma coisa apenas para benef�cio dos outros e nenhum para n�s? O ego�smo n�o existe.
Conhece o Di�rio de Pepys? � o que mais se aproxima do que concebo como mem�rias. Mas Pepys teve de escreve-lo em l�ngua cifrada para que ningu�m o lesse. Pois um s�culo depois de sua morte algu�m o descobriu numa papelaria velha, e conseguiu decifra-lo e publicou-o, dando � literatura inglesa o mais interessante e humano de seus livros. Mas faltou a Pepys ser um homem superior, um grande artista; mesmo assim � uma das poucas coisas leg�veis que h� no mundo. (12:68-69)
5. Mem�rias s�o depoimentos pessoais no intermino processo, e valem por m�s testemunhas os que silenciam egoisticamente sobre o que fizeram ou viram fazer. O sil�ncio em tal caso corresponde a refugir ao cumprimento de um dever inilud�vel � contribuir cada qual com o que possa para que o amanh� seja, se n�o melhor, pelo menos mais esclarecido do que o ontem e o hoje. (16:197)
6. Tanto Em�lia falava em �minhas Mem�rias� que uma vez Dona Benta perguntou:
- Mas, afinal de contas, bobinha, que � que voc� entende por mem�rias?
- Mem�rias s�o a hist�ria da vida da gente, com tudo o que acontece desde o dia do nascimento at� o dia da morte.
- Nesse caso � ca�oou Dona Benta � uma pessoa s� pode escrever mem�rias depois que morre...
- Espere � disse Em�lia. � O escrevedor de mem�rias vai escrevendo, at� sentir que o dia da morte vem vindo. Ent�o p�ra; deixa o finalzinho sem acabar. Morre sossegado.
- E as suas mem�rias v�o ser assim?
- N�o, porque n�o pretendo morrer. Finjo que morro, s�. As �ltimas palavras t�m de ser estas: �E ent�o morri...�, com retic�ncias. Mas � peta. Escrevo isso, pisco o olho e sumo atr�s do arm�rio para que Narizinho fique mesmo pensando que morri. Ser� a �nica mentira das minhas Mem�rias. Tudo mais verdade pura, da dura � ali na batata, como diz Pedrinho.
Dona Benta sorriu.
- Verdade pura! Nada mais dif�cil do que a verdade, Em�lia.
- Bem sei � disse a boneca. � Bem sei que tudo na vida n�o passa de mentiras, e sei tamb�m que � nas mem�rias que os homens mentem mais. Quem escreve mem�rias arruma as coisas de jeito que o leitor fique fazendo uma alta id�ias do escrevedor. Mas para isso ele n�o pode dizer a verdade, porque sen�o o leitor fica vendo que era um homem igual aos outros. Logo, tem de mentir com muita manha, para dar id�ia de que est� falando a verdade pura.
Dona Benta espantou-se de que uma simples bonequinha de pano andasse com id�ias t�o filos�ficas.
- Acho gra�a nisso de voc� falar em verdade e mentira como se realmente soubesse o que � uma coisa e outra. At� Jesus Cristo n�o teve �nimo de dizer o que era a verdade. Quando P�ncio Pilatos lhe perguntou: �Que � a verdade?� ele, que era Cristo, achou melhor calar-se. N�o deu resposta.
- Pois eu sei! � gritou Em�lia. � Verdade � uma esp�cie de mentira bem pregada, das que ningu�m desconfia. S� isso. (23:7-8)

N

NATURALISMO
1. O naturalismo d�i uma rea��o violenta contra os exageros do romantismo. Mas o naturalismo passou da conta e por sua vez est� provocando rea��es. O naturalismo acabou em fotografia colorida. O adjetivo de que o Macuco mais gosta deve ser o �n�tido�, e n�o h� cretino que ao dar opini�o sobre qualquer pintura (a Gioconda ou um Corot) n�o venha com o cl�ssico: �Como est� n�tida!�. Pois foi isso. O naturalismo morreu no n�tido fotogr�fico. (1:54)
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Ver: DESCRI��O (2:13-14)

NOVELISTA
O novelista � um historiador de almas. N�o inventa. Mas convence-se de certas coisas. (6:248)

O

OBRA-FORTE
Cana� � o que chama uma obra-forte, e obra-forte quer dizer obra-fraca. N�o � paradoxo. As obras-fracas no presente s�o as incompreendidas, ou de compreens�o s� poss�vel no futuro. E as fortes s�o as que de tal modo satisfazem �s exig�ncias do presente que provocam estouros de entusiasmo � obras desp�ticas. Mas passam com a passagem dessas exig�ncias. Acho a tese de Cana� muito atual: imigra��o, coloniza��o, absor��o, etc. quando tudo mudar, daqui a cem anos, quem vai interessar-se pelas id�ias de Milkau e Lentz? Quem hoje l� os romances sobre a escravid�o? Os argumentos da Cabana do Pai Tom�s nos fazem sorrir - e eram t�o fortes no tempo que deflagraram uma guerra. Os romances de Mme. de St�el nos d�o id�ia de anquinhas, saia bal�o. Cana� ser� um grande livro enquanto perdurarem os nossos problemas imigrat�rios; depois ir� morrendo � e os futuros leitores pular�o os peda�os de Lentz e Milkau. J� o Braz Cubas � eterno pois enquanto o mundo for mundo haver� Virg�lias e Brazes; mas Milkau � um metaf�sico de hoje, tem ideais de hoje e filosofia hojemente; amanh� s� ser� lido pelos futuros Melos Morais. (1:45-46)

OPINI�O
Por isso, a opini�o que vale � a pescada atr�s da porta. Sistema de Apeles, que expunha o quadro e ficava bem escondido, a ouvir os coment�rios � e mesmo assim protestou contra a do sapateiro.
Opini�es! Eu, se fora refazer qualquer coisa do Olimpo, mudaria o nome do deus Jano. E o sexo. Punha em lugar dele a deusa Opini�o. (12:57)

OPINI�O P�BLICA
Originalidade marcada, s� nos homens da ro�a que n�o l�em jornais. Id�ias pr�prias, pontos de vista �nicos, personal�ssimos, e a sublime coragem do pitoresco mental.
Nas cidades grandes o jornal ingerido pela manh� desoriginaliza, bota-nos a todos bitolados pela mesma regra de pensar.
A opini�o p�blica s� existe nos lugarejos. Nas capitais desaparece substitu�da pela opini�o que se publica. (7:6)

ORTOGRAFIA
1. Quanto � ortografia, procedi de modo inverso ao teu. Atacaste-a pel�A Lanterna e adotaste-a em p�blico. Eu defendi-a em p�blico mas n�o a adotei. Por qu�? Pregui�a, incapacidade. Acho que deve ser dific�lima para mim. Ter de aprender de novo, na minha idade, isso � duro. E h� ainda uma raz�o est�tica. Acho razoabil�ssimo que se escreva, por exemplo, �est�tica�; mas acho fidalgo, cheiroso, escreve-la � antiga, com aquele in�til �h� a flanar no meio da palavra. Tenho paix�o pelo �h�. d�-me id�ia duma letra nobre, de muita ra�a, com av� bar�o rapinante nas Cruzadas. S� trabalha quando quer, e s� para modificar o som de outras letras. Age por a��o de presen�a. O �n�, se o �h� lhe surge na frente, mija-se todo e fica �nhe�. E fora de casos assim, o �h� s� aparece nas palavras por puro esporte, por uma esp�cie de parasitismo � para arejar-se, ou para exibir-se quando puxa fila, como em �Homem�. E o que d� dignidade ao Homem � o �H�. Imagine se o Gon�alves Viana propusesse mudar-nos para �Omem�. At� eu, daqui, ajudava a linch�-lo.
Adotas a reforma desse Viana? Se eu puder decorar regras � poss�vel que fa�a o mesmo � apenas para acompanhar o movimento, n�o que a ache bonita. Boa, sim, �. Ou ent�o persistirei na antiga, contribuindo para vit�ria da nova com o criar os filhos nelas. (1:329)
2. Nossos �imortais� faineantes, esquecidos de que a ortografia n�o era para uso exclusivo deles e sim de milh�es de mortais que t�m o que fazer, complicaram a grafia das palavras mais simples com acentos que de nenhum modo se justificam. At� o pobre verbo haver, no tempo �ha� que desde que nasceu foi grafado assim, passou imbecilmente a �h�. Por qu�? Haver� possibilidade dessa palavra ser pronunciada de duas maneiras? Esse neg�cio de acentos assume para n�s mortais um aspecto econ�mico que ainda n�o foi estudado. Talvez que a expans�o do Imp�rio Brit�nico tenha como um dos fatores o lucro de tempo decorrente de n�o haver na l�ngua inglesa acentos. Abro ao acaso uma tradu��o francesa dos �Essays� de Macaulay e numa p�gina conto 78 acentos; essa mesma p�gina Macaulay a escreveu sem um s�. Talvez o tempo que os franceses perderam no s�culo 17 e 18 em enfeitar de sinaizinhos as palavras haja sido a raz�o de os ingleses terem chegado primeiro a tantas terras que foram pegando.
Revoltado contra os acentos acad�micos, usei do meu prest�gio na Editora Nacional para uma guerra � excresc�ncia, e consegui que a empresa editasse centenas de milhares de livros com a �desacentua��o� exemplificada no livro que remeto como amostra. E n�o sei de uma s� crian�a que, lendo-o, sinta falta das pulguinhas suprimidas. (4:30-31)
3. N�o posso compreender a raz�o dos acentos. � coisa que berra contra todo o progresso moderno de fixa��o dos sons articulados por meio de sinais gr�ficos. E agora que cada vez mais se expande a escrita a m�quina, o acento chega a tornar-se um trabalho in�til dos que d�o preju�zo em dinheiro ao pa�s. Se fosse poss�vel o c�lculo, assombraria a conta de quanto os povos de l�ngua inglesa ganharam em tempo � e pois em dinheiro � com a supress�o integral do acento. N�o existe uma s� palavra inglesa que se grafe com essas excresc�ncias in�teis � e a l�ngua deles � a mais rica e d�ctil de quantas se desenvolveram no mundo.
Mem�rias, escreve voc�. Perde tempo erguendo a m�o do papel para meter a cunha no o. Sem a cunha haveria meios de se pronunciar de outra maneira essa palavra? (12:78-79)
4. Depois da tremenda revolu��o ortogr�fica da Em�lia, o Brasil ficou envergonhado de estar mais atrasado que uma bonequinha e resolveu aceitar as suas id�ias. E o governo e as academias de letras realizaram a reforma ortogr�fica. N�o saiu coisa muito boa, mas serviu. Infelizmente cometeram um grande deslize: resolveram adotar uma por��o de acentos absolutamente injustific�veis. Acento em tudo! Palavras que sempre existiram sem acentos e jamais precisaram deles, passaram a enfeitar-se com esses risquinhos. O coitado do �h� do verbo haver, passou a escrever-se com acento agudo � �h�, sem que nada no mundo justificasse semelhante burrice. E introduziram acentos novos, como o tal acento grave (`), que, por mais que a gente fa�a, n�o distingue do acento agudo (�). O �a� com crase passou a ���, embora conservasse exatamente o mesmo som! E apareceu at� um tal trema ( �), que � implicant�ssimo. A pobre palavra �freq��ncia�, que toda a vida foi escrita sem acento nenhum, passou a escrever-se assim: �freq��ncia�!...
Em�lia danou.
- N�o quero! N�o admito isso. � besteira da grossa. Eu fiz a reforma ortogr�fica para simplificar as coisas, e eles com tais acentos est�o complicando tudo. N�o quero, n�o quero e n�o quero.
Quindim interveio.
- Voc� tem raz�o, Em�lia. A tend�ncia natural duma l�ngua � para a simplifica��o, por causa da grande lei do menor esfor�o. Se a gente pode fazer-se perfeitamente entendida dizendo, por exemplo, �t�sica�, por que dizer �phthisica� como nos tempo da ortografia etimol�gica? A forma �t�sica� entrou na l�ngua por efeito da lei do menor esfor�o. Mas a tal acentua��o in�til vem contrariar essa lei. Em vez de simplificar, complica. Em vez de exigir menor esfor�o, exige maior esfor�o. Logo, � um absurdo.
- Mas � obrigat�rio hoje escrever-se assim, com dez mil acentos � observou Pedrinho.
Quindim n�o concordou.
- Est modus in rebus � disse ele. � A l�ngua � uma cria��o popular na qual ningu�m manda. Quem a orienta � o uso e s� ele. E o uso ir� dando cabo de tosos esses acentos in�teis. Note que os jornais j� os mandaram �s favas, e muitos escritores continuam a escrever sem acentos, isto �, s� usam os antigos e s� nos casos em que a clareza exige. Temos, por exemplo, �fora� e �f�ra�. O acento circunflexo serve para distinguir o �fora� adv�rbio do �f�ra� verbo. Nada mais aceit�vel que esse acento no O . O que vai acontecer com a nova acentua��o � isso: as pessoas de bom senso n�o a adotam e ela acaba sendo suprimida. O uso aceita as reformas simplificadoras, mas repele as reformas complicadoras.
Em�lia ficou radiante com as explica��es de Quindim e p�s em vota��o o caso. Todos votaram contra os acentos, inclusive Dona Benta, a qual declarou peremptoriamente:
- Nunca admiti nem admitirei imbecilidades aqui em casa. (24:155-156)

P

PENSAR
1. O melhor m�todo de bem pensar � o peripat�tico � passeando, andando. (5:12)
2. Refugado o positivismo, pus-me a estudar comigo mesmo e fazer a coisa mais dif�cil de todas: pensar. Todo mundo pensa que pensa, mas bem poucos sabem o que � pensar � e como � penoso pensar. (...)
O destino levou-me ocasionalmente, a ler uma frase de Nietzsche, numa brochura que um colega trazia debaixo do bra�o. Dessas frases-p�len que nos rebentam bot�es l� dentro. Fui dali a um livreiro em procura de obras desse Nietzsche. N�o havia nenhuma. Encomendei todas. Algum tempo mais tarde recebi as obras de Nietzsche da tradu��o de Henry Albert � e mergulhei no fil�sofo alem�o. Foi a maior bebedeira de minha vida. Aquele pensamento terrivelmente libertador intoxicou-me. Um dos seus aforismos penetrou em meu ser como a coisa que procurava. �VADE MECUM�, �VADE TECUM�. Queres seguir-me? Segue-te. Essas palavras foram tudo � foram o meu rem�dio certo. Marcaram o fim da minha crise mental. Normalizaram-me. Entregaram-me a mim mesmo. O que naquela �nsia atrav�s das filosofias eu procurava era eu mesmo � e s� Nietzsche me contou que era assim. Em vez de seguir algu�m, ia seguir a vaga intui��o do meu eu...
A id�ia de tornar-me um aparelho receptor, nu de qualquer preconceito, deixado sempre ao l�u, ferrenhamente defendido contra tudo que fosse �Imposi��o�, pareceu-me � coisa certa � e a procurada. �SEGUE-TE�. Nunca uma palavra foi melhor compreendida, melhor apreendida, melhor sentida. Sua significa��o �ltima era liberdade mental e moral.
Ocorre-me um incidente dessa �poca. Eu estava na Livraria Gazeau, fossando livros.
Achei um Nietzsche novo para mim. Abri-o, pus-me a ler ao acaso. Um padre aproximou-se. Espiou o livro pelo meu ombro e disse: �esse fil�sofo � dissolvente� - �Como o sab�o�, foi a resposta que me veio instant�nea, sem nem sequer erguer os olhos do livro.
Nietzsche foi de fato o meu sab�o. Limpou-me de todas as gafeiras mentais e morais. Mas nunca o li totalmente, de medo de assimila-lo demais e tornar-me nietzschiano � o que contrariaria o seu �VADE TECUM�. Sempre que lhe tomava um livro, logo nas primeiras linhas um daqueles pensamentos � p�len me empolgava e germinava em mil pensamentos meus. A fun��o desse fil�sofo em minha vida foi sempre devolver-me a mim mesmo.
E assim foi que me fiquei na vida sem sistematiza��o nenhuma, livre como um passarinho, a esvoa�ar para onde aprazia, levado apenas pelas minhas intui��es, insubmisso a f�rmulas e autoridades. Essa insubmiss�o estendeu-se � minha literatura. Tudo quanto produzi, contos ou sonhos infantis, n�o se subordinaram a norma nenhuma. Segui apenas a veneta. �QUERES SEGUIR-ME? SEGUE-TE�.
N�o fiz na vida outra coisa sen�o, em tudo trilhar o conselho nietzschiano, indiferente a censuras ou aplausos ou a interesses. Claro que num terreno assim a ci�ncia positiva crava as unhas. A ci�ncia positiva �prova� e quando h� provas, que lugar subsiste para a d�vida? Acostumei-me a aceitar as conclus�es da ci�ncia, dispensando-me de experi�ncias pessoais diante da experi�ncia coletiva e convergente dos s�bios.
Na vida social sempre fui asperamente sincero. Jamais escrevi ou afirmei coisa de que n�o estivesse convencido. Dessa atitude proveio minha fama de �propagandista�. Consideravam-me grande propagandista pelo fato de lan�ar empresas e com meus manifestos e exposi��es atrair todo o capital necess�rio. A for�a dessas exposi��es feitas diretamente ao p�blico, foi sempre a mesma: a minha absoluta convic��o pessoal. Quando propus o neg�cio do petr�leo com base nas indica��es do aparelho Romero, vi-me fortemente censurado � mas nunca fui t�o sincero. Se em mim subsistisse a menor sombra de d�vida quanto � efic�cia desse aparelho, de nenhum modo eu o teria afirmado como afirmei.
Tive convites para cargos oficiais de grande import�ncia. Sistematicamente recusei-os por n�o estar convencido das coisas que nesses cargos seria preciso afirmar.
Essa forma de esp�rito insubmisso, leal, lib�rrimo, irredutivelmente sincero, obrigou-me a viver isolado na comunh�o social, sempre s� comigo mesmo ainda dentro das maiores multid�es. Via, sentia, reconhecia os males da sinceridade num mundo todo de c�lculo e oportunismo � mas preferia esses males aos �bens� que d�o a vit�ria. (9:222-225)
3. Nos livros de ci�ncias j� n�o h� esse pegar coisas com os cascos imantados, e sim pegar tudo e assimilar, porque ci�ncia n�o � opini�o, nem temperamento, e sim o que �, na opini�o dessa coisa que nada tem a ver com os homens e as opini�es dos homens, chamada LABORAT�RIO. E sobretudo biologia. Leia e assimile a biologia do Wells. Science of Life.
Em suma, � preciso que voc� passeie pelo pensamento cr�tico dos grandes homens, das grandes intelig�ncias, n�o para acumular como um museu o que eles dizem, mas para ir assimilando umas ess�ncias afins e construtoras do teu ego mental.
Assim procedendo, voc� aperfei�oa o seu modo pessoal, �ntimo, �nico de pensar. Aprender a pensar! Quando esse violino fica no ponto de afina��o requerida, � uma beleza, porque voc� tocar� todas as m�sicas. � preciso que fiques t�o afinado e sutil e firme que possas diante de qualquer coisa apanhada nos aspectos eternos...Mais isto n�o cabe em carta. Temos de adivinhar como �. Temos de criar o nosso caminho. Tudo muito dif�cil � ou f�cil, se nascemos assim ou assado. Ah, como tudo � complicado e dif�cil de transmitir...
Resumirei dizendo: crie o instrumento de express�o; estilo; e aprenda a pensar por si. O resto vem por si. (12:70)
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Ver: POESIA 2: (5:119)

PINTURA BRASILEIRA
A pintura brasileira s� deixar� de ser um pastiche inconsciente quando se penetrar de que � mister compreender a terra para bem interpret�-la. (16:58)

POESIA
1. Como a flor emana perfume, o poeta nato emana poesia, esse misterioso e indefin�vel estado d�alma que se chama poesia. (5:115)
2. Os fisi�grafos dividem a camada de ar que envolve o nosso planeta em atmosfera e estratosfera. A primeira � percept�vel a todos os seres vivos. A segunda � adivinhada apenas pelos s�bios.
Igual divis�o observamos na camada de pensamento em que todos n�s vivemos, como vivem os peixes na �gua; e h� uma estratosfera mental, ps�quica e metaps�quica, de que todos os seres comparticipam inconscientemente, mas s� algumas criaturas eleitas pressentem, sentem ou mesmo �sabem�. � a zona por momentos atingida por certos poetas m�sticos (ou vaticinadores), por certos fil�sofos quase incompreens�veis pelo vulgo, pelos santos em �xtase, pelas criaturas sujeitas a certos estados do que a ci�ncia chama alucina��o. (5:119)
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Ver: POETA 1 (5:116)

POESIA ANTIGA E MODERNA
Ando atracado com as obras completas de Cam�es e volta e meia fisgo belezinhas. N�o prefiro a poesia antiga � moderna, mas acho na antiga um sabor mais am�vel, qualquer coisa como o cheiro dos velhos casar�es de fazenda que a caseira abre para nos receber. A cor e o sabor da poesia moderna s�o mais ricos de torturas, t�m mais pensamento, denotam mais mat�ria cinzenta no c�rebro humano e isso nos agrada, a n�s complicados homens agora. A antiga d� id�ia de p�s em sand�lias. (1:144)

POETA
1. E ent�o compreendi o que � realmente ser poeta. � ser por natureza um org�nico produtor da indefin�vel sugest�o a que chamamos poesia � sugest�o que n�o visa coisa nenhuma, que n�o quer provar coisa nenhuma, que � o m�nimo poss�vel da terra, tanto foge ao Espa�o e o Tempo. Levita��o, levita��o. (5:116)
2. Poeta... Que surrada andas tu, pobre palavra, e que longe andas do sentido �ntimo, pelo abuso de te vestirem quantos por a� medem versos nos dedos para uma peri�dica postura nas revistas!
Poeta � poeta n�o � o malabarista engenhoso que acepilha sonetos, embora belos, sen�o a criatura eleita que ressoa �s mais sutis vibra��es ambientes, como se toda ela, corpo e alma, f�ra uma harpa e�lia de cordas vivas.
Os crep�sculos estriados de sangue, o marulho das ondas nos fraguedos, o bisbilho dos c�rregos nos socav�es das matas, a bruma das manh�s, um ninho em que pipilam aves implumes, o sil�ncio augusto das montanhas, o trilo duma patativa, uma estrelinha a piscar, as vozes misteriosas das coisas balbuciadas em surdina, os cambientes, as penumbras � tudo quanto � estado d�alma da Natureza, esfrola as cordas da harpa feita homem e a faz exsolver-se na gama inteira das vibra��es emotivas.
Fixar estas vibra��es por meio da palavra disciplinada no ritmo e enlanguecida na melodia da rima, � simples lavor final. O tudo, a coisa suprema, � ser poeta, sensibilidade de galvan�metro, harpa e�lia em permanente vibrar a todas as auras.
O homem frio que, senhor da cultura e sabedor da t�cnica, comp�e um poema, por maiores belezas que nele derrame ser� um ret�rico, um orador � poeta � que n�o.
E n�o, porque seus versos foram compostos ao inv�s de brotarem l�gicos, no incoerc�vel da flor que vem da planta, do perfume que sai da flor, da ebridade que emana do perfume.
O verdadeiro poeta � um eterno soar de cordas que nele s�o bord�es e primas, afinad�ssimos, tensos de estalar, e no vulgo s�o calabr�s grossos e bambos.
Alfredo de Musset, Antonio Nobre... poetas no seu tempo, poetas hoje, poetas amanh�, poetas sempre.
Hugo, Rostand... ser�o poetas para o cora��o do homem futuro?
N�o � ret�rica a poesia, nem eloq��ncia. � dor. Dor estilizada, dor de amor, dor de saudades, dor de esperan�as, dor de ilus�es murchas, dor de anseios vagos, dor de impot�ncia, dor do inexprim�vel. (16:89-90)

POETISA
A poetisa de hoje emparelhou-se com o poeta moderno. E assim como este perdeu a cabeleira, a caspa, as atitudes fatais, e veste-se, come, bebe e lava-se como todo mundo, assim tamb�m a poetisa desfatalizou-se e n�o h� mais discerni-la � janela pelo negror das olheiras, nem � noite pelo modo canino de ferrar o olho na lua.
Compuseram-se. Al�apremaram-se a n�vel superior. Emparelharam-se �s demais criaturas finas de eleg�ncia mental, distin��o e sobriedade de maneiras.
Quem l� uma Francisca J�lia tem a impress�o duma eleita da linha, no car�ter e na mentalidade.
Gilka Machado d� a sensa��o nobre de criatura afeita a partir cristais com martelo de ouro.
Albertina Berta documenta a capacidade feminina para v�os elegantes sobre cumeadas alpestres onde esvoa�am os d�Annunzios.
E agora Maria Eug�nia Celso revela um livro a maneira galharda com que neta e filha podem empunhar um cetro de nobreza moral legado pelo av�, e uma pena refulgente que ainda maneja o pai.
Nem resqu�cio da poetisa � antiga, aves c�micas que �poisavam gorgeando nos peri�dicos do tempo�. Mas a criatura de fina sensibilidade e larga cultura, de nobil�ssimo car�ter e suave equil�brio, � qual apraz traduzir em versos os seus mais sutis estados d�alma. (6:187-188)

PONTUA��O
(Um par�ntese antes que a id�ia me fuja: na nossa pontua��o falta um sinal necessar�ssimo, nuan�a do �?�. Este raio de �?� serve para as perguntas, mas para a �pergunta repetida� n�o temos sinal nenhum e somos for�ados a usar o mesmo, com grave dano da entona��o. �Que idade tens?� � �Que idade tenho? S� vinte anos�. A entona��o do segundo �?� � totalmente diversa da do primeiro � e por pobreza diacr�tica somos for�ados a empregar o mesmo ponto de interroga��o, o que n�o deixa de ser um defeito da l�ngua escrita � porque na falada temos a variante da entona��o. Vamos lan�ar o sinal que falta? Ita parenthesis est. ) (1:144-145)

PREF�CIO
- Que � pref�cio? � perguntou Em�lia.
- S�o palavras explicativas que certos autores p�em no come�o do livro para esclarecer os leitores sobre as suas inten��es. O pref�cio pode ser escrito pelo pr�prio autor ou por outra pessoa qualquer. (25:10)

PROPRIEDADE DE EXPRESS�O
- E por que a senhora disse �redarg�iu�? N�o � pedantismo? � quis saber a menina.
- � e n�o � � respondeu Dona Benta. � redarg�ir � dar uma resposta que tamb�m � uma pergunta. Bonito, n�o?
- Por que � e n�o �? Como uma coisa pode ao mesmo tempo ser e n�o ser?
- � pedantismo para os que gostam da linguagem mais simplificada poss�vel. E n�o � pedantismo para os que gostam de falar com grande propriedade de express�o.
- E o que � propriedade de express�o? � quis saber Narizinho.
- Propriedade de express�o � explicou Dona Benta � � a mais bela qualidade dum Estilo. � dizer as coisas com a maior exatid�o. Ainda h� Em�lia falou no �ferrinho do trinco da porta�. Temos aqui uma �impropriedade de express�o�. Se ela dissesse �ling�eta do trinco� estaria falando com mais propriedade.
- Mas � ou n�o � ferrinho? � redarg�iu Em�lia.
- A ling�eta do tric� � um ferrinho, mas um ferrinho n�o � ling�eta � pode ser mil coisas. (28:184)
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Ver: VOC�BULOS 3 (1:263-264)

R

ROMANCE
1. No teu caso eu me dedicaria exclusivamente ao conto e me ia aperfei�oando sempre; e muito naturalmente viria mais tarde o romance, sem for�ar o temperamento � como veio ao Maupassant e ao E�a. O romance � um conto de 300 p�ginas e mais engalhado � e s� ergue 100 quilos quem durante anos se treinou em suspender halteres de 10. Que pressa a tua em saltar para o romance? Dizes que desanimaste no n� 4. P�e-no de parte, homem, e apega-te ao 10 quilos. E lan�a ao p�blico um livro de contos o ano que vem. O maior est�mulo para fazer um segundo filho � j� ter bem l�pido o primog�nito. (1:188-189)
2. Num romance, quando as rad�culas da nervura central s�o constitu�das por tipos discretamente pintados, de modo a n�o projetar sombras na coisa principal, o efeito � maravilhoso. Em Jack, por exemplo. Como aviva a pintura do car�ter de D�Argenton aqueles rat�s secund�rios que o rodeiam! Em Machado de Assis lembro-me do Dias, o homem dos superlativos, t�o discreto. �s vezes o que salva um romance � isso � esse fundo. (1:265)
3. Li a �ltima parte dos Soldados do Livro. N�o resta a menor d�vida: est�s romancista. Possues todas as qualidades necess�rias: 1) capacidade de trabalho, coragem de come�ar na 1a. e ir at� � p�gina 350; 2) instinto da composi��o, da arquitetura, da montagem, do enredo; 3) habilidade de manter at� o fim o car�ter dos personagens; 4) estilo e corre��o de l�ngua. Resta agora a lapida��o de todas essas qualidades que � um trabalho do tempo.
Noto no romance umas tantas excresc�ncias, que o aumentam de tamanho e diminuem de harmonia � uns tantos excessos que cumpre podar. Uma cara s� � bonita quando nada tem de mais ou de menos. Suprima, por exemplo, ou atenue, a catequese dos botocudos pelo Marolo. Materialismo n�o havia tempo, entre sua sa�da do gin�sio e o dia dos exames, do homem catequisar �ndios e padecer mart�rios. Fa�a a conta. N�o dava tempo nem dele chegar a Cuiab�. Al�m disso, muito mais conseq�ente com o car�ter de Marolo ser� sair do gin�sio e agregar-se parasitariamente ao bispado, em cargo que um leigo possa desempenhar.
O cap�tulo 16 pede refus�o. Est� prolixo, cheio de coisas que n�o dizem com o tom geral. Desafina. Noto que nos di�logos voc� se vulgariza um pouco. O di�logo no romance � o enxerto das coisas vivas, frisantes, engra�adas ou �ticas, que por associa��o v�o ocorrendo ao escritor. A cena dos conspiradores em casa do Dadico pede reparo. Da rua, portas e janelas fechadas, como podiam eles ver e ouvir tudo quanto se passava l� dentro? Muito melhor deixar entrever a situa��o do que narra-la �s cruas. E assim outras coisas.
Em muitos pontos � prefer�vel entremostrar a mostrar, diluir os contornos duros, substituir luz por meia-luz ou penumbra. H� ganho de sugest�o. (1:301-302)
4. Venho por-me em dia. N�o h� d�vida, os teus Pioneiros ganhar�o com algum desbaste a foice, sabiamente feito nalguns trechos que me parecem muito copados. � o que estou fazendo aqui numa ch�cara que foi de meu av�: desbastando, derrubando tudo quanto � �rvore in�til. S� ficam as �rvores que d�o renda. P�s de cambur� que produzem mal e frutas enferrujadas � machado neles! Mangueiras maninhas � machado nelas! No romance tamb�m � assim. Tudo que for in�til ao progressivo efeito central pede foice e machado. Podar, podar! Eis o grande segredo. Desbastar. O que fica eleva-se, ganha realce. (1:303-304)
5. No romance o que estabelece o valor � a cria��o dos tipos e a sua focaliza��o dentro dum meio t�pico. (10:32)
6. Atire-se ao romance para o Cruzeiro. O meio de fazer um bom romance � empenhar-se dum bom tema, duma boa id�ia central, e escreve-lo impetuosamente, como um v�o de avi�o que vai sem paradas do ponto de partida ao de chegada � e depois de completado o jato, aperfei�o�-lo amorosamente. Eu preferia que o teu Arte Moderna fosse um romance que agora fosses reduzir a conto. Esse processo resulta, como dizem os ingleses. J� o processo contr�rio � diluir um conto em romance � � bastante perigoso, porque h� perda da intensidade. Voc� sacrificar� o �tamanho natural� da hist�ria ao tamanho imposto pela revista. Ora, isso de tamanho, a natureza prescreve um certo para cada esp�cie de coisa viva. Uma �rvore, um animal, um conto, um romance, um poema, tem um tamanho certo, prescrito pela lei da esp�cie e in-aument�vel ou in-diminu�vel. Se voc� faz um homem muito grande ou muito pequeno, deixa de ser um homem, passa a ser um monstro, passa a ser um gigante ou um an�o � coisas diferentes dum homem. Mas fa�a, sem pensar no pr�mio. Fa�a o melhor que puder, que estar� certo, com ou sem pr�mio. (18-47)
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Ver: CONTO 4 (1:280-281)
CRIA��O 4 (2:137-138)
ROMANCISTAS 1 (7:228)

ROMANCE NO BRASIL
O romance no Brasil, meu caro Artur, � uma coisa que come�ou certa mas se perverteu muito cedo. Come�ou otimamente com as MEM�RIAS DUM SARGENTO DE MIL�CIAS, de Manuel de Almeida. Ele o escreveu muito mo�o e nem sequer o concluiu. O famoso romance n�o passa dum peda�o de romance. Parece que l� pelo meio Manuel de Almeida viu que n�o valia a pena acabar aquilo, por falta de p�blico, ou porque se casou e a mulher implicou-se. Mas apesar disso ficou c�lebre em nossa literatura e j� teve in�meras edi��es. � dos tais que o leitor pega e vai at� o fim. Por qu�? Porque n�o exige tradu��o. J� est� traduzido. � um livro cheio de incorre��es, com pronomes indecentemente colocados � mas certo.
- Como certo, se � incorreto?
- Certo, porque agrada a ponto de ser eternamente lido. Todos os anos aparecem edi��es novas do peda�o de livro de Manuel de Almeida. Ainda agora o Martins fez uma. At� eu j� editei as MEM�RIAS. Mas Manuel de Almeida com o seu romance certo n�o fez escola. Os romancistas que vieram depois mudaram de rumo. Veio, por exemplo, Jos� de Alencar, com um viveiro de araras e gra�nas e �ndios e at� uma �virgem morena de l�bios de mel�, que temos de traduzir para ��ndia dor de cuia, com bei�o �mido de saliva�. N�o h� mel em l�bios de ningu�m, como n�o h� ling�i�a em focinho de cachorro. A fisiologia manda que a l�ngua lamba imediatamente esse mel e o cachorro coma essa ling�i�a. Mas Alencar tinha muito talento e era de f�cil tradu��o. Ficou. Ser� sempre lido.
- E Macedo?
- Esse veio antes de Alencar e escreveu A MORENINHA. Ah, A MORENINHA! Li esse romance no col�gio, escondido � e achei-o a coisa mais linda do mundo. Meu entusiasmo foi tanto que fiz todos os meus companheiros o lerem. Tivemos a nossa �Semana da Moreninha� no Instituto de Ci�ncias e Letras, com seu Bernardes como vigilante no grande sal�o de estudo. Aquele austero mo�o j� andava premeditando a presid�ncia da Rep�blica.
- Mas ent�o julga A MORENINHA coisa boa assim?
- N�o sei. Depois de adulto tentei l�-lo e n�o consegui. Pareceu-me um purgante. � que naquele tempo est�vamos na idade. H� a idade do sarampo, das espinhas inexplic�veis, do primeiro amor, do come�o do sexo. A MORENINHA n�o � literatura � � rem�dio...
- E os outros romancistas?
- Temo-los em quantidade. Temos um hoje excelente l� no sul. E tivemos o maravilhoso Machado de Assis, ponto culminante da nossa orografia liter�ria e de grande circula��o depois que se fez ef�gie de moeda. Mas de Machado de Assis nem gosto de falar porque para mim virou santo, virou Himalaia, tabu. � qualquer coisa � parte e �nica em todas as literaturas. Deixamo-lo no Olimpo, sozinho. Falemos dos outros, de tantos outros que levaram o estilo � maior perfei��o e com isso acabaram errados.
- N�o estou entendendo.
- Quem prova demais prova contra, diz um brocardo jur�dico. O excesso de perfei��o estil�stica faz na literatura o mesmo que as modernas m�quinas de beneficiar arroz fazem para esse gr�o. Essas m�quinas deixam o arroz uma beleza, de t�o branco e polido. Transformam-no em bast�ezinhos de n�car � mas quem se alimenta s� com eles acaba com berib�ri. (...)
- Acha ent�o que a perfei��o da forma levada ao absoluto � erro?
- N�o � erro; ao contr�rio, � o supremo acerto � mas d� berib�ri. Porque � alimento sem vitaminas. Parece que nisso de l�ngua andamos errad�ssimos. H� duas l�nguas, a falada e a escrita. A falada � que � a grande coisa, pois que � o meio de comunica��o entre todas as criaturas humanas, afora a muda. A l�ngua escrita veio depois, e � coisa restrit�ssima. Todas as criaturas humanas jogam com a l�ngua falada, e quantas com a escrita? Uma porcentagem insignificante. Isso faz que a l�ngua falada resida permanentemente no apogeu da express�o e do pitoresco, ao passo que a escrita se atrase a ponto de ficar uma coisa exigidora de tradu��o. � muito f�cil a prova disto. Mande o Manuel ler qualquer coisa. Ele l� o que est� escrito e depois, inconscientemente, diz: �Isto quer dizer que...� e explica em l�ngua falada o que o escritor teve inten��o de dizer. Traduz, portanto.
- Ent�o a grande coisa do escritor � escrever como fala?
- Ah, se fosse poss�vel! A arte da l�ngua escrita � a tal �Inania Verba� do Bilac, mas quanto mais um escritor escreve como fala, mais lido e gostado. Ah, que maravilha os que escrevem com todas as vitaminas da l�ngua que falam! Como � saud�vel e gostoso! Escrever com os �ma que!� dos italianos, com os �Que v�!� dos espanh�is, com pontap�s na gram�tica sempre que ela se aproxima, escrever com caretas e gestos e at� com perdigotos! Tudo isso s�o as pel�culas do arroz liter�rio, nas quais residem as vitaminas. E que faz o escritor de alto coturno? Olha com o maior desprezo para tais pel�culas e as sacode do seu estilo como se fossem caspas...
Manuel Neto riu-se com alguma incredulidade.
- A corre��o da l�ngua � um artificialismo, continuei episcopalmente. O natural � a incorre��o. Note que a gram�tica s� se atreve a meter o bico quando escrevemos. Quando falamos, afasta-se para longe, de orelhas murchas. Na linguagem falada, a n�o ser na boca dum certo sujeito � � vontade (e repetir a frase para restaurar uma concord�ncia � pedantismo). Os pronomes arrumam-se como podem � antes ou depois, em baixo ou em cima, e muitas vezes nem entram na frase � s�o pequenininhos e as palavras grandes n�o os deixam entrar. Em oposi��o a essa l�ngua fresqu�ssima, t�o pitoresca, toda improvisa��es e desleixos, com todas as cores do arco-�ris, todos os cheiros e todos os sabores, temos a l�ngua escrita, emperrada, pedante, cheia de �cofos� e �choutos�. Ah, se toda gente escrevesse como fala, a literatura seria uma coisa gostosa como um curau que comi domingo no Trememb�. Esse Manuel de Almeida foi dos pouqu�ssimos entre n�s que escrevia como falava...
- Pois a Sra. Dupr� � assim, disse Artur, radiante. Talvez esteja nisso o segredo da sua atra��o.
- Segredo, segredo... Creio que o grande segredo � esse, ou 70 % esse. A enorme maioria dos nossos escritores n�o s�o lidos porque ou escrevem como Coelho Neto ou se procuram ser humanos, n�o sabem evitar a vulgaridade. As duas grandes desgra�as da literatura s�o essas: o artificialismo e a vulgaridade. (5:47-51)
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Ver: LITERATURA BRASILEIRA 2 (10:10-11)
ROMANCISTAS 2 (17:11-12)

ROMANCISTAS
1. Os romancistas s�o os modernos fixadores dos aspectos transit�rios da vida. Desenham as almas e os ambientes do caminho. Fazem a verdadeira hist�ria da aventura humana no planeta. Preparam os cortes anat�micos necess�rios aos estudos dos soci�logos a virem. Romance nenhum deixa de ser documento; na pior hip�tese, documento da incapacidade est�tica do autor. Um gomo inteiro da vida ecol�gica da Fran�a est� fixado na �Com�dia Humana� de Balzac. Huxley est� hoje fixando o drama da intelig�ncia cient�fica em choque com os encrostamentos da tradi��o. Wells vai al�m: transforma-se numa universidade viva e consegue al�ar-se � profecia. The Shape of Things to Come realiza o milagre da introdu��o da matem�tica ha hist�ria. Wells soma os algarismos do passado com os do presente e d� os n�meros � o bicho, a dezena, a centena e o milhar do futuro pr�ximo. (7:228)
2. No concerto dos nossos romancistas, onde Alencar � o piano querido das mo�as e Macedo a sensaboria relamb�ria dum flautim piegas, Bernardo � a sanfona. L�-lo � ir para o mato, para a ro�a � mas uma ro�a adjetivada por menina de Sion, onde os prados s�o amenos, os vergeis floridos, os rios caudalosos, as matas viridentes, os p�ncaros alt�ssimos, os sabi�s sonorosos, as rolinhas meigas, Bernardo descreve a natureza como um cego que ouvisse contar e reproduzisse as paisagens com os qualificativos surrados do mau contador. N�o existe nele o vinco en�rgico da impress�o pessoal. Vinte vergeis que descreva s�o vinte perfeitas e invari�veis amenidades. Nossas desajeitad�ssimas caipiras s�o sempre lindas morenas cor de jambo.
Bernardo falsifica o nosso mato. Onde toda a gente v� carrapatos, pernilongos, espinhos, Bernardo aponta do�uras, insetos maviosos, flores olentes.
Bernardo mente. (17:11-12)

S

S�BIO
Mas Dona Benta n�o ouviu. N�o tirava os olhos das estrelas. Estranhando aquilo, os meninos foram se aproximando. E ficaram tamb�m a olhar para o c�u, em procura do que estava prendendo a aten��o da boa velha.
- Que �, vov�, que a senhora est� vendo l� em cima? Eu n�o estou enxergando nada � disse Pedrinho.
Dona Benta n�o p�de deixar de rir-se. P�s nele os olhos, puxou-o para o seu colo e falou:
- N�o est� vendo nada, meu filho? Ent�o olha para o c�u estrelado e n�o v� nada?
- S� vejo estrelinhas � murmurou o menino.
- E acha pouco, meu filho? Voc� v� uma metade do universo e acha pouco? Pois saiba que os astr�nomos passam a vida inteira estudando as maravilhas que h� nesse c�u em que voc� s� v� estrelinhas. � que eles sabem e voc� n�o sabe. Eles sabem ler o que est� escrito no c�u � e voc� nem desconfia que haja um milh�o de coisas escritas no c�u...
- Desconfio sim, vov�, mas fico nisso. Sou muito bobinho ainda.
- Bobinho como todos os grandes astr�nomos na sua idade, meu filho. Os maiores s�bios do mundo foram bobinhos como voc�, quando crian�as � mas ficaram s�bios com a idade, o estudo e a medita��o.
Narizinho interrompeu o tric� para perguntar:
- Fala-se muito em s�bio aqui neste s�tio, mas eu n�o sei bem, o que �. Conte, vov� � e retomou o tric�.
Dona Benta, quando tinha de dar uma explica��o dif�cil, tomava f�lego comprido, engolia em seco e �s vezes at� se assoprava resignadamente. Mas n�o falhava.
- Os s�bios, menina, s�o os puxa-filas da humanidade. A humanidade � um rebanho imenso de carneiros tangidos pelos pastores, os quais metem a chibata nos que andam como eles pastores querem e tosam-lhes a l� e tiram-lhes o leite, e os v�o tocando para onde conv�m a eles pastores. E isso � assim por causa da extrema ignor�ncia ou estupidez dos carneiros. Mas entre os carneiros �s vezes aparecem alguns de mais intelig�ncia, os quais aprendem mil coisas, advinham outras, e depois ensinam � carneirada o que aprenderam � e desse modo v�o botando um pouco de luz dentro da escurid�o daquelas cabe�as. S�o os s�bios.
- E os pastores deixam, vov�, que esses s�bios descarneirem a carneirada est�pida? � perguntou Pedrinho.
- Antigamente os pastores tudo faziam para manter a carneirada na doce paz da ignor�ncia, e para isso perseguiam os s�bios, matavam-nos, queimavam-nos em fogueiras � um horror, meu filho! Um dos maiores s�bios do mundo foi Galileu, o inventor da luneta astron�mica, gra�as � qual afirmou que a Terra girava em redor do Sol. Pois os pastores da �poca obrigaram esse carneiro s�bio a engolir a sua ci�ncia.
- Por qu�, vov�?
- Porque a eles pastores convinha que a Terra fosse fixa e centro do universo, com tudo girando em redor dela.
- Mas por que queriam isso?
- Para n�o serem desmentidos, meu filho. Como os pastores sempre haviam afirmado que era assim, se os carneiros descobrissem que n�o era assim, eles pastores ficariam desmoralizados.
- Ficariam com caras de grandes burros, que � o que eles s�o � berrou Em�lia indignada.
Dona Benta suspirou.
- Ah, meus filhos, eu at� nem gosto de pensar no que os s�bios t�m sofrido pelos s�culos afora... Aquela coitadinha da Hip�cia, por exemplo...
- Quem era ela, vov�? � quis saber a menina.
- Hip�cia foi uma s�bia grega nascida em Alexandria no ano 370. N�o s� muito culta, como de grande beleza. O pai educou-a muito bem e depois mandou-a aperfei�oar-se em Atenas, que era a Paris do mundo antigo. De volta a Alexandria, Hip�cia abriu uma escola onde ensinava as grandes id�ias de S�crates e Plat�o. Tornou-se querid�ssima do povo, sobre o qual derramava ondas de sabedoria. Pois sabe o que aconteceu com a coitada?
- Casou-se e... � ia dizendo a Em�lia, mas Narizinho tapou-lhe a boca. � Que foi, vov�?
- Mataram-na! Um grupo de capangas, instigados por um tal Bispo Cirilo, atacou-a na rua, matou-a e esquartejou-a .
Os quatro cora��ezinhos ali presentes pulsaram de indigna��o. Dona Benta continuou.
- E a S�crates, que foi um dos maiores iluminadores da ignor�ncia dos carneiros, os pastores da �poca obrigaram-no a beber cicuta, um veneno horr�vel. E Giordano Bruno? Ah, este foi queimado vivo numa fogueira, no ano 1600 � sabem por qu�? Porque era um verdadeiro s�bio e estava iluminando demais a escurid�o dos carneiros.
- Queimado vivo! � repetiu Narizinho com cara de horror. � eu nem consigo imaginar o que isso possa ser. Outro dia queimei o dedo na chapa do fog�o � e doeu tanto, tanto... Imagine-se agora uma fogueira queimando a gente inteira � a pele, os olhos, os nariz, as orelhas, as m�os, tudo, tudo... � e a menina tapou a cara como para n�o ver a cena.
Dona Benta deu um suspiro.
- Pois, minha filha, contam-se por centenas de milhares os m�rtires da fogueira, e quase sempre por isso: enxergar mais que os outros e ensinar aos ignorantes. Por felicidade minha, eu vivo neste nosso aben�oado s�culo; se eu vivesse na Idade M�dia, j� estava assada numa boa fogueira � e voc�s tamb�m, pelo crime de terem aprendido comigo muita coisa. At� Quindim ia para a fogueira como feiticeiro, se os pastores soubessem daquele passeio gramatical que ele fez com voc�s.
- E o Burro Falante, vov�? � perguntou Pedrinho.
- Tamb�m ia para a fogueira, meu filho. O simples fato de o nosso bom burro falar, j� seria considerado crime merecedor de uma d�zia de fogueiras.
- E eu? � indagou a boneca?
- Voc� tem dito tantas heresias, Em�lia, que eles a queimavam numa vela at� ficar reduzida a carv�o, e depois mo�am esse carv�o e o assopravam aos ventos, de medo que a poeirinha se juntasse e vivesse outra vez.
- E hoje, vov�? � quis saber Pedrinho. � Por que � que hoje n�o h� mais fogueiras para os s�bios?
- Porque apesar de todas as persegui��es os s�bios foram abrindo a cabe�a dos carneiros, e os carneiros j� n�o deixam que os pastores queimem os seus mestres de ci�ncia. Mas mesmo assim volta e meia um s�bio vai para o belel�u, destru�do pelos pastores. N�o os queimam vivos, � verdade, mas prendem-nos em c�rceres e �s vezes at� os fuzilam. Ou ent�o perseguem-nos de outras maneiras, tornado-lhes a vida dif�cil. Em todo caso, j� melhoramos bastante, e prova temos aqui em n�s mesmos: estamos vivos! (20:18-21)

SAUDOSISMO
Conheces a �guia, revista portuguesa orientada pelo grupo que pretende criar a �Renascen�a Portuguesa?� H� uma hist�ria de saudosismo muito interessante. Querem os seus corifeus que seja toda uma filosofia nova. Portugal � a terra da saudade. S� o portugu�s sente saudades, pelo fato das muitas viagens por mar e da vida afastada da p�tria. Isso criou no cora��o portugu�s um sentimento novo no mundo e �nico na esp�cie: a saudade. E malabarizam com isso e erigem o saudosismo �s alturas de filosofia racial. � curioso � mas bobinho a valer. O papa do Saudosismo � um Teixeira Pascoais, poeta, pensador, fil�sofo, publicista, etc. Pascoais! Cheira-me a nome de guerra, se bem que n�o haja nome absurdo que n�o exista em Portugal. Num Almanaque de Lembran�as encontrei uma respeit�vel matrona chamada D. Maria Encerrabodes! Se tens tempo a perder, corre os olhos na �guia, que � bem curiosa e revela qualquer comich�o l� em Portugal � alguma urtic�ria. Eles dizem que � movimento de id�ias. Que seja Renascimento, duvido. Bisantinismo de decad�ncia, isso sim. N�o h� Renascen�as com panelinhas e programas e um papa... alvo � frente. (2:112-113)

T

TEMA
O livro que V. planeja sobre bandidos do sert�o, capangas, etc., tamb�m � dos necess�rios. O assunto foi tocado pelo velho Bernardo Guimar�es e outros � gente de pouco realismo, e de romantismo em dose maior que o quantum satis. O fil�o est� virtualmente virgem.
Uma das vantagens do romancista brasileiro � poder lidar s� com virgindades. Nenhum tema nosso tem �barriga suja�. A literatura faz pendant com a lavoura; ambas s� lidam com matas virgens, terras virgens. Tudo est� por fazer. Aqui em S. Paulo, quanto elemento de primeira ordem � espera dos Balzacs e Zolas, pedreiros que saibam assentar tijolos! A Terra Roxa, o caboclo queimador de mato, o bandoleiro avant coureur da civiliza��o representada pelo colono italiano: o bandoleiro espanta o �barba-rala� e permite que o calabr�s se fixe na terra grilada; a invas�o italiana nas cidades � O Braz, e Bom Retiro; a fus�o das ra�as nas camadas baixas � e na alta; o norte de S�o Paulo invadido pela decad�ncia do Estado do Rio e a migra��o dos fortes para o Oeste... (1:316-317)
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Ver: ESCREVER 14 (4:254-255)

T�TULO
1. N�o conhe�o o teu Filha. Filha do que? Eu se fosse voc�, transformava-o em romance hist�rico. A Filha do Conde de Bobadela, por exemplo. O p�blico prefere ler coisas de condes, duques, pr�ncipes, reis e magnatas, em vez de aventuras e vidinhas miser�veis como a do M. J. Gonzaga de S�. Aquele livro do Lima Barreto encalhou por causa disso. Que importa a algu�m a vida dum M. J. Gonzaga de S� que ningu�m sabe quem �, nem quer saber? O p�blico reclama coisas e tipos diferentes dos que v� em redor de si � e � natural. Que me interessa um romance sobre a vida da minha cozinheira, se a tenho de aturar em pessoa todos os dias? Podemos fazer uma coisa, Rangel: refazer nossos livros! Nobilitar nossos personagens! Voc� transforma o Z� Coreto em Bar�o do Onyx e eu fa�o do Jeca Tatu um conde do papa.
Voc� nunca soube batizar o que escreve, Filha!... Quem no mundo comprar� um livro com esse nome? Filha tem-se, n�o se compra. Na velha companhia mudei muito t�tulo. Punha de prefer�ncia um nome feminino, porque, em cheirando a mulher l� dentro, os leitores concupiscentes compram �para ver�. Editar � fazer psicologia social.
2. O teu livro sai pouco, sabe por qu�? O t�tulo! O t�tulo n�o � psicologicamente comercial. Um bom t�tulo � metade do neg�cio. Ao ler o t�tulo do teu romance toda a gente sup�e que � a biografia de... um ilustre desconhecido. (13:42)

TRADU��O
1. Gosto imenso de traduzir certos autores. � uma viagem por um estilo. E traduzir Kipling, ent�o? Que esporte! Que alpinismo! Que del�cia remodelar uma obra d�arte em outra l�ngua! Estou agora a concluir um Jack London, que algu�m daqui traduziu massacramente. Adoro London com suas neves do Alasca, com o seu Klondike, com os seus maravilhosos c�es de tren�.
Ando a fiscalizar as tradu��es para o Otales, e bom dinheiro perde ele com essa fiscaliza��o! Mas, fa�a-se-lhe justi�a: perde-o com prazer. Prefere perder dinheiro a enfiar no p�blico uma tradu��o que eu condene. Que outro editor faz isto? J� perdeu assim mais de vinte contos este ano. E o p�blico enguliria do mesmo modo todas as inf�mias condenadas, porque o p�blico � o maior boeiro do mundo. Eu �s vezes at� me revolto, de dar � bola em certos trechos de dif�cil tradu��o, ao lembrar-me do que � a m�dia do p�blico. Mas sou visceralmente honesto na minha literatura. Duvide quem quiser dessa honestidade. Eu n�o duvido. Nem voc�. (2:327-328)
2. Traduzir n�o � comer empadinha de camar�o. Traduzir � transpor um pensamento expresso na l�ngua do autor por meio dum correlativo expresso na l�ngua do tradutor. E para isso a condi��o b�sica � que o tradutor maneje a sua l�ngua com a corre��o e eleg�ncia que a apresenta��o tipogr�fica diante do p�blico exige. Mas na amostra da tradu��o que voc� me deu �para ver�, o que vi foi l�ngua do Rio Grande em lata, e de nenhum modo l�ngua portuguesa. As palavras s�o portuguesas, mas enfileirar palavras portuguesas sem a ordem e a eleg�ncia gramatical n�o produz l�ngua portuguesa � produzir� l�ngua do Rio Grande, e inferior � do Leal Santos, porque n�o � comest�vel. (4:121)
3. A interpreta��o liter�ria � o que h� de mais prof�cuo na aproxima��o dos povos. S� ela suprime as muralhas que a estupidez dos governos ergue. S� ela demonstra que somos todos irm�os no mundo, com as mesmas v�sceras, os mesmos defeitos, os mesmos ideais. Se a Fran�a tornou-se amada entre n�s a ponto de bombear Damasco e esmagar Abd-el-Krim sem que isso arrepie as fibras da indigna��o, deve-se aos senhores Perrault, La Fontaine, Hugo, Maupassant, Taine, Anatole e quantos mais nos trouxeram para aqui esta sensa��o da irmandade do homem. Se a Alemanha n�o se gozou de id�nticas simpatias � que v�amos os atos de viol�ncia dos seus homens de governo e n�o havia dentro de n�s, para atenuar-lhes a repercuss�o, o coxim de veludo da literatura alem�, bem absorvida como temos a francesa.
Grande servi�o, pois, prestam aos povos esses homens benem�ritos que trabalham na difus�o da literatura alheia em seus pr�prios pa�ses. Est�o a preparar os preciosos coxins de veludo, amortecedores dos choques. Criam a compreens�o e a toler�ncia. Demonstram, com a exibi��o de documentos humanos, que somos iguais, todos filhos do mesmo macaco que rachou a cabe�a ao cair do pau. (6:164-165)
4. Traduzir � a maior das trag�dias mentais, porque � anular-se um homem da maneira mais absoluta, subordinar sua mentalidade � dum estranho, penetrar um autor como um g�s penetra poros, compreende-lo nas mais microsc�picas min�cias, decifra-lo no que � indecifr�vel. E tudo isso sem recompensa de esp�cie nenhuma, sem nenhuma paga s�ria, sem nenhum resqu�cio de gl�ria. Esse incomensur�vel paquiderme de mil c�rebros e orelhas a que chamamos �p�blico� nunca tem o menor pensamento para o m�rtir que estupidamente se sacrifica para que ele possa ler em l�ngua sua uma obra-prima gestada em idioma estranho. (6:253)
5. Os nomes que vimos pela primeira vez como tradutores perdem o prest�gio quando o vemos como autores. H� em n�s a vaga impress�o de que quem traduz n�o pode criar. (7:50)
6. A tradu��o literal, isto � de absoluta fidelidade � forma liter�ria em que, dentro de sua l�ngua, o autor expressou o seu pensamento, trai e mata a obra traduzida. O bom tradutor deve dizer exatamente a mesma coisa que o autor diz, mas dentro da sua l�ngua de tradutor, dentro da sua forma liter�ria de tradutor; s� assim estar� realmente traduzindo o que importa: a id�ia, o pensamento do autor, Quem procura traduzir a forma do autor n�o faz tradu��o � faz uma horr�vel coisa chamada translitera��o, e torna-se inintelig�vel... (7:118)
7. Entre os aspectos novos que o movimento editorial criou nestes �ltimos tempos cumpre assinalar a f�ria tradutora. Come�ou-se em S�o Paulo a traduzir intensamente e o movimento estendeu-se a outros estados onde tamb�m se editam livros, como o Rio Grande.
Come�ou-se... Sim, come�amos agora. At� bem pouco tempo o Brasil s� conhecia em tradu��es Escrich, Ponson du Terrail e Alexandre Dumas. Positivamente s�. Jornais grav�ssimos davam e redavam em rodap� os romances populares desses autores � e alguns mais avan�ados inovavam com Heitor Malot e Zamacois e mais coisas. Mas s� traduz�amos do franc�s e do espanhol.
A literatura inglesa, t�o rica de monumentos, era como se n�o existisse. A alem�, a russa, a escandinava, idem. A americana, idem. Um dia um editor inteligente teve a id�ia de arejar o c�rebro dos nossos eternos ledores de escrichadas e ponsonadas. Aventurou-se a lan�ar no mercado Wren, Wallace, Bourroughs, Stevenson, e que tais. E foi al�m. Lan�ou alguns dos sumos: Kipling, Jack London � e j� pensa em Joseph Conrad e Bernard Shaw.
A surpresa do ind�gena foi enorme. S�rio? Seria poss�vel que houvesse no mundo escritores maiores que Escrich e Dumas? Que fora da Fran�a e da Espanha houvesse salva��o?
Era sim. Havia salva��o e o mundo mental revelado pelos livros fez abrir a boca � nossa gente. Foi com verdadeira avidez que o p�blico se atirou �s tradu��es, fazendo que as tiragens se sucedessem num elance imprevisto. Basta dizer que o Ros�rio de Florence Barclay alcan�ou uma sa�da de cinq�enta milheiros, suponho.
A novidade era absoluta. Livros arejados, cinematogr�ficos, de cen�rio ampl�ssimo � n�o mais a alcova de Paris. Almas novas e almas fortes, violent�ssimas, caracteres shakespeareanos, kiplinguianos, Jacklondrinos � novos, fortes, sadios. E deliciado com tanto novo, o p�blico passou a pedir mais, mais, mais, at� que se saturou, ou antes, que os editores saturaram o mercado.
S� ent�o os leitores come�aram a dar tento ao m�rito das tradu��es. Foi verificando que com a pressa de apresentar novidades os editores descuravam da qualidade, dando in�meras tradu��es perfeitamente infames. E o p�blico reclamou, ao mesmo tempo que v�rios autores ind�genas bradavam contra o fato de se traduzirem autores de fora enquanto eles permaneciam in�ditos.
Realmente era um desaforo. Dar Kipling, Jack London, Dickens, Tolstoi, Chekow e outros quando poder�amos dar Almeidas, Sousas, Silvas, etc. Dar o Lobo do Mar, de Jack London em vez da Mulatinha do caro�o no Pesco�o do senhor Coisada Pereira, que � grande g�nio liter�rio do Pil�o Arcado, onde vive p�lido como cera e todo caspas. E eles apelaram para o governo. Em Pil�o Arcado, governo ainda � palavra m�gica.
Quanto � reclama��o do p�blico, os editores estudaram o caso e verificaram que havia raz�o na queixa. Traduzir � a tarefa mais delicada e dif�cil que existe, embora realiz�vel quando se trata da passagem de obra em l�ngua da mesma origem que a nossa como a francesa ou a espanhola. Mas traduzir do ingl�s, do alem�o ou do russo, equivale de fato a quase absurdo. Ocorrer� fatalmente uma desnatura��o.
Se a tradu��o � literal, o sentido chega a desaparecer; a obra torna-se inintelig�vel e asn�tica, sem p� nem cabe�a, o que n�o se d� com uma tradu��o literal do franc�s ou do espanhol.
A tradu��o tem que ser um transplante. O tradutor necessita compreender a fundo a obra e o autor, e reescreve-la em portugu�s como quem ouve uma hist�ria e depois a conta com palavras suas.
Ora isto exige que o tradutor seja tamb�m escritor � e escritor decente. Mas os escritores decentes, que realmente s�o escritores, isto �, que possuem o senso inato das propor��es, esses preferem e t�m mais vantagens em escrever obras originais de que transplantar para o portugu�s obras alheias. Os editores pagam menos e o p�blico n�o lhes reconhece o m�rito. Da� um impasse.
Mas o caminho � esse. Os editores t�m que resignar-se a sacrificar a quantidade de tradu��es pela qualidade; e t�m de procurar por todos os meios descobrir bons tradutores. Nos pa�ses mais civilizados a fun��o do tradutor est� equiparada � do escritor. Vemos Baudelaire receber em Fran�a tantos aplausos pelas suas tradu��es de Edgard Poe como pelos versos. E ainda agora no �Mercure de France� h� v�rias p�ginas de necrol�gio sobre o rec�m-falecido Luiz Fabulet, cuja atividade liter�ria se resumiu a transplantar para o franc�s a obra inteira de Rudyard Kipling.
Os tradutores s�o os maiores benem�ritos que existem, quando bons; e os maiores infames, quando maus. Os bons servem � cultura humana, dilatando o raio de alcance das grandes obras. Baudelaire e Fabulet, por exemplo, dilataram o raio de alcance da obra de Poe e Kipling, tornando-a acess�vel ao mundo latino ou pelo menos � parte do mundo latino que joga com a l�ngua francesa. Sem eles ou sem outros que fizessem o mesmo, Poe e Kipling ficariam limitados ao mundo ingl�s.
A literatura dos povos constitui o maior tesouro da humanidade, e o povo rico em tradutores faz-se realmente opulento, porque acresce a riqueza de origem local com a riqueza importada. Povo que n�o possui tradutores torna-se povo fechado, pobre indigente, visto como s� pode contar com a produ��o liter�ria local.
Quatro l�nguas j� merecem o nome de universais � a inglesa, a espanhola, a francesa e a alem�, porque nela j� se acha vertido tudo quanto todos os outros povos produziram de primacial. Dentro delas um homem tem ao alcance pelo menos a nata do grande tesouro. J� a nossa l�ngua, l�ngua de pobre, s� teve at� bem pouco tempo o que o homem de Portugal e do Brasil produziu � bem pouco. O grande tesouro comum da humanidade nos era inacess�vel na nossa l�ngua � e da� a necessidade para os cultores de estudarem outros idiomas.
Toda a antiguidade greco-romana ainda nos est� fechada. N�o temos a nossa tradu��o de Homero, de S�focles, de Her�doto, de Plutarco, de �squilo. Como n�o temos Shakespeare, nem Goethe, nem Shiller, nem Moli�re, nem Rabelais, nem Ibsen. Falta-nos quase tudo, e isso por causa da vida indigente que ainda � a nossa. Sem enriquecimento material, sem desenvolvimento econ�mico, um povo n�o pode enriquecer-se espiritualmente.
Bem consideradas as coisas, um homem que apenas conhe�a o portugu�s fica com o seu horizonte espiritual deveras trancado. A norte limita-se ele com Herculano, Camilo, Castilho e a r�cua dos freis quinhentistas absolutamente vazios de id�ias; a sul limita-se com E�a, Ramalho, Antonio Nobre, Fialho, etc; a leste limita-se com Machado de Assis, Nabuco, Euclides da Cunha, Jos� de Alencar; a oeste com imortais da Academia de Letras e alguns iconoclastas do futurismo. Com tantos limites, o pobre diabo acaba sentindo-se numa verdadeira pris�o mental.
Da� a avidez com que a nossa gente uniling�ista se atirou �s tradu��es dos romances ingleses e russos dados pelos editores atuais. � a avidez de ar, de luz, de amplid�o, de horizontes. Recebe essas obras como outras tantas janelas abertas numa pris�o escura. E, pois, benditos sejam os editores inteligentes que descobrem bons tradutores, e malditos sejam os que entregam obras primas da humanidade ao massacre dos infames �tradittores�. (7:125-130)
8. H� muitas maneiras de ler. Talvez que a mais profunda seja a de quem verte um livro para outra l�ngua. O tradutor � um escafandrista. Mergulha na obra como num mar; impregna-se dum pensamento concretizado de um certo modo � o estilo do autor � e lentamente o vai moldando no barro de outro idioma, para que a obra n�o admita fronteiras. Sem esses abnegados trabalhadores, a literatura ficaria adstrita a p�trias, condenada a limites muito mais estreitos do que os permitidos pela sua potencialidade.
O homem de uma s� l�ngua, que entra na biblioteca e pode ler o Banquete de Plat�o, os pensamentos de Conf�cio, os Anais, de T�cito, a Viagem Sentimental de Stern, o F�garo de Beaumarchais, a Guerra e Paz de Tolstoi, o D. Quixote, o Cora��o de Amicis, o Fausto e tanta coisa, admira os autores mas n�o tem uma palavra para a formiga hum�lima � o tradutor � gra�as � qual aquelas obras lhe ca�ram ao alcance.
Para o tradutor n�o haver� nunca remunera��o econ�mica, nem gl�ria, nem sequer a gratid�o dos homens; s� h� insultos quando n�o faz o trabalho perfeito. N�o obstante, a coisa suprema do mundo mental: universaliza��o do pensamento � � obra deles. (9:237)

V

VOC�BULOS
1. Quanto ao que prop�es sobre o portugu�s � interessante! � era o que eu ia propor-te nesta. Voc� foi o primeiro a alcan�ar o p�lo, como Amundsen. Mandei vir o dicion�rio de Aulete, que ainda � o melhor, e estou a l�-lo. Aventura espl�ndida, Rangel! Os voc�bulos s�o velhos amigos nossos que pelo fato de diariamente nos acotovelarem no brouhaha da L�ngua, n�o nos merecem a aten��o curiosa e indagadora que damos �s palavras estrangeiras. Pelo fato de freq�entar um parente, voc� chega ao ponto de n�o poder descrever-lhe a cara � e no entanto � capaz at� de desenhar de mem�ria a cara dum estranho que vi ontem. Deixam de nos impressionar as coisas habituais. Da� o valor da leitura de dicion�rios. Todo o povo tumultuoso da pra�a p�blica da L�ngua l� o encontramos individualizado, como soldados em quartel, cada um com o seu n�mero, o seu posto, perfilados e obedientes quando os defrontamos. Na rua vemos passar cavalos. No dicion�rio encontramos um CAVALO. �Quem � voc�?� E ele muito s�rio: �...substantivo masculino. Quadr�pede dom�stico, sol�pede; ramo ou tronco em que se enxerta; banco de tanoeiro, etc., etc�. A gente regala-se com o mundo de coisas que o cavalo �, e muitas vezes tamb�m nos regalamos com as cavalidades do dicionarista. Se o cavalo � um �quadr�pede dom�stico�, como se arranja o dicionarista para denominar um equus selvagem? E vamos assim mentalmente retificando aqui e ali o dicion�rio, enquanto ele nos faz o mesmo aos in�meros pontos vocabulares em que claudic�vamos sem o saber. Quantos novos sentidos de palavras, das quais sab�amos um s�? Quanta constru��o bonita de frase, com forma intransitiva de verbos habitualmente transitivos? E as antigualhas merecedoras de restaura��o? Que deleite seguir em mente a evolu��o dum voc�bulo! Ver, por exemplo, agora sair de hac hora, como a borboleta sai da cris�lida; e preto sair de pyraites (queimado, como sai preto o papel branco depois que o fogo o queima). E caravansar� sair do persa Karvan sarai. Essa leitura nos vai dando firmeza, com o conhecimento da exata propriedade dos voc�bulos.
Euclides da Cunha foi um grande ledor de l�xicos. Nos Sert�es eu notei como ele fugia � vulgaridade sem cair nos abstruso, por meio do emprego de palavras que o jornalismo n�o estafou (porque a cachomorra que achata todas as palavras da l�ngua � sempre o jornalismo). Em vez de prematuro, imaturo. Implexo, por complexo, etc. uma varia��o dos prefixos habituais da imprensa � e a frase fica mais fina, toda petulante de distin��o. A desgra�a em tudo � a vulgaridade � o �toda-gente�.
Estou lendo e marcando as palavras �teis para o meu caso, os sentidos figurados aproveit�veis nesta �nossa� literatura, etc. ainda estou no �A� e j� tenho belos achados. � um verdadeiro mariscar de peneira. Deves fazer a mesma coisa, e depois trocaremos as notas. (1:239-241)
2. Meu processo � outro: quando topo palavra que desconhe�o ou conhe�o mal, ou que tamb�m se usa em sentido diferente do familiar, anote-a com toda a frase em que est� metida, frase em que lhe entremostra a significa��o e a propriedade. Assim, j� de come�o o esp�rito pode utilizar-se da aquisi��o � � uma esp�cie de apresenta��o da nova personagem � intelig�ncia, e passo primeiro para a familiariza��o entre ambos e conseq�ente assimila��o. Anotar apenas a palavra � perda de tempo; s� a m�o lida com ela, e o faz maquinalmente, como copista autom�tica que obedece a uma ordem do c�rebro; este n�o trabalhou para a fixa��o da novidade, limitou-se apenas a dar ordem � m�o para que a grudasse no papel.
J� percorri este ano as primeiras 700 p�ginas do Aulete e breve chegarei ao fim, porque est� me agradando o passeio. Mas depois do enriquecimento vocabular � preciso que aprendamos a bem gastar o acumulado, sen�o viramos nouveaux riches e insensivelmente nos metemos a ostentar riqueza vocabular. Machado de Assis � o mais perfeito modelo de concilia��o estil�stica; seu classicismo transparece de leve e nunca ofende os nossos narizes modernos. Como vivemos neste s�culo e neste continente, n�o podemos, sem uma h�bil e manhosa t�tica, usar express�es lusitanas e de tempos j� muito remotos. (1:258-259)
3. O que mais aprecio num estilo � a propriedade exata de cada palavra e para isso temos de travar conhecimento pessoal, direto, com todos os voc�bulos, um por um, em demorada, pensada e meditada vocabula��o dicionar�stica. S� pelo conhecimento exato do valor de cada um � que alcan�aremos aquela qualidade de estilo.
E quando circunl�quio, quanto rodeio, esse conhecimento vocabular nos evita! Em vez de: �F. correu os olhos em torno da mesa� como fica melhor dizer: �F. circunvagou os olhos�. Mas no uso dum vocabul�rio abundante torna-se mister o mesmo h�bil discernimento de boa aplica��o que distingue os Camilos dos Camelos � dos camelos plumitivos � Macuco, o fundador do Profundismo... � necess�rio aprender a bem gastar, como faz o rico inteligente, que gasta simultaneamente em proveito pr�prio e alheio, n�o � moda do perdul�rio inepto. O Macuco aprendeu um dia a palavra �apropinquar� escreveu toda uma hist�ria s� para ter ensejo de empregar dez vezes o grande achado � e aproprinquou-se mas foi das cocheiras do Br�s.
N�o conhe�o melhor modelo que Machado de Assis. Camilo ainda me choca, � muito bruto, muito portugu�s de Portugal e n�s somos daqui. Machado de Assis � o cl�ssico moderno mais perfeito e artista que possamos conceber. Que propriedade! Que simplicidade! Simplicidade n�o de simpl�rio, mas do maior dos sabid�es. Ele gasta as suas palavras como um nobre de ra�a fina gasta a sua fortuna e jamais como o parvenu, o upstart, que come�ou vendeiro de esquina e acabou comprando um t�tulo de bar�o do papa.
Os Macucos adquirem vocabul�rio unicamente para fazer alarde da �riqueza vocabular�; os Machados, para da riqueza reunida s� gastarem os juros. E, pois, espero terminar meu passeio pelo pa�s dos voc�bulos para em seguida retomar a tarefa dos contos. (1:263-264)
4. Mandei vir Noites de Ins�nia, de Camilo, 12 volumes, e ainda apanhei uns em Taubat�. E leio anotando os jeitos. Palavras novas n�o me interessam. A grande coisa n�o � possuir montes de palavras; se assim fosse, um dicionarista batia Machado de Assis. � saber combinar bem a palavras, como o pintor combina as tintas e o m�sico o faz �s notas. Beethoven s� dispunha de sete notas � e com elas abalou o mundo. Corot s� jogava com as sete cores do arco-�ris, que ali�s s�o tr�s. D�em cem notas a mim, que sou um cretino em m�sica, e d�em duzentas cores ao Jonas de Barros, que � em pintura o que sou na m�sica, e n�o sai nada!. (1:273)
5. Voltam as tuas notas. N�o � bom o sistema de colher p�talas de flores, em vez da flor inteira e com cabinho. Quem quer apenas voc�bulos ex�ticos ou raros, n�o precisa ler autores, � ler o Aulete. L� est�o todos, e j� anotadinhos. Adote o meu processo, que � o �nico. (1:274-275)
6. Na tua carta levas ao extremo o estudo camiliano. Leva-lo ao extremo de esfarela-lo num gloss�rio metodicamente disposto para a rebusca de frases feitas. Condenas aquele meu terreirinho limpo caiam as sementes que o vento traz. Com o teu sistema de gloss�rio, sabe o que acontece? Tornamo-nos uns Camilos enfezados, uns puros camelinhos, quando o que eu quero � que de Camilo tu saias mais Rangel do que nunca e eu saia bestialmente Lobato � embora sem as brocas e lagartas para as quais o melhor veneno � justamente Camilo.
O meu processo � anotar as boas frases, as de ouro lindo, n�o para rouba-las ao dono, mas para pegar o jeito de tamb�m t�-las assim, pr�prias. Dum de seus livros extra� 60 frases de encher os olhos. N�o releio mais esse livro � n�o h� tempo � mas releio o compendiado, o extrato, e aspiro o perfume e saboreio. Formo assim um floril�gio camiliano do que nele mais me seduz as v�ceras est�ticas. E n�o discuto nem analiso, porque seria fazer gram�tica, do mesmo modo que n�o analiso botanicamente um cravo ou uma gostosa laranja mexeriqueira. Cheiro um e como a outra.
Resumindo: meu plano � ter uma horta de frases belamente pensadas e ditas em l�ngua diversa da l�ngua bunda que nos rodeia e n�s vamos assimilando por todos os poros da alma e do corpo. Um jardim de flores simp�ticas � nossa estesia inconsciente. No meu passeio pelas Vinte Horas de Liteira apanhei isto: Um coruj�o berrou no esgalho seco de um sobro. Detive-me; fiz pouso nessa frase enchedora de olhos e ouvidos. E n�o anotei, porque anotada ficou para sempre em meu c�rebro. N�o a analiso, n�o a comento; ponho-a apenas em uma lapela do c�rebro, como pus naquele prego um ninho de beija-flor encontrado no barranco. Se Camilo houvesse dito: Uma coruja piou no galho seco de uma �rvore, eu teria deixado no barranco esse ninho de beija-flor. O �berrou� � que me seduziu. Toda vida, para toda gente, as corujas piam � s� em Camilo aparece uma que berra. Lindo!
Filosofando: coletar modos de dizer, jeitos de express�o afins com esse misterioso quid que me leva a olhar com enlevo para os brincos-de-princesa que vejo pela janela, e com arrepios de asco para uma barata que apare�a. E isso apesar de ci�ncia que h� dentro de mim dizer que ambos brincos-de-princesa e barata, s�o duas prodigiosas obras-primas da Natureza.
O para que te convido n�o vai mais longe desse alegre varejar por Camilo e outros a dentro, saindo de seus livros como quem sai dum jardim, com a bra�ada de flores que nos ca�ram no goto. E enfeitarmos com elas o nosso ambiente de trabalho. Pendur�-la pelos pregos, como ao ninho de beija-flor � em vez de herboriz�-las num gloss�rio. (Esta palavra me fede). E de vez em quando olharmos os �pendurados�. E sentirmos-lhes o aroma. A velha boemia cenacular, em suma. Nosso estilo � nosso nariz liter�rio � fica assim num banho-maria ambiente. (2:7-9)
7. O neg�cio de anotar Camilo s� conv�m nas sobre-excel�ncias; do contr�rio � copi�-lo inteiro. Livro h� em que ele � uma roda de fogo de artif�cio, a chispar fagulhas do come�o ao fim. N�o cuidemos de quantidade, nem fa�amos disso tarefa. O meu sistema � l�-lo com aten��o e marcar � margem as frases que me encantam e me aproveitam. Depois de terminada a leitura, encosto o livro: mais tarde abro-o e releio as coisas assinaladas � e copio num caderno as que ainda me impressionam. (2:13)
8. Estou convencido de que o voc�bulo fora de moda, f�ssil ou raro, � �pedra� de banana-ma��. (2:44)
9. H� homens que influem at� no vocabul�rio dos pa�ses. Depois de Euclides da Cunha, a palavra �estupendo� passou a ter no Brasil um consumo triplicado � e um sentido euclideano. N�o h� estupendos em Jos� de Alencar; n�o h� um s� estupendo em Machado de Assis. A l�ngua liter�ria no Brasil enriqueceu-se desse adjetivo depois de Euclides � o Estupendo, revelou o estupendo de certos contrastes da nossa trag�dia geol�gica e humana. (6:249)
10. � No alto temos uma cafet�ria. Procure dominar o est�mago.
- Por falar em �cafet�ria�, Mr. Slang � sabe, por acaso, como se formou essa palavra? Vejo a Am�rica inteira coberta de �cafet�rias�, que todos os brasileiros rec�m-chegados teimam em pronunciar � brasileira � cafeteria.
- Formou-se como se formam todas as palavras � por necessidade. Um sujeito de New York abriu certo dia um restaurante dum tipo novo l� imaginado por ele. Como n�o fosse restaurante igual aos outros, vacilou em dar-lhes este nome. Como vacilou em dar o nome de caf�, porque um caf� � outra coisa. Em vez de consultar alguma academia de letras esse homem comp�s ele mesmo a palavra necess�ria, tomando como ponto de partida o caf�. Mudou o final da palavra para indicar que era caf� e mais alguma coisa, saiu �cafet�ria�, como poderia ter sa�do outra barbaridade semelhante. Conduziu bem a casa, teve sucesso comercial. Abriu outra, atribuindo ao nome pintado na tabuleta alguma virtude m�gica. Venceu. Prosperou. Foi imitado � e temos assim a Am�rica inteira coalhada de caf�t�rias � o restaurante onde o fregu�s se serve a si pr�prio. Ignoro como o inventor da palavra a pronunciava; talvez fosse como voc�s rec�m-chegados querem. Mas o fregu�s americano passou logo a pronunci�-la de acordo com o g�nio da l�ngua do pa�s � caf�t�ria, e assim ficou. (15:51-52)
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Ver: L�NGUA 8 (8:101-107)

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BIBLIOGRAFIA

(1) LOBATO, J.B. Monteiro. A Barca de Gleyre � tomo 1. 3 ed das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 367 p.

(2) ____________________. A Barca de Gleyre � tomo 2. 3 ed das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 363 p.

(3) ____________________. Cartas Escolhidas � tomo 1. O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1959. 358 p.

(4) ____________________. Cartas Escolhidas � tomo 2. O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1959. 280 p.

(5) ____________________. Pref�cios e Entrevistas. 3 ed. Das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 311 p.

(6) ____________________. Na Antev�spera. 3 ed. Das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 310 p.

(7) ____________________. Mundo da Lua e Miscel�nia. 3 ed. das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 338 p.

(8) ____________________. A Onda Verde e O Presidente Negro. 3 ed. Das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 330 p.

(9) ____________________. Confer�ncias, Artigos e Cr�nicas. O. C., S�o Paulo, Brasiliense, 1959. 349 p.

(10) ____________________. Cr�ticas e Outras Notas. O. C., S�o Paulo, Brasiliense, 1965. 242 p.

(11) ____________________. Literatura do Minarete. O. C., S�o Paulo, Brasiliense, 1959. 331 p.

(12) ____________________. Monteiro Lobato Vivo; sele��o e organiza��o de Cassiano Nunes, Rio de Janeiro, MPM Propaganda � Record, 1986. 305 p.

(13) CAVALHEIRO, Edgard. A Correspond�ncia entre Monteiro Lobato e Lima Barreto. Rio de Janeiro, MEC � Servi�o de Documenta��o, 1955. 71 p.

(14) LOBATO, J. B. Monteiro. Mr. Slang e o Brasil e Problema Vital. 3 ed. Das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 340 p.

(15) ____________________. Am�rica. 3 ed. Das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 311 p.

(16) ____________________. Id�ias de Jeca Tatu. 3 ed. Das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 275 p.

(17) ____________________. Cidades Mortas. 3 ed. Das O . C., S�o Paulo, Brasiliense, 1950. 272 p.

(18) Boletim Bibliogr�fico � Biblioteca Municipal M�rio de Andrade. N� XXXII, S�o Paulo, Prefeitura do Munic�pio de S�o Paulo, out./nov./dez. 1972. 176 p.

(19) LOBATO, J. B. Monteiro. Reina��es de Narizinho. S. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s.d., 310 p.

(20) ____________________. Viagem ao C�u e O Saci. S. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s. d., 254 p.

(21) ____________________. Ca�adas de Pedrinho e Hans Staden. S. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s. d., 186 p.

(22) ____________________. Hist�ria do Mundo para as Crian�as. s. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s. d., 300 p.

(23) ____________________. Mem�rias da Em�lia e Peter Pan. s. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s. d., 194 p.

(24) ____________________. Em�lia no Pa�s da Gram�tica e Aritm�tica da Em�lia. s. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s. d., 296 p.

(25) ____________________. Hist�ria das Inven��es e Dom Quixote das Crian�as. s. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s. d., 312 p.

(26) ____________________. Hist�rias de Ti Nast�cia e O Pica-Pau Amarelo. s. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s. d., 304 p.

(27) ____________________. A Reforma da Natureza e O Minotauro. s.ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s.d., 302 p.

(28) ____________________. A Chave do Tamanho e F�bulas. s. ed., S�o Paulo, C�rculo do Livro, s. d.

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