Mais de 2 3 da alimentação da população brasileira são procedentes da agricultura familiar

A agricultura familiar é a principal forma de produção agrícola de diversas cidades brasileiras e constitui uma estratégia de desenvolvimento econômico, social, cultural e sustentável. Com o incentivo adequado, esta produção contribui com a redução do desemprego, fome e desnutrição, além de promover o consumo de alimentos regionais e saudáveis pela população ,, por meio da oferta de frutas, hortaliças, fibras e cereais integrais .

No Brasil, a aquisição de alimentos da agricultura familiar tem sido incentivada por meio de políticas promotoras de alimentação e nutrição. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) visa favorecer a alimentação adequada por intermédio de estratégias promotoras de crescimento e desenvolvimento, bem como da alimentação saudável ,. Por intermédio do PNAE, o Fundo Nacional de Desenvolvimento para a Educação (FNDE) repassa recursos financeiros aos estados, Distrito Federal e municípios para a compra de gêneros alimentícios designados ao atendimento das necessidades dos estudantes da Rede Pública de Ensino , com a obrigatoriedade de utilização de, no mínimo, 30% desses recursos para a compra de alimentos da agricultura familiar conforme diretrizes estabelecidas na Lei nº 11.947/2009,.

Este estudo teve como objetivo verificar a adequação da utilização de recursos financeiros para a compra de alimentos provenientes da agricultura familiar nas capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal.

Métodos

Estudo descritivo, com análise de dados secundários obtidos na página de Internet do FNDE, no espaço dedicado às informações sobre agricultura familiar (https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/pnae/pnae-consultas/pnae-dados-da-agricultura-familiar).

Foram investigados o total de recursos repassados pelo FNDE e o percentual utilizado na compra de alimentos da agricultura familiar para aquisição de alimentação escolar em capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal, no período de 2011 a 2017. A coleta de dados ocorreu em maio de 2019.

Calculou-se a porcentagem de compra de gêneros alimentícios procedentes da agricultura familiar, tendo como referência o mínimo de 30% preconizado pela Lei nº 11.947/2009, o valor gasto por região durante cada ano avaliado e o percentual de adequação de todas as cidades por ano. A porcentagem de adequação de compra de alimentos da agricultura familiar (mínimo de 30%) foi descrito segundo capitais e regiões geográficas. Os dados foram analisados no software IBM SPSS 20.0 (https://www.ibm.com/).

Por se tratar de dados de domínio público, foi dispensada a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

De 2011 a 2017, o FNDE transferiu R$ 2.746.866.252,41 para a compra de alimentação escolar nas 26 capitas de estados e no Distrito Federal. Deste total, R$ 357.443.960,12 (13%) foram utilizados na compra de alimentos da agricultura familiar.

Das 27 cidades avaliadas, cerca de um terço (33,3%) utilizou o mínimo de 30% dos recursos financeiros para a compra de produtos da agricultura familiar. Somente a Região Norte cumpriu a recomendação da legislação vigente (39,4%). A Sudeste apresentou a menor porcentagem de compra (6,4%). Boa Vista (Roraima) foi a capital que mais adquiriu alimentos da agricultura familiar (56,6%) enquanto o Rio de Janeiro efetuou a menor utilização de recursos (0,1%)Tabela 1.

Tabela 1 Valores empregados na aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), segundo macrorregiões geográficas, capitais de estado e Distrito Federal. Brasil, 2011-2017.

Houve aumento nos valores totais investidos no período avaliado, com exceção do ano 2016, quando houve decréscimo. Ao comparar o valor total investido em 2011 e 2017, foi evidenciado aumento em todas as macrorregiões, com destaque para as regiões Norte e Nordeste que apresentaram evolução positiva e consistente do valor gasto por ano na compra de alimentos da agricultura familiar, no período estudadoTabela 2.

Tabela 2 Valores (R$) empregados na aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), segundo macrorregiões geográficas, capitais de estado e Distrito Federal. Brasil, 2011-2017.

Houve ampliação do número de cidades compradoras de alimentos da agricultura familiar, variando de 14 em 2011 para 27 em 2017. O ano de 2015 apresentou a maior porcentagem de compra de agricultura familiar nos anos avaliados. Manaus (Amazonas) foi a única capital que teve crescimento constante da aquisição desses alimentos em todo o período estudado. No ano de 2016, as cidades de Boa Vista e Maceió (Alagoas) utilizaram todo o recurso fornecido pelo FNDE com produtos da agricultura familiar. Em 2017, as prefeituras de Boa Vista e Aracaju (Sergipe) ofereceram contrapartida financeira para a compra de alimentos oriundos da agricultura familiarTabela 3.

Tabela 3 Evolução da utilização de recursos financeiros * (%) na compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), segundo macrorregiões geográficas, capitais de estado e Distrito Federal. Brasil, 2011-2017.

Discussão

A obrigatoriedade de usar pelo menos 30% do recurso repassado pelo FNDE para aquisição de alimentos da agricultura familiar, proposta pela Lei nº 11.947/2009, tem o objetivo de diminuir o consumo dos alimentos processados e ultraprocessados na alimentação escolar e incentivar o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados , regionais e saudáveis, contribuindo com a diminuição da prevalência de obesidade e excesso de peso na população escolar .

Em estudo realizado na cidade de São Paulo, em 2013, constatou-se que frutas e hortaliças eram os principais itens presentes nas chamadas púbicas do estado, o que pode favorecer o aumento do consumo desses alimentos .

A compra de alimentos da agricultura familiar, conforme a Resolução de nº 38, de 16 de julho de 2009, pode ser realizada por dispensa de licitação, utilizando-se chamadas públicas amplamente divulgadas, contendo quantidades e especificação de alimentos.

A aquisição de alimentos da agricultura familiar proporciona a criação de um canal de comercialização para o agricultor familiar, incentivo à renda, inclusão produtiva, cooperativismo e associações no meio rural , além do fornecimento de alimentos in natura, saudáveis e mais baratos, haja vista a não participação de intermediários na venda dos alimentos .

Apesar dos benefícios da aquisição de agricultura familiar, o estudo evidenciou que, no período de 2011 a 2017, apenas um terço das capitais cumpriu a meta estabelecida, o que demonstra a necessidade de incentivar a produção de agricultura familiar e fiscalizar melhor os recursos empregados.

A não adequação de algumas capitais pode ser resultado da burocratização da documentação necessária ao pequeno produtor, pequena cooperação dos setores de nutrição, dificuldade no fornecimento de diversidade de alimentos, ausência de equipamentos que facilitem a produção e distribuição bem como a dificuldade de logística na entrega dos alimentos .

Em pesquisa realizada em 2011, mediante utilização de questionário eletrônico, foi investigada a compra de alimentos da agricultura familiar pelo PNAE em 3.817 municípios do Brasil. Verificou-se que 44,4% dos municípios aplicaram 30% ou mais recursos do FNDE. A Região Sul apresentou maior frequência de municípios cumprindo o estabelecido pela legislação (67%), enquanto a Norte, a menor adequação (26,4%) .

O presente estudo evidenciou a Região Norte como a única que apresentou adequação durante todo o período avaliado, com apenas uma capital (Porto Velho) sem atingir a meta recomendada. Tal fato pode ter ocorrido em razão de a avaliação ter sido realizada apenas nas capitais.

Por terem sido utilizados dados secundários, os resultados apresentados são sujeitos a eventuais imprecisões do sistema de informações do FNDE. Entretanto, ele é o espaço oficial de acesso público para consulta sobre o tema. Além disso, o fato de os dados terem sido examinados por macrorregiões e capitais, ainda que tenha oferecido um panorama geral da evolução da aquisição de alimentos da agricultura familiar no país, não permitiu uma análise mais detalhada segundo município.

Concluiu-se que, no período de 2011 a 2017, apenas um terço das capitais avaliadas utilizou adequadamente a porcentagem de recursos financeiros para a compra de alimentos da agricultura familiar, embora tenha sido percebido aumento gradual na compra de tais alimentos, sobretudo nas capitais do Norte e Nordeste do Brasil. Fazem-se necessários maiores incentivos à aquisição desses alimentos, fiscalização dos recursos disponibilizados, bem como capacitação dos gestores municipais, agricultores familiares e todos os envolvidos no PNAE. Sugere-se a ampliação desta análise para todos os municípios brasileiros, incluindo outras variáveis como produtos adquiridos, número de chamadas públicas realizadas, número de agricultores familiares participantes e avaliação da contribuição da agricultura familiar para o desenvolvimento sustentável local e regional.

Agradecimentos

À mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências e Saúde, Universidade Federal do Piauí: Ianne Fernandes da Silva.

Qual é a porcentagem da agricultura familiar no Brasil?

Dados do IBGE (2017) indicam que 77% dos estabelecimentos rurais no Brasil, ou seja, 3,9 milhões de propriedades são classificadas como da agricultura familiar e correspondem a 23% da área de todos os estabelecimentos rurais do país.

Quais os alimentos da agricultura familiar?

O Embrapa indicou em relatório que entre as principais culturas produzidas pelos núcleos de agricultura familiar do Brasil estão a mandioca, feijão, milho, café, arroz, trigo e soja, além do leite e animais como suínos, aves e bovinos.

Qual a produção da agricultura familiar no Brasil?

Agricultores familiares respondem por 11% da produção de arroz, 42% do feijão preto, 70% da mandioca, 71% do pimentão e 45% do tomate. Na pecuária, produzem 64% do leite de vaca do país e concentram 31% do rebanho bovino nacional, 51% dos suínos e 46% das galinhas.

Qual a situação da agricultura familiar no Brasil?

Com mais de 4 milhões de estabelecimentos familiares em território nacional, a agricultura familiar responde hoje por 38% do Produto Interno Bruto Agropecuário do País, o equivalente a um montante de 54 bilhões de reais – é o que aponta o Embrapa.