O que aconteceu com muitos dos estudantes que lutaram contra a ditadura militar?

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O que aconteceu com muitos dos estudantes que lutaram contra a ditadura militar?
Ditadura nunca mais: a violenta repressão do regime militar sob os estudantes brasileiros e comunidade USP

Violência, silenciamento, censura e restrição de liberdade. A ditadura fez todo o país sofrer. Estudantes, professores e funcionários da Universidade de São Paulo (USP) foram perseguidos, torturados e mortos pelo regime militar

A ditadura militar foi um período sombrio e cruel na história do Brasil. O regime se iniciou a partir de um golpe militar em 31 de março de 1964 e durou 21 anos (1964-1985). Houveram 5 presidentes militares que aprovaram, ao todo, os 17 Atos Institucionais – decretos e normas ilegais que sobrepunham à Constituição Federal, davam plenos poderes aos militares e garantiam a sua permanência no poder. 

Muitos cidadãos e cidadãs foram perseguidos, torturados e mortos nesse período, incluindo professores e estudantes universitários. Desses últimos, vários lutaram contra a ditadura através do movimento estudantil, mesmo sendo vítimas de inúmeros ataques e repressões por parte do regime militar.

Antecedentes

Na década de 60, o mundo se encontrava em meio a um conflito político-ideológico entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS), denominado Guerra Fria. Esse conflito, que se estendeu de 1947 a 1991, polarizou os países em dois blocos, sendo um capitalista, liderado pelos EUA, e outro socialista, protagonizado pela URSS. Essas duas nações exerciam influência sobre os outros países, de maneira que a ideia de “ameaça comunista” era difundida nos países influenciados pelo capitalismo, como os da América Latina. 

Na época, os Estados Unidos desenvolveram e aplicaram diversos mecanismos de combate aos “perigos do comunismo” em seu território e nos países sob sua influência. Após a Revolução Cubana e o crescimento de grupos de esquerda no continente, os EUA intensificaram essa vigilância anticomunista nos países da América Latina. Forças conservadoras apoiaram a instituição de governos militares nesses territórios com o intuito de fortalecer o capitalismo em todo o continente. Tal apoio somado à influência dos Estados Unidos resultou na ascensão de diversas ditaduras militares de viés conservador na América Latina, que se iniciaram através de golpes de Estado entre os anos 60 e 70. Esse incentivo estadunidense ao golpe militar também ocorreu no Brasil, em 1964. 

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Durante a Guerra Fria alguns países ficaram sob o domínio capitalista dos Estados Unidos e outros estiveram sob a influência socialista da União Soviética.
[Imagem: Reprodução / Universalis / Wikimedia Commons]

O ponto de partida do golpe no país se deu em 1961, quando Jânio Quadros renunciou à presidência do Brasil. A partir disso, seu vice, João Goulart, conhecido como “Jango”, assumiu seu lugar. A questão é que o presidente da época e o anterior tinham projetos políticos opostos para o país. Jango pretendia realizar reformas de base no Brasil, como fiscal, administrativa, universitária e agrária. Além disso, ele era um representante trabalhista e tinha apoio de estudantes universitários. Por ser apoiador de organizações populares e defender um determinado projeto político para o país que dialogava com a esquerda, o presidente foi acusado – pelos militares, grupos conservadores e pessoas que viram seus privilégios sendo ameaçados – de ser comunista. 

Logo após Jânio Quadros renunciar, o Congresso Nacional empossou temporariamente o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili, pois Jango estava na China e, por não estar no país, não podia assumir a presidência. Enquanto o vice-presidente retornava ao Brasil, os militares expediram um veto à posse de João Goulart alegando que ele defendia ideias de esquerda. Esse impedimento violava a Constituição e não foi aceito por vários segmentos do país, o que resultou na proposta da Emenda Constitucional número 4, a qual estabelecia o regime parlamentarista no Brasil. 

O parlamentarismo é um sistema de governo democrático em que o poder executivo e legislativo são interligados. O poder legislativo é constituído por um parlamento responsável por indicar o primeiro-ministro, que é chefe de governo e, portanto, lidera as ações do poder executivo. 

Assim, no contexto da década de 60 no Brasil, Jango seria presidente, mas somente como chefe de estado e, por isso, teria poderes limitados. A medida foi aprovada no Congresso e aceita por João Goulart, que tomou posse no dia 7 de setembro de 1961. O deputado Tancredo Neves foi indicado pelo parlamento para ocupar o cargo de primeiro-ministro. Esse sistema durou até janeiro de 1963, quando um plebiscito pôs fim ao parlamentarismo e restabeleceu os poderes presidenciais de João Goulart. 

O Golpe 

No dia 31 de março de 1964, o alto comando do Exército Brasileiro enviou tanques de guerra ao Rio de Janeiro, onde estava o presidente. Jango foi deposto pelos militares e refugiou-se no Uruguai. A junta militar assumiu o controle do país no dia 1 de abril, com a justificativa de que o golpe servia para proteger o país do comunismo. 

Poucos dias depois, foi decretado o Ato Institucional n° 1, que concedia poderes ao Congresso para eleger um novo presidente. O escolhido foi o chefe do Estado-Maior do Exército, general Humberto de Alencar Castelo Branco. Após o golpe, os militares implantaram um modelo político que visava fortalecer o poder executivo, o que se deu através de Atos Institucionais, cerca de mil leis excepcionais e uma nova Constituição, que entrou em vigor em 1967.

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Militares tomaram as ruas do Rio de Janeiro para depor Jango.
[Imagem: Reprodução / Correio da Manhã / GetArchive]

O Ato Institucional n° 2, decretado em 1965, fechou os partidos políticos e instituiu o bipartidarismo no Brasil. Dessa forma, surgiram a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apoiava o governo militar, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que representava os opositores, mas com limites de atuação. 

Durante o regime militar, também foi criado o Serviço Nacional de Informação (SNI), que foi um forte sistema de controle que investigava todos aqueles suspeitos de conspirar contra o regime e infiltrava agentes para monitorar as propagações ideológicas de esquerda nas universidades, empresas públicas e privadas, repartições de serviços públicos, igrejas, escolas e sindicatos. O órgão era controlado pelo governo e protegia o presidente da república, ao passo que coletava e avaliava informações para identificar e mandar reprimir possíveis opositores ao presidente e à ditadura.

Movimento estudantil: luta e resistência

Um dos principais protagonistas na luta contra o regime militar no Brasil foi o movimento estudantil. Muitos estudantes inconformados com o autoritarismo e a repressão enfrentaram as forças opressoras e lutaram pela liberdade e pelo respeito aos direitos humanos. 

Desde o início da ditadura, em 1964, a UNE – União Nacional dos Estudantes, entidade que representa os alunos de ensino superior do país – foi duramente atacada. No dia do golpe, sua sede foi incendiada por grupos de extrema direita e, logo, os militares colocaram a UNE e as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs) na ilegalidade por meio da Lei Suplicy de Lacerda. Assim, a UNE passou a atuar na clandestinidade e todas as entidades de representação estudantil ficaram submetidas ao regulamento do Ministério da Educação (MEC) – que priorizou apenas as instituições de ensino superior privadas durante todo o regime militar.

Mesmo na ilegalidade e sob forte repressão, a UNE continuou a realizar seus congressos e a organizar os estudantes para lutar contra a ditadura. Em 1965, a entidade convocou uma greve que paralisou a Universidade de São Paulo (USP) e teve a adesão de mais de 7 mil estudantes. Eles também fizeram passeatas contra a Lei Suplicy de Lacerda, que foram duramente reprimidas pelos militares. 

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Em outubro de 1968, policiais prenderam 739 estudantes no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), na cidade de Ibiúna, interior de São Paulo. 
[Imagem: Reprodução / Arquivo Público do Estado de São Paulo / Memorial da Resistência de São Paulo]

O ano de 1968 foi marcado por grandes manifestações de rua organizadas pelo movimento estudantil contra o regime, que se tornava cada vez mais opressor e violento. A Coordenadora do Centro de Documentação e Memória da UNESP e livre-docente da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Maria Ribeiro do Valle, ressalta que, nesse momento, ocorreu um primeiro momento muito sério da violência da ditadura militar contra o movimento estudantil, que foi o assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto pelos militares. Ele tinha apenas 18 anos quando foi morto a tiros pela Polícia Militar dentro do restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro. 

A professora conta que “as balas estavam a um metro e meio do chão, ou seja, a polícia não chegou atirando para cima, ela atirou para matar”. Os estudantes levaram o corpo de Edson Luís até a Assembleia Legislativa, onde foi velado. Esse episódio causou uma grande comoção na população. Seu cortejo fúnebre reuniu 50 mil pessoas e, a partir de então, as passeatas contra a violência do regime militar começaram a se fortalecer por todo país.

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A cidade do Rio de Janeiro parou no dia do enterro de Edson Luís, estudante assassinado pela ditadura militar.
[Imagem: Reprodução / Eduardo Escorel / Empresa Brasil de Comunicação]

AI-5 e o início dos anos de chumbo

Em junho do mesmo ano, a população se uniu aos estudantes, que voltaram às ruas do Rio de Janeiro para lutar contra as violências que estavam ocorrendo. A repressão da PM foi brutal e a passeata terminou com 28 pessoas mortas – segundo informações dos hospitais – e centenas de feridos. O episódio ficou conhecido como “sexta-feira sangrenta”. 

Cinco dias depois, as ruas foram tomadas por cerca de cem mil pessoas que apoiavam os estudantes e condenavam a repressão policial. Essa foi a maior manifestação de massas do período, e ficou conhecida como “Passeata dos Cem Mil”. A professora Maria diz que, após esse episódio, “o Conselho de Segurança Nacional – órgão máximo da ditadura – se reúne e proíbe totalmente as manifestações e as passeatas, e começa a proibir a divulgação em jornais”. Esse é o início do silenciamento e da pesada censura aos meios de comunicação.

Para combater as manifestações de oposição, o general Costa e Silva decretou o Ato Institucional n° 5 (AI-5), em dezembro de 1968. Este decreto suspendia as atividades do Congresso e autorizava a perseguição de opositores ao regime. Assim, iniciavam-se os “anos de chumbo”, o período de maior repressão, violência, tortura e restrição aos direitos políticos e à liberdade de expressão do regime militar. 

No ano seguinte, o general Emílio Médici assumiu a presidência e fortaleceu a repressão através da ampla utilização dos sistemas de Destacamentos de Operação Interna (DOI) e dos Centros de Operações e Defesa Interna (CODI). Os DOI-CODI eram centros de controle de informações e repressão aos opositores do regime militar. Eles estavam instalados nas principais cidades dos estados brasileiros e eram utilizados como centros de prisões ilegais e tortura durante a ditadura.

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Quartel do 1º Batalhão de Polícia do Exército e antigo DOI-CODI do Rio de Janeiro.
[Imagem: Reprodução / Junius / Wikimedia Commons]

A ditadura na USP

As universidades foram um dos maiores polos de resistência à ditadura do país. Elas concentravam um grande número de jovens e intelectuais, que pensavam, debatiam, tinham novas ideias e questionavam. Foram lugares que reuniram muitos daqueles que lutavam pela liberdade em tempos de opressão. A Universidade de São Paulo (USP) foi um desses ambientes.

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A cidade Universitária e o Conjunto Residencial da USP (CRUSP).
[Imagem: Reprodução / Marcos Santos / USP Imagens]

Desde o início do regime militar, o governo monitorou e perseguiu professores, estudantes e funcionários da USP. Centenas de inquéritos policiais foram abertos e professores foram aposentados pelo regime. Em outubro de 1968, ocorreu um embate entre estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCH) da USP e estudantes do Mackenzie, vinculados ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Um tiro que saiu do prédio do Mackenzie matou o aluno secundarista do Colégio Marina Cintra, José Guimarães, que estava na rua junto com outros estudantes.

Outro episódio violento ocorreu dias após ser decretado o AI-5. Em dezembro do mesmo ano, o Conjunto Residencial da USP (CRUSP), que é a moradia estudantil da Universidade, foi invadido pelo exército e pela polícia. Todos os moradores foram presos e os alojamentos foram fechados imediatamente. 

A USP criou em 1972 o Aesi (Assessoria Especial de Segurança e Informação), vinculada ao SNI, para realizar triagens ideológicas impedindo o ingresso de alunos, professores e funcionários que não estavam de acordo com o regime militar. A vigilância resultou em prisão, perseguição, mortes, desaparecimento, privação de trabalho, proibição de matrícula e interrupção de pesquisa acadêmica na instituição.

Alexandre Vannucchi Leme

Em 1973, mesmo sob uma forte repressão, alguns estudantes tentavam reorganizar suas entidades, que foram colocadas na ilegalidade pelo regime militar. Entre eles estava Alexandre Vannucchi Leme, um estudante de Geologia da USP e militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) – organização de luta armada de esquerda. O aluno tentava recompor o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, entidade máxima de representação estudantil da Universidade. 

Alexandre foi preso com apenas 22 anos por agentes do DOI-CODI. Ele foi submetido à tortura e, no dia seguinte, foi morto em uma das celas desse órgão da repressão. O Estado brasileiro divulgou que a causa da morte havia sido atropelamento. Dois dias depois que a notícia da morte de Alexandre tornou-se pública, seus pais souberam que ele havia sido sepultado como indigente em uma cova comum, em São Paulo. O corpo do estudante foi coberto de cal para esconder as marcas das torturas que sofreu.

A morte de Alexandre teve uma enorme repercussão em toda sociedade brasileira, de forma que a missa feita em sua intenção reuniu cerca de 5 mil pessoas, sendo a primeira manifestação de massas após o AI-5. Dias antes da missa e como forma de protesto contra o assassinato de Alexandre e 44 prisões de alunos da USP, o cantor e compositor Gilberto Gil fez um show na Escola Politécnica da USP, em que falou sobre movimento estudantil, arte, política e outros assuntos.

Na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, houve uma intensa perseguição política, que foi capaz de interferir na produção dos cineastas e jornalistas. E, apesar disso, a ECA foi um grande centro de resistência durante a ditadura na USP. 

Abertura gradual, mas forte repressão

Em março de 1974, o general Ernesto Geisel assumiu a presidência do Brasil com a promessa de restabelecer a democracia no país. A abertura política adotada pelo governo foi lenta e gradual, apenas transicionando para um regime democrático, mas ainda mantendo grupos de oposição e movimentos populares excluídos da política. Essa transição ocorreu também em razão do desgaste das Forças Armadas após anos de repressão.

Apesar da abertura, as violações aos direitos humanos continuaram. O caso mais grave que ocorreu durante o governo Geisel foi a tortura e morte do jornalista e professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, Vladimir Herzog, em 1975. Fausto Antonio de Azevedo, que estudou Farmácia e Bioquímica na década de 70 na USP e fez mestrado em Toxicologia e Análises Toxicológicas na mesma universidade, participou da missa em memória ao professor e conta que “a igreja da catedral estava absolutamente apinhada de gente, teve várias manifestações, teve alguns cantores famosos daquela época”. O evento foi considerado um marco do início do processo de redemocratização.

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Vladimir Herzog, assassinado pelo regime militar, foi jornalista e professor da USP.
[Imagem: Reprodução / Comissão da Verdade do Estado de São Paulo / Wikimedia Commons] 

Fausto também fazia parte do teatro de sua faculdade, que, segundo ele, “era um teatro político, era um teatro que tinha a posição libertária e contrário a toda a forma de não liberdade”. A arte, em geral, como shows, peças teatrais e atividades culturais eram, muitas vezes, utilizadas como forma de expressão e protestos dos estudantes e, por isso, o regime militar censurou muitas obras. 

Contudo, mesmo apresentando caráter político, as peças de teatro que Fausto apresentava não sofreram censura. Ele conta que na década de 70 já não havia um clima de medo na universidade, como no final da década de 60.

A incansável luta dos estudantes

“Há relatórios lá no SNI que relatam minhas falas em assembleias, o que eu dizia, onde eu morava, o que eu fazia. E se eu fui objeto desse tipo de arapongagem, muitos e muitos outros estudantes que tinham muito mais destaque do que eu no movimento estudantil também foram.”

Eugênio Bucci, jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes

O movimento estudantil organizou passeatas, manifestações e atos públicos que abalaram o regime militar. Muitos alunos foram perseguidos, presos, torturados e mortos pelos militares. Houveram muitos confrontos, mas mesmo na clandestinidade e em meio a ataques, os estudantes não deixaram de lutar. 

Em meados de 1970, enquanto os alunos estavam se reorganizando, surgiu uma tendência estudantil de orientação trotskista na USP chamada “Liberdade e Luta”, conhecida como Libelu. A história dos jovens estudantes que fizeram parte da Libelu é contada no documentário “Libelu – Abaixo a Ditadura”, dirigido por Diógenes Muniz.

O jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes, Eugênio Bucci, fez parte da Libelu quando estudava jornalismo e direito na USP. Ele também foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito. Por ter participado ativamente da luta dos estudantes, conta que quando era presidente do Centro Acadêmico, a polícia invadiu a faculdade com a intenção de prendê-lo, mas ele conseguiu se esconder. 

Anos depois, quando fichas de estudantes apareceram no SNI, Bucci descobriu que também foi perseguido nessa época: “Há relatórios lá no SNI que relatam minhas falas em assembleias, o que eu dizia, onde eu morava, o que eu fazia. E se eu fui objeto desse tipo de arapongagem, muitos e muitos outros estudantes que tinham muito mais destaque do que eu no movimento estudantil também foram.”

A vigilância dos militares continuava sobre os estudantes nos anos 70, mesmo que de forma secreta. Assim como Fausto, Bucci lembra que nessa época não havia uma atmosfera de medo tão presente como nos anos anteriores na Universidade. Ele também conta que os alunos tinham estratégias, que vieram dos anos 60, para driblar a vigilância: “Eram muitas as tendências que ainda estavam presentes em 78, todas elas com organização clandestina, nós inclusive usávamos codinomes em algumas reuniões, nos chamávamos por nomes diferentes para dificultar a identificação pelos agentes que espionavam.”

Passos lentos para a liberdade

Em 1976, o DCE Livre da USP foi refundado e batizado com o nome de Alexandre Vannucchi Leme. No Largo São Francisco, foi lida a Carta aos Brasileiros em agosto de 1977, pelo professor Goffredo da Silva Teles. A carta, que ganhou uma nova versão neste ano, denunciava a ilegitimidade do regime militar e defendia a volta do Estado de Direito. Em 1979, foi realizado o 31° Congresso da UNE em Salvador, que reuniu mais de 10 mil participantes. Foi o congresso de reconstrução. O movimento estudantil finalmente se reestruturava após anos de repressão.

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O DCE Livre da USP Alexandre Vannucchi Leme tem o rosto do estudante pintado na parede do local e vários papéis pendurados que contam a história de estudantes que foram mortos pela ditadura militar, inclusive a de Alexandre.
[Imagem: Sthefanie Lacerda / Audiovisual – Jornalismo Júnior]

O Governo de João Figueiredo (1979-85), pôs fim à ditadura no Brasil. Em 1979, foi promulgada a Lei da Anistia, que perdoou todos os crimes políticos cometidos durante o período ditatorial. Dessa forma, presos políticos foram sendo libertos e exilados voltaram ao país. Contudo, essa lei também deixou impune os militares que perseguiram, torturaram, prenderam ilegalmente e mataram cidadãos durante o regime militar.

No final de 1983, iniciou-se no país o movimento “Diretas Já”, que reivindicava eleições diretas para presidente. Diversos setores da sociedade aderiram ao movimento, incluindo lideranças políticas e artistas. Nessa época, a UNE também se reorganizou em todo o país, entidades estudantis estaduais e centros acadêmicos foram reativados.

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Multidões foram às ruas pedir “Diretas Já”
[Imagem: Reprodução / Agência Senado / Flickr]

Apesar do grande anseio da sociedade pela volta das eleições diretas, em 1984, o presidente ainda foi eleito indiretamente. Apenas após a promulgação da Constituição Federal de 1988, as eleições voltaram a ser diretas em todo o país. Essa Constituição, que traz princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, substituiu a que foi elaborada durante a ditadura, em 1967. 

As Comissões da Verdade

Após quase 30 anos do regime militar, foi criada pelo governo brasileiro a Comissão Nacional da Verdade, para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura. Por décadas, familiares de mortos e desaparecidos exigiram o esclarecimento dos crimes ocorridos durante a ditadura e, somente em 2011, a Comissão foi criada. Ela entregou seu relatório final em dezembro de 2014. 

Em 2013, foi criada a Comissão da Verdade da USP, que teve seu relatório final divulgado em 2018. Após a análise de diversos documentos, ficou constatado que foram graves as violações aos direitos humanos na USP durante o regime militar. Das 434 pessoas mortas ou desaparecidas no país, 47 eram da USP, ou seja, mais de 10% do total de mortos e desaparecidos do território brasileiro. Em homenagem a essas pessoas, foi erguido um memorial na cidade universitária com o nome de todas elas.

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O memorial em homenagem aos membros da USP que foram perseguidos e mortos pelo regime militar fica localizado na praça do relógio, dentro da Cidade Universitária.
[Imagem: Sthefanie Lacerda / Audiovisual – Jornalismo Júnior]

Para que nunca nos esqueçamos

O movimento estudantil foi uma das principais forças de oposição à ditadura. A professora Maria ressalta: “Um dos maiores movimentos de resistência. O objetivo que eles tinham eles explicitaram: a violência tamanha do regime.” 

A USP foi atingida de muitas maneiras, docentes foram perseguidos, impedidos de dar aulas e até assassinados por militares. O pensamento crítico era quase ilegal dentro das universidades e do país. Jovens eram vistos como inimigos do Estado e eram tratados com brutalidade. A USP sofreu, os estudantes sofreram, o Brasil sofreu. Ditadura nunca mais.

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O que aconteceu com muitos estudantes que lutaram contra a ditadura?

Muitas organizações de lutas armadas possuíam um grande número de estudantes entre os seus integrantes, e, desta maneira, eles foram um grupo muito atingido pela repressão, sendo que dos 436 mortos e desaparecidos políticos levantados pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos 125 eram estudantes.

Qual era o destino dos estudantes que buscavam se posicionar na época da ditadura?

Os estudantes protestavam por causas específicas como a ampliação de vagas nas universidades públicas, por melhores condições de ensino, contra a privatização e também em defesa das liberdades democráticas e por justiça social.

Quais são as principais demandas dos estudantes naquele período?

Foram as reivindicações de caráter político (defesa das liberdades democráticas, fim das prisões e torturas e anistia ampla, geral e irrestrita) que se tornaram a grande força motivacional a mobilizar os estudantes.

Como muitos estudantes vêm à escola?

De acordo com os resultados obtidos através da análise dos mapas conceituais, percebemos que os alunos veem a escola como uma moeda, sendo que de um lado da face temos uma escola como um ambiente onde existem normas e regras (estrutura administrativa) e do outro uma escola como sendo um ambiente de oportunidades e ...