Prerrogativas atribuídas ao particular por força do contrato de concessão

O regime jurídico dos contratos de que a Administração Pública é parte vem sendo relativizado. Hodiernamente, o entendimento segundo o qual as prerrogativas publicísticas são inerentes a contratos celebrados por entidades estatais independentemente do seu objeto, vem sendo questionado por autores dos mais respeitados.

Desde a edição do Decreto-Lei n° 2.300/19862 o ordenamento jurídico brasileiro acatou o entendimento doutrinário no sentido de que o “contrato administrativo” seria toda a avença de que a Administração Pública é parte, a qual se submete a um regime jurídico exorbitante ao direito privado, ou seja teríamos um negócio jurídico disciplinado por um regime jurídico assimétrico (verticalizado) e uno.

Esse entendimento doutrinário restou consagrado no artigo 2° da Lei federal n° 8.666/1993 (antiga Lei Geral de Licitações), dispositivo que traz obrigatoriedade da aplicação de um regime único a “todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”. Não obstante aqui cabe pontuar, que tal entendimento parte de uma equivocada transposição direta da doutrina francesa desenvolvida, no início do século XX, a propósito do regime jurídico-administrativo e aplicada diretamente e sem as devidas adaptações ao direito brasileiro. Envolve uma concepção vinculada a uma das vertentes de pensamento da Escola de Bordeaux, liderada em seu início por Gaston Jezé.

Gaston Jezé nascido a 2 dee março de 1869 e falecido a 5 de agosto de 1953 foi professor de direito público francês, presidente do Institut de droit international , fundador e diretor da Revue de science et de loi financière (de 1903), diretor da Revue de droit public.

Gaston Jèze foi um dos principais promotores da ciência financeira como uma educação autônoma nas universidades. Na academia, ele é frequentemente considerado o “papa” das finanças públicas. É também um dos juristas que ajudou a substituir a noção de poder público pela de serviço público como justificação do Estado e de direito público, o que explica porque é geralmente vinculado à “École du public service” de Léon Duguit .

De acordo com o referido autor, no contexto permeado pelo advento de um Estado Social, toda vez que se estiver diante de uma atividade considerada serviço público, sobre ela incidirá um regime especial, um plexo de prerrogativas, voltado à sua regular execução. Ainda para ele, esse regime jurídico especial teria como pressuposto as seguintes características: (i) a titularidade de tais atividades pelo Estado; (ii) a interdição de sua prestação em regime de liberdade, só sendo admitida a sua prestação por particulares recebedores de uma outorga específica do Poder Público; e (iii) a sujeição de todas as relações contratuais de que o Estado seja parte a um regime jurídico único, fortemente regulado e pautado por prerrogativas publicísticas (publicatio).

Hely Lopes Meirelles lecionou: “Contrato privado é o celebrado entre particulares, sob a égide do direito privado, em que prevalecem a igualdade jurídica entre as partes e, via de regra, a informalidade. Contrato semipúblico é o firmado entre a Administração e particular, pessoa física ou jurídica, com predominância das normas pertinentes do Direito privado, mas com as formalidades previstas para os ajustes administrativos e relativa supremacia do Poder Público. Contrato administrativo típico a Administração só realiza quando dele participa como Poder Público, derrogando normas de direito privado e agindo publicae utilitatis causa, sob a égide do Direito Público” (MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1991, 10. ed., p. 156).

O referido entendimento foi bem elaborado por Fernando Dias Menezes para quem “há que se raciocinar finalisticamente com a função social do objeto contratual e, nesse sentido, do próprio contrato, para que se justifique, em cada caso, a incidência de um regime com maior ou menor carga de prerrogativas autoexecutáveis de ação unilateral por parte da Administração”.

Nesse sentido se já este é o entendimento prevalecente na interpretação de contratos celebrados com o Poder Público, outro não poderia ser o que pautará a interpretação a propósito do regime jurídico de contratos celebrados pelo concessionário com terceiros, que não guardam relação finalística com o cometimento público que lhe foi delegado.

Neste sentido e numa análise preliminar teríamos que os referidos contratos não se submetem ao regime jurídico-administrativo – usualmente atribuído aos contratos administrativos –, na medida em que têm por objeto a faculdade que foi atribuída ao concessionário para explorar atividades economicamente adjetas ao pacto concessório e não parcela do serviço público que lhe foi delegado. Este é o motivo por que o ordenamento jurídico pátrio lhes atribui o regime de direito privado, consoante o disposto no art. 25 da Lei n° 8.987/1995 (lei da concessão) cuja redação é a seguinte:

''Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade. §1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados. §2º Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente. §3º A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido.''

Marçal Justen Filho reconhece a utilidade desses contratos para os objetivos da concessão:

''É característico da concessão o concessionário assumir pessoalmente o desempenho das atividades correspondentes à prestação de serviços públicos. Nos limites de determinado contrato, o serviço público passa à exclusiva responsabilidade do concessionário. Isso significa, por outro lado, que o poder concedente cessa a sua atuação. Mas seria impossível cogitar de que todas as atividades e tarefas referidas direta ou indiretamente à concessão teriam de ser executadas pessoalmente pelo concessionário. Terá ele, de modo inevitável, que contar com a colaboração de terceiros. Aliás, isso é tão inerente à concessão que o próprio art. 25 da Lei n° 8.987/1995 explicitamente alude à hipótese, ainda que para determinar a ausência de instituição de relação jurídica entre o poder concedente e esses terceiros (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de serviço público. Dialética: São Paulo, 2003, p.519).

Essa ideia de um sistema peculiar nos contratos envolvendo concessão pública já foi reconhecida, em diversas oportunidades, pelo Poder Judiciário por seus tribunais.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu:

“Administrativo. [...] Nesse regime, a tarifa mínima, a um tempo, favorece os usuários mais pobres, que podem consumir expressivo volume de água a preços os contratos privados celebrados por concessionários de serviços públicos e a sua regulação alcançam não apenas as partes que o celebram, mas, também, o conjunto dos usuários. Não é por outra razão que não se pode conferir tratamento autonômico à relação jurídica veiculada por meio destes ajustes, como se esse vínculo não estivesse conectado a uma ideia maior (a própria organização do serviço público). É dizer, os efeitos produzidos por esses contratos não ficam restritos aos interesses da concessionária e de terceiros, mas se espraiam para todo o sistema por meio do qual é veiculada a prestação de um serviço público; tem-se, aqui, um exemplo de temperamento ao princípio da relatividade dos contratos.9

Boa parte da doutrina entende que tais contratos possuem natureza jurídica de ''contratos privados coligados''. A coligação contratual e aqui trazemos (por toda a boa doutrina) Eduardo Takemi Kataoka se configura quando “acontecimentos de um contrato produzirão efeitos sobre os outros”. Em suma, o que diferencia essa espécie contratual é a sua causa comum, consubstanciada em um nexo econômico articulado, estável e funcional, que se destina ao atendimento de uma finalidade, que será alcançada pela conexão menores, e garante a viabilidade econômico-financeira do sistema, pelo ingresso indiscriminado dessa receita prefixada, independentemente de o consumo ter, ou não, atingido o limite autorizado.

Outra definição de coligação contratual é: “uma pluralidade de contratos e de relações jurídicas contratuais estruturalmente distintos, porém vinculados, ligados, que compõem uma única e mesma operação econômica, com potenciais consequências no plano da validade (mediante a eventual contagiação de invalidades) e no plano da eficácia (em temas como o inadimplemento, o poder de resolução, a oposição da exceção do contrato não cumprido, a abrangência da cláusula compromissória, entre outros)”[3].

A coligação, assim, origina-se de comportamentos em mercado, mediante os quais os agentes procuram potencializar os seus interesses por uma gestão eficiente de contratos.

Práticas de descentralização e de crescente especialização segmentaram a elaboração, a produção e a circulação de riquezas para além das sociedades empresárias. Neste sentido a atividade empresarial em considerável medida passou a se desenvolver por intermédio de uma gestão adequada de contrato e, nesse contexto, os contratos coligados ostentam uma relevante importância.

A partir do gênero contratos coligados (contratos coligados lato sensu) seria possível diferenciar: (a) os contratos coligados em sentido estrito; (b) os contratos coligados por cláusulas expressas; (c) os contratos conexos.

Há coligação em sentido estrito quando a ligação entre dois ou mais contratos se dá por aplicação da Lei que, ao tratar de determinado tipo contratual, prevê a coligação e uma operação econômica supra contratual.

Nos contratos coligados por cláusula expressa, por sua vez, os contratantes acordam que haverá uma operação econômica supra contratual, mediante o vínculo entre diferentes contratos, com a possibilidade de mensurar a extensão deste vínculo quanto a uma eficácia paracontratual.

Por envolver uma manifestação expressa da autonomia privada, a identificação da coligação nesses casos é realizada mediante um esforço exegético dispar do verificado quando a coligação, malgrado também ser proveniente da autonomia privada, resta implícita na operação econômica supracontratual.

Isso se sucede nas situações em que a ligação entre os dois ou mais contratos se dá, predominantemente, pelo nexo entre eles existente, independente da estipulação de uma eficácia paracontratual em norma jurídica ou de uma cláusula contratual expressa.

Esses grupos de casos podem ser identificados pelo termo contratos conexos. Nesses casos é a operação econômica supracontratual, movida por um propósito comum igualmente supracontratual, que justifica o reconhecimento de um especial nexo, com a atribuição de específicas consequências jurídicas.

Há diferentes espécies de conexão verificadas na experiência contratual, justificando uma subdivisão em pelo menos dois grupos: (a) as redes contratuais; (b) os contratos conexos em sentido estrito.

As redes contratuais pressupõem dois ou mais contratos interligados por um articulado e estável nexo econômico, funcional e sistemático.

Questão fundamental é diferenciar as redes contratuais das demais espécies de coligação (e conexão) contratual, pelo caráter sistemático das operações econômicas por elas encaminhadas, pela proteção especial que se reserva ao destinatário final deste conjunto contratual e, sobretudo, pela existência, em direito brasileiro, de um complexo normativo diferenciado para tratar destes contratos.

As peculiaridades das redes contratuais resultam numa experiência jurisprudencial com características próprias, o que também justifica tratá-las de forma diferenciada.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou igualmente sobre o tema: “Administrativo. [...] Nesse regime, a tarifa mínima, a um tempo, favorece os usuários mais pobres, que podem consumir expressivo volume de água a preços menores, e garante a viabilidade econômico-financeira do sistema, pelo ingresso indiscriminado dessa receita prefixada, independentemente de o consumo ter, ou não, atingido o limite autorizado. Recurso especial não conhecido.” Resp. 20741/DF. Min. Rel. Ari Pargendler. Segunda Turma. Publicado no DJ em: 03.06.1996.

Trata-se de compreensão jurídica já reconhecida, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça que, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 951.724,14 entendeu que: “somente com a pactuação dos vários contratos supramencionados as partes conseguiram alcançar a finalidade econômica perseguida (...) na espécie, a ideia de ‘negócio’ é mais ampla que a de ‘contrato’”. Não é incomum que os contratos de concessão prevejam a possibilidade de subcontratações ou a transferência do exercício de determinada atividade concedida a terceiro, observadas as regras previstas no instrumento delegatório. Significa dizer que o plexo de relações contratuais formadas no âmbito da exploração de determinada concessão é interdependente. Mais que isso, quaisquer alterações nas relações contratuais específicas produzirão impactos sistêmicos nas demais, especialmente no que toca aos critérios de adequação dos serviços delegados. Dessa coligação contratual atrelada ao objetivo de viabilizar a adequada prestação do advém a necessária funcionalização desses contratos ao atendimento de interesses públicos – sobretudo à luz do princípio da função social dos contratos, consagrado no art. 421 do Código Civil.16

Temos aí um tipo de dirigismo contratual que configura como uma manifestação da cunhada “Publicização do direito privado”.

Para Gustav Radbruch esse fenômeno representa a “projeção do direito público sobre uma esfera antes exclusiva do direito privado, de modo que o Estado, por intermédio do legislador e do poder jurisdicional, dirige o instituto do contrato, que passa a ser o resultado de uma combinação de normas públicas e privadas”. Nada obstante, por se tratar de um contrato de direito privado celebrado no âmbito de uma relação que veicula a prestação de um serviço público, esse dirigismo contratual é qualificado pela incidência de influxos regulatórios. Isto porque a modelagem regulatória permite que os interesses potencialmente conflitantes em contratos de longo prazo, possam ser equacionados por intermédio de um devido procedimento peculiar. Aprofundando o tema Jorge Alves Correia e Ana Carolina Costa Leitão: “a regulação constitui, assim, um upgrade relativo à ‘publicização’, captando o fenómeno da contratação no universo jurídico-privado, de forma mais ampla, profunda e atual”.

Parte da boa doutrina ainda denomina tal fenômeno - tão necessário hoje em 2022 como no século passado - de “contato privado como objeto de regulação administrativa”. Neste sentido entende parte da boa doutrina que o trabalho das autoridades administrativas de regulação, dotadas de amplos poderes normativos acabou, em certas áreas da economia, por conduzir a um fenômeno de ''administrativização do contrato privado'' ou, como alguns também assinalam, a uma parcial substituição do direito privado do contrato pelo direito da regulação. a ser restritos em nome do interesse da coletividade. Outros ajustes que outrora eram considerados como exclusivamente privados passam a se sujeitar a pontuais intervenções e restrições impostas por normas de ordem pública e também por meio da atividade regulatória do Estado.

São os casos, por exemplo, dos setores de mercado de capitais e de seguros, nos quais as relações entre agentes privados são colmatadas e limitadas por normas de Direito público e pela atuação de entidades públicas, no exercício de poderes inerentes à Administração Ordenadora e, mais abrangentemente, à função regulatória do Estado.

Concluímos no sentido de que temos uma dualidade e dialética salutar no Brasil hoje em dia qual seja, a persistência, por um lado, de um regime jurídico-administrativo, que seja necessário e equilibrador do regime de direito privado que envolva concessões e tenha reflexos na coletividade, e, por outro, a efetiva existência e necessidade de um direito privado no qual a vontade das partes forma acordos com força de lei num sistema liberal e regulado pelo próprio mercado.

No âmbito das concessões de serviços públicos, temos como exemplo de contrato privado regulado, os denominados “contratos entre partes relacionadas”. Envolve um ajuste em que o concessionário celebra contratos privados com empresas com as quais guarda relação societária direta ou indireta, o que desperta preocupações a propósito da possibilidade da celebração de contratações não equitativas. A necessidade de atuação regulatória nesses contratos de direito privado já foram reconhecidos, pelo Tribunal de Contas da União quando aquela Corte de Contas se manifestou no sentido ''de que o fato de os contratos da concessionária com terceiros reger-se pelas normas de direito privado não exime a entidade pública participante da Sociedade de Propósito Específico (SPE) de atuar de forma a resguardar e proteger o bom uso dos recursos públicos envolvidos, acompanhando de forma adequada e consistente os contratos firmados pela concessionária, principalmente com partes relacionadas (Deliberação CVM 26, de 5/2/1986) aos parceiros privados.

A LSA trata das condições que devem ser observadas pelo administrador nos contratos celebrados pela companhia com partes relacionadas: “condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros” e “condições estritamente comutativas, ou com pagamento compensatório adequado” (respectivamente, art. 156, §1º, e art. 245).

Tal entendimento ratifica a ideia de que os contratos celebrados por concessionários de serviços públicos, previstos no art. 25 da Lei n° 8.987/1995, possuem natureza de direito privado. Ou seja, não se submetem a quaisquer exorbitâncias contratuais decorrentes do regime jurídico-administrativo. Porém, por fazerem parte de uma coligação contratual pactuada para viabilizar a prestação de um serviço público, tais ajustes terão de ser parcialmente regidos por normas de direito público, expedidas por entidade reguladora. Daí porque detêm natureza jurídica de contratos privados regulados.

Floriano de Azevedo Marques Neto esclareceu no sentido de que os pressupostos da moderna regulação, consagrada no art. 174 da CR, diferem dos da intervenção direta na economia. A uma por ser pautada pelo caráter de mediação dos interesses, e não pela pauta de objetivos do Estado, o que cria para o regulador uma obrigação de dialogar com agentes sujeitos à atividade regulatória – a imposição dá lugar ao arbitramento de interesses e ao diálogo coordenado. A duas, porque seus objetivos se deslocam da proteção de um abstrato “interesse público” para a defesa da sociedade – sob um aspecto de proteção de direitos transindividuais. Mais que isso, essa função estatal tem como nota característica a responsividade (accountability), que é a satisfação da legitimidade da ação administrativa em termos de eficiência, mas, sobretudo, tem como característica a intensa processualização administrativa, permeada pela participação dos agentes dos setores interessados.

Cabe aqui pontuar que uma das funções regulatórias que incidirá na disciplina dos contratos privados celebrados por concessionários de serviços públicos é a normativa (rulemaking). Essa função normativa ocorre na edição de normativos, dotados de generalidade e abstração, os quais importam na composição de interesses veiculados no bojo de um processo administrativo participativo. É esse aspecto da função regulatória que incidirá sobre os contratos privados celebrados por concessionários de serviços públicos. É que, por se tratar de contratos de direito privado coligados a contratos administrativos que veiculam a prestação de serviços públicos, tal ajuste será regido, ainda que parcialmente, por normas regulatórias, que compatibilizem o princípio da autonomia da vontade com o dever de prestação de um adequado serviço público.

Para tal mister, caberá à agência reguladora setorial editar normativo que discipline os efeitos desse contrato de direito privado celebrado entre concessionárias de serviços públicos, para o fim de evitar que: (i) os seus termos violem as normas regulamentares do serviço concedido; e (ii) a sua receita seja subtraída da rubrica da modicidade tarifária.

Não se trata de prática novel. É prática antiga e recorrente que o regulador discipline os termos de contratos de direito privado celebrados entre concessionários de serviços públicos, notadamente no que toca ao compartilhamento de infraestruturas (essential facilities). Em Telecomunicações, por exemplo, tal competência contra locus no artigo 73 da Lei n° 9.472/1997, cuja redação é a seguinte:

''As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis.'

Segundo a boa doutrina esse dispositivo outorga ao regulador a competência para estabelecer “os limites físicos para a destinação do espaço nos postes para outros serviços, bem como os cuidados técnicos que, em atenção à segurança e qualidade do serviço elétrico, devem ser observados na instalação e manutenção dos cabos e equipamentos de terceiros”.

A fim de disciplinar tal dispositivo, foi editada a Resolução Conjunta nº 1, de 24 de novembro de 1999 (ANEEL, ANATEL e ANP), que aprova o Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infraestrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo. Esse normativo veio a disciplinar o denominado “Contrato de Compartilhamento de Infraestrutura”, negócio jurídico de direito privado celebrado entre as concessionárias dos referidos setores regulados, os quais têm o seu regramento delineado pela regulação. Ao comentar o referido contrato, Alexandre Santos de Aragão aduz que o compartilhamento tem, portanto, natureza de contrato privado, mas não, evidentemente, de um contrato privado antigo, calcado na liberdade da vontade, no princípio da relatividade e no caráter essencialmente privatístico. Há uma limitação administrativa da liberdade de contratar: trata-se, se incumbente e entrante chegarem a um acordo, de um contrato regulamentado (com cláusulas predeterminadas coercitivamente) e autorizado (sujeito à prévia aprovação da Administração Pública). O regime jurídico dos contratos privados celebrados por concessionários que veiculam a exploração de receitas extraordinárias o trespasse de cometimentos públicos para a iniciativa privada, por meio de módulos concessórios, possui arquiteturas econômicas estruturantes que servirão de diretriz interpretativa dos aspectos jurídicos que lhe são subjacentes. Nesse sentido, confira-se a seguinte decisão da lavra do Superior Tribunal de Justiça: “A intervenção estatal no domínio econômico é determinante para o setor público e indicativa para o setor privado, por força da livre iniciativa e dos cânones constitucionais inseridos nos arts. 170 e 174, da CF. 2. Deveras, sólida a lição de que um dos fundamentos da Ordem Econômica é justamente a ‘liberdade de iniciativa’, conforme dispõe o art. 170, o qual, em seu inciso IV, aponta, ainda a ‘livre concorrência’ como um de seus princípios obrigatórios: ‘A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV - livre concorrência’. Isto significa que a Administração Pública não tem título jurídico para aspirar reter em suas mãos o poder de outorgar aos particulares o direito ao desempenho da atividade econômica tal ou qual; evidentemente, também lhe faleceria o poder de fixar o montante da produção ou comercialização que os empresários porventura intentem efetuar. Isto ocorre porque a concessão, como visto, resulta na transferência de um plexo de posições jurídicas aos concessionários, dentre as quais a de celebrar contratos dela decorrentes – os quais podem sofrer temperamentos publicistas cambiantes, a depender das suas relações com o serviço delegado. Esse plexo de posições econômicas transferido ao particular tem o propósito de equilibrar valores aparentemente antagônicos, mas que são enredados, por meio do pacto concessório: de um lado, o dever do Estado de prestar um serviço essencial à população e, de outro, o lucro do concessionário, que justifique que ele invista recursos próprios (ou de particulares) em empreendimentos públicos,

Mais que isso, a transferência de posições jurídicas para a iniciativa privada tem o intuito de viabilizar o financiamento do serviço delegado. Afinal, não se pode olvidar de uma característica que é fundamental à modelagem dos pactos concessórios em geral: os ''serviços públicos em sentido amplo' custam caro. Assim é que, embora legitimamente se espere que os serviços públicos em sentido amplo atendam a diversas finalidades de interesse público, há um custo na disponibilização desses serviços para a sociedade. Razão pela qual, na modelagem econômica dos pactos concessórios, deverá ser instituído um regime remuneratório pela prestação do serviço delegado, ancorado por uma política tarifária (art. 175, III, da CRFB).32 Na qualidade de política pública, a política tarifária, em poucas palavras, visa a estabelecer uma diretriz remuneratória suficiente e justa ao financiamento do serviço delegado. Essa política pública é consubstancializada por meio de uma remuneração tarifária, a qual, nas palavras de Fernando Vernalha Guimarães funciona “baseada no princípio da utilização e do benefício, onerando-se, segundo uma conotação ideal, aquele que efetivamente usa do serviço e na medida em que o faz”.

Por intermédio dessa 'construção/modelagem clássica de remuneração dos contratos de concessão, transfere-se o custo dos serviços a usuários determináveis. Adicionalmente, o poder delegante poderá instituir uma política tarifária por meio da qual serão estabelecidos mecanismos endógenos e exógenos de financiamento da concessão. O principal mecanismo endógeno ou 'natural' é a fixação uma tarifa sujeita à regulação estatal através da qual serão previstos os custos na prestação do serviço a redundar numa tarifa módica e a rentabilidade razoável do projeto concessionário

Por sua vez, os principais mecanismos exógenos de financiamento da concessão podem resultar: (i) da instituição de fundos, especialmente criados para esse fim; (ii) de subsídios providos, diretamente, pelo poder público (v.g. as contraprestações pecuniárias, previstas nas concessões patrocinadas e administrativas da Lei nº 11.079/2004); e (iii) das receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, previstas nos artigos 1135 e 18, inciso VI, da Lei nº 8.987/1995. É dessa última modalidade de financiamento exógeno dos contratos de concessão que está sendo aqui analisada. Não se cuida de instituto novel. Tem-se notícia de que a jurisprudência do Conselho de Estado Francês, por ocasião do julgamento do caso Compagnie Générale d’Éclairage de Bordeaux,36 de 30 de março de 1916, já admitia a complementação das receitas do concessionário por fontes alternativas à tarifa. No ordenamento jurídico brasileiro Marçal Justen Filho et all aduz que todas as hipóteses previstas no artigo 11 da Lei nº 8.987/1995 poderiam ser enquadradas como receitas extraordinárias, assim consideradas como aquelas que “são as relacionadas com a exploração alternativa, do ponto de vista econômico, do objeto da concessão; não importam o desenvolvimento de outras utilidades ao público, nem a ampliação propriamente dita do objeto da concessão”. A Regulação tarifária que, como bem observado por Jacintho Silveira Dias de Arruda Câmara “tem notabilizado por uma maior flexibilidade em relação ao tradicional sistema de regulação das tarifas. A forma mais contundente de flexibilização está na adoção do modelo da ‘liberdade tarifária’. Neste sistema o poder concedente admite que o próprio concessionário estabeleça o valor da remuneração que vai ser cobrada do usuário, passando a exercer nestes moldes uma verdadeira função fiscalizadora. Nestes casos, a característica que preserva o caráter público do regime remuneratório é a possibilidade de retomada por parte do poder público, a qualquer tempo, da gestão das tarifas por parte do poder concedente. Forma mais branda de conferir alguma participação ao concessionário na fixação de tarifas está na adoção de uma tarifa teto (price cap).

Cabe esclarecer aqui que a Regulação Price CapSistema "preço-máximo" ou simplesmente Price Cap é uma forma de regulação desenvolvida, na década de 80, no Reino Unido. Tal sistema foi criado pelo economista Stephen Littlechild e foi aplicado em todos os "utilities" britânicos privados. Ele contrapõe-se à regulação pela denominada taxa de retorno, na qual as empresas determinam uma taxa de retorno sobre o capital, bem como a regulação com base no Custo Marginal - onde o lucro é totalmente regulado.

O Price-Cap também é conhecido como modelo RPI-X, baseia-se na fixação de um preço teto, para cada ano, baseado com base no Retail Base Índex (RPI), geralmente um índice de inflação, e um fator de eficiência X.PO preço teto pode ainda ser ajustado por um Índice de correção Z que mede o efeito de eventos exógenos que afetam os custos das concessionárias.

Nestes casos, o poder concedente estabelece um valor máximo a ser cobrado pela prestação do serviço, mas este valor não é absoluto, pois se admite que o concessionário pratique valores mais baixos. Uma derradeira forma de flexibilização do regime tarifário que pode ser mencionada diz respeito à instituição de um controle geral sobre um conjunto de itens tarifários a denominada ''cesta tarifária'', ao invés do normal acompanhamento item por item de cada elemento.

O concessionário, neste modelo, ganha a liberdade de balancear a proporção que cada item terá em relação ao todo (a cesta). Administra, desta forma, os itens sobre os quais serão cobrados valores mais altos, tendo, porém, que necessariamente compensar esta opção por intermédio da redução dos valores dos demais itens. Eis o teor do dispositivo da lei sub examine:

“Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei.”

De fato, por meio dessa modalidade de financiamento, confere-se à concessão de serviço público uma acepção mais econômica, que permita ao concessionário angariar recursos em razão da sua própria produção e resultados empresariais.

Essas atividades se aproveitam das externalidades positivas produzidas pela execução do serviço delegado para favorecer a integração financeira da concessão às oportunidades periféricas de negócios.

Flávio Amaral Garcia: “Por força do princípio da modicidade das tarifas, a ideia é fazer com que o usuário não seja o único a assumir o ônus de produzir renda para o concessionário. Afinal, existem alternativas de obtenção de riquezas agregadas ao objeto concedido. Trata-se, assim, de uma acepção empresarial do instituto da concessão, possibilitando outros meios capazes de produzir receita para o concessionário e que podem não estar ligados diretamente à atividade principal objeto do contrato.” (GARCIA, Flávio Amaral. Regulação jurídica das rodovias concedidas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 172.)

Nesse sentido, confira-se os pertinentes ensinamentos de Fernando Vernalha Guimarães:

“Estes negócios derivados e potencialmente rentáveis são favorecidos por externalidades positivas geradas pela execução do serviço público principal. Aproveitam-se estas externalidades para favorecer a integração financeira no projeto da concessão de oportunidades periféricas de negócio. Assim e por exemplo, a construção de uma rodovia por meio de uma concessão de obra pública poderá gerar oportunidades de negócios rentáveis que lhe podem ser associados, como a exploração de praça de restaurantes e lojas à sua margem. A existência da rodovia propicia a circulação de pessoas nos arredores, gerando público consumidor para estes estabelecimentos.” (GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As receitas alternativas nas concessões de serviços públicos no direito brasileiro. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 21)

Cabe lembrar que em determinados serviços concedidos, essas receitas são tão importantes que se configuram como a principal forma de remuneração dos concessionários, como, por exemplo, na concessão de radiodifusão disciplinada pela Lei nº 4.117/1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações – CTB). Isso se deve ao fato de que o artigo 6º, inciso II, d, do CTB, preceitua que o serviço de radiodifusão deve ser apto a ser recebido, direta e livremente, pela população em geral, ou seja, de forma gratuita. Contudo, como se sabe, a remuneração desses concessionários é resultante da exploração de publicidade na programação transmitida, a qual não possui natureza de tarifa, mas de receita extraordinária à concessão – regida, pois, pela liberdade de preço. Outro exemplo relevante de receitas acessórias é o daquelas exploradas no bojo de contratos de concessão de uso de bem público, por meio da celebração de contratos de naming rights. Os naming rights (direitos de nome, em tradução livre) estão inseridos no contexto de uma prática de mercado que, geralmente, destina-se a conferir visibilidade a uma determinada marca ou nome de uma empresa, mediante a sua associação a eventos, espaços, organizações etc., sendo estes usualmente relacionados ao setor do esporte e à indústria do entretenimento dentre outros. Neste sentido naming rights seria o “direito de nomear” e auferir renda com tal ato.

Os naming rights guardam estreita relação com o tema da exclusividade de exploração e são regidos por contratos, daí porque têm o potencial de assumir as mais variadas nuances.

Em suma, os contratos de naming rights podem versar sobre a propagação do nome de uma empresa, de produtos e/ou serviços atrelados a uma determinada marca, em que o comprador adquire o direito de ter o nome em questão associado ao espaço objeto da concessão, mediante contraprestação.

O tema  ''naming rights'' constituem tema de interesse crescente da Administração Pública, o que se evidencia pelas crescentes iniciativas tomadas com o propósito de auferir receitas provenientes da concessão de uso, isto é, mediante a captação de recursos por intermédio de transações envolvendo naming rights.

Na Capital do Estado de São Paulo, por exemplo, a municipalidade abriu consulta pública referente ao projeto de cessão onerosa de direito aos naming rights dos centros esportivos localizados na cidade.

Não obstante, atualmente, a exploração dos naming rights tem predominância no âmbito privado. Lembramos que, relações jurídico-empresariais advindas de contratos de aquisição de naming rights já demandaram o judiciário brasileiro.

Isso porque as relações jurídicas firmadas por meio de contratos estão sujeitas à superveniência de fatos que podem acarretar, inclusive, a nulidade ou a rescisão.

Por isso, a delimitação dos elementos essenciais de validade dos contratos que envolvem os naming rights é importante para assegurar a sua validade e eficácia, inclusive mediante a observância das regras inerentes ao Sistema da Propriedade Industrial, tendo em vista estarem intrinsecamente relacionados ao escopo de exploração econômica com o potencial de agregar valor à ativos imateriais.

Como já tivemos a oportunidade de aduzir neste artigo as atividades exploradas pelos concessionários que dão origem às receitas extraordinárias não se confundem com o objeto da concessão. Trata-se de atividades econômicas em sentido estrito, as quais são exercidas, no âmbito da liberdade de iniciativa (art. 1º, IV, e 170, caput, da CR), mas que devem ser submetidas à prévia autorização estatal (art. 170, parágrafo único, da CRFB) e aos influxos regulatórios serem praticadas em sede de concessão pública em sentido amplo. Neste sentido, as referidas atividades não se submetem ao regime jurídico administrativo a que a doutrina jusadministrativa atrela ao serviço público.

Concluímos com a boa doutrina que serviços que permitem uma aferição de receitas extraordinárias são de fato serviços públicos delegados e, naturalmente, podem sofrer os efeitos da regulação por parte dos entes reguladores. O papel destes últimos, no que tange àquelas atividades, é empreender todas as medidas necessárias para que o seu produto concorra para a modicidade das tarifas, em cumprimento ao que determina a lei.

Apesar de envolverem atividades privadas submetidas a influxos regulatórios, por estarem integradas, economicamente, à concessão, devem se submeter também à tutela fiscalizatória do Poder Público nos moldes dos artigos 29, 30 e 31 da Lei nº 8.987/1995). Isto porque não se poderia cogitar que uma atividade acessória viesse a impedir que o serviço delegado fosse ofertado à coletividade. Aqui, aplica-se a lógica civilista e do direito brasileiro de que “o acessório segue o principal”. Tal dever de fiscalização será exercido no âmbito da regulação, na qualidade de uma função equidistante e equilibradora de sistemas jurídico-econômicos que terá de equacionar os interesses dos concessionários, do poder concedente e dos usuários na exploração dessas atividades acessórias aos dois módulos concessórios. Tais exegeses hermenêuticas têm repercussões práticas. Muito já se a totalidade do resultado dessa exploração deveria ser revertida obrigatoriamente à modicidade tarifária. Trata-se de questionamento em vias de superação. É que o art. 11 da Lei n° 8.987/1995, expressamente, aduz que essas receitas são instituídas: (i) “em favor da concessionária”; e (ii) “com vistas a favorecer a modicidade tarifária”; e, no seu parágrafo único, prescreve que “as fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.

Aqui e com base no dispositivo legal supra concluímos que, se um dos objetivos dessas receitas é a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato, é evidente que o seu objetivo não é só o de favorecer a modicidade tarifária, mas, também, de se prestar à justa remuneração do concessionário até porque o econômico-financeiro do contrato é uma vida de duas mãos a favorecer as duas partes da concessão. Adicionalmente se sabe que é o próprio concessionário quem estabelece os parâmetros desta equação- econômico-financeira, por ocasião da apresentação de sua proposta na licitação (art. 9° da Lei n° 8.987/1995) ou assinatura do contrato. Do contrário, a expressão “em favor do concessionário”, prevista no referido disposto, também seria despida de significação.

Bebendo mais uma vez da fonte doutrinária de Alexandre Santos de Aragão observamos que o mestre de direito público entende que o fato de o artigo 11 da Lei nº 8.987/1995 visar à modicidade tarifária não quer dizer, contudo, ''que todo o lucro com elas obtidos seja direcionado apenas para a modicidade tarifária, pois, se assim fosse, o concessionário não teria estímulo para realizar os empreendimentos ancilares ao objeto principal da concessão.'' De fato, a visão atécnica e equívoca de que tais receitas deveriam ser integralmente revertidas à modicidade tarifária importaria nas seguintes consequências nocivas à prestação do serviço delegado: (a) faria com que o concessionário não explorasse as potencialidades econômicas decorrentes da concessão, o que, na ponta, militaria em desfavor da própria modicidade tarifária, já que não lhe seria revertido qualquer percentual; e (b) como alertado pelo saudoso Marcos Juruena Villela Souto se tal receita fosse integralmente e obrigatoriamente transportada para o serviço público, o regulador se julgaria legitimado em suas palavras a ''(....) disciplinar quanto de milho tem que ter em cada saquinho de pipoca porque se usar mais milho do que deveria estaria gastando mais e o resultado não propiciaria maior redução da tarifa.'' E, ainda de acordo com o citado autor, “isso é rídiculo e absurdo, mas se for exigido do regulador esse compromisso, ou se o regulador se empolgar em ter mais competência as discussões não vão prosperar e tudo vai acabar no judiciário, desautorizando a autonomia e a independência das agências reguladoras”. Trata-se de entendimento que encontra respaldo na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que, no julgamento do Processo nº 014.811/2000-0, que versava sobre a viabilidade técnica e jurídica do reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessões rodoviárias em virtude da obtenção de receitas alternativas, consignou que parte dessas receitas seja destinada à concessionária, sob pena de que a captação desses recursos se torne desinteressante para esta última. Ora, se a obtenção dessas rendas acessórias não trouxer nenhum ganho para as concessionárias e, portanto, não for buscada no mercado, consequentemente não haverá redução na tarifa de pedágio.'

Nos setores regulados, essa é a sistemática que vem orientado a destinação das receitas extraordinárias. No setor de Energia Elétrica, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) vem incluindo, nos contratos de concessão celebrados com as concessionárias de distribuição, cláusula que prevê a reversão parcial das receitas extraordinárias à modicidade tarifária. No setor de Telecomunicações, a Lei nº 9.472/1997 (LGT), em seu artigo 108, §2º, dispõe, expressamente, que “serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas alternativas.”

Por fim, cite-se, no setor de Rodovias, a já referida Resolução n° 2.552/2008 da ANTT, que em seu artigo 4° especificou os percentuais que serão revert1dos à modicidade tarifária. Daí porque entendemos com a boa doutrina no sentido de que se trata de “um cálculo econômico que demanda a participação direta da agência reguladora, que deverá observar a natureza da atividade envolvida e a consequência econômica de tal atividade. Por fim tais baese e premissas que inspiram o regime jurídico da exploração das receitas extraordinárias reforçam as teses defendidas neste texto e segundo as quais: (1) os contratos celebrados por concessionários, previstos no art. 25 da Lei n° 8.987/1995, são regidos, predominantemente mas não exclusivamente, pelo direito privado; (2) tais ajustes tem natureza jurídica de contratos privados regulados, por serem coligados a um rede contratual serviente à adequada prestação de serviços públicos; (3) caberá à regulação disciplinar o seu regime jurídico, de modo compatibilizar o princípio da autonomia da vontade das partes contratantes com a necessidade de uma adequada prestação de serviços públicos; e (4) tal inserção/modulação regulatória não poderá ser intrusiva, não razoável e nem importar em violação ao princípio da liberdade de iniciativa, nem tão intrusiva a ponto de desestimular a sua celebração. Concluímos no sentido de que os contratos celebrados por concessionários com terceiros, que não guardam relação finalística com a atividade delegada erm sentido amplo, não se submetem ao regime jurídico-administrativo, eis que têm por objeto a faculdade atribuída ao parceiro privado para explorar atividades economicamente associadas ao pacto concessório. Tais acordos têm natureza jurídica de contratos privados coligados e regulados, por se tratar de ajustes celebrados no âmbito de uma relação que veicula a prestação de um serviço público. Assim, tais contratos, estão sujeitos a modulações regulatórias, as quais terão de compatibilizar o princípio da autonomia da vontade com o dever de prestação adequada do serviço. Por fim, apesar da competência do órgão regulador para intervir nos contratos celebrados por concessionários de serviços públicos, as atividades por ele veiculadas, por se tratar de atividades econômicas reguladas, não podem sofrer uma regulação intrusiva ou não razoável, sob pena de violação ao princípio da liberdade de iniciativa.

Referências

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Quais são as prerrogativas do contrato administrativo?

As prerrogativas da Administração são conhecidas nas cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos. Tais cláusulas estão expressas no art. 58 da Lei 8.666/93 e se traduzem em direitos unilaterais da Administração acerca da alteração, rescisão, sanção e fiscalização do contrato.

Quais são as características do contrato de concessão?

Do conceito apresentado, podemos extrair algumas características principais da concessão, são elas: ter natureza contratual (acordo de vontades), ser estabelecido de forma não precária e possuir um prazo determinado.

O que é um contrato de concessão?

Concessão pública é o contrato firmado entre a administração pública e uma empresa privada, para que esta passe a executar e explorar economicamente um serviço público onde são remuneradas por meio de tarifas pagas pelos usuários.

São características do contrato de concessão de serviço público?

A concessão é definida como a delegação de serviço público, feita pelo poder concedente, mediante licitação na modalidade concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.