Quais as contribuições da linguística para a sala de aula?

Introdução

Especialmente nas últimas décadas, um grande número de pesquisadores ligados à área de ensino de línguas vem apontando para a necessidade emergencial de se relacionar a educação de línguas com as reivindicações que a sociedade contemporânea nos apresenta (Moita Lopes, 2006a______. 2006a. Linguística aplicada e vida contemporânea - Problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo (org.) Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 85-107.; Pennycook, 2001PENNYCOOK, Alastair. 2001. Critical applied linguistics - a critical introduction. New Jersey: Lawrence Erbaum Associates.; Signorini; Cavalcanti, 2004______ ; Marilda CAVALCANTI (orgs.). 2004. Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras.; Rampton, 2006RAMPTON, Ben. 2006. Language in late modernity: interaction in an urban school. New York: Cambridge University Press, 2006.; Canagarajah, 2005______, Suresh. 2005. Reconstructing Local Knowledge, Reconfiguring Language Studies. Reclaiming the Local in Language Policy and Practice. London: Lawrence Erbaum Associates.). A realidade plurilíngue e multimodal, que representa o declínio da vida monolíngue, está posta, ainda que setores da sociedade resistam em pensá-la como tal. A colisão de linguagem e de culturas (García, 2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Malden, MA and Oxford: Basil/Blackwell.) proporcionada pela tecnologia - que avançou por mídias diversas -, pela mobilidade recente de pessoas, pelas diásporas e pelo envolvimento com novas formas de cultura popular, faz com que novas possibilidades de práticas da linguagem apareçam (cf.: Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.). Considerando esse cenário e o ponto de vista assumido aqui de que a sala de aula, tanto de língua materna como de línguas adicionais, é um espaço inerentemente plurilíngue e transcultural, uma perspectiva de investigação racionalista aliada a uma perspectiva monolíngue pode levar à negação desses fenômenos atuais em que línguas, culturas e identidades, hoje, mais do que nunca, evidenciam o seu caráter desterritorializado. Nessa contemporaneidade, a relação entre indivíduos e cultura resulta em um fenômeno constituído de múltiplas ações, que excede as estruturas normatizadoras e, embora resulte de normas e de regras, desvia-se, de acordo com a agência dos participantes e da contingência local (cf.: Menezes de Souza, 2010MENEZES DE SOUZA, Lynn Mario Trindade. 2010. Cultura, língua e emergência dialógica. R. Let. & Let. Uberlândia, v. 26, n. 2, p. 289-306, jul.-dez. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/13095/7488>. Acesso em: 14 mar. 2012.
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).

Para explicar as experiências contemporâneas de ensinar e aprender línguas importa discutir, portanto, a partir do ponto de vista dos participantes, a "complexidade dos fatos envolvidos com a linguagem em sala de aula" (Moita Lopes, 2006b______. 2006b. Uma linguística aplicada mestiça e ideológica - interrogando o campo como linguista aplicado. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 13-42.: 19), em diferentes contextos e comunidades. Ainda que mudanças envolvendo a linguagem em contextos escolares venham sendo consideradas em pesquisas sobre o ensino de línguas e na prática pedagógica, muitos são os desafios para os pesquisadores, os quais se deparam com epistemologias linguísticas que estão aquém da complexidade que o campo aplicado oferece nessa atual conjuntura social (c.f. discussão recente de Lopes, 2013LOPES, Carlos Renato. 2013. Repensando os saberes: mudanças nos paradigmas epistemológicos e a formação de professores de língua estrangeira. Revista brasileira de Linguística Aplicada, 13/3, p. 941-962.).

Nesse sentido, há esforços que apontam para o desenvolvimento de uma "teoria da prática", como informa (Pennycook 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.: 13), pelo entendimento consistente das práticas de linguagem1 1 . Expressão utilizada aqui em consonância com Pennycook, que a define como "aquilo que acontece através da linguagem" (2010: p. 12), considerando a localidade e as implicações políticas em que elas ocorrem. em contextos escolares. Essa "volta para a prática"2 2 . Practice turn (Pennycook, 2010: 22). O crescente uso do termo prática, segundo Pennycook, está relacionado com o fato de questionarmos a produção e organização da linguagem como uma relação entre ação humana e as questões sociais, culturais e ideológicas que envolvem seu papel no mundo. em teorizações contemporâneas na Linguística Aplicada tem a ver com a tentativa de entender "como usamos a linguagem do modo como usamos"3 3 . How do we come to use language as we do? (Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.: p.22). Ecoando outros cientistas sociais e linguistas aplicados (como, por exemplo, Bourdieu, 1990; Schatzki, 2001; Kramsch, 2005 apud Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.), Pennycook atribui a importância do emprego do termo "prática" em contraponto a outros conceitos mais abstratos como "sistemas, estruturas ou discursos" (2010: 22)4 4 . Systems, structures or discourses. . Segundo o autor, nesse conceito de prática, está a possibilidade de se discutir a linguagem como parte da vida real. A teoria da prática, nesse sentido, possibilita, portanto, equacionar "um mundo real da ação humana"5 5 . A real world of human action. com uma linguística aplicada que nos permite "explorar o significado de uma reorientação do nosso pensamento sobre o papel da linguagem no mundo"6 6 . To explore the significance of a reorientation of our thinking about the role of language in the world. (Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.: 23). Assim, como Pennycook, não utilizamos o termo prática como contraponto à teoria. Ao contrário, ao fazer conexões entre pensamento e ação, buscamos entender as práticas situadas na tentativa de responder questionamentos do tipo: "como indivíduos sabem fazer o que eles fazem em contextos tão específicos em que operam" (Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.: 25).

A partir deste entendimento do cotidiano e das relações sociais que permitem a prática da vida no mundo real, afastamo-nos da soberania estipulada por epistemologias que postulam unicamente a racionalidade do pesquisador. Dessa forma, entender as práticas de linguagem em contextos escolares significa entender as ações que são desenvolvidas repetidamente, porém não de uma perspectiva técnica ou metodológica, mas sim, a partir do conhecimento desenvolvido nos contextos específicos da vida cotidiana. Entendemos que essas práticas, quando discutidas a partir de premissas epistemológicas pautadas em uma "racionalidade científica" (Sandberg; Tsoukas, 2011SANDBERG, Jörgen & Haridimos TSOUKAS. 2011. Grasping the logic of practice: theorizing through practical rationality. Academy of Management Review, v. 36 (n. 2), p. 338- 360. ISSN 0363-7425.: 338), não dão conta de revelar o ponto de vista dos participantes. Como apontam Sandberg e Tsoukas (2011)SANDBERG, Jörgen & Haridimos TSOUKAS. 2011. Grasping the logic of practice: theorizing through practical rationality. Academy of Management Review, v. 36 (n. 2), p. 338- 360. ISSN 0363-7425., as pesquisas organizacionais, inspiradas na racionalidade, falham em mostrar aspectos essenciais das ações dos participantes, uma vez que não mostram a contingência em que as ações acontecem e, tampouco, como o mundo e as circunstâncias em que esses participantes vivem moldam essas ações.

O desafio posto na contemporaneidade envolve, pois, a busca do entendimento sobre como as pessoas agem no mundo, fazendo uso de várias línguas ao atuarem em seus contatos transnacionais e globais, mas sem se descuidarem de suas ações localmente situadas. Envolve, portanto, a necessidade de entendimento do ensino de línguas em diferentes contextos históricos e geográficos, a partir de concepções políticas e históricas de linguagem (cf.: Pennycook, 2001PENNYCOOK, Alastair. 2001. Critical applied linguistics - a critical introduction. New Jersey: Lawrence Erbaum Associates.). Nessa perspectiva, a pedagogia de línguas, conforme a vislumbramos, ou seja, sócio-histórica e culturalmente situada, só faz sentido quando é problematizada com base em propósitos claros de uso da linguagem e das negociações feitas entre seus usuários para o efetivo sucesso na comunicação.

Para tanto, construir conhecimento, nessa perspectiva, significa ir além da tentativa de capturar a linguagem como um sistema. Significa investigar o que as pessoas fazem com a linguagem ao participar de uma atividade social, regulada tanto pelo contexto social como pelas ideologias subjacentes; significa problematizar o conhecimento em relação ao contexto em que ele é produzido e para quem ele é produzido; significa "repensar, desinventar e reconstruir" noções de linguagem, desnaturalizando conceituações de linguagem sedimentadas (Makoni; Pennycook, 2007MAKONI, Sinfree & Alastair PENNYCOOK (eds.). 2007. Desinventing and reconstituting languages. Toronto: Multilingual Matters.); significa questionar conceitos naturalizados, especialmente em contextos multilíngues e transculturais em que "línguas em uso, muitas vezes, não são reconhecidas" (Cavalcanti, 2011CAVALCANTI, Marilda. 2011. Multilinguismo, transculturalismo e o (re)conhecimento de contextos minoritários, minoritarizados e invisibilizados. In: MAGALHÃES, Maria Cecília C.; FIDALGO, Sueli S. (orgs.). Questões de Método e de Linguagem na Formação Docente. Campinas: Mercado de Letras. p. 171-185.: 172). E, ainda, significa entender as interações que desafiam formas linguísticas e pedagogias dominantes (Canagarajah, 2006CANAGARAJAH, Suresh. 2006. Changing Communicative Needs, Revised Assessment Objectives: Testing English as an International Language. Language Assessment Quarterly, 3 (3):229-242.).

Com isso, não defendemos que o estudo da linguagem deva descartar o estudo das estruturas da linguagem. No entanto, opomo-nos aos cortes metodológicos que podem mostrar um quadro estável e destituído de realidades do campo social nos estudos da linguagem. Diferente de uma visão em que a produção das formas é analisada diante de um padrão idealizado e estático, na postura dialógica aqui assumida, a linguagem é entendida como uma construção conjunta, considerando-se a realidade histórica em que opera.

Portanto, a linguagem como um trabalho coletivo, como um processo dinâmico de negociações, interações e mediações que resultam de tentativas mútuas de fazer sentido (Canagarajah, 2013______, Suresh. 2013. Traslingual practice - global Englishes and cosmopolitan relations. New York: Routledge.; García, 2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Malden, MA and Oxford: Basil/Blackwell.; Cesar; Cavalcanti, 2007CESAR, America e Marilda CAVALCANTI. 2007. Do Singular ao multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In: CAVALCANTI, M.; BORTONI-RICARDO, S. M. Transculturalidade, linguagem e educação. Campinas: Mercado das Letras. p. 45-66.; Pennycook, 2001PENNYCOOK, Alastair. 2001. Critical applied linguistics - a critical introduction. New Jersey: Lawrence Erbaum Associates.; 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.) somente pode ser entendida, na pesquisa, se seus significados forem compreendidos como socialmente e localmente situados. Nesse sentido, evita-se um enquadre linguístico que pode frustrar e oprimir, uma vez que pode transformar o entendimento da linguagem na vida real em "algo que incapacita as pessoas ao invés de empoderá-las" (Bloommaert, 2013BLOMMAERT, Jan. 2013. From fieldnotes to grammar -artefactual ideologies of language. Timburg papers in culture studies. Tilburg University.: 9). Assumimos, então, um "conceito múltiplo não unificado [de linguagem], produzido por percursos transdisciplinares de reflexão" (Signorini, 2004SIGNORINI, Inês. 2004. Do residual ao múltiplo e ao complexo: o objeto da pesquisa em Linguística aplicada. In: Inês Signorini e Marilda Cavalcanti (Orgs.) Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras. p. 99-110.: 102), que permite buscar, em nossas pesquisas, explicações para fenômenos linguísticos e educacionais.

Temos nos preocupado, especialmente, com fenômenos voltados para as dinâmicas políticas e educativas de ensino de línguas. Nesse contexto, o olhar etnográfico voltado para "regularidades locais (em contraposição a universais) e para relações moventes (em contraposição a já dadas), no(s) modo(s) de funcionamento do linguístico em condições de uso" (Signorini, 2004SIGNORINI, Inês. 2004. Do residual ao múltiplo e ao complexo: o objeto da pesquisa em Linguística aplicada. In: Inês Signorini e Marilda Cavalcanti (Orgs.) Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras. p. 99-110.: 103), tem possibilitado a discussão de práticas de linguagem reais, em contextos específicos de usos, articulando essa discussão com questões ideológicas e políticas inerentes à vida social.

Assumindo tal posição, permitimo-nos questionar algumas questões do tipo: Como podemos investigar as práticas de linguagem em contextos escolares no mundo do século XXI? Como problematizar a comunicação em vidas de indivíduos que interagem mais e mais em diferentes línguas, além de toda a diversidade que já peculiar? Por exemplo, como responder às questões referentes às várias línguas brasileiras (c.f. Cavalcanti, 2013______. 2013. Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, Luis Paulo (org). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola. p. 211- 226.) faladas em escolas públicas, em zonas rurais ou urbanas, em aldeias indígenas, em comunidades em que há LIBRAS-comunicadores, em comunidades compostas por descendentes de imigrantes ou às questões referentes à invisibilização de línguas não-oficiais diante da língua oficial? Como discutir as interações plurilíngues? Como entender as práticas de linguagem, considerando histórias locais, diante da realidade global?

No presente artigo, com base em pesquisadores que têm buscado expandir o campo epistemológico na Linguística Aplicada (Signorini; Cavalcanti, 2004______ ; Marilda CAVALCANTI (orgs.). 2004. Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras.; García, 2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Malden, MA and Oxford: Basil/Blackwell.; Moita Lopes, 2006______. 2006a. Linguística aplicada e vida contemporânea - Problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo (org.) Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 85-107.; Rampton, 2006RAMPTON, Ben. 2006. Language in late modernity: interaction in an urban school. New York: Cambridge University Press, 2006.; Hymes, 1980HYMES, Dell. 1980. Language in Education: Ethnolinguistic Essays by Dell Hymes. Washington: Center for apllied Linguistics.; 1996______. 1996. Ethnography, linguistics, narrative inequality: Toward an understandings of voice. Bristol: Taylor&Francis.; Canagarajah; Wurr, 2013), discuto o fato de que a educação de línguas, em um tempo e espaço em que a desestabilização de certezas está posta, precisa ser pensada a partir de paradigmas epistemológicos que contemplem as exigências da contemporaneidade. Essas exigências, próprias do mundo globalizado que se delineia a partir da mobilidade de pessoas, da comunicação digital, da atenção às questões da diversidade, da mistura de línguas em fronteiras fluidas (Moita Lopes, 2013_______ (org.). 2013. Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola.), aparecem nas diferentes formas de interações em salas de aulas investigadas por nós. Com base nessa perspectiva de produção de conhecimento - buscando a conexão entre a teoria e a prática (Milsten et ali, 2011MILSTEIN, Diana, Angeles CLEMENTE, Maria DANTAS-WHITNEY, Alba GUERRERO & Michael HIGGINS. 2011. Encuentros etnográficos com nin@s y adolescentes - entre tiempos y espacios conpartidos. Buenos Aires: Mino y Dávila editores.; Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.) - e nos fenômenos que temos observado relacionados com educação bilíngue (com bilinguismo de escolha/ de elite ou de minorias), com educação escolar indígena, materiais didáticos, avaliação da aprendizagem e políticas de educação de línguas, destaco princípios e procedimentos da perspectiva etnográfica que têm orientado nossos estudos no Grupo de Pesquisa Educação Linguística e Pós-colonialismo7 7 . Grupo de pesquisa da UFSC, com registro no diretório de Pesquisa do CNPq. Os trabalhos etnográficos do grupo têm sido desenvolvidos em contextos escolares diversos, quais sejam: uma escola indígena, uma escola-polo de surdos, escolas estaduais da rede estadual, federal e privada, em salas de aula de Inglês e de Espanhol como línguas adicionais no Brasil, em uma escola pública, no Peru e em uma escola pública, em Angola. . Apresento uma discussão sobre as práticas de linguagem em diferentes contextos educacionais e, por fim, teço considerações sobre a emergência de avançarmos, indo além de padrões homogêneos de linguagem, na pesquisa em sala de aula de línguas.

Sobre o distanciamento das pesquisas linguísticas da pedagogia de línguas

O distanciamento entre linguagem e realidade frustra a expectativa dos envolvidos em contextos escolares quanto aos aspectos políticos e ideológicos que fazem parte de seu mundo social (cf.: Fabricio, 2006FABRICIO, Branca Falabella. 2006. Linguística aplicada como espaço de desaprendizagem: redescrições em curso. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo. (org.) Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 45-63.). (Canagarajah e Wurr 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 1), ao discutirem a necessidade de mudanças de paradigmas na "linguística moderna" em contexto de globalização, contestam a orientação monolíngue presente em experimentos que testam a linguagem a partir de "ambientes monitorados" e de "situações artificiais" (Canagarajah; Wurr, 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 6). Segundo os autores, paradigmas de pesquisas "baseados na homogeneidade e no monolinguismo" falham ao não levarem em conta realidades multilíngues de comunidades diversas. Ao não considerarem as conexões entre diferentes recursos das línguas em jogo, as pesquisas linguísticas não atendem a pedagogia de línguas, uma vez que essas pesquisas não conseguem explicar como os aspectos físicos, situacionais e sociais operam em conjunto com recursos linguísticos em uma comunicação bem sucedida (Canagarajah; Wurr, 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 6). Como destacam, o entendimento do uso da linguagem na modernidade tardia8 8 . Late modernity (Canagarajah; Wurr, 2011). torna-se possível quando, além das estratégias bem conhecidas da sociolinguística, como, por exemplo, mudança de código ou repetição, passamos a considerar também que indivíduos alinham seus "recursos de linguagem com suas necessidades e situações, ao invés de buscar atingir um nível-alvo de competência" (Canagarajah; Wurr, 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 5).

Avançando na discussão, os autores apontam para uma mudança de orientação da linguística tradicional, questionam a separação entre línguas e, com base em Garcia (2009)GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Malden, MA and Oxford: Basil/Blackwell., argumentam que os repertórios linguísticos de indivíduos multilíngues são utilizados em um continuum, destacando os usos translíngues. Reconsideram, portanto, a visão da interferência de uma língua em outra, chamando a atenção para o fato de que essa interferência reflete, na verdade, o efeito criativo da comunicação, da mediação da fala e dos textos que são possibilitados pelo acesso não somente ao conhecimento linguístico, como também ao conhecimento cultural do universo multilíngue do indivíduo. Enfatizando, ainda, a importância de entendimento do uso da linguagem distanciado de uma perspectiva de língua como um sistema fixo e estável, Canagarajah e Wurr (2011)______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.defendem as estratégias de negociação na busca de uma efetiva comunicação. Para apoiar seus argumentos, os autores oferecem um contraponto entre construtos que são considerados senso comum e que, segundo eles, precisam ser reconsiderados e questionados, como, por exemplo, a visão monolíngue versus uma visão multilíngue de aprendizagem de línguas; cognição versus contexto; gramática versus pragmática; individualidade versus comunidade; determinismo versus agência; fixidez versus fluidez (Canagarajah; Wurr, 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 8). Essas distinções foram aqui destacadas para sustentar a crítica colocada pelos autores, que, ao prosseguirem com a discussão, propõem uma mudança de paradigmas na pesquisa sobre linguagem, argumentando que

torna-se evidente que o modo como nós vimos estudando a linguagem é fortemente influenciado por orientações monolíngues que não são relevantes para nenhuma situação de comunicação onde quer que seja (Canagarajah; Wurr, 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 9). 9 9 . "It is becoming evident that the way we have been studying language is heavily influenced by monolingual orientations that are not relevant to any communicative situation anywhere" (Canagarajah; Wurr, 2011: 9).

Contra as orientações monolíngues e contra o "estreitamento de perspectivas", os autores apontam para modelos de aprendizagem de línguas alternativos, que possam compreender novas tentativas teóricas e então redefinir construtos (Canagarajah; Wurr, 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 11), ou seja,

modelos mais complexos que expliquem não somente os modos como as comunidades não ocidentais/multilíngues adquirem competência na linguagem, mas como qualquer um de nós aprende e usa a linguagem na modernidade tardia (Canagarajah; Wurr, 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 1).10 10 . "The assumptions modern linguistics is based on reflect homogeneity and monolingualism, and fail to take account of multilingual realities in diverse contexts and communities. The search is on to develop more complex models that explain not only the ways in which nonwestern/multilingual communities acquire language competence, but how all of us are compelled to learn and use languages in late modernity" (Canagarajah; Wurr, 2011: 1).

Igualmente, Moita Lopes, ao situar a pesquisa em Linguística Aplicada "na modernidade recente"11 11 . Conforme apresentado em Moita Lopes: "A denominação 'Modernidade recente' é usada em referência ao período da história contemporânea que engloba as últimas décadas do século XX e os tempos em que vivemos, marcando um novo período da modernidade [...] no qual há uma série de mudanças avassaladoras de natureza econômica, política, tecnológica, cultural e social, em um mundo de complexidade, inseguranças, ambiguidades, instabilidades e, em última análise, de vertigens contínuas sobre crenças, modos de vida legítimos, conhecimentos válidos etc." (Moita Lopes, 2013: 18). , problematiza a necessidade de "inovações teórico-metodológicas na pesquisa" (Moita Lopes, 2013_______ (org.). 2013. Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola.: 19). Para o autor, faz-se necessário pensar de forma "não sedimentada" e, junto com Milton Santos, lembra que o fato de estarmos diante de "um momento singular da história" requer uma teorização que dê conta do campo social, tendo "em vista as interseções de classe social, gênero, sexualidade, etc" (Moita Lopes, 2013_______ (org.). 2013. Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola.: 20). Adicionalmente, a realidade contemporânea trouxe ainda para os estudos da linguagem uma preocupação com a presença massiva da tecnologia. E, nesse sentido, novamente com Moita Lopes, importa refletir que:

A sala de aula, os professores, os alunos, os materiais de ensino, como produtos e/ou produtores [da] modernidade [recente], precisam ser compreendidos como tais na pesquisa, ao preço de se situarem, na investigação, em práticas sociolinguísticas de um mundo que não existe mais (Moita Lopes, 2013_______ (org.). 2013. Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola.: 19)

Para dar conta de um mundo que existe hoje, o autor reflete sobre a condição do Brasil, que em seu mundo local, ainda tenta se habituar com as "desessencializações sociais de várias naturezas", dentre elas, as linguísticas e identitárias (Moita Lopes, 2013_______ (org.). 2013. Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola.: 19). A problematização e desestabilização de práticas de linguagem contribuem para a inclusão de práticas cotidianas que ficavam à margem, podendo "abrir nossos horizontes", como já sugerido pelo autor em reflexão anterior (Moita Lopes, 2008MOITA LOPES, Luis Paulo. 2008. Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: ideologia lingüística para tempos híbridos. DELTA, v. 24, n. 2, p.1-15.: 6). Juntamente com Mignolo, Moita Lopes argumenta em favor de uma episteme das margens, que invalida uma teorização "fundada em uma língua nacional e, portanto, em um estado-nação que não parece fazer sentido no mundo constituído por fronteiras porosas em que vivemos" (Moita Lopes, 2008MOITA LOPES, Luis Paulo. 2008. Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: ideologia lingüística para tempos híbridos. DELTA, v. 24, n. 2, p.1-15.: 6).

A preocupação identificada em (Moita Lopes 2008MOITA LOPES, Luis Paulo. 2008. Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: ideologia lingüística para tempos híbridos. DELTA, v. 24, n. 2, p.1-15.; 2013_______ (org.). 2013. Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola.), Canagarajah e Wurr (2011)______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1. e Canagarajah (2013)______, Suresh. 2013. Traslingual practice - global Englishes and cosmopolitan relations. New York: Routledge. é também identificada em discussões de outros pesquisadores envolvidos com a formação de professores de línguas. Para Signorini (2006)______. 2006. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 169-189., o entendimento do uso da língua requer uma compreensão teórico-metodológica capaz de evidenciar formas linguístico-discursivas não padronizadas, que operam em uma sociedade hierarquizada. Pautando-se em uma lógica que chama de "polarização diglóssica", Signorini destaca as forças contrárias que orientam os movimentos da língua em uso. Consequentemente, segundo a autora, há um tensionamento ocasionado entre o valor dado à norma por dispositivos de poder e a subversão da norma presente na "língua própria" da nação (Signorini, 2006______. 2006. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 169-189.: 173). Na dinâmica sociocultural brasileira, como argumenta a autora, não há como evitar e/ou limitar fronteiras rígidas e fixas entre as "duas linhas de força", ou seja, entre a norma e a língua em uso (Signorini, 2006______. 2006. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 169-189.: 174). Os fenômenos de deslocamento e desterritorialização dos falantes que se movem por migrações e/ou por questões culturais, sociais e econômicas, somados à amplitude da democratização do ensino e à inclusão digital, colocam em destaque os usos heterogêneos da linguagem. A alternância de formas e usos se dá, então, a partir de processos de "acomodação, ajuste e subversão das metapragmáticas locais e globais de sustentação da ordem sociocultural linguística vigente e, consequentemente, de hierarquizações de posições e identidades do falante e de sua língua" (Signorini, 2006______. 2006. A questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a linguística aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 169-189.: 174). Repensar o uso da linguagem, nessa perspectiva, significa pensar em uma lógica democrática em que os interlocutores, quando em condições de igualdade, possam transitar livremente pela heterogeneidade da linguagem.

Ao incorporar essas preocupações, e na tentativa de ir além de modelos tradicionais, empreendemos investigações em que as "ações [são] orientadas mais por um plano que por um programa fixo pré-montado" (Signorini, 2004SIGNORINI, Inês. 2004. Do residual ao múltiplo e ao complexo: o objeto da pesquisa em Linguística aplicada. In: Inês Signorini e Marilda Cavalcanti (Orgs.) Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras. p. 99-110.: 104). Ao enfatizarmos a necessidade de uma abordagem epistemológica que vá além da cultura positivista da pesquisa em sala de aula de línguas, interessa-nos discutir, nesse espaço, a necessidade de se relacionar teoria e prática com questões sociais mais amplas, expandindo a formalidade das investigações. O caráter plural das práticas da linguagem aparece nas práticas pedagógicas de professores, alunos e comunidade escolar e nos faz perceber, juntamente com (Rampton 2006RAMPTON, Ben. 2006. Language in late modernity: interaction in an urban school. New York: Cambridge University Press, 2006.: 124), que "não podemos tomar atalhos e acreditar que qualquer teoria pré-elaborada nos diga o que está acontecendo". O olhar etnográfico tem permitido, portanto, que problematizemos realidades sociais que surgem a partir da complexidade semiótica e cultural do campo aplicado.

Ao tentar trazer para a discussão as ações situadas, reconhecendo-as na sua complexidade, diferentes respostas, que vão em direção oposta às expectativas de resposta idealizadas por modelos de pesquisa linguística, vão sendo encontradas. Vamos buscando, assim, mover-nos politicamente "entre a totalidade e o particular, entre as generalizações e as coisas muito específicas" (Fabian, 2006FABIAN, Johannes. 2006. Entrevista. A prática etnográfica como compartilhamento do tempo e como objetivação. Mana, 12(2):503-520.: 509). Nesse sentido, importa ainda refletir sobre as ponderações de Fabian sobre a pesquisa etnográfica quando ele fala sobre a impossibilidade de neutralidade política. Em suas palavras,

Não penso que exista essa coisa chamada neutralidade por uma simples razão: ela exigiria um lugar que estivesse acima das outras coisas. Posso, no entanto, imaginar esse lugar, e posso escrever como se eu o ocupasse, mas ele não existe. Há sempre uma constelação política e histórica na qual nos encontramos. Estamos sempre numa situação política. (Fabian, 2006FABIAN, Johannes. 2006. Entrevista. A prática etnográfica como compartilhamento do tempo e como objetivação. Mana, 12(2):503-520.: 516)

A pesquisa de cunho etnográfico e a atenção para práticas de linguagem situadas

Uma vez que o racionalismo das pesquisas linguísticas, com suas abstrações teóricas e apolíticas, não têm contemplado os interesses dos "estudos no campo aplicado" (Signorini, 2006; Moita Lopes, 2013LOPES, Carlos Renato. 2013. Repensando os saberes: mudanças nos paradigmas epistemológicos e a formação de professores de língua estrangeira. Revista brasileira de Linguística Aplicada, 13/3, p. 941-962.), buscamos, na etnografia, elementos teórico-epistemológicos que possam contemplar as práticas sociolinguísticas na modernidade recente. A construção epistemológica, nessa perspectiva, tem "boa sincronia com a incerteza pós-moderna sobre as grandes totalizações teóricas" (Rampton, 2006RAMPTON, Ben. 2006. Language in late modernity: interaction in an urban school. New York: Cambridge University Press, 2006.: 116).

Em discussão e debates sobre questões epistemológicas na linguística e ancorando-se em articulações anteriores de Hymes (1980)HYMES, Dell. 1980. Language in Education: Ethnolinguistic Essays by Dell Hymes. Washington: Center for apllied Linguistics. sobre etnografia, um grupo de pesquisadores ingleses destaca que linguagem e mundo social "são mutualmente moldados" e que "uma análise detalhada do uso da linguagem situada pode fornecer insights fundamentais e distintos para os mecanismos e dinâmicas da produção social e cultural na atividade cotidiana" (Rampton; Tusting; Maybin; Barwell; Creese, 2004_______, Karin TUSTING, Janet MAYBIN, Richard BARWELL, Angela CREESE & Vally LYTRA. 2004. UK Linguístic ethnography: a discussion paper. Disponível em: <www.ling- ethnog.org.uk>. Acesso em: 2014.
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: 2). Esses pesquisadores argumentam que "tradicionalmente, a relevância da prática tem sido estigmatizada na academia" (Rampton; Tusting; Maybin; Barwell; Creese, 2004_______, Karin TUSTING, Janet MAYBIN, Richard BARWELL, Angela CREESE & Vally LYTRA. 2004. UK Linguístic ethnography: a discussion paper. Disponível em: <www.ling- ethnog.org.uk>. Acesso em: 2014.
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: 12). Na distinção feita pelos autores entre os aspectos principais que distanciam as epistemologias linguísticas das pesquisas no campo aplicado estão os objetos de estudo, os processos sociais que se efetivam durante o desenvolvimento da investigação e a atenção dada às particularidades situadas. Como enfatizam, na etnografia, o objeto de estudo é a cultura, e são as estruturas culturais que são analisadas. Nos procedimentos de pesquisa, ao contrário de padrões e técnicas para se conseguir evidências empíricas, a presença do participante tem um papel central e sua atuação no local é considerada na análise (cf.: Rampton; Tusting; Maybin; Barwell; Creese, 2004_______, Karin TUSTING, Janet MAYBIN, Richard BARWELL, Angela CREESE & Vally LYTRA. 2004. UK Linguístic ethnography: a discussion paper. Disponível em: <www.ling- ethnog.org.uk>. Acesso em: 2014.
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: 4).

Concordando com as diferenças principais entre as pesquisas linguísticas e as pesquisas etnográficas apontadas acima pelo grupo de pesquisadores, entendemos que a etnografia combina com a Linguística Aplicada, especialmente quando pensamos nos termos de Rampton (2006)RAMPTON, Ben. 2006. Language in late modernity: interaction in an urban school. New York: Cambridge University Press, 2006. de que é "difícil pensar em outra área de estudo da linguagem tão centralmente relacionada com fluidez, marginalidade e transição, com o que as pessoas não podem fazer com a linguagem e como elas se viram com o que podem." (Rampton, 2006RAMPTON, Ben. 2006. Language in late modernity: interaction in an urban school. New York: Cambridge University Press, 2006.: 120). Dentro daquilo que convencionamos chamar de pesquisa de "cunho etnográfico" (especialmente por limites de tempo), entendemos que essa perspectiva permite, ainda que em alguma medida, democratizar formas de conhecimento. A democratização torna-se importante por trazer à tona realidades e práticas situadas de linguagem pouco valorizadas em relação a discursos hegemônicos. Práticas de linguagem e uso de recursos linguísticos e simbólicos pouco reconhecidos, quando contemplados a partir de uma perspectiva de pesquisa que abraça contribuições de várias outras disciplinas, revelam desigualdades e resistências, tensões e modos de vida, por vezes, negligenciados. A etnografia contribui com a democratização, uma vez que busca revelar os significados das ações do ponto de vista dos participantes, considerando a relação entre linguagem, contextos específicos e questões sociais e políticas.

A adesão da práxis etnográfica no entendimento de problemas da linguagem acrescenta um olhar culturalmente sensível, exigindo tanto de nós, pesquisadores, como dos participantes, reflexões críticas sobre a própria vida. O contexto, formado por realidades políticas, culturais e sociais, vai sendo desbravado e (re)conhecido por meio de movimentos colaborativos, divididos e negociados no tempo e espaço da pesquisa. Sempre em revisão, consideramos o projeto inicial como um plano flexível, uma vez que a perspectiva interpretativista permite o redirecionamento de decisões tomadas durante a investigação. Tal flexibilidade permite ainda o movimento dialético entre teoria-dados-teoria, movimento que auxilia a reflexividade do pesquisador (Erickson, 1990ERICKSON, Frederick. 1990. Qualitative Methods. In: R. L. Linn & F. Erickson. Research in teaching and learning. v. 2. New York: Macmillan Publishing Company. p. 77- 194.). Assim, especialmente com base nos pressupostos de Erickson (1990)ERICKSON, Frederick. 1990. Qualitative Methods. In: R. L. Linn & F. Erickson. Research in teaching and learning. v. 2. New York: Macmillan Publishing Company. p. 77- 194., seguimos um planejamento cuidadoso, porém orientado pelos dados.

Nessa perspectiva, o percurso não é linear ou simples e a produção do conhecimento é almejada a partir da observação participante, cuja prática efetiva ainda evoca devotada discussão, uma vez que o papel de observador participante pode variar, dependendo do campo social investigado. Em nossas pesquisas, por exemplo, as especificidades de cada contexto escolar têm orientado, de um modo ou de outro, como essa participação vai se estabelecendo. Isto é, buscamos construir com os participantes melhores formas de organização dessa observação para que possamos entender, conjuntamente, a ecologia da vida escolar (Erickson, 1990ERICKSON, Frederick. 1990. Qualitative Methods. In: R. L. Linn & F. Erickson. Research in teaching and learning. v. 2. New York: Macmillan Publishing Company. p. 77- 194.). Importa ressaltar a necessidade de extensa negociação entre participantes e pesquisadores para que a observação participante se desenvolva da forma menos assimétrica possível.

Temos, no entanto, ainda claro, que a estrutura de poder que legitima o pesquisador como autoridade intelectual é ainda uma condição "naturalizada no dia a dia do trabalho de investigação" (Cavalcanti, 2006______ . 2006. Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 233-251.: 234) e o quanto essa estrutura pode contribuir para um olhar reducionista e unilateral. Como alerta Cavalcanti, referindo-se a pesquisas e compromissos com minorias, muitos conceitos "tanto teóricos como metodológicos" utilizados em investigações linguísticas "foram elaborados em uma época em que se focalizavam minorias linguísticas como 'objetos' de pesquisa e não como agentes pensantes" (Cavalcanti, 2006______ . 2006. Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 233-251.: 234).

Procurando nos distanciar de tais conceitos, incluímos a subjetividade dos participantes e devotamos atenção especial para relações de poder entre os envolvidos na pesquisa como parte do marco teórico/metodológico com que trabalhamos. Uma vez que a interlocução com os participantes acontece em campo e as relações entre pesquisador-participantes também são problematizadas, é juntamente com eles que seguimos perguntando "o que conta como linguagem" (Luke, 1996LUKE, Alan. 1996. Introduction. In: HYMES, Dell. Ethnography, linguistics, narrative inequality: Toward an understandings of voice. Bristol: Taylor & Francis. p. V-VX.: vii) em cada campo específico.

Nesse sentido, o diálogo e a atenção durante o processo de observação podem contribuir para a efetivação da ação em termos mais partilhados e éticos. Na busca do diálogo nas investigações etnográficas, importa, para nós, compartilhar ideias e estabelecer, na interação entre pesquisador e comunidade investigada, uma solidariedade que possibilite a reflexão acerca das experiências e dos modos de vida, tanto dos participantes, quanto do pesquisador.

Assim sendo, a documentação e a interpretação são realizadas a partir de um movimento dialético, que é interativo. Nas palavras de (Fabian 2006FABIAN, Johannes. 2006. Entrevista. A prática etnográfica como compartilhamento do tempo e como objetivação. Mana, 12(2):503-520.: 511), "não há separação entre os dados e a teoria. Não existe uma fase em que você apenas colhe os dados, apenas anota as coisas, e daí uma outra, na qual você faz teoria sobre aquilo". A dinâmica que estabelecemos faz com que a observação participante seja considerada um produto da interação que, além da fala, utiliza recursos contextuais. Podemos dizer, portanto, que a relação dialógica estabelecida na pesquisa de cunho etnográfico faz com que não apenas encontremos os dados, como também participemos da criação desses dados. Portanto, ainda com base em Fabian, na etnografia, os dados da investigação, algumas vezes, são criados no momento em que se desenvolve o estudo etnográfico, na interação participante-pesquisador. Por exemplo, embora tenhamos perguntas pré-estabelecidas, ao entrarmos em campo, passamos também a provocar eventos sobre os quais teremos que atuar, uma vez que levamos problematizações para o campo que, por vezes, não haviam sido consideradas pela comunidade escolar. Isso significa que atuamos etnograficamente, mas nossa postura em campo somente é possível com base nos "tempos compartilhados" (Fabian, 2006FABIAN, Johannes. 2006. Entrevista. A prática etnográfica como compartilhamento do tempo e como objetivação. Mana, 12(2):503-520.: 509) entre pesquisador e participantes.

A reflexão contínua tem nos levado a questionar alguns aspectos como, por exemplo, o modo de representação das realidades sociais e materiais daqueles que fazem parte da investigação. Questionamos, dentro de uma dinâmica da atuação etnográfica e de ação colaborativa, as oportunidades de pesquisadores e participantes desenvolverem reflexões críticas próprias sobre suas vidas diárias. Só assim entendemos que se pode construir uma representação mais fiel dessas atuações, à medida que a interpretação é feita a partir de movimentos colaborativos, no tempo e no espaço, divididos entre pesquisadores e participantes (cf.: Clemente; Higgins, 2008CLEMENTE, Angeles & Michael J. HIGGINS. 2008. Performing English with a postcolonial accent: ethnographic narratives from Mexico. London: The Tufnell Press.)

Procuramos, assim, desenvolver a ação crítica. Por exemplo, ao procurar elaborar o relato etnográfico, visionando-o como produto da ação dialógica, discutimos com os participantes se estamos, efetivamente, preservando seus pontos de vista. Para minimizar o fato de que as escolhas teóricas e as interpretações, ao final de tudo, são feitas por nós, pesquisadores, o texto final é passível de mudanças sempre que os participantes requererem e apresentarem argumentos contrários aos nossos. Se, ainda com esse movimento dialético, encontramos dificuldades de evitar a excessiva unilateralidade na representação da voz dos outros, entendemos que tal movimento minimiza o poder opressivo e busca contemplar intenções e desejos dos interlocutores que por ventura não tenham sido apreciados.

Etnografia e a sala de aula de línguas além dos cânones racionalistas: práticas de linguagem e a relocalização da norma

Os processos da investigação etnográfica desenvolvidos com base nos preceitos acima elencados e na tessitura entre discursos, textos, práticas e participantes produzem a documentação de uma realidade plurilíngue e transcultural, tanto em sala de aula de Língua Materna como de Línguas Adicionais, em que falantes dão conta de comunicações efetivas, utilizando diferentes recursos linguísticos e semióticos. Apresento, a seguir, considerações, a partir de base empírica, provenientes de nossas investigações etnográficas sobre práticas de linguagem em cenários escolares. Os entendimentos de cenários diversificados, enquanto suas especificidades e realidades, têm nos permitido problematizar o uso diversificado de recursos linguísticos e práticas de linguagem de acordo com a natureza heterogênea da linguagem.

Por exemplo, seja em contexto de surdez, em uma aldeia indígena, em um programa de implementação de ensino bilíngue, ou em sala de aula de inglês na escola pública, pesquisas realizadas mostram que os alunos constroem significados para seus mundos utilizando "múltiplas práticas discursivas" (García, 2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Malden, MA and Oxford: Basil/Blackwell.: 45). Algumas dessas realidades mostram que as práticas de linguagem, reconhecidamente vistas como práticas sociais, vão sendo entendidas como ações que são praticadas pelos indivíduos com o auxílio de todos os recursos de seu repertório linguístico. Para discutir algumas dessas ações, trago, a seguir, exemplos de translinguismo, fenômeno discutido em Guerola (2012)GUEROLA, Carlos. 2012. Às vezes tem pessoas que não querem nem ouvir, que não dão direito de falar pro indígena: A reconstrução intercultural dos direitos humanos linguísticos na escola Itaty da aldeia guarani do Morro dos Cavalos. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC., e de performances linguísticas inovadoras, discutidas em Gadioli, (2012)GADIOLI, Igor. 2012. Práticas subversivas na escola pública: resistência e acomodação na agência de alunos dentro e fora da aula de inglês. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC. e Fávaro (2013)FÁVARO, Maria Helena. 2013. O livro didático de língua adicional do PNLD e o aluno local: como essa relação faz sentido em sala de aula? Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC..

Guerola (2012)GUEROLA, Carlos. 2012. Às vezes tem pessoas que não querem nem ouvir, que não dão direito de falar pro indígena: A reconstrução intercultural dos direitos humanos linguísticos na escola Itaty da aldeia guarani do Morro dos Cavalos. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC., que em seu trabalho buscou discutir os direitos linguísticos e escolares de uma comunidade guarani, mostrou como o translinguismo estava presente nas práticas da linguagem do dia a dia guarani. Apontando para um descentramento em relação à tradição ocidental, o autor procurou visibilizar versões registradas da tradição guarani e as práticas locais contemporâneas que envolvem a língua na relação com o conhecimento, na educação escolar guarani. Guerola utilizou conceitos como o pertencimento sócio-histórico do significado, a identidade como fenômeno eminentemente relacional e discursivo e a identidade pós-moderna e, dentre outros aspectos, mostrou que, ao envolverem-se nas práticas orais e letradas em guarani e em português, os participantes interagiam, fazendo uso do repertório das duas línguas em um continuum sem fronteiras definidas. Por exemplo, conforme o autor destaca, a professora, em salas de aula das séries iniciais, dirigia-se aos alunos em guarani e em português e eles respondiam em guarani. Além dos usos trasnlingues ao nível do discurso, muitas vezes esses usos aconteciam ao nível da frase, como no exemplo: "alguém tem mokoi lápis?" ou "três eky mokoi". Em outro evento discutido por Guerola (2012)GUEROLA, Carlos. 2012. Às vezes tem pessoas que não querem nem ouvir, que não dão direito de falar pro indígena: A reconstrução intercultural dos direitos humanos linguísticos na escola Itaty da aldeia guarani do Morro dos Cavalos. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC., a professora narra uma história em português e, usando seus recursos linguísticos, muda para o guarani no momento em que lembra as palavras literais que a onça, personagem de sua história, fala no conto. Como explica o autor, os participantes engajavam-se, portanto, em uma prática de linguagem translíngue, utilizada não somente "para facilitar a comunicação com os seus interlocutores, mas também para construir significado" (Guerola, 2012GUEROLA, Carlos. 2012. Às vezes tem pessoas que não querem nem ouvir, que não dão direito de falar pro indígena: A reconstrução intercultural dos direitos humanos linguísticos na escola Itaty da aldeia guarani do Morro dos Cavalos. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC.: 26). Os Guarani, portanto, nas diferentes práticas de linguagem, não necessitavam, em suas interações, dos mesmos níveis de proficiência que os falantes monolíngues para que a comunicação se efetivasse (cf.: Garcia, 2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Malden, MA and Oxford: Basil/Blackwell.). No entanto, quando a situação envolvia aspectos políticos e identitários em que o trânsito de uma língua para outra pudesse prejudicá-los, o "continuum linguístico unitário entre as línguas dos Guarani" quebrava-se (Guerola, 2012GUEROLA, Carlos. 2012. Às vezes tem pessoas que não querem nem ouvir, que não dão direito de falar pro indígena: A reconstrução intercultural dos direitos humanos linguísticos na escola Itaty da aldeia guarani do Morro dos Cavalos. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC.: 97). Conforme o autor explica, em práticas em que os participantes receavam que o translinguismo pudesse não ser considerado válido ou "correto", eles optavam por separar o guarani do português. Como outros pesquisadores também têm apontado, o trânsito de uma língua para outra não é potencial prestigiado pela sociedade (cf.: Cavalcanti, 2013______. 2013. Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, Luis Paulo (org). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola. p. 211- 226.)

Outros exemplos, provenientes de sala de aula de espanhol como língua adicional, em uma escola-polo de surdez (Jorge, 2012), e de um contexto de implementação de ensino bilingue (Cardoso, 2014CARDOSO, Angela. 2014. Bilinguismo de escolha em sala de aula da educação básica: investigando as práticas de linguagem dos participantes durante um processo de introdução do ensino bilíngue. Projeto de qualificação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC.), mostram também que os participantes mesclam os códigos de acordo com as exigências imediatas do contexto. Não nos ateremos a exemplos específicos desses dois estudos por questão de espaço, mas importa ressaltar que também nesses estudos os participantes engajavam-se em práticas de linguagem que não envolviam separações rígidas entre línguas. No contexto de surdez, os alunos progrediam no aprendizado do espanhol ao fazerem uso de todo seu repertório linguístico, garantindo a compreensão e uma comunicação efetiva entre surdos e ouvintes (Jorge, 2013JORGE, Eliane. 2013. Foi fácil! Porque tinha desenho, tinha LIBRAS. Então ficou mais fácil responder em Espanhol: A constituição da avaliação da aprendizagem em aula de Espanhol como língua adicional e o sentido dessas práticas para os alunos surdos. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós- graduação em Linguística, UFSC.). Do mesmo modo, em um contexto de implementação do bilinguismo de escolha, Cardoso (2014)CARDOSO, Angela. 2014. Bilinguismo de escolha em sala de aula da educação básica: investigando as práticas de linguagem dos participantes durante um processo de introdução do ensino bilíngue. Projeto de qualificação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC. aponta para o modo como participantes utilizam o translinguismo como estratégia para garantir a compreensão ao negociarem seus objetivos na comunicação plurilíngue. Essas pesquisas têm mostrado que, diferentemente de uma "pluralização do monolinguismo" (Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.: 12), translinguajar não significa somente alternar códigos, uma vez que os participantes, ao translinguajarem, não mudam simplesmente de língua, alternando códigos monolíngues separados. Eles levam a cabo suas intenções comunicativas e a comunicação se concretiza não só pela alternância de uma língua para outra, mas pela compreensão que os participantes têm de seus mundos bilíngues. O repertório linguístico que eles possuem faz com que possam concretizar ações que são de importância pessoal em um mundo em que o fluxo e hibridismo de culturas e de línguas alcançados pelo movimento de pessoas ao redor do globo, ou pelo uso de tecnologias, tornaram-se a norma (cf.: García, 2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Malden, MA and Oxford: Basil/Blackwell.). O translinguismo evidencia, portanto, combinações complexas das línguas e nos permite problematizar a competência linguística como habilidade de combinação de recursos em práticas de linguagem específicas (cf.: Cavalcanti, 2013______. 2013. Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, Luis Paulo (org). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola. p. 211- 226.).

Também o modo como os alunos lidam com as práticas de linguagem em sala de aula de línguas adicionais (nesse caso, inglês) e o modo como performam, ao desenvolverem atividades e usarem os materiais didáticos, revelam realizações e formulações linguísticas criativas, pouco discutidas em pesquisas linguísticas tradicionais. Tais formulações podem ser explicadas em termos de propósitos interacionais e estéticos localizados, ajudando-nos a ver a "produção da identidade no fazer" (Pennycook, 2006_______. 2006. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo. (org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola.: 81).

Nos dois exemplos que seguem, os pesquisadores (Gadioli, 2012GADIOLI, Igor. 2012. Práticas subversivas na escola pública: resistência e acomodação na agência de alunos dentro e fora da aula de inglês. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC.; Fávaro, 2013FÁVARO, Maria Helena. 2013. O livro didático de língua adicional do PNLD e o aluno local: como essa relação faz sentido em sala de aula? Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC.) mostraram como os alunos se viravam (Rampton, 2006RAMPTON, Ben. 2006. Language in late modernity: interaction in an urban school. New York: Cambridge University Press, 2006.) ao desenvolverem atividades e ao usarem os materiais didáticos na sala de aula de inglês. Esses estudos mostraram que os participantes evitavam desligar-se dos principais eventos em sala, utilizando estratégias que compensavam o distanciamento entre as práticas de linguagem que lhes eram propostas e os aspectos culturais que lhes faziam sentido. Essas estratégias permitiam que eles atingissem a finalidade em relação aos seus propósitos interacionais, enquanto subvertiam e ressignificavam as atividades (cf.: Rampton, 2006RAMPTON, Ben. 2006. Language in late modernity: interaction in an urban school. New York: Cambridge University Press, 2006.).

O estudo de Gadioli (2012)GADIOLI, Igor. 2012. Práticas subversivas na escola pública: resistência e acomodação na agência de alunos dentro e fora da aula de inglês. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC. em uma sala de aula de inglês, na escola pública, problematizou o engajamento dos participantes em práticas de linguagem na língua inglesa que, no entanto, não eram consideradas construções legítimas dessa língua naquele espaço. Gadioli mostrou o intenso contraste entre as práticas de linguagem dos adolescentes dentro da sala de aula e os usos da língua inglesa fora da escola. Na escola, os alunos tinham suas práticas de linguagem silenciadas pela ênfase excessiva dada a seus erros e pelo ensino cerceado e restrito em termos de "atos linguísticos regulados" (Pennycook, 2006_______. 2006. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo. (org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola.:82). No entanto, enquanto alguns alunos se esforçavam para reproduzir modelos preconizados de identidades, práticas e conduta escolar, outros subvertiam esses atos regulados e se viravam com práticas criativas produzidas para atender as suas demandas específicas em relação à língua inglesa. Essas manifestações se mostraram legítimas, uma vez que eram produzidas localmente com propósitos eminentemente interacionais e estéticos, distantes de finalidades meramente utilitárias para o idioma. Ao engajarem-se em performances alternativas, desenvolvendo práticas situadas de linguagem, os alunos recriavam também suas identidades. Por exemplo, Gadioli (2012)GADIOLI, Igor. 2012. Práticas subversivas na escola pública: resistência e acomodação na agência de alunos dentro e fora da aula de inglês. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC. identificou referências à cultura pop de língua inglesa e registros daquilo que os alunos estavam experimentando ser, em espaços e tempos da sala de aula, em perfomances linguísticas que aconteciam ora durante as lições, ora à margem delas. As práticas em que se engajavam via língua inglesa tinham relação especial com seus hobbies, com seus interesses compartilhados pelo próprio idioma, com posts em blogs e com seus gostos musicais. Conforme Gadioli relata,

Em uma atividade em sala em que duas alunas precisavam decidir entre as alternativas sugeridas, se o uso do quantitativo "a few" seria uma opção gramatical aceitável, Maria, junto à Alexa, tentava deduzir se o uso de "a few" era possível. Repentinamente se recorda dos primeiros versos de uma canção de uma banda indie e a cantarola, ao que a amiga acompanha: "In a few weeks /I'll have time...". Com um riso de satisfação e cumplicidade nos rostos, conseguem deduzir a resposta da questão de múltipla escolha. Maria marca a letra correta e fala a seguir, "2 Door Cinema Club também é cultura" (GADIOLI, 2012GADIOLI, Igor. 2012. Práticas subversivas na escola pública: resistência e acomodação na agência de alunos dentro e fora da aula de inglês. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC.:179)

Como o autor explica, a cultura pop trazida pelos alunos para a prática escolar era utilizada como um instrumento de resistência e consequente ressignificação da experiência em sala de aula. No entanto, o status escolar, distante da cultura juvenil e do mundo social contemporâneo, falhava em estabelecer relações entre o currículo das aulas de Inglês e práticas sociais que ali aconteciam. Tanto nos graffscapes (Gadioli, 2012GADIOLI, Igor. 2012. Práticas subversivas na escola pública: resistência e acomodação na agência de alunos dentro e fora da aula de inglês. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC., ecoando Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.) - como foram chamadas as escritas, em inglês, encontradas nos cenários escolares -, como nas produções linguísticas dos alunos na mídia digital a que tinham acesso, os alunos engajavam-se em performances diversas, em língua inglesa, enfatizando a "força produtiva da linguagem na constituição da identidade" (Pennycook, 2006_______. 2006. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo. (org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola.: 81).

Em conjunto, pesquisador e participantes discutiam como essas atuações linguísticas, que subvertiam as orientações escolares e também a própria estrutura da língua inglesa, ressignificavam o idioma para propósitos locais (cf.: Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.). Importa refletir que se há, por um lado, em muitos espaços, uma predisposição entre alunos e professores em negociar as diferenças linguísticas, a performatividade 12 12 . Segundo (Pennycook 2006: 80), performatividade "pode ser compreendida como o modo pelo qual desempenhamos atos de identidades como uma série contínua de performances sociais e culturais". e a cultura juvenil dos alunos ainda permanecem às margens das aulas (Gadioli, 2012GADIOLI, Igor. 2012. Práticas subversivas na escola pública: resistência e acomodação na agência de alunos dentro e fora da aula de inglês. Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC.). Chama-nos, assim, a atenção a falta de visibilidade de oportunidades educacionais que podem se causadas por uma violência epistêmica (Makoni; Pennycook, 2007MAKONI, Sinfree & Alastair PENNYCOOK (eds.). 2007. Desinventing and reconstituting languages. Toronto: Multilingual Matters.), que reproduz verdades linguísticas desconectadas de práticas locais.

Ao refletir, conjuntamente, com alunos de educação básica, sobre o uso do livro didático, Fávaro (2013)FÁVARO, Maria Helena. 2013. O livro didático de língua adicional do PNLD e o aluno local: como essa relação faz sentido em sala de aula? Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC. mostrou como seus participantes imprimiam significados às atividades propostas pelo material. A autora discutiu a proposta de ensino e o uso do livro didático de língua inglesa Keep in mind, destinado ao oitavo ano do ensino fundamental. O objetivo da pesquisa foi investigar os modos como os alunos de uma turma de oitavo ano do ensino fundamental de uma escola pública se reconheciam nas práticas sociais propostas pelo conteúdo trazido por esse livro. Segundo a autora, na busca de uma identificação com os enunciados do livro nas dinâmicas de sala de aula, os alunos tentavam imprimir significados às atividades propostas. Na tentativa de fugir de práticas tradicionais e que não os representavam, os alunos reinventavam a linguagem "no aqui-e-agora do evento aula" (Schlatter; Garcez, 2012SCHLATTER, Margarete e Pedro GARCEZ. 2012. Línguas adicionais na escola: aprendizagens colaborativas em Inglês. Erechim: Edelbra.: 57), evidenciando, nas práticas locais, a sua identidade (Canagarajah, 2006CANAGARAJAH, Suresh. 2006. Changing Communicative Needs, Revised Assessment Objectives: Testing English as an International Language. Language Assessment Quarterly, 3 (3):229-242.). Por exemplo, como Fávaro discute, diante de uma atividade do livro didático em que a proposta era que os alunos descrevessem suas características, a partir de estruturas como "I´m intelligent", "I´m beautiful", etc., eles adicionavam uma hashtag, prática comum nas redes sociais, seguida pela frase "só que não" (#soquenão) ou pela sigla "sqn" (#sqn). Conforme Fávaro descreve em seu estudo,

Enquanto outros alunos estão falando suas características, Carlos brinca com os colegas mais próximos, usando um modismo da rede social facebook, bastante popular no período em que se dá essa aula. Trata-se do uso de uma hashtag13 13 . Tags são palavras-chave (relevantes) ou termos associado a uma informação. Hashtags são palavras-chave antecedidas pelo caractere 'cerquilha' "#", utilizados em redes sociais como Facebook e Twitter. , seguida pela frase "Só que não" (#soquenão) ou pela sigla "sqn" (#sqn). Em postagens e comentários nas redes sociais, os usuários acrescentam essa expressão como forma de se contradizer, seja por ironia, crítica, selfpitty, etc. Seguindo essa tendência, Carlos faz afirmações como "I'm intelligent, só que não" e "I'm beautiful, só que não". Os colegas riem de sua performance linguística, a partir da associação do tópico da aula com o modismo da rede social, com a qual todos os alunos se mostram familiarizados". (Fávaro, 2013FÁVARO, Maria Helena. 2013. O livro didático de língua adicional do PNLD e o aluno local: como essa relação faz sentido em sala de aula? Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC.:119)

A expressão, usada em postagens e em comentários nas redes sociais, era utilizada como uma performance linguística que trazia significado para o mundo daqueles alunos. Fávaro, nos tempos e nos espaços compartilhados com os participantes, conhecia a realidade vivida pelos alunos. Os procedimentos da pesquisa no espaço escolar e as diversas formas como os adolescentes se relacionavam com a pesquisadora favoreciam o compartilhamento de informações sobre as realidades vivenciadas pelos alunos. Em seus tempos compartilhados, pesquisadora e participantes discutiam práticas de linguagem que os alunos contavam como válidas. Segundo Fávaro (2013)FÁVARO, Maria Helena. 2013. O livro didático de língua adicional do PNLD e o aluno local: como essa relação faz sentido em sala de aula? Dissertação de mestrado. Orientadora: Maria Inêz Probst Lucena. Programa de Pós-graduação em Linguística, UFSC., a performance linguística permitia aos alunos se relocalizarem nas práticas de linguagem, constituindo, assim, por meio da linguagem, as identidades reivindicadas por eles. Para dar conta de suas identidades, os participantes operavam com discursos e culturas, usando a linguagem como "alternativa para lidar com os designs globais, em termos de quem [são] em suas histórias locais" (Moita Lopes, 2008MOITA LOPES, Luis Paulo. 2008. Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: ideologia lingüística para tempos híbridos. DELTA, v. 24, n. 2, p.1-15.: 7). O uso da expressão "só que não" ou "sqn" dava significado não só aos seus mundos repletos de tecnologia, mas também lhes possibilitava reagir diante de propostas em que práticas de linguagem eram apresentadas em uma versão normativa. Mostravam, portanto, que é a emergência da comunicação, em associação com comportamentos sociais e com sistemas semióticos, que conta, se queremos entender as práticas de linguagem em contextos aplicados. Como explica Pennycook, ao se repensar noções comumente formuladas em estudos da linguagem,

a performatividade possibilita um modo de pensar o uso da linguagem e da identidade que evita categorias fundamentalistas, sugerindo que as identidades são formadas na performance linguística em vez de serem pré-dadas (Pennycook, 2006_______. 2006. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo. (org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola.: 82).

No entanto, como destaca Moita Lopes (2008)MOITA LOPES, Luis Paulo. 2008. Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: ideologia lingüística para tempos híbridos. DELTA, v. 24, n. 2, p.1-15., para considerarmos a noção de performatividade, precisamos nos afastar dos limites rígidos da linguística e nos permitir entender a "linguagem como ação no aqui e no agora" (Moita Lopes, 2008MOITA LOPES, Luis Paulo. 2008. Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: ideologia lingüística para tempos híbridos. DELTA, v. 24, n. 2, p.1-15.: 7).

Os exemplos acima apresentados foram aqui trazidos para ilustrar como as investigações de cunho etnográfico podem nos ajudar a entender como os participantes se recolocam diante das práticas de linguagem com as quais lidam no cotidiano escolar (cf.: Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.). Ainda que brevemente mostrada aqui, a evidência de práticas translíngues e da performatividade fornece elementos para que possamos apontar para a necessidade de se repensar práticas de linguagem em salas de aula de línguas. Em artigo recente, ao argumentar em favor de uma educação linguística ampliada, Cavalcanti enfatiza a concepção de práticas translíngues, discutindo como essa perspectiva possibilita pensar em competência linguística como habilidade de combinação de recursos em práticas de linguagem específicas (Cavalcanti, 2013______. 2013. Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, Luis Paulo (org). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola. p. 211- 226.: 225). A autora relaciona translinguagem com intercompreensão, cujo conceito tem a ver com o modo como lidamos com a diversidade linguística e argumenta que translinguismo condiz, portanto, com uma "Educação Linguística Ampliada" que, em seus termos, significa uma educação sensível "à diversidade e pluralidade cultural, social e linguística" (Cavalcanti, 2013______. 2013. Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, Luis Paulo (org). Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola. p. 211- 226.: 212). Os exemplos, mostrando como participantes interagem efetivamente ao fazerem uso de diferentes línguas e códigos, ou destacando a perspectiva para "significantes maneiras de pensar sobre linguagem e identidade" (Pennycook, 2004______. 2004. Performaty and language studies. Critical inquiry in language studies: an international journal, I (1), p. 1-19.: 7), apontam para "uma possível reconfiguração da sala de aula como local tradicionalmente consagrado à "transmissão" do saber - estruturado como ele é, nas formas epistemologicamente já saturadas de aprender e ensinar" (Lopes, 2013LOPES, Carlos Renato. 2013. Repensando os saberes: mudanças nos paradigmas epistemológicos e a formação de professores de língua estrangeira. Revista brasileira de Linguística Aplicada, 13/3, p. 941-962.: 951).

Considerações finais

O estudo da linguagem a partir da etnografia e da abordagem interpretativista e colaborativa, perspectiva adotada nas nossas pesquisas, tem permitido o questionamento e a abordagem de problemas linguísticos reais. Temos problematizado, portanto, como alunos, professores e comunidade escolar têm se engajado e negociado a comunicação na modernidade recente. A partir das incursões etnográficas, torna-se evidente que o conceito de língua padrão é desinventado quando a linguagem é usada para fazer sentido nas relações que acontecem no dia a dia. O que se apresenta é um modo de estar no mundo além dos limites de uma cultura ou de língua nacional específica, diferente, portanto, do modo como modelos linguísticos são geralmente apresentados.

O foco em práticas cotidianas mostra que a pedagogia de línguas não pode ser compreendida com base em experimentos que simplesmente testam a língua a partir do modo como os indivíduos recebem o input. Não conseguem, assim, explicar como os aspectos físicos, situacionais e sociais operam em conjunto com recursos linguísticos em uma comunicação bem sucedida (Canagarajah; Wurr, 2011______, Suresh & Adrian WURR. 2011. Multilingual Communication and Language Acquisition: New research directions. The Reading Matrix, v. 11, n. 1.: 6)

O fato é que as práticas de linguagem vão sendo aprendidas a partir de conexões entre diferentes recursos das línguas em jogo, não existindo uma realidade em que cada uma seja aprendida em seu tempo, em ambientes considerados homogêneos. Ao contrário, as competências são integradas e a combinação de diferentes códigos ajuda a desenvolvê-las (cf.: García, 2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Malden, MA and Oxford: Basil/Blackwell.). Ao aprender outras línguas, as competências do sujeito bilíngue não são fixas, e, tampouco, estáveis e balanceadas. O repertório bilíngue se adapta de acordo com as exigências que o cenário oferece para o uso da língua (cf.: Maher, 2007MAHER, Terezinha. 2007. Do casulo ao movimento: a suspensão das certezas na educação bilíngue e intercultural. In.: Marilda C. Cavalcanti e Stella Maris Bortoni-Ricardo (orgs.). Transculturalidade, linguagem e educação. Campinas, SP: Mercado de Letras.). Assim, a necessidade de se reconhecer a língua no modo como ela vai sendo construída nos faz considerar, por exemplo, o multilinguismo não mais como uma língua mais outra língua, afastando-nos de abordagens que têm discutido o fenômeno a partir de uma concepção de "pluralização do monolinguismo" (Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.:12).

A perspectiva etnográfica, aliada aos pressupostos da Linguística Aplicada, permite compreender a relevância do contexto sócio-histórico para a produção do conhecimento sobre a pedagogia de línguas da perspectiva daqueles que protagonizam as ações em contextos educacionais diversos. A observação sistematizada em salas de aula de línguas e a vivência cotidiana em cenários escolares específicos mostram que a diversidade linguística é a norma e não a exceção (cf.: Canagarajah, 2005______, Suresh. 2005. Reconstructing Local Knowledge, Reconfiguring Language Studies. Reclaiming the Local in Language Policy and Practice. London: Lawrence Erbaum Associates.). Diferentemente, na maioria das vezes, daquilo que as metodologias de ensino apontam, ao usar a linguagem em suas vivências cotidianas, o conceito de línguas é "desinventado" e "reconstituído" (Makoni; Pennycook, 2007MAKONI, Sinfree & Alastair PENNYCOOK (eds.). 2007. Desinventing and reconstituting languages. Toronto: Multilingual Matters.) e, dinamicamente, indivíduos desenvolvem estratégias de negociação para propósitos de fazer sentido nas relações do dia a dia.

Defendemos, portanto, que significativos períodos de observação, entrevistas, notas de campo e outros registros nos permitem lidar com a rotina e com a vida mundana da escola, trazendo à tona questões específicas de cada contexto. Diante de uma política globalizada, buscamos refletir criticamente sobre os problemas da linguagem em uso, problematizando a ideologia subjacente a esses usos, a partir de pesquisas que objetivam discutir agência e resistência de indivíduos que vivem suas localidades de maneiras diversas e sociolinguisticamente complexas. Pensando em um mundo em transformação, em um tempo e espaço em que a descentralização e a desestabilização de certezas estão postas, vamos procurando contribuir com uma educação de línguas avessa a homogeneizações. Entendemos, portanto, que, para discutir os desafios do campo aplicado, precisamos entender as heterogeneidades linguísticas em cenários específicos, afastando-nos de uma visão reducionista de linguagem e de cultura presente em teorias fundadas em certezas epistêmicas, cujos conhecimentos são pautados na ciência positivista e distanciados das práticas sociais (Moita Lopes, 2006______. 2006a. Linguística aplicada e vida contemporânea - Problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo (org.) Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 85-107.).

A compreensão das práticas de linguagem como práticas sociais (Hymes, 1996______. 1996. Ethnography, linguistics, narrative inequality: Toward an understandings of voice. Bristol: Taylor&Francis.), entendidas nas ações das comunidades estudadas, mostra-nos que as verdades, antes tidas como absolutas, são questionáveis. Conforme é colocado por Lopes, em artigo recente acerca de novas formas de se pensar o conhecimento, a verdade "é algo que é válido dentro de um tempo e de um espaço particulares" (Lopes, 2013LOPES, Carlos Renato. 2013. Repensando os saberes: mudanças nos paradigmas epistemológicos e a formação de professores de língua estrangeira. Revista brasileira de Linguística Aplicada, 13/3, p. 941-962.: 946). Como destaca Lopes, o entendimento da mutabilidade, dinamicidade e localidade da verdade, é importante para que verdades educacionais, antes consideradas válidas, possam ser confrontadas com práticas concretas. Os conflitos dos diferentes saberes surgem, assim, quando há mudanças epistemológicas, gerando incertezas a partir "[d]os estatutos de saberes a que os sujeitos [...] têm tido que se confrontar nos tempos atuais" (Lopes, 2013LOPES, Carlos Renato. 2013. Repensando os saberes: mudanças nos paradigmas epistemológicos e a formação de professores de língua estrangeira. Revista brasileira de Linguística Aplicada, 13/3, p. 941-962.: 947).

O reconhecimento da sala de aula de línguas como espaço heterogêneo, marcado por identidades diversas, como idade, sexualidade, ideologias, etnias etc. impulsiona e fortalece a crítica à lógica hegemônica em que a diversidade é invisibilizada. Diferente da visão homogênea de estudos da linguagem, que desconsidera transformações sociais, como, por exemplo, mudanças demográficas e uso da tecnologia, no trabalho com a etnografia colaborativa, vamos avançando no sentido de problematizar a linguagem nos termos destacados por (Shohamy 2006SHOHAMY, Elana. 2006. Language, manipulations, policy. In: Shohamy, E. Language Policy - hidden agendas and new approaches. New York: Routledge.: 154),14 14 . "language boundaries are socially contructed whaile there are endless creative and natural ways of using languages which are promoted by the free expression of human beings; language is much more creative than any grammar book can describe, emcopassing a variety of sources, words, combinations, synthesis, codes, images, pictures and multi-modal manifestations" (Shohamy, 2006: 154). quando diz que

os limites de linguagem são socialmente construídos enquanto há modos infinitos e criativos de usar línguas que são promovidos pela livre expressão dos seres humanos; a linguagem é muito mais criativa do que qualquer livro de gramática possa descrever, uma vez que envolve uma variedade de fontes, palavras, combinações, sínteses, códigos, imagens, figuras e manifestações multimodais.

A citação de Shohamy nos impulsiona para seguirmos pensando em uma agenda de pesquisa aplicada que pode permitir uma visão expandida da linguagem, social e politicamente construída. Ao refletir conjuntamente com os participantes acerca dos eventos e práticas que moldam a vida cotidiana em cenários específicos, vamos procurando construir uma epistemologia da prática, cujo estilo distancia-se de perspectivas epistemológicas que evidenciam o que é "certo" e o que é "puro' em termos de linguagem. A perspectiva etnográfica nos permite ir tecendo interpretações enquanto consideramos o caráter ideológico, político, cultural e social das práticas de linguagem. Nas relações entre textos e contextos, entre as práticas e os sujeitos, vamos contemplando a diversidade e discutindo como a linguagem se relocaliza (cf.: Pennycook, 2010______. 2010. Language as local practice. London: Routledge.) em contextos escolares.

Como a linguística pode contribuir para o ensino da língua?

Na língua Portuguesa a linguística leva o aluno a lidar com diferentes situações na língua desenvolvendo as habilidades e competências necessárias para os tornarem reflexivos, sendo leitores e escritores críticos e adequados para produzirem, por exemplo, textos orais ou escritos.

Qual a contribuição da linguística?

A Linguística foi uma das principais ciências que contribuiu para o enriquecimento teórico da Antropologia, principalmente para o Estruturalismo - estendendo-se evidentemente para a Etnologia, - pois foi a ciência que praticamente introduziu as categorias analíticas de pesquisa antropológica.

Qual a principal contribuição da linguística Textual para o professor?

Para finalizar, segundo Koch (2003) a principal contribuição da LT diz respeito a dotar o professor de um instrumento teórico e prático adequado para a competência textual dos alunos, os tornando aptos a interagir através de textos doa mais diversificados gêneros, nas mais diversas situações de interação social.

Qual a contribuição da variação linguística nas escolas?

Nas novas era a diversidade linguística este presente na sociedade contemporaneidade com evolução recíproca entre ambas. No contexto que regoe o processo de ensino/aprendizagem as variações linguísticas são fundamentais na identificação da cultura/social do aluno e da comunidade a qual pertence.