No dia 29 de março de 1693, quando o povo reunido pediu ao capitão-povoador Mateus Leme que instituísse a justiça na Vila de Curitiba, estava pedindo, na verdade, a instalação de uma Câmara Municipal. O ancião atendeu a solicitação seguindo, de forma aproximada, as prescrições contidas nas Ordenações Filipinas, um conjunto de regramentos compilado durante a chamada União Ibérica, sob o governo dos reis Felipe II e Felipe III, da Espanha (que eram Felipe I e II de Portugal, respectivamente). Show As ordenações eram constituídas por cinco livros, sendo que o primeiro tratava das questões municipais como a estrutura e o funcionamento das câmaras. “Em geral, as atribuições definidas no referido Título (composto por 49 parágrafos) versavam sobre assuntos relacionados aos bens do Concelho, à organização e manutenção do espaço público, às benfeitorias, às despesas e à cobrança de taxas”, destaca Karla Maria da Silva, no livro “O Papel das Câmaras Municipais no Brasil Colonial”. A Câmara do Conselho (ou Senado) deveria dispor de um juiz ordinário, três ou quatro vereadores e um procurador. Os ocupantes destes cargos eram eleitos a cada três anos e contavam em seu auxílio com um conjunto de funcionários fixos e temporários. Paulo Fabris, autor de “Um debate acerca da história do município no Brasil”, lembra alguns cargos que atuavam junto aos oficiais principais: tesoureiro, escrivão, juiz de vintena, almotacé, alcaide mór, recebedor de sisas, depositário judicial, depositário do cofre de órfãos, depositário da décima, escrivão de armas, quadrilheiro e avaliador de bens penhorados, entre outras funções. “A trajetória política dos indivíduos geralmente começava por volta dos 30 anos de idade com o cargo de vereador. No entanto, observamos que com a mesma idade era possível ser eleito para a função de juiz ordinário. Para exercer a função de procurador era necessário um certo cabedal, pois era preciso responder com os próprios bens, ou com os de um fiador, pela receita da Câmara; por essa razão seria mais comum que os indivíduos com mais idade assumissem essa função”, esclarece Isis Messias da Silva no ensaio Legislação Portuguesa e Formação de Elites Políticas Locais: juízes e vereadores da Câmara Municipal de Curitiba – Século XVIII (Revista Vernáculo, nº 14 - 15 - 16). Atribuições e competências Apesar das atividades dos oficiais camarários não serem remuneradas, o fato de o cidadão estar investido em algum dos cargos (juiz, vereador ou procurador) lhe conferia prestígio e alguns privilégios, como lembra a pesquisadora Maria Beatriz Nizza da Silva. Entre tais privilégios, destaque para a impossibilidade de prisão sem expressa ordem régia. “Além disso, possuíam relativa autonomia financeira, em razão dos tributos forais, e exploravam os seus respectivos rossios, destinados a postos públicos ou ao aproveitamento que lhes conviesse dar”, destaca Nizza da Silva, citada por Karla Maria da Silva em Nova História da Expansão Portuguesa, de 1986. Edmundo Zenha, citado por Fabris, resume, em O Município no Brasil: 1532-1700, a estrutura de uma câmara municipal do Brasil Colônia: “(...) um grupo de vizinhos, um território, um casarão quadrado, a pilastra plantada no meio da praça para ‘honra da vila’, um brasão de armas e um estandarte – eis aí os elementos materiais de nosso Concelho colonial. Esse conjunto era envolvido por uma emanação legal que lhe dava competência e jurisdição, exercidas através de oficiais que a Ordenação agrupava, pondo-os em movimento. Com exceção do casarão quadrado – que seria construído anos depois – Curitiba seguiu esse modelo. Em seu artigo, Paulo Fabris comenta que a pobreza e o analfabetismo eram dominantes. “A maior parte da renda era remetida para Lisboa”, lembra ele. A mobília da Câmara era franciscana: alguns bancos, cadeiras e mesas e a arca municipal, um baú onde eram guardados os documentos, o sino que anunciava as sessões e os pelouros (bolas de cera que encerravam os papéis com os nomes dos eleitos para o triênio seguinte). Ainda entre as posses da câmara, estavam os livros de vereação e os livros que completavam os registros camarários: livros de notas, livros de registros, livros de correição, livro de receita e despesas. Fenômeno No mesmo sentido, a professora Vanderléia Canha explica que “independentemente da origem, qualquer pessoa que se mostrasse necessária à vida municipal poderia participar como oficial camarário. Na prática, porém, o grupo de pessoas que exercem os cargos se torna cada vez mais fechado. Poucas pessoas circulam no poder. O poder municipal fica nas mãos de uma elite economicamente privilegiada, que busca o prestígio social que os cargos municipais representam”. Ainda para ela, “durante os dois primeiros séculos da colonização brasileira, o município teve prestígio e poder e manteve-se como uma das principais instituições coloniais. A distância da coroa e as dificuldades no controle de um território vasto e irregularmente povoado permitiram que isso acontecesse. O alargamento dos poderes camarários no entanto, não acontecem sem conflitos”, diz a pesquisadora Vanderléia Canha em A Organização da Câmara Municipal da Curitiba Setecentista (Curitiba, 1999). Pelouros e Barretes Rosângela lembra que o tema sempre foi marcado pela controvérsia. “Dos anos 30 aos anos 60, os estudos sobre as Câmaras coloniais se dividiam entre os que achavam que estas instituições tinham autonomia frente à corte e os que consideravam que as Câmaras eram meros mecanismos de reprodução das vontades do governo régio”, diz ela. “Só mais recentemente outros enfoques importantes ganharam relevo como, por exemplo, as inter-relações entre as redes familiares da aristocracia rural do período”, complementa. Em certos momentos os municípios brasileiros pareceram desfrutar de uma quase total autonomia. Segundo o jurista Celso Ribeiro Bastos, “de fato, as coisas se passaram como se desfrutasse ele (o município) de uma autonomia institucional, (...) um centro vitalizado e regurgitante de independência na coisa pública” (Bastos, Celso Ribeiro. Comentário à Constituição do Brasil. São Paulo, 1998). Eleições As eleições de pelouro eram reuniões solenes para as quais concorriam muitas pessoas. Os chamados “homens-bons” (componentes da elite político-financeira local) votavam secretamente em seis nomes que seriam posteriormente os eleitores dos cargos principais da Câmara (juiz, vereadores e procurador). Estudiosos como Fernando Cunha apontam que os escolhidos como eleitores muitas vezes detinham mais prestígios que os próprios escolhidos para os cargos de oficiais da Câmara. Escolhidos estes seis eleitores, era promovido um juramento de sigilo sobre os Evangelhos e, em seguida, eram separados em duplas que escolhiam um corpo de oficiais cada (evitados parentescos até 4º. grau), explica Rosângela Ferreira. Conforme lembra a historiadora, “novas listas eram feitas pelo juiz com os cargos em separado e então eram feitos três pelouros para cada cargo (juiz, vereadores e procurador). Os pelouros eram colocados num saco com repartições para os respectivos ofícios. Com base nessas listas, o juiz elaborava três últimas listas com três conjuntos de oficiais. Os documentos eram assinados e lacrados nas repartições do saco, que, por fim, era guardado num cofre caracterizado por possuir três chaves (uma para cada vereador)”. O sorteio do pelouro referente a cada ano se dava conforme o costume do local. A recomendação expressa nas Ordenações Filipinas era de que um inocente (um menino de 6 ou 7 anos) escolhesse uma das bolas de cera de dentro do saco. Ao término do sorteio, os eleitos recebiam notificações, mas só podiam tomar posse nos cargos após a confirmação da Coroa, que era conseguida por meio da Carta de Confirmação. Nas hipóteses de impedimento e recusa, a escolha era procedida pelos oficiais da Câmara e pelos homens-bons que depositavam o nome do escolhido num chapéu militar conhecido como barrete (daí a expressão “eleições de barrete”). Esse procedimento foi parcialmente seguido no ato de fundação da Câmara Municipal de Curitiba, em 29 de março de 1693. “Apesar da distância que esses homens se encontravam de Portugal, o processo preconizado nas
Ordenações pode ser aqui entrevisto. Foram escolhidos seis leitores os quais, debaixo de juramento, indicaram os ocupantes dos principais cargos municipais”, diz Rosângela. Ainda segundo a professora, “em Curitiba, entre 1748 e 1762, foram realizadas cinco eleições de pelouro, segundo os trâmites previstos nas ordenações. Duas destas eleições foram posteriormente anuladas. (...) No período de 1767 e 1827, ocorreram outras 20 eleições dessa mesma modalidade, as quais somadas às anteriores (inclusive as anuladas), totalizam 27 eleições de pelouro em cerca de 80 anos”. Nas situações de recusas, impedimentos e falecimentos era procedida a eleição de barrete, na qual os oficiais escolhiam um novo nome para o cargo. Mesmo nessas condições ainda havia quem recusasse assumir as funções. As eleições de barrete ocorriam com grande frequência, sendo que em alguns anos eram realizadas mais de uma, às vezes para o mesmo cargo. Em 1828, as Câmaras tiveram uma diminuição de suas atribuições. No recém-instalado Império do Brasil adotou-se a divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário (além do “Poder Moderador” que dava totais prerrogativas ao titular do Império). As Câmaras foram reduzidas então a órgãos administrativos. Isso não significou o fim da influência das Ordenações Filipinas sobre o direito brasileiro. Basta lembrar que até a instauração do Código Civil de 1916, as questões desse ramo do direito eram solucionadas por meio do que prescreviam as Ordenações (AVELLAR, Hélio de Alcântara. História Administrativa e Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, 1970, citado por Karla Maria da Silva no artigo Câmaras no Brasil Colonial, 2009). Referências Bibliográficas (em ordem alfabética por autor): Canha, Vanderléia. A Organização da Câmara Municipal da Curitiba Setecentista. Monografia de conclusão de curso de História da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 1999 http://www.humanas.ufpr.br/portal/cedope/graduacao/monografias/
Oficial do 2º Corpo de Infantaria de Curitiba e soldado da Companhia de Auxiliares de Cavalaria de Curitiba em 1765. (Fonte: Arquivo Público de São Paulo, citado in: Carneiro, David. O Paraná na História Militar do Brasil. Travessa dos Editores. Curitiba, 1995. Coleção Farol do Saber) Mapa Geográfico de America Meridional Dispuesto y Gravado. D. Juan de La Cruz Cano y Olmedilla, 1775. (Fonte: http://www.ihgrgs.org.br/cd_mapas_rs/CD/imagens/mapas/cap_1/144-54.htm) A arca da Câmara. Um baú com três trancas no qual eram guardados objetos diversos, entre eles, os pelouros (bolas de cera que encerravam as listas com os nomes dos escolhidos nas eleições). (Acervo do Museu Paranaense. Citado in: Páginas Escolhidas 150 da Criação Política do Paraná. ALEP, 2003). Aquarela atribuída a João Pedro, o Mulato, retratando figurinos militares de 1806 e 1807. (Foto extraída do livro "O Paraná e a Caricatura", de Newton Carneiro - Coleção Memória Cultural do Paraná, volume 1. Governo do Estado do Paraná, 1975) A primeira imagem de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. (Foto - Páginas Escolhidas 150 da Criação Política do Paraná. ALEP, 2003). Quem eram os homens bons * sua resposta?Os “homens-bons” eram os únicos que podiam ocupar cargos nas Câmaras Municipais na época colonial. Para ser considerado um “homem-bom” o indivíduo deveria ter “sangue puro”, uma boa linhagem e exercer atividades de prestígio.
O que eram os homens bons Brainly?Aprovada pela comunidade
Homens Bons eram nobres europeus que geralmente eram Capitães Donatários ou tinham posse de grandes terras. Eram responsáveis por trabalhar na Câmara Municipal, nomeando Juízes, estabelecendo leis, etc.
Quem eram os homens bons na história?As eleições de pelouro eram reuniões solenes para as quais concorriam muitas pessoas. Os chamados “homens-bons” (componentes da elite político-financeira local) votavam secretamente em seis nomes que seriam posteriormente os eleitores dos cargos principais da Câmara (juiz, vereadores e procurador).
Quem poderia ser homem bom no período colonial?Para alcançar a condição de “homem bom”, era necessário que o indivíduo fosse maior de 25 anos de idade, casado ou emancipado, praticante da fé católica e não possuísse nenhum tipo de “impureza racial”. Além disso, estes mesmos homens deveriam ter a posse de terras que legitimavam sua condição social distinta.
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