Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas Pequeno Príncipe

A primeira tradução para o português (feita pelo imortal Dom Marcos Barbosa) gerou como resultado a famosa frase cristalizada no inconsciente coletivo: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” – Tanto para o bem, quanto para o mal.

Significado e contexto da frase

A frase em questão é dita pela raposa para o Pequeno Príncipe no capítulo XXI e é uma das passagens mais citadas da obra.

O ensinamento começa algumas páginas antes, quando o rapazinho pergunta para a raposa o que quer dizer “cativar”.

A raposa responde que cativar significa criar laços, passar a ter necessidade do outro, e exemplifica:

Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…

O Pequeno Príncipe menciona então uma rosa que o havia cativado. Com o tempo, é o rapazinho cativa a raposa.

Na hora de ir embora, a raposa dá alguns ensinamentos para o jovem por quem já havia se afeiçoado, entre eles diz que “O essencial é invisível aos olhos“.

Como sabia que o Pequeno Príncipe nutria profundo afeto pela rosa, a raposa faz questão de lembrá-lo que “Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.”

E logo a seguir cita a pérola

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa…

O autor quer dizer que aquele que é amado passa a ser responsável pelo outro, por aquele que nutre o afeto por si. O ensinamento sugere que devemos ser prudentes com os sentimentos daqueles que nos amam.

A reflexão serve tanto para o bem quanto para o mal: se você gera sentimentos bons no outro, é encarregado por aquilo que emana, se gera sentimentos maus, também deve ser culpabilizado por isso.

A sentença afirma que quando você faz alguém gostar de si, terá de corresponder aquilo que o outro viu na sua pessoa. Uma das máximas fundamentais do Pequeno Príncipe é que devemos cuidar uns dos outros, zelando pelo bem estar recíproco.

É de se sublinhar na frase o termo “eternamente”, que parece assustador a primeira vista. A verdade é que, na frase, o advérbio significa “constante”, o que quer dizer que, se você conquista o sentimento do outro, é responsável por cuidar, proteger e dedicar-se, sem prazo definido.

A reflexão proporcionada por Exupéry se opõe a noção individualista de cada um por si e fomenta a reciprocidade, a consciência coletiva de que somos responsáveis uns pelos outros, especialmente pelos que cruzam o nosso caminho e nos enxergam com admiração.

Apesar da tradução brasileira ter escolhido transformar o verbo francês “apprivoisé” em “cativar”, na realidade a tradução mais literal seria “domar” ou “domesticar”.

Dom Marcos Barbosa optou por tirar uma licença poética e adaptou “apprivoisé” para “cativar”, um verbo que pode ser tido como sinônimo de encantar, seduzir, atrair, enfeitiçar, fascinar e envolver.

O verbo escolhido por Dom Marcos Barbosa envolve entrega, necessidade um do outro, dedicação. No caso do livro de Exupéry, o Pequeno Príncipe é cativado pela rosa, o que quer dizer que ele se tornará responsável por ela.

Edições brasileiras do clássico francês

A publicação traduzida para o português do Brasil foi feita em 1954, pelo monge beneditino Dom Marcos Barbosa, com base na edição francesa de 1945.

Em 2013, a editora Agir, a pioneira que havia lançado a primeira publicação, lançou uma nova tradução, realizada pelo poeta premiado Ferreira Gullar. A nova tradução teve como referência a edição original de 1943.

Gullar disse que o trabalho “foi um convite da editora, nunca tinha pensado em traduzir este livro porque já tem uma tradução, que eu li quando era jovem”.

O desejo, segundo o novo tradutor, era atualizar a escrita “para que o leitor de hoje se sinta mais identificado com o modo de narrar do livro e das falas.”

A tradução realizada pelo poeta, se diferencia, por exemplo, da feita por Barbosa, no que desrespeito a famosa frase em questão.

Dom Marcos Barbosa afirmava que “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Ferreira Gullar, por sua vez, optou por uma construção distinta, usando o tempo passado do verbo: “Você é eternamente responsável por aquilo que cativou”.

Todos nós somos sujeitos às afeições. As relações afetivas fazem parte da vida humana e da animal, guardadas as devidas proporções. Animais também se beijam, a sua moda, e se abraçam e constroem laços. Os animais demonstram seu carinho por nós também de diversas formas. Dia desses mesmo, postei no meu Instagram um vídeo de um gatinho que ficava tentando proteger uma criança, evitando que ela não se aproximasse das grades de uma varanda no alto de um prédio. Como ele poderia ter noção de que aquilo seria perigoso para a criança? Afeto. E mais ainda: empatia e compaixão.

Mas neste texto, em virtude do dia dos namorados, no Brasil, vamos falar especificamente sobre responsabilidade. Sim, responsabilidade afetiva. Nossa, mas que caretice! − me dirão alguns. Tudo bem, but se você seguir adiante verá que não se trata de uma apologia. Na verdade, o que me passou pela cabeça foi bem o contrário. Você se lembra da famosa frase do livro O pequeno príncipe? Até eu, quando era adolescente, usei-a para cobrar afeto de um ex-namorado. Chamei sua atenção jogando na mesa a carta da vez, dizendo: “Tu te tornas eternamente responsável por tudo o que tu cativas”, e na época achei que estava abafando. Ah, coitada!

Aonde pode chegar essa história?

Pessoas, assim como coisas, são objetos. Oi? Sim, objetos de amor, claro! Com meus novos estudos pelo campo da alma, isso ficou muito claro para mim, pois entendo que nosso primeiro “objeto” de amor é o outro: a mãe, o pai, e assim sucessivamente. Portanto, comecei a refletir sobre essa frase e penso que, talvez, a questão da responsabilidade não seja assim tão evidente. 

A frase, título desse artigo, foi traduzida do francês “Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé.”, e veio para o inglês para depois chegar ao português. Então, temos em segundo lugar: “You become responsible, forever, for what you have tamed.”, e em terceiro: “Tu te tornas eternamente responsável por tudo do que tu cativas”, que foi como chegou a nós. Do francês para o inglês, a tradução seguiu semanticamente mais favorável ao significado do verbo na língua francesa, mas quando veio para a língua portuguesa a coisa descambou. Porém de fato, talvez não exista palavra melhor para falar do cuidado do pequeno príncipe com a rosa do que cativar, embora possamos percorrer diversos caminhos semânticos para a palavra.

Assim, realizei uma pesquisa etimológica e semântica relacionada a essa palavra e às próximas, e vou expor para você aqui só, neste parágrafo, brevemente, o que se findou no meu raciocínio. Isso não é uma análise literária, muito menos filosófica, que fique claro. Apprivoisé provém de “domesticar, domar um animal” ou “ação de tomar posse, prender, capturar”, que por extensão poderia ser “escravizar, dominar”, mas que também pode mais suavemente ser entendido por “tornar caseiro, familiar, manter privado”, ou ainda “seduzir, fascinar, encantar”. Isso já é o suficiente para que possamos pensar sobre o investimento de tempo do pequeno príncipe ao cuidar da rosa, da sua rosa vermelha, protegê-la de lagartas, entre outras coisas. Esses elementos são interessantes para essa nossa pequena reflexão, acerca dos relacionamentos amorosos, no dia de hoje. 

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas Pequeno Príncipe
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas Pequeno Príncipe
Foto: Divulgação

Mas, e daí? Onde entra a questão da responsabilidade afetiva?

Numa relação amorosa, o ser amado é “seduzido” pelo outro, cuidado, tornado um elemento familiar, mantido em privado, e muitas vezes protegido numa redoma de vidro, como é o caso da rosa, não por acaso vermelha – cor da paixão − na história de Antoine de Saint-Exupéry. Nesse sentido, entendemos que ela é de fato protegida por ele, e é cativada por ele como nos traz a tradução do livro. Você me diria que nem sempre ocorre isso tudo aí numa relação, mas a nós já basta saber sobre este elemento básico de aproximação entre dois seres: o encantamento, a fascinação, enfim, a sedução. 

Se eu seduzo o outro, mas por ele sou seduzido, onde estaria minha responsabilidade sobre este ato, se ele é um caminho de mão dupla? Por que seria eu responsável por ter cativado o outro? Não seria. Essa é a questão. Sempre acreditamos que não somos responsáveis pelo que geramos no outro, afinal ele é bem grandinho para saber o que sente. Mas… isso acontece assim?

Sentir não é tão simples assim. Nada do se relaciona ao afeto é tão descomplicado. 

Vamos aprofundar um pouquinho para entender de onde pode surgir a complicação?

Quando nos apaixonamos por alguém estabelecemos um vínculo que só será transformado em amor (ou não) com o tempo − este NÃO é que podemos relacionar ao “peso” da responsabilidade, da qual falaremos mais tarde. No princípio, nesse auge da paixão, do encantamento, ninguém sabe aonde a coisa vai chegar, qual será o rumo da história, portanto até aqui não há nada por que se responsabilizar. 

Aqui, num artigo, torna-se impossível explicar todo o processo pelo qual a paixão pode acontecer. Mas podemos adiantar aqui que conforme Freud (2014) e outros autores nos relatam, repetimos ou reproduzimos padrões de comportamento que tivemos desde bebê:  de quando nos apaixonamos pela primeira vez por nossa mãe. Hoje, você pode até não se dar bem com ela, não falar ou não gostar dela, mas e quando você era bebê? Pensa o que é o cheiro de um leitinho morno para quem está morrendo de fome, e nem sabe o que significa aquela dor no estômago. Satisfação das necessidades básicas, é tudo para nossa sobrevivência, não? Pensa o que era um colinho quente e aconchegante para quem tem uma pequena porção de corpinho para ser aquecido. A mãe é fonte de meus desejos: eu penso num leitinho, ele aparece, eu penso no quentinho, vem um colinho… uau, isso é mágico! É isso! Paixão à primeira vista.

O que o outro oferece a nós, quando nos apaixonamos “de cara”, é o aconchego, o colo morno, o encontro de “almas gêmeas”. Tanto o homem quanto a mulher projetam suas imagens positivas simultaneamente, como se fosse um reconhecimento pelo já vivido um dia, o outro é aparentemente perfeito, o estado de fascinação é recíproco. Falando mais tecnicamente, o objeto de desejo nunca é real, e como estamos “recordando” vivências do processo primário, de quando nascemos, onde impera o pensamento mágico, tudo entre nós só pode ser lindo, brilhante e avassalador. Daí, colocar a rosa numa redoma de vidro posteriormente, e a sensação de proteger, domar, domesticar, tornando algo concreto e familiar, eternizando o momento anterior, e por que não, deixando tudo mais controlável.

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas Pequeno Príncipe
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas Pequeno Príncipe
Foto: Divulgação

Se não sou responsável afetivamente pelo outro, então está resolvido!

Há uma ponte no meio do caminho, quando se trata de passar da paixão ao amor. E isso pode acontecer ou não, como já o dissemos. O que foi “cobrado” do pequeno príncipe, com o uso da frase, foi a responsabilidade pelo amor, não pela sedução, pois ele já tinha passado os estágios iniciais do processo de encantamento, e ele e a rosa haviam avançado alguns passos nessa relação, apesar de tão temporária. Não tem gente que se apaixona e acha que a relação VAI DURAR a vida inteira? 

A responsabilidade pelo que geramos no outro deveria partir do ponto em que passada a “alucinação” do encontro, a noção do “encantamento”, a sedução em via de mão dupla, pudéssemos parar um pouco e refletir se estamos ocasionando, nele ou nela, no outro, dor ou não, com minhas atitudes de “bom trato”, agrado ou amor, ou desistência e rejeição. Nem sempre proteger é o melhor caminho, mas o abandono realmente também não.

Aqui deixo minha reflexão para os términos, dolorosos e sofridos, mas muitas vezes necessários. Você é responsável pelo que o outro fantasiou? Não! Mas com certeza essa fantasia pode ser posta na mesa e conversada, para que não se transforme em lástima e dores para ambos os lados. Basta que possamos ser mais compassivos, uma vez que conhecemos agora um pouquinho mais de como isso acontece.

O que quer dizer Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas?

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa... O autor quer dizer que aquele que é amado passa a ser responsável pelo outro, por aquele que nutre o afeto por si. O ensinamento sugere que devemos ser prudentes com os sentimentos daqueles que nos amam.

Qual a frase mais famosa do Pequeno Príncipe?

“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.” Essa é uma das frases do pequeno príncipe que se tornou mais marcantes. É preciso enxergar além das aparências para que se veja aquilo que realmente importa.

De quem é a frase Tu és responsável por aquilo que cativas?

Antoine de Saint-Exupéry. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

O que significa cativar o Pequeno Príncipe?

Que quer dizer "cativar"? - É uma coisa muito esquecida - disse a raposa. - Significa "criar laços"... - Criar laços? - Exatamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.