A gente precisa mesmo aprender arte

Feminismo, questões de gênero, melhoria da autoestima, integração entre os alunos e ocupação urbana. Estes são só alguns temas que podem ser trabalhados na aula de arte na escola. Desde 2016, tornaram-se obrigatórias nos currículos de Educação Básica. Para falar sobre o assunto, conversamos Geane Senra, professora de Artes da Escola Municipal Mozart Lago, no Rio de Janeiro.

Futura & Educação: Qual a importância do ensino de artes visuais na educação básica? 

Geane Senra: O ensino de artes visuais na educação básica é fundamental para o desenvolvimento de habilidades e para o reconhecimento de aptidões. Afinal, nem todos os alunos serão matemáticos ou historiadores.

A arte na escola vai além de aulas pintura e de desenho, ela está presente na música, no cinema, na TV, na publicidade, na arquitetura e muito mais. Todas estas áreas podem ser exploradas, com criatividade pelo professor no processo de construção do conhecimento.

A gente precisa mesmo aprender arte
Geane Senra é formada em Artes Visuais – Licenciatura pela UERJ e professora de escola pública do Rio de Janeiro.

Futura & Educação: : Como a arte pode contribuir para a formação e desenvolvimento dos estudantes?

GSA arte na escola tem um poder transformador. Ela desenvolve a criatividade, a capacidade de solucionar problemas, melhora a autoestima, faz o aluno desafiar seus limites e aumenta seu repertório cultural e estético.

Um ponto significativo do processo de aprendizagem é o momento em que o aluno, com autonomia,  começa a apreciar o trabalho artístico, interpretando e identificando suas características. O aluno também passa a consumir arte de forma natural, seja através de filmes, vídeos, música, internet ou até mesmo ao observar a arte ao seu redor no cotidiano.

Futura & Educação: : A partir de que idade as crianças podem ter aula de arte na escola? 

GS: Acredito que não existe uma idade ideal para começar a ter aulas de arte. Na escola onde trabalho, os alunos começam a ter aulas de arte a partir dos seis anos de idade.

Futura & Educação: :  Como você utiliza o audiovisual nas suas aulas? 

GS: As crianças e os adolescentes de hoje são os maiores consumidores de vídeos na internet, este consumo é feito principalmente através de celulares.

Por isso, esse pequeno aparelho precisa deixar de ser o “vilão” da sala de aula para se tornar ferramenta de trabalho. A partir deste ponto desenvolvo um trabalho que inclui aulas de produção audiovisual no currículo de Artes Visuais.

Funciona da seguinte forma, eu proponho aos alunos a criação de um vídeo com tema livre e digo que este vídeo será gravado com o celular. Depois desenvolvemos a ideia, assistimos filmes e vídeos juntos, eles pesquisam referências, aprendem noções de roteiro, de produção, de edição e então gravamos.

Futura & Educação: : Como é a infraestrutura (laboratório, computadores, recursos audiovisuais) para dar aula de arte na escola? Como fazer uma aula dinâmica e inovadora mesmo com poucos recursos?

GS: Infelizmente, os recursos, em geral, são limitados. No meu local de trabalho disponho apenas de um computador e um projetor. Para fazer uma aula dinâmica e inovadora, mesmo com poucos recursos, é necessário saber trabalhar com o material disponível, pensar fora da caixa, ter em mãos um conteúdo atrativo e, principalmente, um bom planejamento.

A gente precisa mesmo aprender arte
Feminismo nas aulas de artes: menos assédio e mais respeito na escola

Futura & Educação: : Como desenvolver a autonomia do aluno nas escolas? E como a arte pode contribuir com isso?

GS: Para desenvolver a autonomia do aluno na escola, o professor e toda comunidade escolar precisa acreditar na capacidade, daquela criança ou adolescente, em articular, criar e desenvolver seus próprios projetos. Por isso, é muito importante ouvir o aluno, entender seus interesses e oferecer oportunidades.

A arte se torna um caminho à autonomia por abranger diversas formas de expressão, por exemplo: um projeto de saúde pode utilizar a linguagem do funk ou do rap para transmitir uma mensagem. Se aluno domina alguma manifestação artística, ele pode ser multiplicador deste conhecimento com os demais colegas e professores.

Futura & Educação: Qual projeto desenvolvido pelos alunos durante as suas aulas teve maior repercussão dentro da escola?
GS: O projeto “Lugar de mulher é onde ela quiser”, elaborado em 2017, foi  finalista do prêmio “Desafio Criativos da Escola 2017“. Assistimos filmes, recebemos visitas de especialistas, discutimos em rodas de conversa e no grupo de Whatsapp sobre questões de gênero, feminismo, assédio e violência contra a mulher.

Pedi para o aluno Allan, mais conhecido como “MC 2L”, criar um funk sobre o tema. Ele aceitou o desafio, fez a rima e ainda promoveu a participação de toda a turma. O funk criado, foi postado no Facebook, viralizou e hoje ultrapassa a marca de 500 mil visualizações. Assista aqui.

“A arte na escola tem um poder transformador. Ela desenvolve a criatividade, a capacidade de solucionar problemas, melhora a autoestima, faz o aluno desafiar seus limites e aumenta seu repertório cultural e estético.”

Os alunos ficaram muito felizes com a repercussão que tiveram nas redes sociais, o que contribuiu para a melhoria da autoestima de cada um, e ainda com o interesse pelas aulas de arte. Allan agradeceu e confessou que na outra escola não o deixavam cantar. O ambiente escolar se tornou um espaço com menos assédio e mais respeito.

A gente precisa mesmo aprender arte
Alunos fizeram grafite no portão da escola inspirados no artista Basquiat

Outro projeto de sucesso foi sobre o artista Basquiat. Os alunos conheceram parte da vida e obra do artista, assistiram vídeos, filmes, pesquisaram e concluíram o trabalho realizando um Grafite, inspirado no tema, no portão da escola. Toda comunidade escolar recebeu muito bem a pintura, pois a ausência de Arte Urbana no bairro de Oswaldo Cruz é muito sentida.

Futura & Educação: : Qual o principal desafio que você enfrenta hoje para dar aulas de arte na escola?
GS: O principal desafio que enfrento hoje, além da escassez de recursos e problemas de infraestrutura, é lidar com questões que envolvem violência e indisciplina escolar. Vários estudos sugerem formas de minimizar a crise, mas na prática, é muito difícil conciliar todas as demandas de um professor com a dedicação e preparo que tal situação exige.

“Por consequência da falta de conhecimento as aulas de artes são consideradas, na maioria das vezes, como “momento de lazer” do aluno.”

Futura & Educação: : Por que ainda é difícil reconhecer as artes, em geral, como disciplinas necessárias na escola?
GS: A arte no Brasil ainda é muito mal compreendida. Por consequência da falta de conhecimento as aulas de artes são consideradas, na maioria das vezes, como “momento de lazer” do aluno.

Mas na verdade a disciplina de artes, em geral, é um espaço dedicado à construção estética, ao desenvolvimento de habilidades, ao aprendizado artístico, cultural e muito mais. É importante que ela esteja presente nas escolas e na vida. Já parou para imaginar um mundo sem arte?

Para saber mais:

  • Lei que torna o Ensino de Artes obrigatório na Educação Básica
  • Desafio Criativo na Escola: prêmio nacional que valoriza jovens e educadores que transformam suas realidades
  • Que tal um espaço para trocar ideias com educadores de diversas partes do Brasil e ainda ajudar a fazer o Futura? Participe do Conselho de Educadores do Futura