A mesma tecnilogia que ajuda destrói

A mesma tecnilogia que ajuda destrói
(foto: Pixabay)

Qual o n�mero do celular do seu filho? Nossa, n�o sei! T� gravado no smartphone. E o endere�o do tio, sabe como chegar? N�o, mas � s� colocar no Waze. Quanto � 39 + 57? Soma a� na calculadora do telefone. Voc� leu a reportagem sobre a reforma da Previd�ncia? S� partes, muito grande, n�o tive paci�ncia e estou sem tempo. Lembra com detalhes da sua �ltima viagem? Nem tanto, mas as fotos est�o todas l�, no Instagram. Viu a mensagem no WhatsApp? Visualizei, enorme! Desisti na metade. Voc� se reconhece em alguma dessas situa��es? � do tipo que a maioria das respostas e informa��es est�, obrigatoriamente, atreladas �s m�dias eletr�nicas? Se a resposta for sim, ent�o � melhor repensar seus h�bitos.

O livro The shallows: what the internet is doing to our brains (O superficial: o que a internet est� fazendo com nossos c�rebros), do jornalista Nicholas Carr, finalista do pr�mio Pulitzer de 2011 na categoria n�o fic��o geral, � uma obra que reverbera sobre a seguinte quest�o: “Estamos ficando mais burros, e a culpa � da internet”. A constata��o � que, apesar do acesso quase ilimitado a informa��es na grande rede, o homem perde a cada dia a capacidade de focar em apenas um assunto. A mente do internauta fica ca�tica, polu�da, impaciente e, para Carr, com menos capacidade para pensamentos aprofundados. Enquanto escrevia o livro, lan�ado em 2010, o autor confessou ter restringido seu acesso a e-mails e desativado suas contas no Twitter e no Facebook porque se descobriu incapaz de se concentrar.

H� quem veja as m�dias eletr�nicas assumindo o papel de “novos bra�os e c�rebros” do ser humano. Por um lado, elas contribuem para o conhecimento aumentar exponencialmente, o que faz o mundo ficar mais inteligente. Por outro, individualmente, o homem emburrece porque sabe menos do todo. Ficou imposs�vel acompanhar. A internet foi criada em 1969, nos EUA, e chegou ao Brasil em 1988, restrita � �rea acad�mica, s� chegando ao grande p�blico em 1994. O grande boom por aqui ocorreu em 1996, sendo um marco o lan�amento da m�sica Pela internet, de Gilberto Gil, pela pr�pria rede, cantando uma vers�o ac�stica ao vivo e conversando com internautas sobre sua rela��o com a internet: “Criar meu web site/Fazer minha home-page/ Com quantos gigabytes/Se faz uma jangada/Um barco que veleje (…) Um barco que veleje nesse infomar/Que aproveite a vazante da infomar�/Que leve meu e-mail at� Calcut�/Depois de um hot-link/Num site de Helsinque/Para abastecer” (...).

Desde ent�o, a grande rede s� evoluiu, cresceu e inovou. Para Nicholas Carr, o modo como a informa��o � disseminada na internet deteriora o c�rebro em um n�vel f�sico, destruindo as conex�es e circuitos cerebrais respons�veis, entre outros, pela capacidade anal�tica de processar informa��es, com resultados desastrosos para a mem�ria de longo prazo assim como afetando a criatividade. Da� a conclus�o de que a rede pode estar deixando as pessoas menos inteligentes.

PENSAMENTO RASO

Levantada a quest�o, muitos estudos e pesquisas j� foram e continuam sendo feitos. A preocupa��o � quanto � preserva��o, principalmente, da chamada mem�ria de curto prazo ou mem�ria de trabalho, que pode ser alterada prejudicando suas fun��es. Em 2007, o professor de psiquiatria da Universidade da California - Los Angeles (UCLA), Gary Small, autor do livro iBrain: Surviving the technological alteration of the modern mind (iBrain: Sobrevivendo � altera��o tecnol�gica da mente moderna), recrutou tr�s experientes internautas e tr�s novatos para um estudo sobre a atividade cerebral. Eles acessavam p�ginas na web e eram mapeados por uma resson�ncia magn�tica do c�rebro. Enquanto usavam um teclado port�til para o Google, o exame indicou aumento do fluxo sangu�neo. A atividade cerebral dos surfistas experientes era mais extensa do que a dos novatos, particularmente em �reas do c�rtex pr�-frontal associadas � resolu��o de problemas e � tomada de decis�es. No fim da pesquisa, Small apontou que mais atividade cerebral n�o � necessariamente uma atividade cerebral melhor. “A atual explos�o da tecnologia digital n�o apenas est� mudando a maneira como vivemos e nos comunicamos, mas est� alterando r�pida e profundamente nossos c�rebros.”

Sinal de alerta ligado. Hora de pensar como a web est� moldando nosso c�rebro. Ainda n�o se sabe at� que ponto � prejudicial ou n�o. No entanto, estudiosos apontam que, ao navegar na rede, os internautas entram em um ambiente que promove “leitura superficial, racioc�nio apressado e distra�do e aprendizado superficial”. Ou seja, apesar do volume de informa��o, o pensamento est� cada vez mais raso, o que pode mudar a estrutura do c�rebro. Conversamos com especialistas para clarear a discuss�o sobre at� que ponto tudo isso � preocupante ou n�o.

O caminho do meio
As novas tecnologias s�o poderosas e revolucion�rias. No entanto, as pessoas est�o se transformando em ciborgues virtuais e o excesso de exposi��o �s telas atrofia o c�rebro

A mesma tecnilogia que ajuda destrói
"Nos tornamos mais inteligentes porque agora qualquer pessoa carrega um computador poderoso no bolso, conectado ao mundo inteiro e capaz de dar mais respostas instant�neas do que uma enciclop�dia inteira. E mais burros porque estamos terceirizando para as m�quinas uma s�rie de fun��es que antes nossos c�rebros faziam" - Sidarta Ribeiro, neurocientista do Instituto do C�rebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) (foto: Arquivo Pessoal )

� indiscut�vel o impacto das tecnologias sobre a mente humana. Ainda n�o se sabe se as m�dias eletr�nicas causam problemas ou apenas os potencializam. N�o existe um diagn�stico fechado, por isso, � recomend�vel cautela no uso, principalmente entre crian�as e adolescentes cujo sistema nervoso est� em desenvolvimento. Sidarta Ribeiro, neurocientista do Instituto do C�rebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que as m�dias eletr�nicas est�o ao mesmo tempo nos fazendo mais inteligentes e mais burros. “Mais inteligentes porque agora qualquer pessoa carrega um computador poderoso no bolso, conectado ao mundo inteiro e capaz de dar mais respostas instant�neas do que uma enciclop�dia inteira. Mais burros porque estamos terceirizando para as m�quinas uma s�rie de fun��es que antes nossos c�rebros faziam, como o armazenamento de n�meros de telefone, defini��es de conceitos, mapas de localidades etc. E tamb�m porque vivemos em constante interrup��o da aten��o causada por essa infinitude de possibilidades. O que vem aumentando nossa capacidade de processar informa��es em paralelo (multi-tasking), mas diminuindo nossa capacidade de aprofundamento e concentra��o.”

O neurocientista avisa que, sem percebermos, estamos nos transformando em ciborgues virtuais. Ele destaca que quem nasceu antes da d�cada de 1990, quando a internet se generalizou e sofisticou, recorda-se bem de como as coisas eram diferentes: “Somos os ciborgues 1.0. Quem nasceu depois disso simplesmente considera todas essas mudan�as t�o naturais que nem se d�o conta da maravilha e do perigo que a mudan�a representa. S�o nossos filhos e netos, ciborgues 2.0”.

Sidarta Ribeiro acredita que a media multi-tasking (multitarefa de m�dias) provoca um impacto na mente humana sem precedentes: “N�o tem volta, j� que nossa esp�cie se caracteriza por aquilo que o psic�logo Michael Tomasello denominou de catraca cultural: quando inventamos uma novidade cultural �til, ela se dissemina e n�o voltamos mais atr�s”. O neurocientista refor�a que estamos todos com milhares de Barsa (enciclop�dia) no bolso, mas, por outro lado, temos dificuldade de discernir informa��o �til de lixo cultural. Estamos engasgando de tanta informa��o...

ROB�S

Hoje, a certeza da facilidade de acesso � informa��o, de n�o ter que pensar (tudo � autom�tico e est� gravado), tem provocado “brancos” e “lapsos” cada vez mais comuns e em todas as idades: “Exato! Estamos passando in�meras atribui��es para as m�quinas sem ao menos nos darmos conta disso. No futuro, n�o apenas os lavradores e os oper�rios ser�o substitu�dos por rob�s, mas tamb�m os advogados, engenheiros e m�dicos. Se haver� lugar para gente de carne e osso nesse mundo, � dif�cil prever...”, alerta Sidarta Ribeiro.

Como tudo na vida, ainda que soe clich�, a �nica sa�da (e talvez a solu��o!) � o uso moderado da tecnologia. Para Sidarta Ribeiro, n�o apenas � poss�vel, mas � a �nica alternativa saud�vel. “� t�pico do macaco humano se lambuzar com as novidades que inventa. E isso ocorre at� com as melhores cabe�as. A maravilhosa Marie Curie, primeira mulher a ganhar um Pr�mio Nobel e �nica pessoa a ganhar o Nobel em duas ci�ncias diferentes (f�sica e qu�mica), foi pioneira no desenvolvimento da teoria da radioatividade, no isolamento de is�topos radioativos e na descoberta de elementos radioativos. Apesar de toda a sua genialidade, morreu de leucemia por causa de toda a radia��o que recebeu inadvertidamente. Precisamos urgentemente encontrar modera��o no uso da internet, pois o excesso de exposi��o �s telas est� atrofiando c�rebros (h� v�rios estudos mostrando isso), empobrecendo rela��es humanas (fam�lias almo�ando juntas no domingo, cada um em sua tela) e emburrecendo nosso debate p�blico (vide as elei��es de 2018, com sua enxurrada de fake news odiosas).”

Para Sidarta Ribeiro, � dif�cil dizer qual m�dia eletr�nica � a pior e qual � a melhor, j� que depende do uso que se fa�a dela. H� estudiosos questionando, por exemplo, a febre do Instagram. A p�s-doutora Giuliana Mazzoni, professora de psicologia e neuroci�ncia da University of Hull, no Reino Unido, alerta que a fotografia instant�nea pode alterar nossa personalidade. “As selfies e poses s�o planejadas, n�o t�m naturalidade. Se a gente se basear fortemente em fotos, ao nos lembrarmos do passado, poderemos criar uma identidade pr�pria distorcida com base na imagem que desejamos promover para os outros.” Conforme levantamento da revista Superinteressante, atualmente, 1.100 fotos v�o para a rede a cada segundo e 4,2 bilh�es � a quantidade de curtidas que as fotos postadas na rede recebem a cada dia.

O neurocientista enfatiza que, no caso das fotos postadas no Instagram, as pessoas est�o construindo personagens de si mesmas. “Isso tem um lado lindo, especialmente para as classes menos favorecidas, que antes da internet estavam condenadas a trabalhar sem parar e n�o ter tempo para construir a pr�pria narrativa. Pense como mudou para melhor a vida do ascensorista, do porteiro e da cozinheira, que agora podem aproveitar todos os intervalos do trabalho para habitar seu infinito particular. Por outro lado, a glamouriza��o da pr�pria vida pode ser fonte de muita infelicidade e frustra��o, porque quando se apaga a tela a vida n�o � nada daquilo que foi projetado.”

SABEDORIA

Sidarta Ribeiro alerta que, apesar de toda a maravilha dessas m�dias, “sou desconfiado delas e quase n�o uso nada disso, pois valorizo a frui��o do tempo presente. Se estamos sempre tirando fotos para a posteridade, perdemos a vida que est� ocorrendo agora. Mas, apesar de todos os meus receios, sinto-me claramente dependente do e-mail e da m�dia eletr�nica mais tradicional. Com exce��o de algumas pessoas que n�o aderiram, estamos todos embarcados nessa aventura exagerada rumo a um destino desconhecido e potencialmente perigoso. Precisamos encontrar ‘o caminho do meio’”.

Mas o neurocientista se mostra preocupado com os excessos de crian�as e adolescentes, sobretudo para os jovens. “H� estudos cient�ficos s�lidos mostrando que os beb�s, embora se interessem por imagens de pessoas falando numa tela, n�o aprendem linguagem dessas intera��es. Somos seres profundamente sociais, foi nossa capacidade de intera��o com os outros que nos tirou das cavernas e trouxe at� a internet. Se perdermos a capacidade do contato humano, olho no olho, pele com pele, talvez percamos nossa humanidade completamente. E, assim, abramos caminho para ciborgues 3.0: sem amor, sem compaix�o, sem alma. Mas n�o quero ser catastrofista. As novas tecnologias s�o poderosas e potencialmente revolucion�rias no bom sentido. O que precisamos � de sabedoria para utiliz�-las em prol da esp�cie, e n�o contra ela.”

A mesma tecnilogia que ajuda destrói
(foto: Arquivo Pessoal )

Palavra de especialista

Guilherme Cunha, mestre em neuroci�ncia pela UFMG, membro da equipe do Hospital Mater Dei e da Santa Casa de BH

Cogni��o estendida


"Um marco da nossa esp�cie � a incr�vel capacidade de nos adaptar �s mais variadas condi��es de exist�ncia. Grande parte desse fen�meno se deve � nossa cogni��o, um conjunto de opera��es mentais altamente especializadas que nos permite ter comportamentos adaptativos dos mais variados. Com o surgimento da internet h� aproximadamente 30 anos, nossa cogni��o vem sofrendo uma esp�cie de ‘digitaliza��o’, ou cogni��o estendida. Nossa mem�ria n�o est� mais sob os dom�nios da nossa pele, mas sim espalhada em bilh�es de computadores interconectados em todo mundo. � isso mesmo! As m�dias eletr�nicas est�o afetando nosso c�rebro, e esse � um caminho sem volta. Estudos revelaram que o uso de mecanismos de busca altera a forma com que o c�rebro processa informa��o, especialmente a ativa��o da por��o mais anterior do lobo frontal. Al�m disso, mostrou-se que priorizamos o ‘como achar’ ou ‘onde est�’ a informa��o em vez da informa��o propriamente dita. Em um outro estudo conduzido na universidade de Fairfield, em Connecticut, nos EUA, pesquisadores mostraram que a habilidade de se lembrar de objetos era prejudicada quando se tirava foto deles. Para onde estamos indo ainda n�o sabemos, mas precisamos entender que quando criamos contexto para a avalanche de informa��es �s quais somos submetidos diariamente, tudo faz mais sentido. Crie contextos, e voc� poder� desfrutar de forma ainda melhor do seu c�rebro digital."

Use, com modera��o!
N�o h� d�vida sobre os benef�cios da tecnologia. No entanto, ela cria uma acomoda��o em rela��o a usarmos o c�rebro para resolver problemas ou armazenar conhecimento. Como agir?

A mesma tecnilogia que ajuda destrói
(foto: Pixabay)

Antigamente, para dirigir um carro, voc� precisava entender um pouco de mec�nica para chegar ao fim da viagem. Hoje, basta saber ligar o motor. E, daqui a pouco, nem isso. Vai andar em carro aut�nomo (j� existe a tecnologia, falta ainda a infraestrutura). Esse � um dos v�rios exemplos dentro da concep��o de uma sociedade coletivamente mais inteligente e, individualmente, mais burra. Ao pensarmos no smartphone, que se torna cada vez mais uma ferramenta indispens�vel, Gilda Paoliello, psiquiatra, psicanalista e professora do curso de p�s-gradua��o em psiquiatria da Faculdade Ipmed de Ci�ncias M�dicas, afirma que n�o � exagero dizer que os smartphones se tornaram uma extens�o de nossos corpos, chegando at� a fazer parte de nosso esquema corporal, al�m de ser um “controle remoto de nossas vidas”, pois podemos ser acionados a qualquer momento.

Quando estamos sem ele � como estar sem um bra�o ou, mais grave ainda, sem nosso c�rebro. “A� � que a coisa pega: esse aparelhinho m�gico acessa a internet, toca m�sica, tira fotos, permite a comunica��o, anula tempo e dist�ncia, ouve e responde nossas d�vidas, conhece nossas prefer�ncias em todos os �mbitos de nossas vidas e faz tantas outras coisas. Mas ser� que todas essas facilidades proporcionadas n�o nos deixam sequelas? Afinal, tudo tem um pre�o e � importante ver pra que lado a balan�a pende.”

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Psiquiatra Gilda Paoliello diz que a perman�ncia em redes sociais e em multim�dias grande parte do dia afeta nosso psiquismo (foto: Marc�lio Nicolau/Divulga��o )

Gilda Paoliello ressalta que, n�o h� d�vida alguma em rela��o a todos os benef�cios que a tecnologia traz. Mas ser� que todas essas facilidades n�o deixam as pessoas mais acomodados em rela��o a usar o pr�prio c�rebro para resolver problemas ou armazenar conhecimento? “Afinal, se a partir de um toque ou at� de um comando verbal, podemos ter acesso a uma infinidade de informa��es, por que cansar nossa cabe�a em busca de respostas para nossas d�vidas? A pergunta, ent�o, � - o que o smartphone provoca em nossas vidas? Essa � uma quest�o que vem interessando e desafiando muitos pesquisadores, desde que, em 2007, Steve Jobs apresentou o incr�vel ‘3 em 1’, capaz de, ao mesmo tempo, substituir o celular, computador e a internet.”

A psiquiatra e psicanalista destaca que um dos principais estudos foi conduzido pelo neuropsic�logo Anthony Wagner, da Universidade Satnford (EUA): “Ele nos mostra que essa estimula��o por m�ltiplas m�dias � altamente prejudicial � nossa sa�de mental e est�, sim, nos ‘emburrecendo’, pois, � medida que substitu�mos o est�mulo de nosso racioc�nio e mem�ria, delegando isso aos mecanismos de busca virtuais, estamos ‘terceirizando nosso c�rebro’, deixando de estimular nossa capacidade cognitiva, limitando nossa capacidade criativa e tamb�m deixando de filtrar informa��es. O que pode trazer consequ�ncias desastrosas”.

Ref�gio virtual

Al�m disso, Gilda Paoliello chama a aten��o que a perman�ncia em redes sociais e em multim�dias simult�neas em grande parte do dia, acaba gerando um desgaste intenso em nosso psiquismo, podendo levar a desgaste mental, irritabilidade e at� mesmo aumento da impulsividade. Al�m de nos afastar do conv�vio pessoal com familiares e amigos, gerando solid�o e ang�stia, que � preenchida por maior ref�gio na vida virtual.

Para a psiquiatra, “a ilus�o � termos o mundo nas m�os acionando esses aparelhinhos. A realidade � nos tornarmos prisioneiros, levando a uma verdadeira s�ndrome de abstin�ncia na impossibilidade de usar tais recursos, o que caracteriza um transtorno que j� tem nome: nomofofobia, uma abrevia��o, do ingl�s para no-mobile-phone phobia”.

Gilda Paoliello alerta que essas quest�es s�o ainda mais importantes quando o usu�rio tem o c�rebro em forma��o, ou seja, para as crian�as e adolescentes. “Ainda n�o sabe se esses problemas s�o causados ou potencializados pelo excesso de tecnologia, mas os danos j� s�o comprovados. � importante discutirmos essas novas rela��es, suas dimens�es e seus limites, lembrando que esses limites devem ser impostos por n�s, usu�rios, pois a tecnologia n�o tem �tica nem moral. Temos que cuidar para que a parte boa seja preservada, nos ocupando desses limites para que n�o sejamos controlados pelo que criamos. Ent�o, a ordem do dia �: smartphone, use com modera��o.!”

A mesma tecnilogia que ajuda destrói
(foto: Renato Bairros/Divulga��o)

Tr�s perguntas para...

Andrea Ramal, educadora, doutora em educa��o e autora do livro Educa��o na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem

1) Excesso de estimula��o e exposi��o simult�nea a m�ltiplas m�dias afetam a mem�ria?

No que se refere � educa��o, posso dizer que afeta ao menos a forma de estudar: decorar menos, cada vez menos, pois o conhecimento est� ao alcance com um clique. E � poss�vel que interfira, pelo menos no que se refere �s inten��es. Ningu�m quer perder tempo decorando coisas. Isso � interessante porque reservamos a energia de nossa aten��o e foco para o que realmente � necess�rio.

2) O fato de toda informa��o estar a um clique interfere no processo de aprendizagem?

Sim, pois o acesso ao conhecimento � mais r�pido, e a diversidade de fontes � muito maior. Por outro lado, nem todas as fontes s�o seguras e confi�veis, ao contr�rio do que era a Barsa (enciclop�dia). Ent�o, o aprendizado precisa se focar em saber interpretar, avaliar informa��es, selecionar o que � v�lido, comparar vis�es… Em vez de simplesmente consultar e copiar. O uso excessivo de tecnologia provoca alguns preju�zos. Um deles � a perda de foco com rela��o �s atividades do dia a dia, outro � o isolamento social. E h� tamb�m o impacto no desenvolvimento de alguns aspectos da cogni��o (memoriza��o) e na capacidade de memorizar. No entanto, o problema n�o � a tecnologia, mas sim a maneira como se usa.

3) Como usar as m�ltiplas m�dias como ferramentas de aprendizagem?

Essa � a proposta das metodologias ativas de ensino. Gra�as �s tecnologias digitais, est� ocorrendo uma revolu��o nas rela��es da sala de aula: entre alunos e professores, entre estudantes e conhecimentos. Hoje, o estudante pode ser mais proativo e buscar o conhecimento por si mesmo, enquanto o professor pode assumir um novo papel, de orientador da aprendizagem. N�o h� d�vida de que mesclar o estudo por livros impressos com objetos digitais, conforme os percursos e ritmos de aprendizagem de seus alunos, � o caminho mais indicado para que escolas e universidades brasileiras melhorem o padr�o de desempenho dos estudantes. Isso implica reestruturar os planos de ensino, associando de forma l�gica as aulas presenciais e as atividades a dist�ncia. Mas, para dar certo, em cada �rea do conhecimento, h� que garantir conte�do de qualidade tamb�m nos aplicativos eletr�nicos. � preciso ter cuidado com certas adapta��es, improvisos e produ��es caseiras sem grande valor did�tico. Um ou outro aplicativo popular e divertido sempre pode motivar os alunos. No entanto, � mais prov�vel que os melhores resultados de aprendizagem sejam os que derivem de conhecimento impresso e digital consistente, oriundo de autores e editoras de refer�ncia na �rea t�cnica, cient�fica e acad�mica, estudado com a orienta��o de professores bem preparados. � isso que, para al�m de divertir e motivar, desenvolve compet�ncias para o trabalho e para a vida.

Saia da zona de conforto
N�o h� d�vida de que o excesso de tecnologia deixa o c�rebro mais lento e afeta a mem�ria. Por isso, � importante que ele seja sempre exercitado diariamente para que se mantenha ativo

A mesma tecnilogia que ajuda destrói
Fazer exerc�cios espec�ficos e sair do autom�tico ajudam a n�o deixar o c�rebro pregui�oso (foto: Supera/Divulga��o)

Como o corpo, o c�rebro precisa de est�mulos para se manter ativo. Exercit�-lo � fundamental. O Supera - Gin�stica para o c�rebro � uma escola dedicada ao desenvolvimento das capacidades do c�rebro e � sa�de mental. Com m�todo embasado na teoria de intelig�ncias m�ltiplas de Howard Gardner, que descreve a grande diversidade de talentos e estilos de aprendizagem, ele tamb�m encontra respaldo em descobertas e conceitos cient�ficos como a neuroplasticidade cerebral, a capacidade que o c�rebro tem de se modificar quando recebe est�mulos. Pedro Ivo, gestor na unidade Pampulha e com know how nas ferramentas aplicadas pela escola, afirma que, naturalmente, o c�rebro j� tem uma tend�ncia a ficar na zona de conforto, ou seja, � pregui�oso mesmo. Por isso, � preciso ficar atento ao uso irrestrito da tecnologia: “Estamos na era da comodidade, na qual as facilidades de algumas m�dias eletr�nicas limitam a atua��o do c�rebro, uma vez que as informa��es est�o dispon�veis com maior facilidade e rapidez. Dessa forma, o esfor�o mental para a realiza��o de qualquer tipo de tarefa simples ou complexa est� quase sempre aliada ao uso de algum dispositivo al�m do nosso c�rebro. Ent�o, sim, as m�dias eletr�nicas deixam o c�rebro mais lento”.

Pedro Ivo explica que o c�rebro � moldado por meio da aten��o. Quando estamos atentos a uma determinada atividade trabalhamos com as conex�es entre nossos neur�nios (as sinapses). “No momento em que estamos concentrados, melhoramos a qualidade e a quantidade dessa comunica��o, deixando o c�rebro mas ativo e com mais disposi��o para a realiza��o das tarefas di�rias. Pode-se dizer que em v�rias situa��es estamos emburrecendo por causa das m�dias eletr�nicas. Por exemplo, antes do acesso facilitado ao telefone celular grande parte das pessoas gravava n�meros de telefones de parentes e amigos, chegando a ter 20 guardados na mem�ria ou mais. Hoje, com alguns cliques identificamos o nome da pessoa que queremos ligar sem nem ao menos checar o n�mero. Esse tipo de situa��o priva o c�rebro de se esfor�ar e o mant�m na zona de conforto, deixando a pessoa com menor agilidade mental. Ent�o, � preciso ter um cuidado relacionado �s atividades do dia a dia e sempre buscar oferecer desafios ao c�rebro, pois com a capacidade que ele tem podemos usar e abusar.”

De acordo com Pedro Ivo, a mem�ria est� sendo afetada porque ela � uma quest�o de treino e estrat�gia, a partir do momento em que paramos de treinar e memorizar passamos a deixar de exercitar essa habilidade. Assim, ela vai enfraquecendo naturalmente. Por isso, � importante estar atento, j� que, mesmo em casa, � poss�vel estimular o c�rebro e melhorar a mem�ria com exerc�cios como olhar uma lista de palavras por um determinado tempo, tentar memoriz�-la com alguma t�cnica e escrever em outro papel, jogos dos 7 erros, palavras-cruzadas, sudoku entre outros.

HABILIDADES

Por outro lado, reconhece Pedro Ivo, o uso da tecnologia agrega benef�cios ao funcionamento do c�rebro: “Em muitos casos, as novas tecnologias facilitam a vida. Imagine s� a comunica��o sem fio ou sem o acesso de informa��es na internet? Mas, assim como ajuda em algumas de nossas tarefas, ela est� mudando a forma de pensarmos e processarmos a informa��o. Isso, por si s�, j� � um exerc�cio para o c�rebro. No entanto, podemos dizer que as pessoas est�o perdendo a habilidade de se concentrar e de se manter focado em textos longos por ter se acostumado a navegar por meio de v�rios peda�os de informa��o dispon�veis na rede. Agora que ele obt�m a maior parte das suas informa��es por meio de uma tela de computador (em vez do meio impresso), isso mudou a forma de processar dados. Pode ser que estejamos ‘remapeando os circuitos neurais’”.

A mesma tecnilogia que ajuda destrói
"� preciso ter um cuidado relacionado �s atividades do dia a dia e sempre buscar oferecer desafios ao c�rebro, pois com a capacidade que ele tem podemos usar e abusar" - Pedro Ivo, gestor na unidade Pampulha da escola Supera (foto: Supera/Divulga��o)

Mas Pedro Ivo diz que a tecnologia tamb�m � uma aliada para a vida cotidiana e pode proporcionar alternativas para exercitar o c�rebro. Uma delas � o programa de treinamento para o c�rebro via web. Ela � uma ferramenta que pode ajudar a potencializar o c�rebro. Desde que praticado com equil�brio, os jogos dispon�veis para dispositivos m�veis podem ser um grande aliado e melhorar habilidades como aten��o, vis�o estrat�gica e vis�o espacial.

Diante de tantas ferramentas tecnol�gicas que s� facilitam a vida, � preciso tomar uma atitude para que a aprendizagem n�o seja prejudicada. Pedro Ivo alerta que � necess�rio encontrar um equil�brio para minimizar os efeitos negativos. “O artigo do New York Times Digital devices deprive brain of needed downtime oferece argumentos convincentes de que nosso c�rebro precisa de um tempo de descanso para digerir as coisas que n�s vivenciamos, enquanto estamos ativos. O que, �s vezes, � dif�cil em virtude da tecnologia. Isso pode ser bastante nocivo, principalmente para a mem�ria.”

Pedro Ivo conta que desestressar � uma maneira cientificamente aceita de melhorar a mem�ria e outras habilidades cognitivas. “Entretanto, aparelhos digitais nos fornecem acesso instant�neo a informa��es e podem aumentar o estresse. Se um e-mail chega � nossa caixa de entrada, sentimos compelidos a reagir, que � na realidade uma forma moderada de rea��o ‘lutar ou correr’ geralmente associada a eventos estressantes. A tecnologia deixa de ser ben�fica para o c�rebro quando n�o sabemos equilibrar o seu uso. Ela � �tima, � a raz�o pela qual estamos vivendo mais, mais conectados e melhor informados do que qualquer outra sociedade na hist�ria. Entretanto, a tecnologia deve trabalhar para n�s e n�o contra n�s.”

Habilidades para preservar a mem�ria

Sono:

H� tempos definido por cientistas como o estado em que nosso corpo otimiza e consolida novas informa��es e as armazenam como mem�ria. Dormir bem faz bem para a mem�ria

Alimenta��o:

Est� provado que uma dieta rica em �mega-3, vitamina B e antioxidantes � importante para a sa�de do c�rebro

Relaxamento:

Desestressar e meditar s�o tamb�m formas reconhecidas de preservar a mem�ria. Segundo estudos amplamente divulgados, a pr�tica di�ria da medita��o ativa as partes do c�rtex cerebral respons�veis pela tomada de decis�o, aten��o e mem�ria

Exerc�cios f�sicos:

Estudos da Universidade da Pennsylvania, nos EUA, mostraram que pessoas que praticam atividades f�sicas com aten��o e regularidade apresentam melhoras mensur�veis no “desempenho cerebral”

Como a tecnologia ajuda ou atrapalha?

Ao mesmo tempo em que a tecnologia é uma ferramenta capaz de nos manter em contato com amigos que não vemos há tempos e acompanhar quem a gente gosta mesmo quando a pessoa está longe, ela também pode servir como ponto de origem para ansiedade e alguns outros sentimentos.

Como a tecnologia pode ajuda?

A tecnologia durante a pandemia do Covid-19 Ela possibilitou que relações fossem mantidas mesmo que à distância, contribuiu para o fácil acesso e divulgação de informações importantes, ajudou para que negócios sobrevivessem e outros até mesmo crescessem ainda mais, como foi o caso do e-commerce.

O que a tecnologia trouxe de ruim?

A falta de convívio com outras pessoas devido ao uso excessivo das tecnologias pode prejudicar o desenvolvimento social, intelectual e emocional. Além disso, pode gerar irritabilidade, irregularidades no sono, obesidade (devido ao sedentarismo), dentre outros malefícios.

Como a tecnologia pode destruir ou salvar o mundo?

Mas todo este conforto trouxe consequências danosas bem conhecidas e alarmantes: recordes de temperaturas elevadas, degelo, aumento na emissão de poluentes, escassez de recursos naturais, desperdício, fome, sede, doenças.