É possível a instituição de taxa para a utilização de bem de uso comum do povo?

RESUMO: Bens públicos municipais e sua utilização privativa por concessionários de serviço público titularizados por outros entes federativos. Há legalidade na remuneração à pessoa jurídica que titulariza o bem? Necessária revisitação da tradicional classificação de bens públicos, bem como das espécies jurídicas de uso privativo desses bens: uso comum e uso especial. Permissão onerosa. Natureza jurídica da cobrança. Incerteza jurídica. Tributo (taxa) ou preço público. Receita derivada ou receita originária? Para STF e STJ se trata de espécie tributária. A doutrina entende que seria preço público. Definição de competências constitucionais material e legislativa. Competência da União para disciplinar os serviços públicos federais e conflito aparente com a competência dos Municípios para dispor sobre a utilização de bens públicos da municipalidade. Haveria imunidade (intributabilidade) recíproca? Tribunais Superiores tem optando por uma hermenêutica teleológica, trilhando pelo caminho mais proveitoso proveito ao cidadão. O interesse público primário dos Municípios (enquanto pessoa jurídica) conflita com o interesse secundário da dos próprios habitantes da cidade (coletividade) em ter assegurada a amplitude e modicidade de custos na fruição de serviços públicos.

PALAVRAS-CHAVE: Tributário. Administrativo. Uso privativo de bem público. Afetação ao serviço prestado por concessionárias de serviços públicos titularizados por outros entes políticos. Permissão de uso onerosa. Preço público. Tarifa. Possibilidade de cobrança.

(Payment For Private Use Of Public Property By Utilities Concessionaires)

ABSTRACT: City public property and their use by utility concessionaires of other political entities. There is legality on charge by the City-owner? Revisiting the traditional classification of public goods, as well as the legal species for the private use of such goods: common use and special use. Permission costly. Legal nature of the charge. Legal uncertainty. Tribute (tax) or public price? Derived or original revenue? For STF and STJ it is taxation. The doctrine understands that is a public price. Definition of constitutional powers, legislative and materials. Union's authority to discipline the federal public service and apparent conflict with the powers of municipalities to provide for the use of public assets of the municipality. Would be no reciprocal immunity? Courts have opted for a teleological hermeneutics, treading the path most beneficial advantage to citizens. The primary public interest Municipalities (as an individual legal) conflicts with the secondary  interest of the people themselves (community) to have secured the extent and reasonableness of costs in the enjoyment of public services.

KEYWORDS: Taxation. Administrative Law. Private Use of Public Property by utilities concessionaires. Payment.

SUMÁRIO: Introdução; Bens Públicos; A Natureza Jurídica Da Retribuição Pecuniária Pelo Uso Privativo De Bem Público; A Competência Tributária; A Permissão de Uso Onerosa; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO 

A incoerência empreendida pelo Constituinte de 1988 na falta de correspondência entre a distribuição de competência material (ônus para realização das políticas públicas) e de recursos financeiros (receitas originárias e derivadas) para arcar com essas obrigações é bastante conhecida.

Esse fato produziu institucional e politicamente uma grande dependência dos entes federativos locais em relação ao poder central (União) – e.g., a proliferação dos convênios para repasse de recursos –, o que gerou nos Estados e Municípios verdadeira corrida por obtenção de “novas” fontes de renda.

Observa-se, por exemplo, a guerra fiscal (muito combatida no Judiciário, v.g., ADI 4705 MC-REF/DF, j. 23.02.2012, Tribunal Pleno e ADI 2345/SC, j. 30.6.2011, Tribunal Pleno), e a cobrança de “retribuição pecuniária” em face de utilização de bem públicos de uso comum, notadamente vias públicas, inclusive subsolo e espaço aéreo, por concessionárias de serviços públicos (quando concedidos pelos outros entes federativos).

BENS PÚBLICOS

Adentrando ao espinhoso tema da possibilidade de instituição das referidas contraprestações pecuniárias, devemos nos preocupar, ainda que brevemente, com o regime jurídico dos bens públicos. 

Como se sabe, são assim considerados os que pertençam a quaisquer das pessoas jurídicas de direito público interno (art. 98, CC), sendo que o legislador (art. 99, CC) os classifica em: de uso comum; de uso especial e dominicais. Interessante notar que não se apresenta, contudo, qualquer conceituação dessas espécies, apenas há uma enumeração exemplificativa sobre cada qual.  

Os dois primeiros respeitam ao domínio público do estado, que a rigor não pertencem (enquanto propriedade privada) a este, mas “participam da atividade administrativa pública, encontrando-se, pois, sob o signo da relação de administração”. (MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 2009, p. 903)

Versando o caso sobre vias públicas, não restam dúvidas que se trata de bem de uso comum do povo, a que a doutrina qualifica como os que se destinam a uma fruição coletiva, de acessibilidade plena e uso por todos.[1] Diferem dos outros dois tipos por não serem valoráveis patrimonialmente, bem como indisponíveis (extra comercium).

Em respeito à titularidade, devemos considerar que apesar de não haver os Municípios sido contemplados com a partilha constitucional de bens públicos, deles não estão privados. Há vários destes bens que estão inseridos em seu domínio (público ou privado); cabe aqui utilizar subsidiariamente a mesma lógica que regra a distribuição de competências, o interesse local (art. 30, I, CF).

Nessa perspectiva, “ruas, praças, jardins públicos, os logradouros públicos pertencem ao Município”. Corrobora essa interpretação a lei de parcelamento do solo urbano (Lei 9.776/79, art. 22), segundo a qual “desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.”

A NATUREZA JURÍDICA DA RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA PELO USO PRIVATIVO DE BEM PÚBLICO

Assentadas as considerações sobre o bem público adjeto ao caso, passemos ao mérito deste case, saber se há legitimidade em instituir “retribuição mensal” para implantação, instalação e passagem de equipamentos de infra-estrutura urbana destinados a prestação de serviços públicos e privados.

Uso dos bens público pode ser comum[2] ou especial, é comum quando não há discriminação entre os usuários e prescindível de autorização estatal, sujeitando-se as pessoas apenas `as normas gerais, aplicáveis a todos – é o que ocorre, por exemplo, em relação às praias, consoante expressa determinação legal (art. 10 da Lei n. 7.661/1988). Já uso especial, se caracteriza pela sujeição do usuário a regras especificas e ao consentimento estatal, espécie do qual é o uso especial privativo, no qual a utilização implica em sobrecarga do bem, transtorno ou impedimento para a concorrente e igualitária utilização por terceiros, vez que demanda desfrute exclusivo, é o que ocorre com o espaço comprometido coma a instalação dos equipamentos necessários à adequada prestação de alguns serviços públicos, como água e esgoto (tubulação), energia elétrica e telefonia fixa.

Em respeito à referida utilização do domínio público pelas concessionárias, tratamos da modalidade de utilização especial privativa denominada permissão de uso, visto que há nivelamento de interesses, se por um lado a concessionária de serviço público visa a obter lucro com sua atividade, por outro, o Estado possui interesse em sua exploração pelo particular, haja vista que a universalidade, continuidade e higidez na prestação de serviços públicos revertem em maior qualidade de vida e, portanto, fruição de direito fundamentais para coletividade (Art. 1º, III;  2º, I e IV; 5º, XXIII e 170, III CF).

Em função desse uso privativo das vias públicas feito por determinados prestadores de serviço, na medida em que envolvem passagem de fios, dutos, tubulações e assemelhados pela via pública, seu subsolo e seu espaço aéreo, os Municípios tem instituído uma retribuição pecuniária.

Mas ao perquirirmos a higidez dessa prática, logo uma indagação surge: qual a natureza jurídica (1) de tal retribuição? Isso porque a definição da natureza jurídica atrai, como consectário, um regime jurídico próprio. Infere-se que de taxa de polícia não se trata, pois pressupondo que lidamos com uma outorga de permissão de uso, a título precário e oneroso, de vias públicas municipais incluindo os respectivos subsolos e espaço aéreo.

Não sendo receita derivada só poderia ter enquadramento na receita originária, na categoria de preço público, pela utilização de bem público, sob o regime jurídico da permissão de uso, o que, para Kiyoshi Harada não pode ser o caso, pois preço público pressupõe autonomia de vontade, que não existe na relação entre concessionárias e Prefeitura. Pelo que, em sua compreensão, o caso é de natureza nitidamente tributária, porém uma que não se subsume a nenhuma das espécies impostas aos municípios, trata-se de imposto novo, não previsto na Constituição, pelo que inconstitucional.[3] Por conseguinte, seria uma prática amplamente vedada, visto que em descompasso com a estrita competência tributária, que se interpreta restritivamente, bem como macularia também o pacto federativo.

Parece-nos, contudo, mais acertado o posicionamento de Celso Antônio, ao afirmar que:

Dita cobrança não tem natureza tributária, qualificando-se, antes, como um preço. Sua índole não é ressarcitória de transtornos ou despesas, mas remuneratória, consistindo em uma contrapartida da utilidade que dita passagem subterrânea oferece aos concessionários que dela se beneficiam.[4]

Para este jurista a retribuição teria natureza de preço público, não é o que entende o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. UTILIZAÇÃO DE SOLO URBANO. INSTALAÇÃO DE POSTES DE SUSTENTAÇÃO DA REDE DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. INSTITUIÇÃO DE TAXA DE LICENÇA PARA PUBLICIDADE E PELA EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE EM LOGRADOUROS PÚBLICOS. ART. 155, § 3º, DA CF/88. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE.

1. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto contra v. Acórdão que denegou segurança ao entendimento de ser constitucional a cobrança, por parte do Município recorrido, da taxa de exploração de logradouro público sobre a utilização do solo urbano por equipamentos destinados à transmissão e distribuição de energia elétrica para atendimento da rede pública.

2. "A intitulada 'taxa', cobrada pela colocação de postes de iluminação em vias públicas não pode ser considerada como de natureza tributária porque não há serviço algum do Município, nem o exercício do poder de polícia. Só se justificaria a cobrança como PREÇO se se tratasse de remuneração por um serviço público de natureza comercial ou industrial, o que não ocorre na espécie. Não sendo taxa ou preço, temos a cobrança pela utilização das vias públicas, utilização esta que se reveste em favor da coletividade." (RMS nº 12081/SE, 2ª Turma, Relª Minª Eliana Calmon, DJ de 10/09/2001)

3. É ilegítima a instituição de mais um tributo sobre o fornecimento de energia elétrica, além dos constantes do art. 155, § 3º, da CF/88.

4. Recurso provido.

(RMS 12258/SE, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/06/2002, DJ 05/08/2002 p. 202)

Queremos crer, entretanto, que a e. Corte comete engano, indevidamente estendendo lição distintiva dada pelo Supremo sobre taxas e preços, como asseveram Amaral e Amaral:

“Tratando-se de SERVIÇOS oferecidos pelo Estado, ensejariam a cobrança de taxa os prestados em regime de direito público, obrigatórios por natureza, enquanto seriam remunerados por preço os decorrentes de atuações “comerciais” ou “industriais”, típicas da iniciativa privada. Não quis dizer, o Pretório Excelso, que preço público é a remuneração pela prestação de um serviço público de natureza comercial ou industrial; disse, isso sim, que, em se tratando de serviços públicos, serão remunerados por preço os que tiverem natureza comercial ou industrial. Acabou por definir o chamado preço de serviço, mas não o preço.”

Preço é categoria muito mais alargada e apenas uma de suas espécies se liga à prestação de serviço público. Neste sentido, aliás, parece já haver novo entendimento da corte:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. SERVIÇO DE DISTRIBUIÇÃO DE TV A CABO. COBRANÇA PELA UTILIZAÇÃO DE SOLO, SUBSOLO, ESPAÇO AÉREO. QUESTIONAMENTO ACERCA DA

LEGALIDADE DE DECRETO MUNICIPAL.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. Os arts. 73 e 74 da Lei 9.472/97 se destinam às empresas de telecomunicações e possibilitam expressamente a cobrança de preços justos e razoáveis, além de determinarem que se observe as leis municipais relativas à instalação de cabos e equipamentos em logradouros públicos.

3. Inexistência de contrariedade ou negativa de vigência nesse particular.

4. Ausente a similitude fática entre os acórdãos recorrido e paradigma, bem como divergência na interpretação de lei federal, não merece ser conhecido o recurso pela hipótese da alínea "c" do permissivo constitucional.

5. De igual maneira, é inviável o especial em relação às teses decididas com enfoque constitucional que, além disso demandam a emissão de juízo de valor acerca de direito local.

6. Recurso especial conhecido em parte, mas não provido.

Assim, parece claro que a natureza jurídica da referida retribuição é de preço público. Não aquele advindo de atividade comercial ou industrial do Estado, mas outro, reconhecidamente existente, oriundo da utilização, por particulares, de bens públicos, de natureza semelhante ao que constitui o aluguel para a iniciativa privada – semelhança em verdade apenas econômica, visto que de regimes jurídicos absolutamente distintos.

A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Outra questão é saber se possuem os municípios competência para instituir a cobrança (2).

No que tange ao serviço publico de energia elétrica, por exemplo, existem leis federais específicas que dispõem sobre a organização dos serviços de telecomunicações (lei 9.472/97) e o regime de concessão dos serviços de energia elétrica (lei 9.427/96), criando para as respectivas agências reguladoras de cada setor, já que União possui competência exclusiva para regulamentar suas atividades – isto é, é o poder concedente.

 Desse fato, deduzem alguns, que impedida estaria a instituição de contribuições a incidir sobre estas atividades pelos Municípios. Diferente é o entendimento de Vanêsca Buzelato Prestes:

(...) não obstante ser da União a competência para dispor sobre a exploração, autorização, concessão ou permissão dos serviços, isto não implica que os mesmos possam ser prestados sem o cumprimento de regras básicas dos Municípios nem tampouco utilizando o espaço público municipal sem o devido licenciamento e, quiçá, a contraprestação remuneratória cabível.[5]

O mesmo fundamento, pois, volta contra aquele que o argüira, já que da mesma forma como os Municípios não possuem competência para legislar sobre as concessões federais, não possui a União competência para dispor sobre a utilização dos bens municipais.

É dizer, não há qualquer conflito de competências: à União cabe, com exclusividade, dispor sobre as concessões dos serviços públicos de sua alçada e aos Municípios compete, com exclusividade, dispor sobre seus bens e sobre o planejamento, uso e ocupação de seu solo, subsolo e espaço aéreo (Art. 30, I e VIII e 182, CF).[6]

Há ainda autores que defendem sobre um terceiro fundamento (3), haver uma “regra da gratuidade” em favor dos serviços públicos, motivo pelo qual seria inviável a cobrança de qualquer retribuição pela instalação destas redes. Contrários a este entendimento, outros juristas invocam a compreensão consolidada de que a intributabilidade (rectius, imunidade) recíproca não se aplica à hipótese, porquanto aplicável o art. 150, § 3º da Constituição, fazendo com que as concessionárias de serviços públicos, no exercício de suas atividades típicas, se não são imunes nem aos impostos, o que se dirá, então, de suas redes de infra-estrutura em relação aos preços.

A PERMISSÃO DE USO ONEROSA

Mais um argumento contrário (4), a não possibilidade de instituição de permissão de uso onerosa é largamente contraditado em doutrina, entendendo-se que o “Município pode ser até mesmo compelido judicialmente a ceder o domínio ou o uso de seus bens para viabilizar o funcionamento de um serviço público federal, por meio de desapropriação ou constituição de servidão administrativa, mas não gratuitamente”.[7] Pois, se até o uso comum de bem de uso comum pode ser remunerado (e.g., pedágios), a fortiori, seu uso especial também pode sê-lo.

E no sentido da legalidade da retribuição devida pelo uso especial privativo do bem público pelas concessionárias de serviço público alguns acórdãos já apontam esse posicionamento, apesar de sua reiterada reforma pelo STJ, como exemplo:

“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. TAXA MUNICIPAL PELA INSTALAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE POSTES NAS REDES DE ENERGIA ELÉTRICA. PRELIMINARES DE INCABIMENTO DO MANDAMUS. ATO NORMATIVO REVESTIDO DE EFEITOS CONCRETOS. PROVA PRÉ- CONSTITUÍDA. MATÉRIA DE DIREITO. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. USO DO SOLO URBANO. FIXAÇÃO DE TARIFA. CONSTITUCIONALIDADE. AUTONOMIA MUNICIPAL. ORDEM DENEGADA. DECISÃO POR MAIORIA.

- Em face da autonomia Municipal, estabelecida nos arts. 18 e 29 da Constituição Federal, têm os Municípios poder e competência para legislar sobre impostos, taxas e tarifas públicas.

- A imunidade de que trata a Constituição Federal no §3º, do art. 155, é de natureza tributária e a retribuição cobrada, com base na Lei Municipal impugnada, não tem caráter de tributo, mas de tarifa, que difere de taxa.

- Assim, o fato gerador da cobrança, previsto na Lei Municipal, é de natureza administrativa e não tributária, uma vez que visa fixar o preço público par o uso do solo municipal, no exercício de suas atribuições constitucionais”. (Tribunal de Justiça do Sergipe, Mandado de Segurança 023/99, Ac. Nº 341/2000, Rel. Des. José Antônio de Andrade Góes).

“ADMINISTRATIVO. MUNICIPIO. BENS PUBLICOS. USO POR CONCESSIONARIA DE DISTRIBUICAO DE ENERGIA ELETRICA. CARATER ONEROSO. POSSIBILIDADE.

1. O Município, que se organiza pelas leis locais, respeitados os limites da Constituição, não se obriga a observar o art. 151, a, do cód. de águas (dec. 24.643/34), que institui servidão de bens públicos a favor das concessionárias de distribuição de energia elétrica. Este texto não se harmoniza com as atuais competências legislativas da União, exceção feita aos seus próprios bens. Entretanto, é vedado ao chefe do Executivo, via decreto, legislar sobre a permissão de uso dos bens públicos de uso comum do povo, que, na verdade, haja vista a estabilidade e o caráter oneroso, representa verdadeira concessão, porque tal assunto é reservado a lei em sentido formal. Se a distribuidora de energia elétrica cobra do

Município o valor relativo ao seu consumo, a exemplo da iluminação pública, não pode arrogar-se o uso gratuito dos bens municipais com base na concessão obtida da União. 2. Apelação desprovida”. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70003683588, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 06/03/2002)

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS MUNICIPAIS. USO POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. REMUNERAÇÃO. LEGITIMIDADE DE COBRANÇA DE TARIFA.

 É legítima a cobrança de remuneração - preço público - pelo uso de bem público, ainda que de uso comum do povo, quando há utilização privativa de porção, como é o caso da que realiza concessionária de distribuição de energia elétrica. Autorizada a cobrança por lei, sequer a resistência quanto à forma e competência se faz presente. APELAÇÃO PROVIDA POR MAIORIA”. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70006798805, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Janyr Dall'Agnol Júnior, Julgado em 10/03/2004)

CONCLUSÃO

Por fim, ao nosso sentir, os argumentos contrários à instituição desta retribuição não merecem, prosperar: a natureza jurídica da retribuição é preço público (1); o Município possui competência para instituir a cobrança (2); a União não possui competência para legislar sobre a disponibilidade dos bens públicos municipais; as concessionárias de serviços públicos não são favorecidas por qualquer regra implícita de gratuidade, não são imunes sequer aos impostos (percebem tarifas), e, portanto, muito menos em relação aos preços (3); pacifica é a possibilidade de o poder público instituir permissão de uso não graciosa (4).

Todavia, não é esse o entendimento que vêm perfilhando os Tribunais Superiores, para os quais referida cobrança é indevida. Nesse sentido:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. COBRANÇA DE RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA PELA INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. BEM PÚBLICO DE USO COMUM DO POVO. INCONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO (ART. 22, IV, DA CF/88). PRECEDENTE DO PLENÁRIO: RE 581.947/RO.

 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 581.947/RO, rel. Min. Eros Grau, DJe 27.08.2010, firmou o entendimento de que o Município não pode cobrar indenização das concessionárias de serviço público em razão da instalação de equipamentos necessários à prestação do serviço em faixas de domínio público de vias públicas (bens públicos de uso comum do povo), a não ser que a referida instalação resulte em extinção de direitos.

2. O Município do Rio de Janeiro, ao instituir retribuição pecuniária pela ocupação do solo para a prestação de serviço público de telecomunicações, invadiu a competência legislativa privativa da União (art. 22, IV, da CF/88). Precedente.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 494163 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 22/02/2011)

TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. USO DO SOLO MUNICIPAL PARA SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA. COBRANÇA. ILEGALIDADE.

1. Não pode o município cobrar pelo uso do solo, se o serviço se destina a comunidade municipal.

2. A intitulada "taxa", cobrada pelo uso de vias públicas - solo, subsolo e espaço aéreo - para instalação de equipamentos que permitem a prestação dos serviços de fornecimento de gás, não pode ser considerada de natureza tributária porque não há nenhum serviço do Município, nem o exercício do poder de polícia. Ademais, somente se justificaria a cobrança como "preço" se se tratasse de remuneração por serviço público de caráter comercial ou industrial, o que não ocorre na espécie.

3. Agravo Regimental provido.

(AgRg no REsp 1195374/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/11/2010)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.   RECURSO ESPECIAL.  EXPLORAÇÃO DO SERVIÇO TELEFÔNICO. PREÇO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA. INSTITUIÇÃO POR DECRETO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE PODER DE POLÍCIA OU SERVIÇO PÚBLICO. PREÇO PÚBLICO. USO DE BEM PÚBLICO. CONCESSÃO. INEXISTÊNCIA DE SERVIÇO COMERCIAL OU INDUSTRIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.

1. A entitulada "taxa", cobrada pelo uso de vias públicas, inclusive, solo, subsolo e espaço aéreo, para a instalação de equipamentos que permitem a prestação dos serviços de telecomunicações, não pode ser considerada como de natureza tributária porque não há serviço algum do Município, nem o exercício do poder de polícia, além do fato de que somente se justificaria a cobrança como "preço" se se tratasse de remuneração por um serviço público de natureza comercial ou industrial, o que não ocorre na espécie. Precedentes da Corte: REsp 802.428/SP, DJ 25.05.2006; REsp 694.684/RS, DJ 13.03.2006; RMS 12.258/SE, DJ 05.08.2002; RMS 11.910/SE, DJ 03.06.2002; RMS 12081/SE, DJ 10.09.2001.

2. Mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por concessionária de serviço público de telefonia fixa, contra ato de Secretário da Fazenda Municipal, consubstanciado na cobrança de retribuição pecuniária mensal, instituída pela Lei Municipal nº 1964/01, editada em 31.12.2001, pelo uso de vias públicas, inclusive, solo, subsolo e espaço aéreo, para a instalação de equipamentos que permitam o cumprimento da prestação dos serviços de telecomunicações.

3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

4. Recurso especial provido.

(REsp 881.937/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008)

O STF e o STJ tem se posicionamento sob a matéria sob uma perspectiva de proveito ao cidadão, isto é, o bem público, em que pese o bem de domínio municipal estivesse sendo utilizado privativamente por determinada pessoa, estaria afetado a um serviço público e, portanto, de notável relevância proveito coletivo. De sorte que haveria apenas oneração da atividade desempenhada pela concessionária de serviço público, a qual, por inafastável lógica econômica, seria repassada aos usuários do serviço (cidadãos em geral), em descompasso com a própria diretriz legal de modicidade das tarifas (art. 175, III, da CF/88 e arts. 6º, § 1º, e 11 da Lei nº 8.987/1995).

Em suma, trata-se de nítido caso em que o interesse público secundário – do estado enquanto pessoa jurídica (in casu, Municípios) – conflita com o interesse público primário, a amplitude da prestação dos serviços públicos e a modicidade de seu custo.

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Notas:


[1] Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, Lumen Juris, 2005. p.878.

[2] Admissível apenas em relação a bens de uso comum ou de uso especial. Ao uso privativo estão sujeitos todos, além desses também os dominicais.

[3] Kiyoshi Harada. Utilização do subsolo e do espaço aéreo municipal. Inconstitucionalidade da cobrança de "retribuição mensal". Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 100, 11 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4396>. Acesso em: 14 out. 2009

[4] Utilização da faixa de domínio de rodovia mediante passagem subterrânea de cabos ou dutos – possibilidade de cobrança, RTDP 31, Malheiros Editores, São Paulo, 2000, pp. 90/96.

[5] Considerações jurídicas sobre as redes de infra-estrutura subterrânea na experiência de Porto Alegre. in Redes de Infra-Estrutura e Gestão Municipal – A Experiência de Porto Alegre. http://www2.portoalegre.rs.gov.br/pgm/default.php?p_secao=13>. Acesso em: 14 de outubro de 2009.

[6] Amaral e Amaral, Sobre o uso privativo de bens públicos de uso comum do povo, vide site http://www.idenc.org.br/artigos/Artigo Uso Remunerado dos Bens Públicos_124413.pdf, acessado em 14 de outubro de 2009.

[7] Uso do espaço urbano por concessionárias de serviços de telecomunicações, RDA 223, Rio de Janeiro, jan/mar 2001, p. 29. No mesmo sentido Carlos Ari Sundfeld e Celso Antonio Bandeira de Mello.

Quanto aos bens de uso comum do povo podemos afirmar que?

- Bens de uso comum do povo: são bens do Estado, mas destinados ao uso da população. Ex.: praias, ruas, praças etc. As regras para o uso desses bens será determinada na legislação de cada um dos entes proprietários.

É permitido o uso privativo de bens de uso comum do povo?

Os bens de uso comum ou de uso especial são excluídos do comércio jurídico privado, por terem finalidades especificamente públicas e, portanto, não podem ser regidas pelo direito privado.

É possível a utilização gratuita de bens de uso especial?

Não será possível a utilização do bem, uma vez que, em se tratando de bem público de uso especial, deve ser utilizado privativamente pela administração pública direta, empresa pública ou sociedade de economia mista.

Quanto à destinação os bens públicos Classificam

Quanto à destinação, os bens públicos classificam- se em bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais ou dominiais. II. Os bens dominicais ou dominiais são aqueles que visam à execução dos serviços administrativos e dos serviços públicos em geral.