O exemplo mais conhecido de sua literatura sacra é o soneto A Jesus Cristo Nosso Senhor. Numa curiosa dialética, o poeta apela para a infinita capacidade de Cristo em redimir os piores pecadores, alegando que a ausência de perdão representaria o fim da glória divina. Trata-se, pois, de um poema simultaneamente contrito e desafiador, humilde e presunçoso. Show Baseia-se numa passagem do Evangelho de S. Lucas, precisamente no capítulo 15, versículo 2 a 7, onde Jesus Cristo conta-nos a parábola (uma narrativa curta que transmite um conteúdo moral) da ovelha perdida e conclui dizendo que ´´há grande alegria nos céus quando um pecador se arrepende de seus pecados.`` Comentários sobre o poema Para receber o conteúdo completo (análise do poema), entre em contato através do e-mail: [email protected] A estrutura formal desse soneto de Gregório de Matos apresenta o esquema de rimas interpoladas nos quartetos (ABBA ABBA) e emparelhada nos tercetos (CDE CDE), com versos decassílabos (predominantemente heróicos). Decassílabos são os versos de dez sílabas poéticas, também chamado de ´´medida nova``, pois foi muito utilizado durante o Renascimento em oposição às redondilhas medievais, chamadas de ´´medida velha``. A estrutura do soneto permite escrever um modelo de tese e antítese, seguidas de uma conclusão, expressa no último terceto ou no último verso desse terceto, a chamada ´´chave-de-ouro``. Gregório de Matos exemplifica de forma brilhante aquilo que chamamos de conceptismo barroco: através de uma tese, uma afirmação – a da consciência do pecado – a que se segue uma antítese, uma contradição à tese (Pequei, Senhor – tese; mas não porque hei pecado / Da vossa alta clemência me despido – antítese), o poeta chega à síntese, isto é, à unidade da tese com a antítese, provando que o fato de ser pecador deve garantir a ele o perdão de Deus. Na primeira estrofe, por exemplo, o elo entre tese e antítese – consciência do pecado e busca da salvação – é a idéia de que quanto mais há pecados mais há empenho, da parte de Deus para o perdão. Por quê? A explicação está na segunda estrofe, onde o poeta coloca a questão fundamental para a compreensão do poema: trata-se do seu maior argumento, a do arrependimento. Através dele – “o gemido” do pecador – toda a ira de Deus se abranda, e conseqüentemente a mesma culpa que gerou tanta ira, transforma-se em motivo de salvação. Não podemos esquecer, entretanto, que este argumento é hipotético, é um argumento que no fundo questiona Deus, inclusive através da citação do Evangelho. (veja a terceira estrofe). Finalizando, podemos dizer que, de acordo com o poema, se Deus é Deus, ou seja, se a Sacra História (perífrase = bíblia; o poeta constrói um intertexto ) é verdadeira, se a volta de uma ovelha desgarrada ( metáfora de pecador) é motivo de glória e prazer, o poeta identifica-se com a ovelha, merecendo, portanto, a salvação. Os dois últimos versos não só concluem de forma excepcional as argumentações que verificamos, mas também chegam a usar como forma de persuasão a “chantagem”: Cobrai-a, e não queiras , Pastor divino ( perífrase = Cristo) / Perder a vossa ovelha a vossa glória, ou seja, só existe salvação se existir o pecador, se existir o que está perdido. O salvador também depende do pecador. O poema é predominantemente conceptista, dada a estrutura lógico-argumentativa, o jogo de idéias e o emprego da parábola. Porém, as inversões sintáticas (hipérbato), as antíteses, o requinte vocabular e a sugestão sonora do ´´gemido`` também associam o texto ao cultismo. ; Rompe o poeta com a primeira impaciência querendo declarar-se e temendo perder por ousado
Quem veria uma flor, que a não cortara De verde pé, de rama florescente? E quem um Anjo vira tão luzente, Que por seu Deus, o não idolatrara? Se como Anjo sois dos meus altares, Fôreis o meu custódio, e minha guarda Livrara eu de diabólicos azares. Mas vejo, que tão bela, e tão galharda, Posto que os Anjos nunca dão pesares, Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
Uniformar: converter em uma só forma coisas diversas. Rama: ramos e folhagens de árvores. Luzente: brilhante. Idolatrar: adorar, amar cegamente. Custódio: anjo da guarda, protetor. Diabólico: funesto, terrível, satânico. Azar: agouro, infelicidade, desgraça. Galharda: garbosa, esbelta, elegante Pesar: desgosto, mágoa, tristeza. Tentar: provocar, seduzir, instigar para o mal.
Comentários sobre o poema Para receber o conteúdo completo (análise do poema), entre em contato através do e-mail: [email protected] O esquema rimático é: ABBA / ABBA / CDC / DCD. Quanto à disposição ou ligação entre os versos, nas quadras: rima interpolada entre o primeiro e o quarto versos (porque entre os dois versos que rimam há mais do que um de rima diferente) e emparelha entre o segundo e o terceiro versos (rimam dois a dois); nos tercetos, a rima é cruzada (porque entre os dois versos que rimam há apenas um de rima diferente). Quis o poeta embarcar-se para a cidade e antecipando a notícia à sua senhora, lhe viu umas derretidas mostras de sentimento em verdadeiras lágrimas de amor. Ardor em coração firme nascido!
Porfia: insistência, perseverança, obstinação. O texto apresentado é um soneto lírico de Gregório de Matos. Os versos, quanto ao número de sílabas, são decassílabos heróicos (sendo o primeiro verso decassílabo sáfico) e o esquema rimático obedece a seguinte formação: ABBA ABBA (rimas intercaladas nos quartetos) CDC DCD (rimas alternadas nos tercetos). Para receber o conteúdo completo (análise do poema), entre em contato através do e-mail: [email protected] Atividades propostas 1) Quais são os dois elementos da natureza que se opõem e representam as contradições que o sentimento amoroso desperta no eu lírico? a) O que cada um deles simboliza no poema? b) Nas duas primeiras estrofes, quais são as imagens e metáforas utilizadas pelo eu lírico para fazer referência a esses elementos? 2) Releia. “Incêndio em mares de água disfarçado; Rio de neve em fogo convertido:” a) Qual é a figura de linguagem que indica a tensão entre os opostos? Explique. b) Há outros exemplos dessa figura no poema? Quais? c) O Barroco apresenta não apenas o confronto dos opostos, mas também sua fusão ou aproximação. Como ela pode ser observada nos versos transcritos? 3) Quem é o interlocutor a que o eu lírico se refere na segunda e na terceira estrofe? a) Como ele é caracterizado? b)Qual é o questionamento feito pelo eu lírico nesses versos? 4) No soneto, vemos a habilidade de Gregório de Matos em trabalhar a linguagem para conciliar os opostos. Releia os versos a seguir, observando os trechos destacados em negrito e em itálico. “Se és fogo, como passa brandamente, Se és neve, como queimas com porfia?” “Como quis que aqui fosse a neve ardente, Permitiu parecesse a chama fria.” a) No início do poema, o eu lírico apresenta a oposição entre o calor e o frio, o fogo e a água, a paixão e a contenção (ou refreamento). Explique de que maneira os dois primeiros versos transcritos acima encaminham a fusão que ocorrerá entre esses elementos opostos no fim do poema. b)As expressões destacadas nos dois últimos versos são paradoxos, construídos a partir da oposição dos mesmos elementos: frio x calor; fogo x neve. Elas encerram o mesmo sentido? Por quê? c) Considerando que a neve simboliza a prudência/o controle e o fogo, a paixão, qual o significado no contexto do poema, das expressões “neve ardente” e “chama fria”? 5) O eu lírico afirma que o Amor “temperou” sua tirania. De que maneira isso foi feito? Por quê? Neste poema está mais evidente a presença da contradição do sentimento amoroso para os poetas barrocos. O eu lírico aqui contrapõe principalmente dois elementos extremamente contraditórios por sua própria natureza, o fogo e o gelo, para falar do que sente pelo ser amado. O poema se inicia mostrando a causa e o efeito de um conflito. Na primeira estrofe, o poeta caracteriza seus sentimentos. O sofrimento é nitidamente evidenciado ao colocar como sinônimo de amor ardor (fogo, paixão impetuosidade) e pranto( derramamento, fragilidade, tristeza). A causa – ´´ardor`` – nasce em firme coração, lugar seguro, impenetrável pela observação. No segundo verso, o efeito se exterioriza: ´´ Pranto por belos olhos derramados``. O exagero sentimental nesses dois primeiros versos se faz com a utilização da hipérbole. Os dois versos que se seguem têm as palavras iniciais ´´incêndio``, que retoma ´´ardor``, e rio, que retoma pranto, e apresentam um jogo de oposições que revelam as contradições de um dado sentimento – uma relação interna de contrários denominada paradoxo: ´´Incêndio em mares de água disfarçado!``(que constitui também uma metáfora de lágrimas) e ´´Rio de neve em fogo convertido!`` Simetricamente aos dois primeiros versos do poema decorrem os dois primeiros versos do segundo quarteto. A causa é sempre oculta e vem expressa no adjetivo ´´escondido``(v.5) e o efeito vara o círculo da contenção interna para um caráter externo.O efeito concreto de uma causa oculta seria ´´em um rosto corres desatado.`` Os últimos versos do segundo quarteto condensam as ideias anteriormente expressas, repetindo o jogo de oposições: fogo, em cristais aprisionado; cristal, em chama derretido. No seu conjunto estes dois quartetos podem ser vistos como uma espécie de descrição de um sentimento contraditório. O poeta sente e descreve o que sente. Os dois primeiros versos do primeiro terceto se abrem, significativamente, com uma condição Se és fogo (v.9) e Se és neve (v.10) e se fecham por um questionamento: ´´como passas brandamente?`` e ´´como queimas com porfia?``. Podemos dizer que o poeta passa a investigaras as contradições provocadas pelo sentimento amoroso. Ao questionar a contradição extrema que há entre estes dois versos, o eu lírico aproxima os elementos que se fundirão em uma única expressão. O poeta conclui o soneto apresentando a razão da natureza contraditória do sentimento que o domina. A prudência, que para suavizar, ou melhor, disfarçar a tirania do Amor: ´´quis que aqui fosse a neve ardente, Permitiu, parecesse a chama fria``( um sentimento contido contra a paixão que ameaçava dominá-lo). Embora sejam construídas a partir da oposição dos mesmos elementos, temos uma inversão na posição de cada um deles: ´´neve ardente``, em que o primeiro elemento refere-se ao frio e o segundo ao calor, em ´´chama fria``, temos primeiro a referência ao calor e depois ao frio. Ambos são paradoxos que encaminham a fusão completa entre os opostos. A bipolaridade é uma técnica barroca: tomam-se dois elementos, complementares ou contrários, que vão sendo comentados até trazerem uma conclusão: o amor é comparado ao mesmo tempo ao fogo e à água. O fogo – retomado como ´´ardor, incêndio, abrasar, chamas, queimar, temperar, ardente`` – é contraposto, em cada verso, à água – retomada como ´´pranto, derramar, mares, rio, neve, lágrimas, fria``. Gregório de Matos percebe o mundo principalmente através dos sentidos: o ardor é uma sensação térmica, assim como o fogo; a água e a neve também dão ideia de temperatura, embora oponham-se pelo tato (uma é líquida, a outra é sólida); o pranto e o mar, elementos que pelo tato percebemos serem líquidos e que pelo paladar percebemos serem salgados, opõem-se a rio e neve, que são insípidos. O processo de percepção sensorial e afetiva do universo é bastante comum na literatura barroca e recebe o nome de cultismo. Texto IDesenganos da vida humana, metaforicamente
Lisonjeado: agradado, satisfeito. Airoso: gracioso, elegante. Presumido: arrogante, vaidoso. Soberba: orgulho desmedido. Galeota empavesada: embarcação enfeitada. Sulcar: cortar. Ufano: que se sente orgulhoso, honrado. Fênix: na mitologia, ave imortal que renasce das cinzas. Galhardia: elogio, elegância. Aprestar: preparar. Alento: ânimo, coragem. Penha: rocha, pedra. Desatada: desprendida, solta. Púrpura: cor vermelha. Apresta: verbo aprestar, preparar rápido. Alentos preza: gostar de receber elogios. Nau: navio. Comentários sobre o poema Para receber o conteúdo completo (análise do poema), entre em contato através do e-mail: [email protected] Exemplar espelho da técnica cultista ( jogo de palavras), o poeta Gregório de Matos trabalha a temática dos estados contraditórios da condição humana e a vaidade da vida material. Na forma, percebe-se toda a herança do Renascimento: um soneto clássico de versos decassílabos (a ´´medida nova`´ dos renascentistas servindo de pano de fundo para o tema de reflexão moral), com rima em ABBA ABBA CDC DCD, no melhor estilo petrarquiano. Começando pela análise do título (longo e explicativo), sabemos que o texto vai tratar das desesperanças da vida humana. Desengano é desilusão; desesperança. Somos desenganados quando sabemos que não resta mais nada a fazer para que algo ruim deixe de acontecer. Essas desilusões da vida humana serão abordadas de forma metafórica no texto. O poeta usou nesse soneto três metáforas para a vaidade: ´´rosa``, ´´planta`` e ´´nau``. A metáfora (provém do grego meta: mudança, + phora: transporte) é uma figura de linguagem em que se emprega um termo por outro, mantendo-se entre eles uma relação de semelhança; é uma ´´comparação abreviada``. Utilizando-se de disseminação e recolha (conceitos e palavras espalhados ao longo das estrofes e retomados na última), o eu lírico, em tom exortativo, dirige-se a um vocativo, ´´Fábio``, chamando-lhe a atenção para a efemeridade existencial; inútil a vaidade, pois, sendo esta, metaforicamente, rosa matinal, planta na primavera e barco, encontrará, respectivamente, e de modo inexorável, a tarde, o machado e o penhasco, índices inquestionáveis de sua destruição. Logo no primeiro verso, uma figura de linguagem é apresentada através da inversão da ordem direta dos termos da oração (hipérbato): ´´É a vaidade, Fábio, nesta vida``. Na ordem direta, ficariam assim: Fábio, nesta vida, a vaidade é. A expressão ´´nesta vida`` (adjunto adverbial) define a circunstância sobre a vaidade: é uma desilusão da vida humana, terrena, desta vida e não da outra, eterna, celestial. Primeiramente, são mostradas as qualidades de cada um desses elementos metafóricos através de uma gradação crescente. Como a rosa, a vaidade ´´rompe airosa``(elegante); como planta, favorecida pelo mês de abril (quando é primavera na Europa), ela segue rapidamente, feito uma ´´galeota empavesada``; e, como uma nau ligeira, preza alentos e galhardias (elogios e elegâncias). No último terceto, o poeta lança uma adversidade, uma contrariedade, realçando o conflito existente no texto (emprego da conjunção adversativa ´´mas``). Retoma todos os elementos comparativos, dispostos agora na ordem inversa (gradação decrescente): a penha (pedra) destrói a nau, assim como o ferro (o emprego de ´´ferro`` por ´´machado``, isto é, a matéria pelo objeto: metonímia) destrói a planta, e a tarde (o tempo que passa) destrói a rosa. Texto I -->A lição barroca é clara: de que adianta ao homem encher-se de vaidade, se a morte o aguarda, e diante da morte tudo vira nada? Observe que esse poema cristaliza o conflito barroco: de um lado estão os prazeres da vida e o desejo de gozá-los; de outro, a certeza da morte e do fim de tudo. A conclusão a que se chega, portanto, é que a vaidade é frágil e efêmera. O poema, embora de natureza filosófica, acaba por levar a uma saída religiosa, não explícita: já que não tem valor o corpo, porque tudo passa e o corpo envelhece, o melhor é mesmo cuidar das coisas do espírito, da salvação. Como saber quem é o eu lírico de um poema?eu lírico é a voz que enuncia o poema. Pode ser mais próximo ou mais distante do autor, mas jamais deve ser confundido com o poeta.
O que o eu lírico descreve nos versos?O eu lírico descreve o ambiente externo e os seus sentimentos para convencer a amada a deixá-lo ficar em sua companhia.
Como se escreve eu lírico?Existem outras denominações, como eu poético e sujeito lírico, mas o termo mais conhecido e divulgado é este: eu lírico. Esse termo designa uma espécie de narrador do poema, e assim seria chamado se não estivéssemos falando dos textos literários, sobretudo do gênero lírico.
Qual a principal contradição do poema?c) Qual a principal contradição do poema? A de que quanto mais o poeta comete pecados, mais o Senhor deve perdoá-lo para que Ele não perca a sua ovelha (o poeta). Quanto maior for o pecado cometido, tão maior deve ser o poder de Deus para perdoá-lo.
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