A tecnologia auxiliando o meu projeto de vida

“A gente tem que entender que a tecnologia está aí e que nós devemos usá-la da melhor forma possível”. A educadora Ana Paula Marolla, formadora na Secretaria de Educação de São Paulo e na EFAPE (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo), se dedica a auxiliar professores e professoras na inserção de tecnologias em seus cotidianos.

Com o retorno ao presencial, algumas práticas envolvendo a tecnologia poderão continuar existindo, mesmo num mundo onde as aulas online não são mais uma constante. Entre as muitas possibilidades de uso das tecnologias, estão as que auxiliam o trabalho de coordenação de equipes pedagógicas. Fundamental para o andamento da aula, os professores e as professoras que antes usavam papel, cadernos e diários de classe físicos, podem se apropriar de alguns elementos digitais para facilitar a rotina e garantir que seu tempo será mais bem aproveitado com outras demandas.

Com a chegada da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e do Novo Ensino Médio, professores e estudantes serão estimulados a trabalhar de forma colaborativa. Saber como cada turma ou projeto está progredindo demanda tempo e organização. Eles mudam de acordo com o professor ou estudantes envolvidos e garantir que a almejada personalização se torne realidade demanda cruzar agendas, o que fica mais fácil quando a tecnologia está presente.

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Desde o início da pandemia, é tarefa da professora Ana Paula coordenar os processos de formação de docentes no uso de ferramentas digitais como, por exemplo, o Microsoft Teams, os recursos online do Centro de Mídias e planilhas eletrônicas. No caso da organização, a professora trabalha com o Planner, que pode servir para gerenciar tanto trabalhos em equipe, organizar tarefas, como também funcionar individualmente para que o professor ou professora tenha sua rotina documentada.

As novas demandas exigidas pelo contexto de pandemia também alteraram a relação dos educadores e educadoras com as ferramentas digitais.  “A tecnologia deverá estar mais presente do que antes na ação educacional, sendo utilizada de modo mais intenso, tanto para promover aprendizagem (ampliação e enriquecimento de recursos e transformação das práticas que integrarão a tecnologia como forma de produção de conhecimento por parte dos alunos), quanto para organizar o trabalho docente e da escola”, ressalta a professora Ana Kuller, especialista em educação do Senac São Paulo.

Para ela, tanto as aulas expositivas, quanto o foco em livros didáticos ou reprodução de conteúdo tendem a ter menos espaço. Formas mais colaborativas, que colocam o aluno como protagonista e produtor de conhecimento, devem emergir e se consolidar. Assim como o fortalecimento do uso dessas ferramentas digitais que organizam a vida do professor.

A formadora Ana Paula ressalta que durante seus processos de formação, é comum que os trabalhos sejam iniciados em um nível introdutório e, em seguida, passem para aspectos mais detalhados de uso.

Apesar da possibilidade de facilitar a rotina dos professores, ela aponta que ainda há resistência ao uso de determinadas ferramentas digitais, seja pela falta de estrutura, seja pela falta de interesse.

No caso do Planner, por exemplo, Ana Paula aponta que quando há a possibilidade de uso integrado a outros aplicativos – como o Teams, por exemplo – é mais fácil que os docentes se engajem com a ferramenta de maneira orgânica. Porém, ao precisar usar mais de um aplicativo, em diferentes plataformas, muitos deixam de lado certos recursos que facilitariam o trabalho.

A própria SEDUC-SP utiliza o Planner para organizar as diferentes atividades que realiza na rede. Ana Paula diz que, devido ao grande número de escolas, e principalmente de profissionais que dialogam entre si, ter uma ferramenta digital de organização facilita muito.

Um desafio que está além da dificuldade que alguns docentes enfrentam no uso das ferramentas é também o de se dispor a utilizá-las, pontua Ana Paula. O mais difícil, enquanto formadora, é convencer os educadores que eles precisam sair da zona de conforto.

Mesmo que antes da pandemia houvesse uma organização e rotina estabelecidas, com muitos educadores e educadoras precisando ir a três ou mais escolas por dia e já com um horário fechado, a nova realidade impôs uma forma diferente de reorganizar os tempos.

“A gente tem que estudar, a gente tem que procurar ferramentas que nos ajudem, mesmo que para aprender essa ferramenta, para chegar num uso contínuo e que seja uma coisa fluida, precise demorar um certo tempo” diz a educadora.

Os professores e professoras podem ter uma organização própria de trabalho que, por vezes, pode ser difícil de transpor para a tecnologia. Porém, com o avanço do uso da tecnologia, muitos desses processos precisam levar em consideração a maneira como os próprios estudantes utilizam essas ferramentas.

“Hoje em dia, se a gente não se adaptar à linguagem do aluno e também aos meios que o aluno utiliza, a gente acaba perdendo ele, porque ele perde o interesse. Então a questão do organizar também é com relação a isso. Não só a organização de conteúdos, mas a organização de como utilizar tal ferramenta”, afirma Ana Paula.

Ana Kuller compartilha do mesmo entendimento. Para a especialista, é necessário que os educadores busquem aprofundar o conhecimento sobre recursos e funcionalidades dos diferentes aplicativos e ir registrando esse avanço. Com esses registros, ficaria mais fácil obter insights e pensar em possíveis melhorias.

“Conhecer as funcionalidades e o modo de operação das ferramentas é importante, mas um ótimo caminho para a incorporação destas ferramentas no cotidiano é por meio da troca de experiências entre os próprios professores, que ao compartilharem suas práticas e os usos que fazem das mesmas, geram um interesse e engajamento que faz com que as funcionalidades ganhem sentido no contexto do uso”, diz.

A criação de um ambiente em que estudantes e professores se sintam à vontade para compartilhar o que pensam e o que sentem é essencial para o trabalho com Projetos de Vida no Novo Ensino Médio. Isso é mais fácil de ser feito no presencial, mas também pode acontecer no contexto do ensino híbrido, assim como no remoto.

O trabalho com Projetos de Vida deve explorar temas a partir da realidade dos alunos, segundo Daniellen Zwierzynski, diretora de programas bilíngues da Conexia Educação. “O ensino híbrido favorece muito esse aspecto. Isso acontece quando trabalhamos um assunto específico do tema mundo do trabalho, onde apresentamos o conteúdo a partir de vídeos, textos, charges e os alunos montam uma representação imagética.”

O programa “My Life”, da Conexia Educação, por exemplo, trabalha Projetos de Vida de forma digital. “Apresentamos no aplicativo a parte de problematização e os recursos que embasam o tema e a partir daí os alunos trabalham, de forma colaborativa, presencialmente ou até mesmo em grupos online”, explica Daniellen.

É importante garantir que as aulas apoiem os jovens a avançar na construção e na consolidação de seus projetos de forma inclusiva, envolvendo todos nos processos, segundo Samuel Andrade, líder da Frente de Materiais Pedagógicos do Instituto Iungo.

“É essencial respeitar a diversidade e a diferença da turma. Quando planejar como envolver os estudantes no contexto híbrido, a escola não pode deixar de levar em conta aspectos relacionados ao acesso às tecnologias digitais, acesso à internet, com cuidado para não propor atividades que vão incluir alguns e deixar outros de fora.”

Outra questão importante é pensar quais tipos de atividades e percursos formativos funcionam melhor no contexto presencial, quais podem funcionar bem no contexto remoto e quais se beneficiam da lógica híbrida.

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“Para isso, é importante conhecer a turma, quem são os estudantes, como eles estão no processo de construção dos seus Projetos de Vida, na forma como conhecem a si mesmos e olham para o mundo ao redor. Tudo isso é muito fundamental para os educadores construírem bons planejamentos de trabalho.”

Projetos de Vida tendem a tocar em assuntos particulares dos jovens, de acordo com Samuel, relacionados à família, às relações com outras pessoas e com outros territórios, a seus futuros profissionais, a suas crenças religiosas e aos seus valores.

“Por isso, é tão importante que se crie um ambiente de diálogo e abertura. No contexto remoto, já ouvimos muitos relatos de estudantes que se sentiam desconfortáveis de falar sobre alguns assuntos quando estavam em casa, por não sentirem que gostariam de compartilhar isso com as pessoas que estavam em casa, de saber que algumas pessoas que estariam lá poderiam ouvir suas falas. Isso, em alguns momentos, pode ter travado a realização de algumas atividades. Estes são cuidados que se deve ter quando se pensa no trabalho com Projetos de Vida no ensino híbrido”, reforça Samuel.

Escolhas
Os Projetos de Vida falam sobre o processo de escolha de cada jovem.  Estas escolhas, segundo Samuel, não se dão apenas no âmbito profissional, mas também no pessoal e social.

“Mais do que falar sobre o que cada um quer ser no futuro, quando falamos de Projetos de Vida, falamos sobre como cada um quer viver, de acordo com seus interesses, valores, com aquilo que cada um acredita que é bom para si. Para que isso ocorra, é preciso que cada um conheça a si mesmo e também conheça sua comunidade, seu território, o mundo ao redor, e que possa ampliar seu universo de possibilidades, conhecer caminhos possíveis a seguir.”

Nesse sentido, as tecnologias podem ampliar os processos de escolha. É preciso, porém, ficar atento para a desigualdade de acesso às tecnologias digitais e de letramento digital.

“Não podemos perdê-las de vista, mas é inegável também que a internet possibilita que a gente tenha contato com outros mundos, outras possibilidades, outras narrativas, histórias de outras pessoas, alguns acontecimentos, que, muitas vezes, chegariam a nós de forma um pouco limitada ou sequer chegariam a nós. É justamente por ampliar esse horizonte de possibilidades, de conhecimentos que nos é permitido acessar que acho que as tecnologias são tão interessantes para nos apoiar nos processos de fazer escolhas”, afirma Samuel.

Ferramentas digitais podem ajudar no processo de escolha, segundo Daniellen. “Promover o protagonismo e a reflexão é essencial. A tecnologia auxilia bastante neste sentido, com a possibilidade de gravação de vídeos e o trabalho com estudos de caso, entre outros.”

Profissões
O uso da tecnologia, segundo Daniellen, proporciona o contato com boas referências, traz informações e conteúdos de qualidade. “O ensino híbrido pode ajudar e muito a ampliar as possibilidades de um trabalho consistente em diversas áreas do conhecimento, inclusive personalizado, levando em consideração a gama de atividades que podem ser propostas.” Alguns temas que podem ser trabalhados são: escolha profissional, saúde, uso do tempo, cultura, meio ambiente, governança e padrão de vida.

É importante que a escola busque formas para apoiar os estudantes, de acordo com Samuel, para que eles mesmos possam buscar conhecimentos nas áreas profissionais, acadêmicas e de impacto social, se relacionarem com esses conhecimentos e entenderem aquilo que é relevante para si ou não.

“Penso muito nisso quando falamos no trabalho com a metodologia baseada em projetos no contexto escolar, que envolve os estudantes em processos que exigem pesquisa, exigem um mergulho em discussões conceituais e permite a eles conhecerem, mas também intervirem em contextos profissionais, acadêmicos e de impacto social, que se relacionam aos seus Projetos de Vida, aos seus interesses e aos seus territórios.”

Engajamento
A professora Carla Cristina da Silva Cabrero, do Colégio Estadual Chico Anysio, no Rio de Janeiro, usa o ensino híbrido por meio de plataformas para trabalhar com Projetos de Vida. Para alcançar os estudantes que não têm acesso à internet, as atividades também são oferecidas em apostilas. A disciplina faz parte do currículo da escola, que é de horário integral, e é trabalhada uma vez por semana com todas as turmas do ensino médio.

“Proponho leituras, vídeos, criações para trabalharem com as competências socioemocionais, como colaboração, criatividade e comunicação. Desde o ano passado eles começaram a fazer vários trabalhos que me surpreenderam por conta do engajamento. Achei que não fosse ter tanto retorno, mas tive.”

Para falar de áreas profissionais, a professora propõe pesquisas, discussões sobre reportagens, simula feiras de profissões e entrevistas de emprego. Faz ainda atividades de reflexão sobre impacto social. Ela analisa com os alunos realidades consideradas difíceis, como a vida e o comportamento em comunidades. “Eles comparam com a própria realidade.”

“Tive uma turma que trabalhou bastante a simulação de busca profissional. Pouco tempo depois um dos meninos foi a uma entrevista. Ele retornou e disse que tinha lembrado muito da aula. Usou o que treinamos, de olhar no olho do empregador, não ficar nervoso, não demonstrar ansiedade, apresentar calma e serenidade. Tenho muitos depoimentos de alunos que falam sobre seus Projetos de Vida, sobre o que se tornaram, como aplicam as competências socioemocionais na faculdade e no trabalho. É bem bacana ter esse feedback deles”, conta Carla.