O direito de propriedade tem como caráter ser

A Propriedade não é só um direito, mas também um dever. É um direito do proprietário de ter para si a coisa e também um dever dele para com a coletividade de que essa propriedade produza frutos e atinja sua função social.

O instituto da propriedade talvez seja um dos mais importantes da civilização, sendo este aglutinador de direitos e deveres modulados no decorrer do tempo. 

O contratualista Jean Jaques Rousseau já classificava a propriedade como “a origem da desigualdade entre os homens” quando diz em sua obra “O Contrato Social” que “o primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não ter ia poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘ Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém’”.

 Apesar de seu ponto de vista um tanto quanto pessimista, Rousseau considerou ser a propriedade como marco fundador da sociedade civil. 

O conceito de propriedade, no entanto, sofreu várias alterações ao longo do tempo. 

No direito romano a propriedade se baseava e três características que consistiam no direito de usar (jus utendi), gozar (jus fruendi) e abusar (jus abutendi) das coisas, possibilitando ao proprietário destruir a coisa caso queira. Possuía caráter personalista, oponível a todos, podendo ser assegurada por ação própria no “jus civile” que era a “rei vindicatio”. (Joao Luiz Nogueira Matias).

 Ao que se pode observar no direito romano antigo, a propriedade era absoluta, podendo o proprietário, inclusive, abusá-la deliberadamente, o que hoje, como veremos não se permite. 

O legislador brasileiro adotou a percepção de que a propriedade não deveria ser absoluta, mas que deveria servir a um fim, ter uma finalidade a ser atingida. 

Ademais o direito de ser proprietário de algum bem ou coisa atrai para si não só o direito, mas também responsabilidades sobre o bem ou coisa e também do bem ou coisa perante a sociedade. 

Leon Duguit definiu que, exatamente porque somos seres sociais e nos integramos para formar sociedades, a propriedade existe para beneficiar não somente o próprio proprietário, mas também a todos na mesma comunidade. Ademais, a função social se compõe de limites internos. 

De acordo com essa perspectiva, a propriedade é reconhecida como uma construção artificial. 

Esses limites internos consistem em obrigações de utilizar a propriedade, ou seja, ela deveria ser produtiva economicamente. (Colin Crawford) Assim nascia o que é hoje denominado o Princípio da Função Social da Propriedade. 

Com a edição do Código Civil de 1916, Clóvis Bevilaqua já dá um novo conceito para a propriedade, ainda não explicitando a sua função social, mas já introduzindo algumas limitações como cita Tartuce: “na era da codificação de 1916, Clóvis Beviláqua conceituava a propriedade como sendo o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida física e moral (Direito das coisas..., 2003, v. I, p. 127). 

Apesar de ser categorização que remonta ao século passado, a construção é interessante, uma vez que leva em conta tanto os bens corpóreos ou materiais quanto aqueles incorpóreos ou imateriais. Sendo assim, a título de ilustração, os direitos de autor e outros direitos de personalidade também poderiam ser objeto de uma propriedade especial, com fortes limitações. ” (TARTUCE, Direito Civil Vol. 4, pág. 77).

Ainda nas lições de Tartuce: “Assim, como observa o Professor Titular da USP, “Ao antigo absolutismo do direito, consubstanciado no famoso jus utendi et abutendi, contrapõe-se, hoje, a socialização progressiva da propriedade – orientando-se pelo critério da utilidade social para maior e mais ampla proteção aos interesses e às necessidades comuns” (MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações..., 2011, p. 73-74). 

Historicamente, pontual também foi a contribuição da Constituição Alemã de Weimar, de 1919, que elevou a ideia de vinculação social da propriedade à categoria de princípio jurídico, estabelecendo no seu art. 14 que a propriedade obriga, devendo o seu uso servir tanto ao proprietário como ao bem de toda a coletividade (LARENZ, Karl. Derecho Civil…, 1978, p. 79) ” (TARTUCE, Direito Civil Vol. 4, pág. 86).

Dessa forma a antiga concepção Romana sobre Propriedade fica para trás, no sentido de que dela não se pode mais abusar deliberadamente, pois ela tem um fim a cumprir, uma finalidade no plano civil, uma “Função Social”.

Vejamos que a propriedade, em nosso ordenamento jurídico, tem a definição intimamente ligada à função social, e um dos direitos basilares do ser humano. No Código Civil atual, de 2002, o artigo 1.228 trata dessa definição, dando à propriedade as faculdades ali descritas: 

“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". 

Ainda no Art. 1.228, o parágrafo primeiro deixa explícito que ela deve atender à sua Função Social, senão vejamos: 

“§ 1 o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. ” 

Já no parágrafo segundo o proprietário fica delimitado no sentido do “jus abuntendi”, ou seja, a propriedade não pode sofrer abusos nem ser usada para que prejudique a sociedade como um todo: 

“§ 2 o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. ” 

Neste sentido temos a lição de Flavio Tartuce: “a propriedade é o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-se de um direito fundamental, protegido no art. 5.º, inc. XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade. A propriedade é preenchida a partir dos atributos que constam do Código Civil de 2002 (art. 1.228), sem perder de vista outros direitos, sobretudo aqueles com substrato constitucional (TARTUCE, Direito Civil Vol. 4, pág. 79).

Então, à guisa de conclusão, a Propriedade não é só um direito, mas também um dever. 

É um direito do proprietário de ter para si a coisa e também um dever dele para com a coletividade de que essa propriedade produza frutos e atinja sua função social. 

Nessa linha de entendimento, a ideia de uma função social nada mais é que o reconhecimento de que os interesses do titular daquele direito precisam se compatibilizar com os de outros cidadãos não proprietários, mas que, em um regime democrático, precisam do mesmo respeito e consideração por parte do sistema de direitos construído para a regulação da sociedade como um todo, e em igual medida. (MARCUS EDUARDO DE CARVALHO DANTAS, P. 29).

REFERÊNCIAS

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Editora Ridendo Castigat Mores em https://www.passeidireto.com/arquivo/44103357/justica-e-propriedade-hobbes-rousseau-elocke 

https://jornalggn.com.br/literatura/lista-de-livros-discurso-sobre-a-origem-dadesigualdade-entre-os-homens-parte-ii-jean-jacques-rousseau/

Joao Luiz Nogueira Matias – A função social da empresa e a composição de interesses na sociedade limitada – Doutorado em Direito Comercial – Universidade de São Paulo. http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/manaus/reconst_da_d ogmatica_joao_luis_matias_e_afonso_rocha.pdf". 

Colin Crawford - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E O DIREITO À CIDADE: TEORIA E PRÁTICA ATUAL - Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.- Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 1990. 

Tartuce, Flavio – Direito Civil, v. 4: Direito das Coisas / Flavio Tartuce – 9 ed. rev., atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.

MACUS EDUARDO DE CARVALHO DANTAS – Da Função social da propriedade à função social da posse exercida pelo proprietário, Revista Senado, ano 52, n. 205 – Jan/mar 2015. 

Código Civil Brasileiro de 2002: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

Analisa cada uma das espécies de restrições e limitações ao direito de propriedade, baseadas na distinção entre os interesses que as fundamentam (se privado ou social).

CONSIDERAÇÕES GERAIS

O direito de propriedade é direito fundamental do ser humano, protegido constitucionalmente, encontrando-se cristalizado no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988, que reza, in verbis, que ”é garantido o direito de propriedade”.

Sua natureza de direito fundamental gera, numa análise preliminar, a seguinte contradição: se é direito fundamental, como admitir restrições? E quais seriam essas restrições?

Em primeiro lugar, é mister ressaltar que o direito de propriedade não é direito À propriedade, e sim o direito de, uma vez sendo proprietário de algo, ter a posse, uso e gozo do bem preservados 1.

Em segundo lugar, admitem-se restrições a este direito em função, a uma, do primado do interesse coletivo ou público sobre o individual, e a duas, da função social da propriedade, considerando em ambos a necessidade social de coexistência pacífica.

Nas palavras de Maria Helena Diniz, ”o direito de propriedade não tem um caráter absoluto porque sofre limitações impostas pela vida em comum” 2.

A natureza destas restrições é de obrigação propter rem, porque tanto o devedor como o credor são titulares de um direito real, incidentes sobre a mesma coisa, só que não são oponíveis erga omnes nem interessam a terceiros.

Passando à segunda pergunta formulada no início do trabalho, as restrições ao direito de propriedade comportam dois tipos: as fundamentadas no interesse social e as fundamentadas no interesse privado.

As restrições em virtude de interesse social pressupõe a idéia de subordinação do direito de propriedade privado aos interesses públicos e às conveniências sociais, sendo imprescindíveis ao bem-estar coletivo e à própria segurança da ordem econômica e jurídica.

Já as baseadas no interesse privado inspiram-se no propósito de coexistência harmônica e pacífica de direitos, fundando-se no próprio interesse do titular do bem (ou de terceiro, a quem este pretenda beneficiar).

A seguir, trataremos de cada uma das espécies de restrições e limitações ao direito de propriedade, baseadas na distinção entre os interesses que as fundamentam.

2. RESTRIÇÕES BASEADAS NO INTERESSE SOCIAL

2.1 Restrições constitucionais

O direito de propriedade, especialmente na Idade Média, era um direito absoluto, exclusivo e perpétuo, ou seja, o proprietário tinha a liberdade de dispor do bem do modo que lhe aprouvesse; era do proprietário, e somente dele; e não desaparecia com a morte do dono, passando a seus sucessores, e não se perdendo pelo simples não uso.

Contemporaneamente este direito foi sendo relativizado, e foram-lhe impostas limitações que vão de encontro com as características antigas: as restrições, que limitam o caráter de absoluto; as servidões, que limitam seu caráter exclusivo; e a desapropriação, que atinge seu caráter de perpétuo3.

No art. 170 da CF encontramos algumas materializações das restrições que o direito de propriedade pode sofrer, como a repressão ao controle de mercado; liberdade de iniciativa; expansão das oportunidades de emprego produtivo; função social da propriedade; eliminação do aumento arbitrário da concorrência e lucros, ou seja, a Constituição concede todo um direcionamento que exclui do direito de propriedade a sua livre disposição.

Além disso, no próprio art.5º da CF existem duas previsões: o inciso XXIV prevê a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante prévia e justa indenização em dinheiro; e no inciso XXV é previsto a utilização da propriedade particular pelo Estado em casos de iminente perigo ou circunstâncias excepcionais, sendo também garantida a indenização do proprietário. São, portanto, privações temporárias ao uso do bem.

O art. 176 reza que o dono do solo não será também do subsolo; assim, as jazidas, minas e demais recursos minerais e potenciais de energia hidráulica sempre pertencerão à União, podendo, no entanto, ser garantido do concessionário o produto da lavra.

O art. 182, §3º, da Carta Magna determina que as desapropriações de imóveis urbanos sejam realizadas mediante prévia e justa indenização em dinheiro; o §4º, por sua vez, permite ao Município exigir do dono do solo urbano não utilizado, mediante lei específica, que este promova seu aproveitamento sob pena de desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.

Mais adiante, o art. 184 prescreve que a União pode promover a desapropriação de propriedade territorial rural, através de indenização com pagamento em títulos de dívida agrária, para fins de reforma agrária. O art. 243, por seu turno, prevê o confisco de terras onde se cultivem ilegalmente plantas psicotrópicas.

Por toda a Constituição podemos encontrar vários outros exemplos concretos de restrições ao direito de propriedade, mas para evitar delongas, listamos apenas os exemplos acima.

2.2 Restrições Administrativas

As restrições administrativas são contenções do uso e gozo de bens particulares em benefício da coletividade e do interesse público, recordando o poder de polícia (o qual incide sobre bens, direitos e atividades do particular)4.

Como exemplos, temos:

  • A proibição de demolição ou modificação tidas como monumentos históricos, sendo o processo de Tombamento o instrumento utilizado para proteger bens móveis e imóveis com valor histórico cultural;
  • As normas condizentes ao abastecimento e aos preços em tabela, com base no interesse da economia popular;
  • As disposições do Código de Mineração e do Código Florestal, sobre ocupação de terrenos vizinhos às jazidas e sobre imunidade de certas árvores ao corte, respectivamente;
  • As previsões do Decreto Lei n. 3240/41 para seqüestro de bens das pessoas indiciadas por crimes de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública;
  • entre outras.
  • 2.3 Restrições em razão da lei eleitoral

    A Lei n. 4737/65 (nosso Código Eleitoral) prevê, em seu art. 135, §3º, a possibilidade do poder público requisitar propriedades particulares, que devem ser cedidas obrigatórias e gratuitamente para o funcionamento das mesas receptoras, nos dias de eleição, e, posteriormente à ocupação, caso sejam apurados danos, estes serão devidamente reparados em dinheiro.

    2.4 Limitação ao direito de propriedade rural

    Estas limitações objetivam tanto extinguir, de forma gradual, as formas de ocupação da terra que sejam contrárias à sua função social, como também objetivam estabelecer normas a respeito da sua alienação, sujeitando-a à aprovação do INCRA5.

    Alguns exemplos destas limitações:

  • O art. 61 do Estatuto da Terra dispõe que a área que se pretende vender deve estar dentro da planificação do INCRA;
  • A Constituição Federal, em seu art. 190, dispõe que a aquisição de propriedade rural por estrangeiro será regulamentada por lei, que estabelecerá os casos em que dependerá de autorização do Congresso Nacional;
  • O Art. 1239 do Código civil contempla a aquisição do imóvel particular rural por meio do usucapião pro labore;
  • entre outros.
  • 2.5 Limitações de natureza militar

    Boa parte destas limitações é da modalidade Requisição, ou seja, utilização de bens e serviços na satisfação do interesse público. São mais presentes nos casos de Estado de Exceção (Estado de Sítio e de Defesa), porém podem ocorrer também em tempos de paz e ordem6.

    Como exemplos, temos:

  • A requisição de móveis ou imóveis necessários às forças armadas e à defesa do povo, nos termos do Decreto-lei n. 4812/42 modificado pelo Decreto-lei n. 5451/43;
  • Restrições às transações sobre imóveis particulares sobre a faixa de 150 km ao longo da fronteira do território nacional;
  • As disposições das Leis n. 6634/79 e 5130/66, sobre as zonas indispensáveis à defesa do país;
  • entre outros.
  • 3. RESTRIÇÕES BASEADAS NO INTERESSE PRIVADO

    3.1 Do direito de vizinhança

    Nas palavras de Venosa, ”os chamados direitos de vizinhança são direitos de convivência decorrentes da proximidade ou interferência entre prédios, não necessariamente da contigüidade” 7.

    É um conjunto de regras que ordenam não apenas a abstenção da prática de certos atos (ex: proibição de uso do bem de modo a prejudicar a saúde, sossego ou segurança do vizinho; proibição de abrir janela, eirado ou terraço a menos de 1,5m do prédio vizinho), como também de outras que implicam a sujeição do proprietário (ou possuidor) a uma invasão de sua órbita dominial (ex: dar passagem; receber as águas que fluem naturalmente do prédio que lhe seja superior)8.

    São obrigações propter rem, posto que vinculam o vizinho e o tornam devedor da obrigação de respeitá-las pelo simples fato de ser vizinho, ou seja, dono ou possuidor do prédio confinante.

    Assim, o direito de vizinhança obedece a princípios objetivos, decorrentes da simples proximidade entre prédios, ao que se acrescenta também o dever de indenizar os prejuízos decorrentes da responsabilidade extracontratual que advêm das relações de vizinhanças. Em havendo má fé, além do dever de reparar, há também a apuração de perdas e danos 9.

    3.2 Do uso anormal da propriedade

    Há basicamente três espécies de atos que caracterizam o mau uso da propriedade: são os atos ilegais, os abusivos e os lesivos10.

    Os primeiros dizem respeito à quebra de preceitos legais, ou seja, atos ilícitos, como lançar lixo no terreno do vizinho, atear fogo à sua propriedade. O agente ativo é sujeitado ao art. 186 do CC, que preceitua a indenização dos prejuízos.

    Os segundos dizem respeito a atos lícitos, porém que se caracterizam por abuso do direito, levando incômodo, desconforto e podendo até acarretar falta de segurança e salubridade ao vizinho, encaixando-se no art. 187 do CC, que preceitua ser também ato ilícito, passível de indenização.

    Os últimos são lícitos e regulares, ou seja, não são abusivos, porém acabam por causar transtornos e danos ao vizinho, como, por exemplo, a utilização de uma estação rodoviária em uma área residencial. Mesmo não sendo atos ilícitos nem abusivos, podem ser objeto de reclamações, cabendo ao juiz avaliar a gravidade do incômodo para proferir a decisão mais acertada a cada caso.

    3.3 Das árvores limítrofes

    A legislação em vigor prevê três situações que podem ocorrer sobre a matéria: quando a(s) árvore(s) situa(m)-se na divisa entre os prédios (“árvore-meia”); quando o prédio confinante é invadido por raízes e ramos da árvore (ou árvores) nascida em prédio vizinho; quando os frutos da árvore do prédio vizinho tombam no terreno confinante.

    Na primeira situação, aplica-se o art. 1282 do CC, pelo qual se considera a árvore como pertence comum aos donos dos prédios confinantes, e, em sendo comum, cada um poderá poda-la livremente, desde que a preserve, mas não poderá ser cortada sem anuência das duas partes.

    Se cortada ou arrancada, deve ser igualmente partilhada entre os conflitantes; as despesas com corte e colheita de frutos também serão divididas, e os frutos, mesmo que tombem naturalmente, deverão ser repartidos pela metade11.

    Na segunda situação, o art. 1283 do CC autoriza o proprietário que tenha seu imóvel invadido por raízes ou ramos de árvores a corta-los, até o limite da divisão entre os terrenos; se agir com dolo ou culpa grave e ocasionar algum prejuízo ao dono da árvore, deverá responder pelos danos causados.

    Por fim, na última situação, a previsão do art. 1283 do CC é de que os frutos caídos pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular, ou seja, se a queda for natural, o dono dos frutos passa a ser o dono do terreno onde estes caíram; se o terreno for público, os frutos continuam do dono da árvore; se a queda é provocada, o agente provou ato ilícito, pois se apossou do que não lhe pertencia12.

    3.4 Da passagem forçada

    A passagem forçada tem íntima relação com a questão dos prédios encravados, que no dizer de Silvio Rodrigues são aqueles “sem saída para via pública, fonte ou porto”13, pelo que seu proprietário é agraciado com a prerrogativa de passar por ele, conforme suas necessidades e mediante indenização ao vizinho que conceder a passagem, nos termos do art. 1285 do CC.

    Via de lógica, uma vez cessada a necessidade de utilização do imóvel de outrem para alcançar fonte, porto ou via pública, cessa também a passagem forçada.

    3.5 Das águas

    Sobre a matéria, é importante observar dois pontos, contidos no art. 1288 do CC: de um lado, o dono ou possuidor de prédio inferior tem o dever de receber as águas que correm naturalmente do superior; de outro, é proibido ao dono ou possuidor do prédio inferior realizar obras eu dificultem o fluxo das águas ou que agravem a condição do prédio inferior.

    Em relação a nascentes, o proprietário do terreno onde se localize uma destas pode utilizar-se da mesma para suas necessidades, porém não pode desviar o curso das sobras, quando estas são utilizadas por vizinhos ou uma população. No entanto, se a nascente não é natural, e sim captada, o dono do prédio inferior não tem direito algum sobre esta14.

    3.6 Dos limites entre prédios

    Estes limites são impostos por três motivos: para a paz social, para o exercício do poder de polícia do Estado e para a tributação15. Diz respeito à demarcação do espaço dos prédios de propriedade particular, para evitar invasões recíprocas e solucionar conflitos de vizinhanças.

    Esta demarcação, quando efetuada judicialmente, obedece alguns critérios para seu estabelecimento: o exame dos títulos dominiais apresentados pelas partes; caso estes não permitam um resultado prático, passa o julgador então ao critério da posse; se esta também for incompleta, o juiz dividirá o terreno em partes iguais entre os prédios, nos termos do art. 1298 do CC, ou adjudicará a um deles, indenizando o proprietário prejudicado.

    3.7 Direito de tapagem

    Está regulado pelo art. 1297 do CC, permitindo ao proprietário cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo seu prédio, para proteger a exclusividade do seu domínio sem danos aos vizinhos.

    As despesas de construção, manutenção e conservação obrigações propter rem, só sendo estas despesas concorrentes entre os vizinhos se forem comuns, ou seja, não tiverem partido da iniciativa de apenas um16.

    O tapume especial, para impedir passagem de animais de pequeno porte, é obrigação dos proprietários e detentores destes animais, que devem arcar sozinhos com as despesas de sua construção17.

    3.8 Direito de construir

    A idéia central desse direito é que os vizinhos estão ligados a uma obrigação legal de não se causarem, reciprocamente, qualquer prejuízo no ato de construir em suas propriedades, sendo assegurado o direito a pleitear a devida indenização pelos danos causados junto ao beneficiado da obra, que poderá, conforme entendimento jurisprudencial, entrar com ação regressiva junto ao empreiteiro18.

    Uma vez infringidos os dispositivos sobre direito de construir, ou os regulamentos urbanísticos administrativos sobre a matéria, o infrator tem o dever demolir as construções feitas bem como indenizar as perdas e danos, nos termos do art. 1312 do CC.

    CONCLUSÃO

    Pelo presente estudo nos foi possível concluir que a propriedade não é um direito absoluto, mas é garantida constitucionalmente. Deve ser utilizada de forma racional e consciente, tanto no que diz respeito à sua função social quanto à coexistência pacífica com os outros donos de propriedade. E, por fim, que as restrições que lhe são impostas baseiam-se tanto no interesse social quanto no privado, estando suas formas de intervenções e limitações reguladas pela lei constitucional e infra-constitucional, permitindo a aplicação da ordem social de forma prática e eficaz.


    1 Anotações confeccionadas sobre as aulas da Prof.ª Dra. Cláudia Gonçalves quando da disciplina Direito Constitucional III, do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão, 5º Período, da turma 2004.01 noturno.


    2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro, v. 04 – Direito das coisas. 20ª ed. rev. e atual. de acordo com o Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002 – São Paulo:Saraiva, 2004, p. 251.


    3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004) – São Paulo:Malheiros, 2005, p. 279.


    4 Anotações confeccionadas sobre as aulas da Prof.ª Dra. Cláudia Gonçalves quando da disciplina Direito Constitucional III, do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão, 5º Período, da turma 2004.01 noturno.


    5 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 262.


    6 Anotações confeccionadas sobre as aulas da Prof.ª Dra. Cláudia Gonçalves quando da disciplina Direito Constitucional III, do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão, 5º Período, da turma 2004.01 noturno.


    7 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. vol. 5. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 296.


    8 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, v. 5. Direito das coisas. 27ª ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406 de 10-1-2002) – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 119.


    9 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 297.


    10 RODRIGUES, Silvio. op. cit. p. 124.


    11 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 270.


    12 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 310.


    13 RODRIGUES, Silvio. op. cit. p. 140.


    14 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 278.


    15 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 321.


    16 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 321.


    17 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 289.


    18 RODRIGUES, Silvio. op. cit. p. 140.