Por que o capitalismo gera desigualdade social

Leandro Marcondes | 3 de outubro, 2017

A ideia de que o capitalismo produz miséria, que a pobreza de alguns é justificada pela riqueza de outros e que o capitalismo apenas produz benefícios aos que detém capital financeiro tem sido muito disseminada atualmente. Mas isso é verdade?

Não, não é verdade. Esses argumentos partem de uma premissa errônea da pobreza e sua causa. A pobreza não é criada. Como bem disse o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), “a pobreza é a condição natural do homem”. A pobreza nunca foi uma exceção e sim a norma na história da humanidade. Aqueles que saíram do estado de pobreza foram aqueles que buscaram gerar riqueza de alguma forma. Portanto, a riqueza é gerada, não a pobreza.

A idéia de que o capitalismo gera pobreza se sustenta na errônea interpretação de que o capitalismo é um ‘jogo de soma zero’. Ou seja, para um enriquecer, outro terá necessariamente que se tornar mais pobre. Nessa concepção, o enriquecimento é maléfico, já que estará tornando outra pessoa mais miserável do que antes.

No entanto a própria história nos mostra como essa premissa está equivocada. A riqueza é possível de ser gerada e não necessariamente deslocada. Se o capitalismo fosse um jogo de soma zero, a riqueza existente no mundo não mudaria com o passar dos anos (como tem acontecido), mas se manteria inalterável. Como explicar que a população da Inglaterra aumentou de 16,8 milhões de habitantes em 1851, onde mais de 90% deles estavam abaixo da linha da pobreza, para mais de 50 milhões nos dias atuais, onde menos de 20% estão abaixo dessa mesma linha? Teriam eles sugado toda essa riqueza de outros países? Se tomarem como verdadeira essa afirmação, então por qual motivo a América, Ásia, Oceania e, até mesmo a África, têm um padrão de vida mais elevado que nos períodos precedentes? O argumento não se sustenta.

Mas o exemplo não se estende apenas para a Inglaterra.Há dois séculos, o mundo possuía sete vezes menos habitante do que atualmente, e praticamente toda a população vivia na pobreza. Por outro lado, pela primeira vez na história da humanidade temos menos de 10% de pessoas na extrema pobreza, segundo dados do Banco Mundial referentes ao ano de 2015. A redução da pobreza mundial avançou e tem avançado em passos largos. Ao mesmo tempo, a população mundial aumenta exponencialmente. É um fato inédito na historia da humanidade.

Por que o capitalismo gera desigualdade social

Portanto, a riqueza existente no mundo é gerada e não tomada de outros. Uma forma de visualizar isso melhor é quando um indivíduo utiliza matérias-primas, aplica seu trabalho no processo de transformação e obtém um produto novo. Esse produto foi criado e não tomado de outra pessoa.

A riqueza é criada através do trabalho, da produção, das trocas voluntárias, mas a forma como isso é feito varia de acordo com cada indivíduo, o que cria um problema denominado de desigualdade. Sim, a desigualdade é gerada no sistema capitalista, mas simplesmente pelo fato de cada indivíduo agir de forma distinta no mercado, buscando seus próprios interesses.

Os interesses de A não são os mesmo de B. Portanto A e B não agirão de forma igual no mercado. Cada um almeja bens e serviços diferentes, carreiras diferentes, possuem sonhos diferentes, lazeres e hobbies diferentes, e etc. Se cada indivíduo tem objetivos diferentes na sua vida, é natural que eles não busquem os mesmos trabalhos, as mesmas rendas e nem mesmo poupem da mesma forma. A desigualdade é natural e não é nem mesmo indesejável em muitos casos.

Outro ponto importante é que apesar da desigualdade se elevar em muitos casos, em países que adotam uma economia liberal a pobreza não aumenta. O fato de alguns se tornarem muito ricos aumenta a diferença entre eles e os mais pobres, mas não aumenta a pobreza em si, pelo contrário. A ex-primeira-ministra do Reino Unido Margareth Thatcher (1925-2013) era uma crítica dos socialistas que argumentavam que a diferença entre ricos e pobres aumentou em seu governo na Inglaterra. De forma correta, Thatcher se defendia dizendo que ouve uma melhora em todos os setores da economia. O problema é que muitos socialistas preferem todos igualmente pobres a todos mais ricos que antes, com uma parcela sendo ainda mais rica.

Outro exemplo é a China dos últimos anos, que passou de um índice de Gini (o Coeficiente de Gini é um índice de medição das desigualdades sociais e do nível de concentração de renda) de 0,3 em 1980 para um índice próximo ao dos Estados Unidos (0,49). Apesar do crescimento da diferença entre ricos e pobres, os chineses pobres hoje vivem melhor do que nos períodos precedentes de igualdade socialista. A renda chinesa hoje é equiparável à brasileira, algo inimaginável décadas atrás. A China possui diversos problemas que nós liberais condenamos, mas, de fato, a desigualdade não é o maior deles.

Nas concepções de que o capitalismo produz miséria e desigualdade (injusta) é sempre necessário um governo forte e interventor para equilibrar a riqueza mundial e impedir essas “injustiças”. De fato, essas ações são bem intencionadas, mas independente da intenção geram mal estar na sociedade e agravam problemas que seus ideólogos queriam resolver. O estadunidense Alexander Hamilton (1755-1804) em The federalist Papers enfatizou que a desigualdade econômica “existiria enquanto a liberdade existisse”. Por esse motivo, os ideólogos da visão igualitária se rendem ao totalitarismo para colocar suas ideias em prática.

O filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797) e o economista austríaco Friedrich Hayek (1899-1992) defendiam a visão de que a igualdade não deveria ser avaliada nos resultados humanos, mas sim nos processos. Como dizia Burke “todos os homens têm direitos iguais, mas não para coisas iguais”. Exemplificando, uma pessoa deve ser igual à outra perante as leis de uma sociedade, mas não produzir os mesmos resultados em suas ações.

No livro Free to chosse, o economista estadunidense Milton Friedman (1912-2006) complementou: “uma sociedade que coloca a igualdade – no sentido de igualdade de resultados – diante da liberdade, não terá nem igualdade nem liberdade. O uso da força para alcançar a igualdade destruirá a liberdade, e a força, introduzida para gerar bons propósitos, acabará nas mãos de pessoas que a usam para promover seus próprios interesses”.

Entendendo que o capitalismo não gera pobreza e que a desigualdade de resultados é natural em uma sociedade livre, a solução para pobreza consiste não na eliminação do sistema capitalista, mas sim, no seu fortalecimento. A criação de riquezas é o meio necessário para fugir da miséria.

Para um povo miserável deixar essa condição é necessário um ambiente onde o investimento privado e a criatividade empresarial seja favorável. É necessário um estímulo espontâneo à poupança, o respeito à propriedade privada e o respeito ao acúmulo de riquezas pelos indivíduos. Enquanto buscarmos incansavelmente a igualdade de resultados ao mesmo tempo em que buscamos a liberdade, não seremos nem iguais, nem livres.

[hr height=”30″ style=”default” line=”default” themecolor=”1″]

Leandro Marcondes é co-fundador do grupo de estudos liberais O Quinto e Coordenador Estadual em Minas Gerais do Students For Liberty Brasil.

Este artigo foi publicado originalmente no Instituto Liberal de Minas Gerais e não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, basta submeter o seu artigo neste formulário: http://studentsforliberty.org/blog/Enviar

A desigualdade social é a diferença existente entre as classes sociais ou castas dominantes e as classes sociais ou castas dominadas. Ao longo dos tempos, os sistemas econômicos e políticos das cidades foram criando mecanismos de distinção entre as pessoas. Nas chamadas sociedades estratificadas, esses mecanismos são as divisões de castas, como os nobres na Europa feudal e as castas indianas, predominantes como sistema de distinção até o século XX.

Nessas sociedades a possibilidade de mobilidade social (sair de uma casta inferior e passar para uma superior) é nula ou quase nula, sendo que a origem familiar determina a casta. O republicanismo e o capitalismo criaram outro sistema de distinção baseado na capacidade de acúmulo de capital. Esse sistema tem uma possibilidade maior de mobilidade, mas alimenta-se ferozmente da desigualdade social, que é uma barreira para o pleno desenvolvimento das sociedades capitalistas contemporâneas.

Leia mais: Neoliberalismo: modelo econômico que prega menor participação estatal na economia

Breve histórico sobre a desigualdade social no mundo

A desigualdade social não é um fenômeno novo, mas as formas mais avançadas do capitalismo (industrial e financeiro) resultaram numa intensificação dela no mundo a partir do século XIX. Outro fenômeno que a intensificou foi o colonialismo europeu sobre os países do Hemisfério Sul.

Por que o capitalismo gera desigualdade social
A desigualdade social causa uma distorção econômica que afeta negativamente a maioria mais pobre da população.

A colonização europeia — sobretudo sobre as Américas Central e do Sul, sobre a África e sobre partes da Ásia — foi movida pelo interesse na exploração de recursos naturais. A retirada desses recursos desses locais, a exploração da mão de obra escrava ou de baixo custo e a ida de colonos para os territórios colonizados geraram um sistema desigual que perdura até hoje.

Portanto, os dados sobre a desigualdade social no mundo demonstram a existência de um verdadeiro abismo entre a minoria mais rica e a maioria mais pobre, sendo que os países mais pobres (com exceção dos Estados Unidos, que não é campeão em desigualdade, mas possui altos índices levando-se em conta o seu PIB) são campeões nos rankings sobre a desigualdade social.

Como é medida a desigualdade social?

Existe um padrão de medida criado pelo matemático e estatístico italiano Conrado Gini, chamado coeficiente de Gini (ou índice de Gini), que mede a desigualdade em um determinado local e é comumente utilizado para medir a desigualdade de renda. O índice de Gini é expresso por um número que varia de zero a um, sendo zero o marco da ausência de desigualdade de renda, enquanto o numeral um representa o máximo possível dela.

Veja também: IDH: índice que permite comparar a qualidade de vida entre os países

Dados sobre a desigualdade social no mundo

No levantamento exposto pela revista Desafios do Desenvolvimento, mantida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)|1|, em 2004, Hungria, Japão e Dinamarca eram os países com menores taxas de desigualdade social, tendo índice de Gini de 0,244, 0,247 e 0,249, respectivamente. Os Estados Unidos ocupavam o 76º lugar no ranking, com índice de 0,408, enquanto o Brasil ocupava o 120º lugar, com o índice marcado em 0,591. O último país dos 127 rankeados no estudo foi a Namíbia, com índice em 0,707.

Por que o capitalismo gera desigualdade social
A desigualdade social separa as camadas mais ricas e poderosas das camadas mais pobres da população.

Além do coeficiente de Gini, temos dados de pesquisas variadas que mostram a alta desigualdade social no mundo. Segundo matéria publicada no periódico El País em 17 de outubro de 2015|2|, 1% da população mundial concentra metade de toda a riqueza do planeta.

Na mesma matéria há uma pirâmide de renda demonstrando que 0,7% da população mundial possui renda de mais de um milhão de dólares mensais, 7,4% possuem renda entre 100 mil e um milhão, 21% possuem renda entre 10 mil e 100 mil dólares, e 71% possuem renda menor que 10 mil dólares mensais. O maior problema é que grande parte desses 71% mais pobres do planeta possui rendas extremamente baixas ou está abaixo da linha da pobreza, tendo dificuldades para manter alimentação e moradia dignas.

Desigualdade social no Brasil

O Brasil encontra-se na faixa dos países com alto índice de desigualdade social. Entre os chamados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China, países com elevado índice de crescimento econômico e potencialidade de crescimento para as próximas décadas), o Brasil é o país com maior desigualdade social. Enquanto Índia, China e Rússia ocupam, respectivamente, 34º, 90º e 93º lugares, o Brasil está em 120º no ranking de 127 países feito pelo Ipea, em 2004, sob a medição do coeficiente de Gini.

Por que o capitalismo gera desigualdade social
A favela de Paraisópolis (São Paulo) está localizada ao lado de condomínios de luxo. A paisagem ilustra a desigualdade social brasileira.

Dados expostos em matéria do periódico online G1 mostram que, em 2017, o Brasil foi classificado como o 10º país com maior desigualdade social em um ranking de 140 países. A pesquisa apresentada na matéria foi coordenada pelo ex-diretor do Ipea e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A matéria aponta que dados levantados pela Oxfam (uma confederação internacional com mais de 3000 membros que estuda e luta contra a pobreza no mundo) mostram que os seis maiores bilionários brasileiros concentram, juntos, a riqueza da metade da população brasileira. Isso significa que, em um país com aproximadamente 210 milhões de habitantes, seis deles possuem a riqueza equivalente a de outros 105 milhões.

O Brasil é o país que mais concentra riqueza entre o 1% mais rico na América Latina, tendo seu coeficiente de Gini mais baixo entre os países latino americanos, ficando atrás apenas de Colômbia e Honduras.

Acesse também: IDH do Brasil: valor atual e seu significado prático

Como acabar com a desigualdade social?

Ao longo da história contemporânea, a preocupação com a desigualdade social começou a surgir, dando lugar a teorias que visavam reduzir ou eliminar as diferenças econômicas entre ricos e pobres. Assim tiveram origens os ideais socialistas, que visavam uma forma de organização estatal capaz de promover a igualdade econômica.

As primeiras formas de socialismo, hoje chamadas de socialismo utópico, não expressaram qualquer indício de prática. O socialismo científico foi a forma mais desenvolvida de economia socialista proposta no século XIX pelo filósofo, sociólogo e economista alemão Karl Marx e pelo economista e escritor alemão Friedrich Engels.

Existe também a perspectiva anarquista, embasada principalmente nos estudos do filósofo, sociólogo e economista francês Pierre-Joseph Proudhon e do filósofo e teórico político russo Mikhail Bakunin. Segundo a teoria anarquista, o Estado deve ser abolido completamente e, junto a ele, abole-se o capitalismo. As entidades estatais seriam substituídas por sistemas de assembleias e pela autogestão popular para a tomada de decisões políticas. A economia capitalista daria lugar ao sistema de cooperativismo.

Outras perspectivas ganharam destaque no século XX e ainda se mantêm no século XXI. Trata-se do conjunto de ideias chamado de reformismo — são perspectivas políticas que colhem elementos socialistas e capitalistas, visando manter a economia regida pelo sistema capitalista, mas com ideias de redução da desigualdade social e de redistribuição de renda via atuação estatal. Uma dessas perspectivas é a social-democracia, sistema político econômico adotado em países europeus, como Noruega, Finlândia e Suécia.

Desigualdade social para Karl Marx

Marx e Engels fundaram uma teoria baseada na abolição do capitalismo com o aparelhamento do Estado em favor do proletariado e na estatização de toda a propriedade privada. Para Marx havia uma absurda exploração da classe trabalhadora (o proletariado) por parte da classe dominante (a burguesia, ou seja, os donos dos meios de produção).

A teoria marxista foi classificada como socialismo científico por apresentar, pela primeira vez, uma base de estudos para justificar e amparar o pensamento socialista. No século XX, várias tentativas de implantação do socialismo de viés marxista foram postas em prática, porém críticos apontam o fracasso delas por não acabarem com a desigualdade (em alguns casos até acirrá-la pela corrupção) ou por criarem situações de extrema miséria.

No entanto outros críticos rebatem essas visões alegando que as experiências socialistas iniciadas no século XX desviaram-se dos ideais marxistas. Podemos elencar, como os maiores exemplos de experiências de socialismo com embasamento marxista os casos da União Soviética, da China e de Cuba.

Notas

|1| Confira a matéria clicando aqui.

|2| Confira a matéria clicando aqui.