Garotos de programa de campinas

O furto de uma correntinha quase acabou em linchamento no Centro de Campinas na tarde da última terça-feira, dia 03/03. Um rapaz arrancou a correntinha do pescoço de um senhor de 67 anos que caminhava pela avenida Campos Salles.

Após o fato, a vítima correu atrás do assaltante, porém acabou tropeçando e caindo na calçada e perdeu o bandido de vista. Por ali mesmo a vítima perguntou a populares se alguém tinha visto o bandido, porém ninguém deu informação positiva.

Ao entrar em um prédio na esquina da Rua 13 de Maio com a Rua Álvares Machado, o senhor deu de cara com o assaltante, que o derrubou e tentou fugir, mas foi pego na porta do prédio e foi espancado por populares. O espancamento parou apenas após o funcionário do prédio pedir o fim das agressões.

Uma viatura da polícia parou no local e levou o assaltante a uma unidade hospitalar para ser medicado. A corrente foi recuperada, porém um medalhão que pertencia ao seu pai, falecido há três anos, não foi encontrado.

Da Redação ODC.

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Garotos de programa de campinas

12 34567 89101112 1314 151617 1819 20Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001P�ginas 10/11

SOCIEDADE

Talento abandonado

A hist�ria de Fl�vio, garoto que vive num barraco, pinta quadros para fugir de seu mundo e ama  mitologia grega

A luz da manh� de dezembro entra pelas frestas da parede e d� um pouco mais de luminosidade ao barraco 89. � mais um, em uma viela que ironicamente se chama Recanto da Fortuna. S�o 10 horas. Fl�vio, de 13 anos, est� com os olhos grudados na televis�o. Ao lado do irm�o Jadilson, tr�s anos mais velho, assiste a um desses desenhos modernos em que os her�is s�o um misto de gente, rob� e bicho. A favela fica ao lado do Jardim S�o Marcos, um dos bairros mais violentos da zona norte de Campinas.

Os dois garotos moram em um barraco simples, com o pai Adauto Gon�alves. A cobertura da casa � de telhas de amianto. O piso, de ch�o batido. � um c�modo �nico, que n�o chega a 20 metros quadrados. O ambiente � divido pelos m�veis: num canto est�o as camas, noutro uma mesa e o guarda-roupas. Tudo muito simples, r�stico. Revela a pobreza material de um pa�s que abandona sua gente, seus talentos.

Fl�vio � um desses talentos abandonados. O garoto tem uma habilidade nata para a pintura. Descobriu o dom h� quatro anos pelas m�os da professora Silvana. Tinha acabado de se matricular na Direito de Ser, uma Organiza��o N�o-Governamental (ONG) que d� assist�ncia �s crian�as e adolescentes da regi�o do S�o Marcos. At� ent�o, passara desapercebido pelas escolas p�blicas, era mais uma crian�a carente nas estat�sticas oficiais.

O curioso � que Fl�vio s� foi para a Direito de Ser porque sua m�e n�o o queria nas ruas. Dona Maria Marques de Oliveira - que morreu em julho passado - sabia o que estava fazendo. Ela viu seu primog�nito, Ant�nio, ser assassinado aos 19 anos. Era 96. Eles ainda moravam no Jardim �ngela, a �rea mais violenta da Capital. “Estava envolvido com m�s companhias”, diz o pai, que n�o gosta de tocar no assunto. Amea�ada, a fam�lia se mudou para Campinas. Seo Adauto conseguiu vaga como auxiliar de limpeza na Ceasa, onde ficou at� o ano passado. Hoje, est� aposentado por invalidez e sustenta os dois meninos com uma pens�o de R$ 180,00. Aos 60 anos, tem a sa�de fr�gil, j� passou por duas cirurgias e aguarda vaga para enfrentar mais uma. Faz o que pode para manter os dois filhos longe das ruas.

Fala mansa, m�os �geis – Fl�vio � um garoto t�mido, mas de um sorriso que fascina j� ao primeiro contato. Usa brincos na orelha esquerda. S�o duas argolas. Tem o h�bito de roer as unhas ou mordiscar a roupa enquanto conversa, talvez para esconder a timidez. Tem a voz mansa, um brilho nos olhos. Gosta de novidades, de ouvir hist�rias, em especial sobre mitologia grega e hist�ria da arte. Mostra, com orgulho, alguns livros que ganhou de presente nas �ltimas semanas. Garante que l� tudo e quer mais. Tem sede de conhecimento. Desde mar�o passado, conta com a ajuda valiosa do fil�sofo Rog�rio Alessandro de Mello Basali, 26 anos, aluno especial do mestrado  de Filosofia da Unicamp. Ele passou a dar aulas ao menino em sua casa, em Bar�o Geraldo. Ensina no��es b�sicas de arte e introduz o garoto no mundo dos deuses gregos e suas fa�anhas. Tamb�m foi o respons�vel pela organiza��o da primeira exposi��o de Fl�vio, realizada em um condom�nio de Sumar�.

H� uma raz�o para gostar de mitologia? A pergunta fica no ar, Fl�vio pensa alguns segundos e explica: “Gostava muito do H�rcules, por causa dos desenhos, e o pessoal da Direito de Ser disse que era um her�i grego. Me contaram a hist�ria, fiquei fascinado. Da�, passaram a me ensinar mais sobre o assunto”. Mas reconhece, sem jeito, pouco saber das lendas tupiniquins, como Saci Perer�, Mula sem Cabe�a ou Curupira. Logo emenda: gosta de ler livros que o ensinem sobre pintura. Diz reconhecer e gostar das obras de Van Gogh, Monet, Picasso e Portinari.

Natureza morta, solid�o criativa -- “Tenho muito a aprender”, diz. O garoto come�ou pintando paisagens e alguns animais, como cavalos. Aos poucos, foi tomando gosto por outros estilos, como natureza morta, sua paix�o atual e para qual canaliza suas energias. Fl�vio prefere pintar no cair da tarde e � noite. “� quando posso ficar sozinho, pois muita gente passa em casa durante o dia. Quando pinto, saio deste mundo, fico longe”, conta ele.

O ato de pintar ficou mais f�cil no �ltimo m�s. Fl�vio juntou as economias e comprou seu primeiro cavalete. Gastou R$ 24,00. Agora, pode se dedicar �s telas com maior conforto. Antes, pintava com as telas mal ajeitadas em um mesa. Apesar da pequena melhoria, o adolescente ainda trabalha sem as condi��es ideais para quem precisa estar bem e criar, para transportar �s telas o que pulsa em seu cora��o.

A falta de um local ideal para desenvolver seu talento � flagrante. O pequeno arm�rio onde eram guardadas as panelas de alum�nio � usado agora para abrigar suas telas, uma sobre a outra. J� as panelas ficam amontoadas sobre uma pia desativada e passaram a ser lavadas em um tanque improvisado em um dos cantos do barraco. Tamb�m n�o h� espa�o nas paredes para deixar seu trabalho exposto. No lugar, s� imagens de Nossa Senhora, Santo Expedito e S�o Jorge. Fl�vio � um garoto religioso e freq�enta a Igreja Cat�lica do S�o Marcos. Sua devo��o por santos pode ser notada ainda pelo pingente de S�o Jos� que carrega no peito. Ali�s, usa parte do tempo dos �ltimos dias para atender a um pedido de uma pessoa da igreja: est� pintando um quadro com a imagem de Nossa Senhora. Faz com gosto.

15 minutos de fama e a realidade
O que o garoto Fl�vio Gon�alves quer no momento � pintar, pintar, pintar. Sabe que precisa gastar muita tinta e pincel para encontrar um estilo pr�prio, que o caracterize, que o projete al�m fronteiras do Recanto da Fortuna. Fl�vio j� teve seus 15 minutos de fama, como diria Andy Warhol. Foi um dos entrevistados de um programa sobre crian�as superdotadas exibido recentemente pelo Globo Rep�rter, da Rede Globo.

Antes do programa de TV, Fl�vio tamb�m tinha sido citado em uma reportagem do jornal Folha de S�o Paulo. O t�tulo da mat�ria era “O pa�s desperdi�a seus g�nios”. Foi justamente a� que Rog�rio Basali, mestrando em Filosofia da Unicamp, entrou na vida do garoto. “Fiquei impressionado e decidi procur�-lo. Primeiro, passei por uma entrevista com os coordenadores da Direito de Ser e, s� depois, me apresentaram o Fl�vio”, conta Rog�rio.

E o fil�sofo tem sido a grande companhia de Fl�vio nos �ltimos tempos. Al�m de ensinar o b�-a-b� sobre mitologia, leva o garoto para visitar exposi��es e d� dicas para a promissora carreira. Foi Rog�rio quem teve a id�ia de expor as telas de Fl�vio em Sumar�. Al�m de mostrar o seu trabalho ao p�blico, o garoto conseguiu vender duas telas pequenas, a R$ 30,00 cada. Est� radiante! O dinheiro foi todo usado para comprar telas, tinta e pinc�is. Sim, este � mais um dos problemas enfrentados pelo pequeno pintor: a falta de dinheiro para a compra dos materiais b�sicos. Para n�o ficar parado, muitas vezes conta com a ajuda de Rog�rio que, em contato com amigos do mundo art�stico, j� socorreu Fl�vio em v�rios momentos.

“Quero ajudar porque o Fl�vio � um diamante bruto. Ele precisa de apoio para desenvolver seu talento”, fala. Rog�rio pretende cada vez mais colocar Fl�vio nas rodas art�sticas de Campinas. J� articula uma grande exposi��o em uma galeria do distrito de Bar�o Geraldo.

Alguns rabiscos, s� elogios – Fl�vio � um aluno aplicado na escola, tira boas notas e n�o tem problemas de disciplina. Acaba de ser aprovado para a 8� s�rie. A lembran�a mais remota que tem dos bancos escolares � desenhando e rabiscando em todo papel branco que via pela frente. Sempre recebia elogios. “Meus amigos e professores diziam que desenhava bem. Ficava orgulhoso”, recorda. E s�. O talento para a pintura s� viria a ser descoberto mesmo na Direito de Ser. Foi l� que teve contato pela primeira vez com tintas e pinc�is. Tudo pelas m�os da professora Silvana, de quem sente saudades, embora n�o se lembre do seu sobrenome.

“Ela casou e foi para o Rio de Janeiro. Nunca mais a vi”, diz. “Acho que ela ficaria orgulhosa em me ver agora”, completa. Fl�vio lembra das primeiras aulas: era uma turma de oito alunos, mas poucos perseveraram. Tiveram no��es sobre pintura durante dois anos. Hoje, ele ainda freq�enta a entidade.

O talento e a dedica��o de Fl�vio � pintura s�o um diferencial, mas ele � um garoto como outro qualquer. Gosta de futebol e de desenhos animados na TV, ouve rap e paquera as meninas da escola. Tem uma paix�o, que prefere n�o dizer, mas fez quest�o de gravar as iniciais em uma das madeiras do barraco. Est� l�, ao lado de uma colcha de retalhos pendurada na parede.

A paix�o de escola ainda n�o inspirou Fl�vio a ponto de imortalizar a amada em uma tela. Por enquanto, s� a natureza morta, mesmo. Est� concluindo um quadro onde aparecem algumas rosas vermelhas. Cores que parecem iluminar o barraco onde o menino vai lapidando seu talento. � assim que ele foge do mundo real, desse pa�s do desgoverno e da corrup��o, onde sobra muito pouco para investir em educa��o, divers�o e arte.