Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

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A Alma Preta é uma agência de jornalismo especializado na temática racial do Brasil.

  1. Especialista aponta racismo ambiental na ausência de saneamento nas periferias

    O ambulante alagoano Rubens Teixeira, 25, sempre conviveu com a falta de saneamento e com esgoto a céu aberto na frente de casa. Isso fez com que ele presenciasse adultos e crianças com doenças de veiculação hídrica, a exemplo das ligadas à transmissão de verminoses, como esquistossomose, teníase, oxiuríase, além da presença de animais peçonhentos: ratos, baratas e escorpião.  

    Rubens é nascido e criado na Grota* do Cigano, localizada no Jacintinho, o segundo bairro mais populoso de Maceió (AL) — população estimada em 86,5 mil habitantes de acordo com dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010.

    O acesso à casa do jovem se dá pela rua principal do bairro. No local há comercialização de peixes e a sujeira oriunda do tratamento do alimento desce ladeira abaixo. "Aquela água fétida, que traz doença, mosca, insetos e outros", relata.

    A residência é simples, sala, cozinha, dois quartos, banheiro e quintal. Nos fundos há oito barracos, contendo apenas quarto e sala. "Graças a Deus nunca convivi com o esgoto correndo dentro de casa, pois meu pai havia feito uma casa bem arrumada. Mas, eu vi casas de vizinhos em que o esgoto corria dentro da própria casa e quando chovia era o maior sofrimento", recorda o ambulante. 

    A realidade vivida por Rubens é atestada pelo relatório do Instituto Trata Brasil. Segundo o estudo, a capital alagoana figura entre os piores municípios no ranking de saneamento (água tratada e coleta de esgoto), chegando a ocupar a 91ª posição entre as 100 maiores cidades do país, em 2022.

    O levantamento, divulgado em março deste ano, foi realizado levando em consideração o acesso à água, coleta e tratamento de esgotos e índices de perdas e investimentos. O documento ainda aponta que a cobertura de água tratada é de 89,61%, tendo 43,03% da população com acesso a coleta de esgoto e 50,58% dos maceioenses têm esgoto tratado. 

    A distribuição de água e os serviços de esgotamento sanitário na Região Metropolitana de Maceió ficam a cargo da BRK Ambiental, empresa privada que venceu leilão no segundo semestre de 2021. Sobre os dados do Trata Brasil, a empresa afirmou em março, por meio de nota à imprensa local, que os dados são referentes a um período anterior à atuação da BRK na cidade e prometeu a partir do novo marco do saneamento básico, aprovado em 2020, a universalização dos serviços de água em até seis anos e dos serviços de esgoto em até oito anos. 

    Por não haver infraestrutura onde mora, Teixeira sempre conviveu com o esgoto, mas um projeto do governo de Alagoas, chamado "Vida Nova nas Grotas", canalizou o córrego que havia próximo a sua casa, deixando as águas correrem até um esgoto maior localizado na principal via da comunidade — o que não resolve a situação dos moradores. O lixo é recolhido três dias na semana, mas quando chove a situação da comunidade piora. O ambulante reclama por não ter coleta seletiva.

    "Deveria ter um ponto de coleta, com cada recipiente no seu devido lugar, além da necessidade de se ter educação ambiental. Com isso todos saem ganhando, não só a comunidade", afirma.

    Os impactos do ausência de saneamento 

    A água potável e saneamento é a sexta meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Brasil. Até 2030, o país precisa assegurar entre as metas, a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento, alcançar o acesso universal à água potável e segura, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos. 

    Nathália Nascimento, mestranda em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), explica que o saneamento básico está ligado ao meio ambiente e a sua ausência contribui para a geração de doenças e a falta de qualidade de vida dos habitantes da periferia.

    "É importante pensar em saneamento básico como uma política pública de saúde porque vai ser possível diminuir o acometimento de doenças por parte da população dessas localidades", salienta a especialista, que ainda destaca que a ausência do tratamento da água e esgoto também acarreta na contaminação da água e do solo. 

    Nascimento atribui a falta de investimento dos governantes neste tipo de obra porque é um serviço que não é visto pela população, como a construção de escolas, hospitais e rodovias. Ao mesmo tempo que o acesso ao saneamento está diretamente ligado não apenas a classe social, mas também a raça, já que a maioria dos habitantes das periferias são negros que vem sofrendo no Brasil com a falta de acesso há muito tempo. 

    Racismo Ambiental: negação do acesso a serviços tem cor e ela é preta

    A especialista também se debruçou a estudar em 2020, como as faces do racismo ambiental urbano vão promover consequências para moradores das comunidades da orla lagunar, localizada no bairro Vergel do Lago, parte baixa de Maceió (AL), no trabalho de conclusão da pós-graduação em Cidades e Planejamento Urbano da Faculdade de Administração, Ciência e Educação (FAMART). 

    O termo racismo ambiental surgiu a partir do sociólogo, ativista e pesquisador Robert Bullard, que é conhecido como o precursor da Justiça Ambiental. O estudioso conceitua como qualquer política ou prática que possa afetar ou prejudicar ou prejudicar, de maneira voluntária ou não, pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça. 

    Tanto a exemplo dos moradores da Grota do Cigano ou das comunidades da orla lagunar, Nascimento explica que o racismo ambiental se caracteriza por serem negados os direitos básicos para a qualidade de vida dessa população.

    "São anos em que os políticos negligenciam condições mínimas, seja acesso ao saneamento básico, à saúde ou ao direito de usufruir sua própria cidade. É nítida a diferença do estilo de vida que a classe média alagoana leva e a vida dos que estão à margem da sociedade e da lagoa. É visível também o tom de pele de quem é excluído", defende.

    O Censo de 2010 realizado pelo IBGE reforça o racismo ambiental e a ausência do saneamento básico para a população negra que habitam as periferias do país, já que em relação a falta de acesso ao abastecimento de água, 61% dos negros não tem acesso, ante 37% dos brancos estão na mesma situação.

    No tocante a coleta de resíduos, 67% dos negros não tem acesso e apenas 30% dos brancos não tem essa cobertura. A ausência de cobertura de esgotamento sanitário corresponde a 58% da população negra, enquanto a branca representa 40% dessa população. 

    Catadores auxiliam na coleta de resíduos sólidos

    Após a desativação do lixão da capital alagoana em 2010, localizado no bairro Jacarecica, litoral norte da cidade, os catadores se reuniram para criar a Cooperativa dos Catadores da Vila Emater (CoopVila), que é responsável por recolher semanalmente materiais recicláveis em condomínios e instituições públicas e privadas.

    A coleta seletiva auxilia na redução de impacto ambiental, contribuindo para uma melhor qualidade de vida de toda a população, principalmente dos moradores de periferia, que são os mais afetados com o descarte inadequado de resíduos sólidos.

    "Alagoas é referência nesse tipo de atividade, além de que isso traz o sustento para muitas pessoas periféricas, em sua maioria gritante, as mulheres. Elas fazem a triagem de separação de resíduos e encaminham os resíduos recicláveis para empresas que possam vim a tratar e se utilizar desse resíduo", acrescenta.

    * Grota é o termo popularmente utilizado em Maceió para as favelas localizadas nas formações geográficas características da geomorfologia da cidade. As grotas de Maceió são ravinas ou vales sinuosos que cortam todo o território das cotas mais altas do município – o chamado “tabuleiro” – e que funcionam como calhas naturais de escoamento de águas pluviais que caem nessa região e seguem para a planície litorânea e lagunar localizadas nas cotas mais baixas da cidade. Por terem esse papel ambiental fundamental, constituem-se como territórios sensíveis e estratégicos para a cidade. Fonte: Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis – 2020.

    Leia também: Entre crianças pretas menores de 5 anos, risco de morte é 39% maior

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  2. Alta da inflação dos alimentos atinge acesso a produtos de famílias das periferias no país

    A agente popular Jany Dayse Fidelis da Silva, 42, sente na pele os impactos causados pela inflação dos alimentos. Mesmo passando por dificuldades, a desempregada tenta amenizar o sofrimento da sua comunidade, a Favela Muvuca, localizada no bairro Vergel do Lago, parte baixa de Maceió (AL), angariando doações de cestas básicas para os que mais precisam. Ao todo, no complexo lagunar, residem aproximadamente 15 mil famílias. A região é formada por quatro favelas, além da Muvuca, há a Sururu, Peixe e Mundaú, formadas por barracos feitos com restos de lona e madeira. 

    A realidade vivida por Dayse e seus vizinhos ajudam a ilustrar os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostram os problemas enfrentados pela população periférica no acesso a alimentos. A inflação subiu 0,67% em junho, após a variação de 0,47% no mês anterior, que é considerada como a maior taxa para esse período desde 2018, quando ficou em 1,26%. Uma alta que foi influenciada pelo aumento de 0,80% no grupo de alimentação e bebidas, que tem grande peso (21%) no índice geral. No ano, a inflação acumulada é de 5,49% e, nos últimos 12 meses, de 11,89%. 

    "Seiscentos não dá pra comprar leite, fralda, o alimento adequado para as nossas crianças. A gente não tem como dar uma vida digna às nossas crianças. Nós não temos como ter a dignidade de dizer: 'vamos nos alimentar bem'", relata a agente popular. Com o que ganha do programa de transferência de renda que substituiu o Bolsa Família, Jany Dayse realiza as compras básicas. "Só entra arroz e feijão que o preço do arroz tá um absurdo, o óleo piorou, a farinha, meu Deus do céu, até os ovos". 

    O estudo Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), divulgado no último dia 14 de setembro, aponta que a população de Alagoas, onde Jany mora, ao levar em consideração o número de habitantes, tem o maior índice de insegurança alimentar grave do Brasil — quando a família sente fome e não come por falta de dinheiro. Só para se ter uma ideia, no Estado, 36,7% das famílias estão nessa situação. Nas regiões Norte e Nordeste do país, a fome atinge 125 milhões de brasileiros. A média nacional chega a 15,5%. 

    Na ausência do Estado, solidariedade 

    A agente popular, que mora com o companheiro, Severino Martins da Silva, 45, e o enteado, José Lucas, 8, faz a ponte entre grupos e organizações que querem fazer doações para a comunidade. O que falta de valor nutricional na mesa dos moradores da Muvuca, e, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tenta suprir. "Sempre todo dia 25 eles vêm e trazem macaxeira, batata, inhame, abóbora, coco, laranja, coentro, as verduras,  pra gente", conta Dayse. 

    Além do MST, outros grupos doam cestas básicas a produtos de higiene pessoal. "Eles tiram do próprio bolso, mandam um pouco para dar aqueles mais necessitados", ressalta a moradora do Vergel.. Além da fome, a comunidade também precisa lidar com a pobreza menstrual. Essa rede de solidariedade ajuda as meninas e mulheres da comunidade com"Elas a usam aqui papel higiênico, outras, tecido, as pessoas se sensibilizaram com a situação. É cada vez mais difícil neste momento alcançar o mínimo em casa”, lamenta. 

    Política econômica aumenta desigualdade 

    O economista e mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Lucas Sorgato, afirma que a política econômica adotada pelo Governo Federal  norteia a produção no país. Ele aponta para a taxa de câmbio como o fator que impulsiona a alta dos alimentos. "Nessa taxa de câmbio mais desvalorizada que a gente tem, torna mais interessante para os produtores exportarem suas produções, inclusive, as produções de alimentos. Fica muito mais rentável exportar carne, exportar arroz, soja, trigo, leite, do que vender para o mercado interno. Por isso que a nossa inflação de alimentos está tendo um aumento nos últimos tempos, além do aumento do preço do combustível", ressalta o especialista.. 

    Sorgato fundamenta que a redução do ICMS (Lei Complementar nº 194/2022), que impôs limite de 18% da alíquota do imposto estadual sobre os combustíveis, não surtiu tanto efeito no transporte rodoviário de mercadoria, uma vez que esse transporte é feito por caminhões que são movidos a diesel, "o diesel  caiu muito menos do que a gasolina. Então por isso que o preço dos alimentos ainda está em alta". 

    Ainda para o economista, devido às consequências do processo sócio-histórico de exclusão social e ausência de políticas públicas efetivas de inclusão no país, quem mais sofre com a falta de acesso aos alimentos básicos são as famílias mais pobres. Ao refletir sobre as possíveis saídas para a diminuição da inflação, o economista destaca que o governo pode tomar medidas que vão desde a distribuição de renda, como acontece com o pagamento de benefícios dos programas sociais, como o sucesso do Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Além como com a da correção de impostos para que os produtos possam ficar mais baratos e de fácil acesso à essa população 

    "Você tem aí um comprometimento da renda muito maior no quesito de subsistência. Principalmente em produtos que vão para a cesta básica, como arroz, que teve um aumento expressivo, a proteína carne e os demais derivados. Aquela população que está recebendo até um salário mínimo e meio, dois salários, sofre mais", argumenta.

    Este conteúdo foi produzido no âmbito do projeto Planeta Território, uma iniciativa da Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade para fomentar e distribuir informação de qualidade sobre a emergência climática, o contexto eleitoral e o impacto na população periférica por meio de totens digitais em estabelecimentos comerciais das periferias de São Paulo.

    Leia também: Diminuição de renda de famílias negras afeta alimentação na primeira infância

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  3. Cotistas de baixa renda têm bom desempenho no Enem, mas evadem do ensino superior mais do que brancos

    O desempenho dos estudantes cotistas da Universidade Federal de Minas Gerais no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se equiparou aos estudantes não-cotistas entre 2016 e 2020. É o que diz o estudo inédito “10 anos da Lei de Cotas: Resultados e Desafios”, do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA).

    Com pontuação de, em média, 700, os alunos cotistas (pretos e pardos) representam cerca de 42% dos matriculados no Ensino Superior Brasileiro – seja no setor público ou privado.

    Sobre as cotas raciais, 53% dos estudos – elaborados entre 2006 e 2021 – avaliaram a política como "bastante positiva", 18% como “levemente positiva” e 12% como negativas (com 16% sem identificação clara). Já em relação às cotas sociais, 43% foram “bastante positivas”, 19% “levemente positivas” e 12% negativas (25% sem identificação).

    Na percepção dos cotistas, a Lei de Cotas é benéfica em alguns aspectos, mas em outros serve como gatilho para o racismo nas instituições de ensino.

    “Para falar a verdade, ser cotista marca minha vida com um ponto positivo e negativo. O negativo é essa questão dos olhares, do racismo que a gente passa, de todas essa questões de bolsa, condição socioeconômica que a gente passa, então ser cotista é complicado”, É o que diz o relato de Dandara, cotista racial, estudante de pedagogia da UFBA, entrevistada para a pesquisa.

    “Mas o ponto positivo é viva às cotas, porque se não fosse as cotas a gente não estaria aqui, então é essencial, é importantíssima”, completa.

    Evasão e abordagem acadêmica sobre as cotas

    O levantamento aponta que, apesar da Lei de Cotas, os homens negros são os estudantes que mais evadem das instituiçoes de ensino, com 50,5% dos casos, seguido dos homens brancos (45,7%), mulheres negras (38,5%) e mulheres brancas (37%).

    O consórcio, que inclui especialistas da UFRJ, UnB, UFBA, UFMG, UFSC, Unicamp e Uerj, pontua que a evasão dos acadêmicos cotistas agem como contraponto à “ausência de propostas do governo federal para a revisão da Lei de Cotas, prevista para este ano”.

    Outro destaque da pesquisa é que, entre 2006 e 2021, 980 publicações sobre políticas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro foram feitas, sendo que 71% dessas pesquisas avaliaram positivamente as cotas raciais e 62% as cotas sociais.

    “Foi na faculdade que tive acesso ao debate teórico do que é ser negro. Eu nunca tinha lido autores negros antes, nunca tinha entendido que eu sou um sujeito negro no mundo e as problemáticas estruturais dessa minha condição. Então foi lá que essa porta se abriu para mim”, destaca Edson, cotista racial, estudante do curso de História na UFBA, para o levantamento do CAA.

    Como ampliar o debate?

    A análise sugere que é necessário pensar na manutenção e expansão do sistema que combina reserva de vagas com base em critérios socioeconômicos para estudantes de escola pública e baixa renda, com cotas raciais para estudantes pretos e pardos.

    Além disso, propõe a criação de programas específicos para as populações indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência, com vagas superiores à proporção desses grupos nos estados e desatreladas das cotas para oriundos de escolas públicas.

    “Revisão do teto de 1,5 salário mínimo per capita para cotistas de baixa renda para um patamar mais adequado às nossas desigualdades econômicas”, salienta.

    Outros aspectos abordados para a expansão e manutenção de cotistas no sistema educacional superior é que seja possível a criação de sistema de dados abertos, transparentes e desidentificados, que possibilite compreender as mudanças no perfil da demanda por ensino superior, a trajetória dentro do sistema de ensino, e o perfil dos concluintes.

    “É necessário uma política federal de incentivo à permanência estudantil que viabilize que os cotistas concluam o curso em tempo regular, aumentando as chances de inserção no mercado de trabalho, e que vá além de uma política de bolsas”, finaliza o informe.

    Leia também: ‘Coletivos negros serão beneficiados por edital que coloca R$ 2,5 milhões na Educação’

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  4. Coletivos negros serão beneficiados por edital que coloca R$ 2,5 milhões na Educação

    O Fundo Baobá para Equidade Racial, com apoio da Imaginable Futures e da Fundação Lemann, disponibiliza, até o dia 6 de setembro, um edital para apoiar organizações, grupos e coletivos negros que atuam no combate ao racismo e na promoção da equidade racial no setor da Educação. Ao todo, o aporte do projeto é em torno de R$ 2,5 milhões.

    O edital "Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial" tem caráter nacional e vai selecionar dez organizações, grupos e coletivos negros que atuam na educação, implementam ou fomentam estratégias de enfrentamento ao racismo em instituições educacionais formais e não formais e buscam fortalecer a liderança e a representação da gente preta em espaços de decisão e poder por meio de programas, ações e políticas públicas.

    "Como uma organização de investimento social privado, entendemos nossa responsabilidade em um sistema fundamentado sobre a supremacia de pessoas brancas e sobre outras formas de injustiça. Apoiar um edital voltado para promoção da equidade racial através da educação é fundamental para nós, na medida em que acreditamos que o acesso equitativo à aprendizagem é fundamental para sociedades saudáveis, justas e prósperas. Cada pessoa deve ter a oportunidade de aprender e tornar o futuro que imagina uma realidade", diz Fabio Tran, Diretor de Investimentos para o Brasil da Imaginable Futures.

    As dez organizações, grupos e coletivos negros selecionados vão receber, cada um, R$ 175 mil para que, no prazo de 18 meses (1 ano e meio), realizem os projetos que vão apresentar. As inscrições para o edital poderão ser feitas, gratuitamente, até 06 de setembro, no site do Fundo Baobá.

    Reconhecidamente, a população negra, em sua pluralidade, é a mais impactada quando o tema é o racismo dentro das instituições educacionais, principalmente no que diz respeito à falta de acesso e qualidade do ensino.

    A promoção da equidade racial, proposta por diferentes organizações atuantes no país, poderá reduzir este impacto negativo e mudar o cenário da educação. Esta é uma oportunidade de fortalecer estratégias do ativismo antirracista, enaltecer e consolidar a busca por direitos, traçar caminhos que levem lideranças atuais e futuras a influenciar, propor e tomar decisões significativas e justas nas políticas educacionais.

    “Muitas evidências demonstram o impacto do racismo no Brasil. Há prejuízos para a trajetória da população negra em todas as áreas, mesmo quando a comparação é feita com a população branca de mesmo nível socioeconômico. Na Educação, as desigualdades na aprendizagem são contundentes. Por isso, no nosso plano para a próxima década, a Fundação Lemann colocou o combate às desigualdades raciais como uma prioridade, trazendo-o para o centro de toda nossa atuação”, diz Camila Pereira, diretora de Impacto da Fundação Lemann.

    As dez entidades selecionadas também receberão suporte técnico, irão participar de jornadas formativas promovidas pelo Fundo Baobá e Comunidades de Prática promovidas pela Imaginable Futures e Fundação Lemann. O edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial pode se configurar em uma oportunidade de mudança social que se inicia na educação.

    "O edital é uma oportunidade para enfrentar o racismo, promover a defesa dos direitos, estimular a liderança, resistência e resiliência de pessoas negras que estão em organizações, grupos e coletivos e atuam no campo da educação. Pretendemos estimular mudanças tanto nos espaços de educação formal - escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio, ensino superior-, como em espaços não formais onde também se dão as ações educativas", afirma Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá.

    Leia também: Seleção de filmes e livros para pensar uma educação antirracista

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  5. Laqueadura: fim da autorização obrigatória do marido traz esperança para mulheres negras

    “Quando vi a notícia eu finalmente me senti dona do meu corpo porque estou tentando há meses e só dando com a cara na porta”. É o que diz a ajudante de costura Aline Machado, de 21 anos, mãe de quatro filhos, a respeito da decisão do Senado Federal sobre o procedimento de laqueadura.

    Na última semana, o plenário aprovou o projeto de lei (PL 1941/2022) que reduz para 21 anos a idade para a realização de laqueadura sem a necessidade de autorização do cônjuge. As mudanças podem representar um maior acesso das mulheres negras à laqueadura, pois segundo dados do Sistema de Informação Hospitalar (SIH-SUS), a realização do procedimento havia caído pela metade entre 2019 e 2021.

    Os dados ainda apontam que, em 2019, o SUS realizou 39.917 cirurgias. Já em 2021, o número caiu para 20.837. Além disso, as mulheres negras que procuraram o procedimento (2.804) é quase o triplo de mulheres brancas (990).

    Oriunda de uma família religiosa cristã, o companheiro de Aline é contra o procedimento cirúrgico, com a afirmação de que a laqueadura “é ir contra a vontade de Deus”. A ajudante de costura, no entanto, pontua que para o homem essa decisão é mais fácil do que para as mulheres, em especial, para mulheres negras.

    “Assim que fiz 18 anos eu casei, por conta da igreja. Daí fui engravidando, um atrás do outro. Tentei por um tempo tomar anticoncepcional escondido, mas meu marido acabou descobrindo e levou esse assunto até a direção da igreja, que me repreendeu. Para ele é fácil querer mais filhos, ele já está fazendo faculdade e tudo mais, enquanto eu tenho um tanto de criança pra cuidar”, relata.

    Como conseguir?

    O projeto de lei aprovado na semana passada exige uma antecedência de 60 dias da comunicação sobre o desejo de se fazer a laqueadura ou vasectomia. A relatora, Nilda Gondim (MDB-PB), ressaltou que a permissão para a laqueadura logo após o parto vai reduzir riscos cirúrgicos para as mulheres. Já Oriovisto Guimarães (Pode-PR) destacou o prazo de 30 dias para o SUS oferecer métodos contraceptivos. O projeto segue para a sanção presidencial.

    Para conseguir o direito à laqueadura, a mulher deve procurar a unidade básica de saúde mais próxima e manifestar o desejo de realizar o procedimento. Ela então será encaminhada para uma ou mais reuniões sobre planejamento familiar e também será orientada sobre outros métodos contraceptivos, de acordo com informações do Ministério da Saúde.

    Depois, será ouvida por uma equipe composta por psicóloga, médicos e assistente social. Neste momento, por meio de perguntas e muita conversa, as mulheres serão indagadas sobre o desejo de realizar a laqueadura, pois muitas vezes a mulher não sabe que o procedimento é um método irreversível.

    Por isso, existe um tempo determinado pela lei denominado “tempo de reflexão”, período de 60 dias em que ela dá o aval para a cirurgia, assina a papelada necessária e começa os trâmites de encaminhamento para o hospital de referência. A laqueadura só deve ser marcada após esse período; se ela quiser desistir nesse meio tempo, ela tem direito.

    Planejamento familiar é fundamental

    A babá Renata Augusta dos Santos, de 53 anos, explica que o procedimento é simples e o tempo de internação para mulheres que passaram pela laqueadura é de 24h se não houver nenhuma complicação. Mãe de cinco filhos, ela conta à Alma Preta Jornalismo que conseguiu realizar a cirurgia pelo SUS de maneira bastante prática.

    “O processo todo foi bem tranquilo. Eu consegui pelo SUS quando tinha 28 anos e deu tudo certo. Para as mulheres que querem fazer a laqueadura eu dou o conselho de realizar o planejamento familiar na Unidade Básica de Saúde”, comenta.

    Renata conta ainda que por já ser separada do ex-companheiro quando realizou a laqueadura, uma vizinha serviu de testemunha dela e assinou os papéis junto à UBS para que ela pudesse fazer a cirurgia. “Na época, a pessoa sendo casada, o marido tinha que autorizar”, diz.

    Para Aline Machado, não precisar mais da autorização do companheiro representa uma vitória das mulheres. Ela afirma que se sente mais confiante com a notícia de que o projeto de lei agora só aguarda sanção presidencial para entrar em vigor.

    “Para nós, mulheres negras, tudo já é tão difícil. Alguma coisa tem que ser fácil. Eu acho que a laqueadura tinha que ser muito mais simples, mas já começou a andar e isso é bom. No final das contas, o filho é só da mãe, então ela é quem decide se quer ou não mais filhos”, finaliza.

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  6. Africanas são as principais vítimas de abordagens violentas

    As mulheres migrantes da África foram as principais vítimas de violência institucional e policial no Brasil durante a abordagem para detê-las entre 2008 e 2019. É o que diz o estudo “Geografia da Criminalização: uma análise dos locais de prisão das mulheres migrantes em conflito com a Lei”, elaborado pelo Instituto Trabalho, Terra e Cidadania (ITTC).

    O levantamento visa analisar as consequências relacionadas ao local da prisão das mulheres migrantes em conflito com a lei a partir de dados primários de atendimentos realizados entre os anos de 2008 a 2019, com o objetivo de investigar de que modo variáveis geográficas se correlacionam com dinâmicas específicas de criminalização e violência.

    Os dados da análise apontam que quando presas na rua, as mulheres estarão mais propensas a sofrer violência institucional, pois serão abordadas, sobretudo, pela Polícia Civil e Militar, “sendo que esta última já assumiu realizar abordagens diferenciadas a depender das características socioeconômicas, territoriais e raciais das pessoas interpeladas”..

    “Vale reforçar, também, que as mulheres migrantes de nacionalidades africanas são as mais abordadas por estas polícias, o que também pode estar vinculado a um contexto de racismo”, enfatiza o ITTC.

    Apenas uma mulher em cada dez é encaminhada ao hospital

    O estudo constatou que a maior parte das mulheres migrantes foram presas em aeroportos, sobretudo no Aeroporto de Guarulhos (62%). Em seguida, aparecem as mulheres presas na rua (8%), em rodoviárias (6%), principalmente na Rodoviária da Barra Funda (SP), e rodovias (6%). Prisões em hotéis e em residências também são mencionadas, mas em menor proporção.

    Após o flagrante, a grande maioria das mulheres foi encaminhada para a delegacia sem qualquer atendimento médico mesmo em estado de risco de saúde.

    “Chama-se atenção para o fato de que cerca de uma em cada dez mulheres foram encaminhadas para o hospital, sendo que 82% estavam transportando a droga no estômago”, destaca a análise.

    As mulheres com residência na América do Sul e no continente africano são as que mais utilizam aeroportos, 45% e 29% respectivamente. As migrantes da América do Sul recorrem com mais frequência a rodoviárias (50%), em comparação às demais.

    Além disso, a proporção de mulheres migrantes residentes em países da América do Sul que costumam carregar drogas no estômago é maior do que a das demais mulheres migrantes atendidas.

    Na rua, a violência durante a ordem de prisão é maior

    No que se refere aos relatos de violência institucional, o ITTC destaca que as mulheres presas na rua são as mais suscetíveis ao cenário de violência: cerca de cinco em cada dez a expressaram. As mulheres migrantes presas em rodoviárias, por outro lado, são as que menos relataram ter sofrido algum tipo de violência (19%), seguidas das mulheres migrantes presas em aeroportos (24%).

    O contexto de violência institucional está diretamente ligado à polícia responsável pela prisão, de acordo com os dados.

    “Mulheres migrantes presas na rua são as mais abordadas pela Polícia Militar (39%), principalmente as mulheres provenientes de países do continente africano (45%). As mulheres presas em rodoviárias geralmente são abordadas pela Polícia Civil (71%). Já a Polícia Federal atua, sobretudo, em aeroportos (97%)”, detalha o estudo.

    Mulheres africanas são também as principais vítimas de tráfico de pessoas

    Em relação às vítimas de tráfico de pessoas para fins de criminalidade forçada, o aeroporto é o principal local de prisão. Apesar das latino-americanas serem maioria nos flagrantes dos aeroportos, as mulheres migrantes africanas costumam ser vítimas de tráfico de pessoas com mais frequência, segundo o ITTC.

    “Neste caso, o país de residência é mais determinante do que o local da prisão, pois o aliciamento ocorre frequentemente antes da viagem e se correlaciona com as dinâmicas locais do país de origem. No entanto, a forma através da qual estas mulheres serão tratadas dependerá do local onde forem presas, uma vez que os responsáveis pela prisão também mudam”, avalia o levantamento.

    Impotência

    A análise aponta ainda que a geografia da criminalização possui um sentido duplo: o espaço marcado pela criminalização e a criminalização descrita através do espaço. O Aeroporto de Guarulhos, por exemplo, torna-se um local não apenas de embarque e desembarque internacional, mas, também, o local de prisão mais comum entre as mulheres migrantes em conflito com a lei.

    “É um espaço marcado pela presença da polícia e de diversos mecanismos de controle de corpos: câmeras, scanners, detectores de metais, entre outros. É um local já marcado por um histórico de práticas delituosas específicas; que se volta para a identificação de ilegalidades e, portanto, se estrutura em vista desse processo”, diz.

    Em contrapartida, o local em que as mulheres embarcam e desembarcam – assim como o local onde desembarcariam – ajudarão a definir a acusação e, deste modo, o tipo de crime, o tratamento dado às migrantes, e o acolhimento às vítimas (em caso de tráfico de pessoas para fins de criminalidade forçada).

    “Sendo o tráfico de drogas considerado um crime hediondo pela legislação nacional, o corpo das mulheres 'mulas', as quais têm pouco ou nenhum poder de decisão sobre a gestão do tráfico, torna-se ainda mais perigoso e é ainda mais excluído dos espaços políticos hegemônicos”, pondera o estudo.

    A análise elaborada pelo ITTC ainda destaca que existem diversos fatores sobre os quais muitas mulheres migrantes não têm nenhum controle: país de nascimento ou residência, meio de transporte (muitas vezes escolhido pelos aliciadores), local da prisão, entre outros.

    “Nesse sentido, as configurações geográficas se tornam mais um elemento do poder exercido sobre a vida das mulheres migrantes em conflito com a lei. Portanto, se o espaço pode ser tão político e incidir tão profundamente na vida das mulheres, este também deve ser um elemento a ser pautado, disputado e transformado no que diz respeito à luta por direitos humanos”, finaliza.

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  7. Ausência de dados é uma barreira para a cobertura sobre raça no Brasil

    “O Brasil não produz muitos dados e os dados que produz não são com a qualidade devida. Então, muitos estados não elaboram estatísticas relacionadas, por exemplo, aos homicídios e que tenha a informação de raça”. Este é o relato da jornalista investigativa Cecília Olliveira, diretora da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), para a Alma Preta Jornalismo sobre a ausência de dados relacionados à questão racial no Brasil.

    Durante o 17° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, que se encerrou neste domingo (7), o jornalismo investigativo e de dados foram discussões centrais das mesas e painéis compostos por profissionais de diversos veículos. Segundo as experiências relatadas, há um desafio ao se cobrir os temas que atravessam a população negra pela dificuldade de se encontrar dados - ou por sua não publicização.

    Ainda de acordo com a diretora da Abraji, dentro da temática de segurança pública, há estados que não produzem dados sobre letalidade policial e homicídios cometidos em decorrência de atividade policial.

    “Assim, não tem como a gente produzir políticas públicas eficientes sem os dados que poderiam embasar essas políticas”, destaca.

    A jornalista foi uma das participantes da mesa “Os efeitos da cobertura de violência racial na rotina de repórteres negros”, em que também esteve presente Lola Ferreira, repórter do UOL e com passagem na organização Gênero e Número.

    De acordo com Lola Ferreira, quando se fala em segurança pública, há uma dificuldade de se encontrar mais informações e dados, porque não é muito do interesse dos órgãos oficiais relacionados divulgar determinadas informações.

    “Eles não colocam de forma tão fácil, eles não dizem o perfil daquela pessoa, por exemplo, que foi morta numa ação de violência policial. Então a gente tem que buscar os meios para descobrir. Quando a gente fala de saúde, era para todos os dados terem dados cor/raça, mas ainda é um caso que entra muito como não preenchido”, relata Lola à Alma Preta Jornalismo.

    Segundo ela, as pessoas ainda não entenderam a importância de se ter dados categorizados e com uma boa qualidade. “Quando a gente consegue mapear, por exemplo, que a maioria das vítimas de estupro são mulheres negras, a gente busca entender e colocar isso em um contexto mais social, de como a mulher negra é vista, mas as pessoas em geral não acham isso importante. Então desconsideram”, pontua a repórter do UOL.

    No mesmo sentido, Gil Luiz Mendes, repórter da Ponte Jornalismo, também concorda que há ausência de informações raciais sobre a população negra.

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    Gil Luiz Mendes ao centro | Crédito: Fernanda Rosário/ Alma Preta Jornalismo

    “Uma pauta que a gente fez chama-se 'Morte sem cor', porque a polícia dá como indefinido a cor das pessoas negras, principalmente quando cai na questão racial, em que a polícia não quer ser apontada de racista. Então os dados em relação a raça, principalmente em São Paulo, nesse recorte que a gente fez, é bem falho mesmo”, ressalta o jornalista.

    Não publicização dos dados 

    A jornalista de dados na TV Globo Ana Carolina Moreno também esteve durante o Congresso da Abraji e pontuou que enfrenta dificuldades de encontrar informações raciais em bases de dados sobre educação. De acordo com ela, este ano o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) retirou os microdados do ar por um entendimento de que poderia haver um cruzamento de informações e levar à identificação de pessoas.

    “São dados anonimizados, então, em tese, eles não estão submetidos à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, mas mesmo assim o Inep diz que daria pra fazer algum cruzamento. Então com essa alegação, em vez de talvez divulgar microdados só que sem todas as informações, eles retiraram a divulgação desses microdados”, explica.

    De acordo com ela, da forma como os dados eram disponibilizados antes era possível fazer matérias, por exemplo, mostrando a formação dos professores segunda a raça para mostrar se professores negros tinham uma formação mais precária que a de educadores brancos. Também não é possível fazer matéria detalhando o perfil racial dos estudantes da educação básica.

    “A gente usava muito esses dados para mostrar a desigualdade racial na educação. As bases educacionais eram um exemplo para o Brasil inteiro e agora houve um retrocesso enorme”, conta a jornalista de dados, que menciona outras dificuldades já enfrentada anteriormente, como problemas nas autodeclarações motivadas por estigma, por exemplo.

    Leia mais: Mídias negras e periféricas relatam suas experiências no Congresso da Abraji

    Como enfrentar essa realidade?

    A diretora da Abraji Cecília Olliveira conta que para enfrentar essa situação criou o Fogo Cruzado, que nasceu em 2016 para mapear tiroteios no Rio de Janeiro e usa a tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada.

    “A gente produz algumas informações relativas à violência armada especificamente, mas a gente também encontra dificuldades em levantar informações sobre raça, porque as nossas informações são colaborativas. Então a gente pega, por exemplo, informação da imprensa que não vem com esse dado, informação das polícias que não vem com esses dados, então também encontramos essa dificuldade”, relata Cecília.

    A repórter do UOL Lola Ferreira também conta que para lidar com casos em que dados específicos não são encontrados, ela trabalha com documentos, entra em contato com a família e entende o contexto do ocorrido.

    “Falando de saúde, quando a gente não encontra dados, a gente tenta levantar personagens que se encaixam naquilo. A gente tenta trazer especialistas que se debruçam sobre aquilo na pesquisa universitária para contextualizar aquela informação dentro de um panorama racial”, pontua.

    “Na pauta de segurança, é mais uma investigação de ir atrás dos documentos, de ouvir as pessoas. Se, felizmente, não for uma ação que terminou em morte, ouvir a própria vítima, porque muitas vezes a violência policial, quando é marcada por questões de raça, tem muito isso de ouvir”, complementa Lola Ferreira.

    A jornalista de dados Ana Carolina Morena ressalta que também faz matérias questionando a ausência dos dados.

    “Os microdados do Enem também vieram com menos informações. A gente espera que os dados do Censo Superior também sigam esse mesmo problema e que isso só deva ser resolvido com entendimentos jurídicos muito claros e concretos de que dá para divulgar essas informações ou por meio de guias e manuais de como divulgar as informações anonimizadas para garantir a proteção dos dados pessoais e também garantir informações para a sociedade”, acrescenta.

    Na mesa sobre “A cobertura da pauta trans no Brasil”, durante o Congresso da Abraji, o jornalista Caê Vasconcelos, autor do livro Transresistência, pontua que há também uma ausência de dados sobre a população trans no país e que essa também é uma informação relevante para produções jornalísticas. É raro ver fontes oficiais dando dados sobre a população trans, sobretudo com um recorte racial.

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    Mesa sobre a cobertura da pauta trans no Brasil | Crédito: Fernanda Rosário/ Alma Preta Jornalismo

    “Tem que valorizar os dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). É a Bruna Benevides, uma pessoa, que faz tudo isso. A gente tem os dados porque a Bruna para o tempo dela e ela não recebe para isso. Imagina se o Estado olhasse para esses dados? A gente precisa que o IBGE traga quantas pessoas trans existem no Brasil”, explica.

    “Se sai qualquer documento sobre segurança pública, tem que ter os dados sobre a população trans e tem que ter o recorte racial, que, como muito bem a Antra traz, historicamente mais de 80% dos assassinatos são de mulheres trans e travestis negras. Então quando a gente está falando sobre uma luta contra a transfobia, tem que ser uma luta contra o racismo. Sem esses dados a gente vai continuar sem conseguir falar de políticas públicas”, acrescenta Caê Vasconcelos.

    Para o jornalista Gil Luiz Mendes, o próprio poder público tem que buscar fiscalizar a produção de dados. “O Ministério Público fiscalizar a polícia, mas também fiscalizar todo o processo do sistema de segurança, cobrar por exemplo alguma lei e determinação que fosse obrigatório produzir dados claros”, finaliza.

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  8. Pena de fome: alimentação em presídios está longe de ser digna

    De acordo com informações da Defensoria Pública de São Paulo, atualmente o Brasil ocupa o posto de terceira maior população prisional do mundo, com mais de 800 mil pessoas encarceradas. Além disso, segundo o estudo “Alimentação e prisões: a pena de fome no sistema prisional brasileiro”, a situação que essas pessoas passam é a de má nutrição, fome, falta de água e condições sub-humanas em relação à saúde alimentar, em especial, durante a pandemia de Covid-19.

    Por meio de pedidos de acesso à informação realizados pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) às secretarias de administração penitenciária em todos os estados do país, foi possível identificar que houve negligência por parte do poder público na garantia do fornecimento de água e alimentação adequada durante a pandemia.

    Principalmente em 2020 e no primeiro semestre de 2021, muitos estados declararam que o fornecimento de água potável e para higiene pessoal às pessoas em privação de liberdade era limitado. Apenas seis dos 27 estados brasileiros informaram que, ao final de 2020, o abastecimento de água potável ocorria em tempo integral para as pessoas privadas de liberdade (Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo).

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    No mesmo sentido, o relatório produzido pela Defensoria Pública paulista aponta que a prática ilegal e desumana de racionamento de água foi constatada em 70,4% das unidades prisionais inspecionadas durante a pandemia. O resultado da negligência da alimentação e da falta de água potável, segundo o estudo, foi a sobrecarga sofrida pelos familiares das pessoas encarceradas, cabendo a eles o suprimento de tais necessidades.

    Uma das muitas faces do racismo

    As condições de alimentação das pessoas presas são descritas pela DPE-SP da seguinte forma: “pouca quantidade de alimentos; refeições pouco nutritivas e não balanceadas, compostas principalmente por carboidratos; ausência de frutas, verduras e legumes; pouca quantidade de proteína de origem animal; falta de variedade durante todo o ano; impurezas na comida, como insetos, pelos etc.”.

    Doutoranda em Humanidades, Direitos e outras Legitimidades, socióloga e pré-candidata à deputada estadual pelo PSOL-SP, a professora Najara Costa avalia que a alimentação das pessoas em situação de encarceramento é de responsabilidade do Estado. Quando este não cumpre com a sua função, é possível identificar – segundo ela – a política de morte e o racismo estrutural enraizado na sociedade brasileira, em especial, nas atitudes dos atuais governantes.

    “A saúde e a alimentação são questões interligadas, pois o indivíduo que se alimenta mal vai ter uma saúde debilitada. E essa é, sim, uma faceta do racismo estrutural, que permite que pessoas majoritariamente negras e pobres enfrentem maiores adversidades e negação de direitos, que são básicos e, portanto, morram”, analisa.

    O que a professora pontua está de acordo com o estudo da DPE-SP. Atualmente, a população carcerária brasileira é composta de 67,5% de pessoas negras, 46,4% jovens (entre 18 e 29 anos), 56% sem Ensino Fundamental I e 99,2% sem Ensino Superior.

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    Outro dado alarmante é que, de acordo com o levantamento, em todas as unidades prisionais foi observado o jejum compulsório. Entre as unidades prisionais inspecionadas, em 51,9% o intervalo entre a última refeição do dia e a primeira do dia seguinte é de 14 a 15h; em 25,9% é de 13 a 14h; em 14,8% é de 15 a 16h; em 3,7% é de 16 a 17h; em 3,7% é de 12 a 13h.

    Negligência já foi denunciada

    “O que deixa essa realidade ainda mais grave é a informação de que não há indicativos de que o poder público esteja priorizando cessar com esta situação de calamidade”. É o que indicam dados levantados pelo veículo de comunicação Brasil de Fato acerca do orçamento destinado ao sistema prisional de São Paulo.

    O artigo aponta que de 2021 para 2022 “a previsão de investimento em ‘provisão de necessidades básicas para a população carcerária’, que inclui alimentação, higiene e alojamento, aumentou 15,75%. Já o investimento em expansão de vagas e presídios saltou 345,21%.”

    Além disso, o sistema prisional do Brasil possui 58% do seu serviço de alimentação tercerizado o que, de acordo com a análise da DPE-SP, não é o bastante para suprir as necessidades alimentares e prejudica seriamente a saúde de pessoas encarceradas.

    Um exemplo ocorreu no estado do Piauí, onde seis pessoas presas morreram, em 2020, na Cadeia Pública de Altos, após um surto de beribéri, doença causada pela falta de vitamina B1 e relacionada a uma alimentação inadequada e pobre em nutrientes.

    “Cabe ressaltar, ainda, que a terceirização da alimentação nos presídios contribui para reforçar a insegurança alimentar das pessoas presas. Isto porque, desde que o Estado passou a delegar esta responsabilidade a empresas privadas, são constatados casos de corrupção na execução dos contratos”, destaca o estudo da DPE-SP.

    Em 2020, o The Intercept Brasil publicou uma reportagem que denunciava o escândalo das quentinhas no estado do Ceará, em que havia fortes indícios de que a empresa ISM Gomes de Mattos, responsável pela alimentação de 14 penitenciárias do estado, recebia por refeições duplicadas nos mesmos presídios e por refeições para presídios que ainda estavam em construção ou desativados.

    Na mesma matéria jornalística é relatado que pessoas que passaram por unidades prisionais cuja alimentação era feita pela ISM Gomes de Mattos ingeriam a mistura de papel higiênico e pasta de dente para “enganar a fome”, bem como informaram que muitos alimentos chegavam em más condições de preservação - “azedos” - e o frango, principal proteína animal, era constantemente entregue cru.

    No mesmo sentido, no estado de Goiás, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-GO) apontou indícios de que a empresa responsável pela alimentação no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia foi beneficiada no processo de licitação. Enquanto isso, o Relatório de Inspeção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), que visitou a Casa de Prisão Provisória e a Penitenciária Coronel Odenir Guimarães – ambas unidades do Complexo – relatou que os presos informaram a má qualidade da alimentação fornecida.

    “O panorama da pena de fome nos presídios brasileiros, portanto, trata-se de uma escolha do Estado e da iniciativa privada de não promover segurança alimentar às pessoas encarceradas, colocando em risco a saúde e a integridade física de pessoas sob sua custódia”, enfatiza o levantamento.

    A professora Najara Costa pontua que a alimentação de pessoas encarceradas deve ser tratada como prioridade, e não como um tabu, pois não discutir o tema resulta em exclusão de pessoas em vulnerabilidade social e danos graves à saúde dos indivíduos privados de liberdade.

    “Precisamos de políticas públicas eficazes. A sociedade necessita dessas políticas, porque isso envolve não apenas a vida de pessoas que estão encarceradas. A ausência de direitos de pessoas negras e pobres faz com que esses processos impactem de maneira muito perversa a nossa vida em sociedade”, finaliza a pré-candidata.

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  9. Nomeação do comando-geral das Polícias Militares podem acontecer por lista tríplice

    Projeto que tramita na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado modifica a legislação vigente para que o Comando-Geral das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros sejam escolhidos por meio de uma lista tríple . O PL 164/19 é de autoria do deputado José Nelto (PODE-GO) e está, nesta comissão, sob relatoria do deputado Junio Amaral (PL-MG). 

    A matéria altera um decreto de 1969 e estabelece que "o Comando-Geral das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios Federais e do Distrito Federal será exercido por um oficial da ativa do último posto da própria corporação, escolhido pelo respectivo Chefe do Executivo a partir de lista tríplice, com mandato de dois anos, sendo facultada a recondução por igual período", como consta na proposta.

    Assim, a proposta continua deixando a cargo dos governadores a nomeação dos comandos-gerais, mas modifica o texto original que diz: “O provimento do cargo de Comandante será feito por ato dos Governadores de Estado e de Territórios e do Distrito Federal, após ser o nome indicado aprovado pelo Ministro de Estado do Exército, observada a formação profissional do oficial para o exercício de Comando”, segundo a legislação.

    Segundo a justificativa escrita pelo deputado Nelto, a modificação na nomeação dos comandantes se dá, porque tais instituições estão “muito expostas aos ditames políticos dos Governadores”. “Se é verdade que os militares estaduais são diretamente subordinados aos respectivos Chefes do Executivo, também é verdade que ingerências políticas indevidas na escolha dos chefes dessas corporações têm afetado sobremaneira a sua efetividade no controle da situação nefasta de nossa segurança pública”, pondera o texto. 

    E continua: “Nesse passo, de um lado, acreditamos que o estabelecimento de lista tríplice seja medida de equilíbrio no contexto dessa seleção. Isso, porque não se retira do Governador a prerrogativa de escolher um subordinado seu para o exercício de cargo de extrema relevância, ao mesmo tempo em que se privilegia o mérito no seio dessas corporações”. 

    Além disso, o autor considera que a instituição de mandato de dois anos, prorrogáveis, gera estabilidade e segurança para o exercício do cargo. Segundo o deputado Nelto, esta é uma reapresentação do Projeto de Lei nº 4.934/2016, de autoria do ex-deputado federal Cabo Sabino.

    O relator, deputado Junior Amaral, apresentou um parecer favorável às matérias, mas pelas negociações feitas na Casa, sugeriu um aperfeiçoamento do texto. À matéria foi adicionada um parágrafo em que permite aos comandantes “elaborar a proposta orçamentária de suas corporações" desde que, "dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias do respectivo ente federado”. 

    De acordo com o texto, a alteração orçamentária ocorre para tornar a gerência das corporações e a nomeação dos comandantes “mais próxima dos preceitos militares de hierarquia e ordem, bem como com primor em relação à segurança pública”. O projeto de lei ainda se encontra em fase de discussão, sendo que no dia 12 de julho, ele foi retirado de pauta, por acordo, a pedido do relator. 

    A Alma Preta Jornalismo errou ao interpretar que a nomeação dos Comandos-Gerais seria feita pelo Chefe do Executivo do país, ou seja, o presidente da República. Tal informação não condiz com o projeto de lei em questão. Aos leitores e aos parlamentares envolvidos, pedimos desculpas. 


    Abaixo está a solicitação de mudança na reportagem feita pelo deputado Junio Amaral: 


    Solicitamos, por gentileza, a correção da matéria "Bolsonaro pode passar a nomear o comando-geral das Polícias Militares", referente ao Projeto de Lei 164/19. Como divulgado no próprio título, a matéria informa que em caso de aprovação do projeto que encontra-se na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, a escolha dos Comandantes-Gerais das Polícias Militares e Bombeiros Militares seria feita pelo Presidente da República. Ocorre que, tal matéria está incorreta, uma vez que o projeto estabelece que a escolha seja feita pelo Chefe Executivo do respectivo estado, uma vez que ambas instituições são de competência estadual. Com a aprovação, o Comando-Geral das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios Federais e do Distrito Federal será exercido por um oficial da ativa do último posto da própria corporação, escolhido pelo respectivo Chefe do Executivo a partir de lista tríplice, com mandato de dois anos, sendo facultada a recondução por igual período. Sendo assim, solicitamos a alteração da matéria, bem como a publicação de errata a fim de sanar as dúvidas e questionamentos gerados ao parlamentar em razão do conteúdo escrito erroneamente. 

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  10. PL da Câmara quer reduzir pena para pequenos furtos

    A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados deve discutir projetos de lei que podem modificar o sistema prisional brasileiro. O PL 1808/07prevê penas mais brandas em casos de furtos de pequeno valor, que impacta diretamente a parcela da população que têm cometido pequenos delitos por necessidade. Se aprovada, a matéria vai a plenário. A matéria estava na agenda desta terça-feira (12), mas foi retirada de pauta pelos participantes. 

    O PL 1808/07 é de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT) e está sob relatoria do deputado Delegado Pablo (UNIÃO-AM). A matéria diz que se o criminoso é réu primário e o furto é considerado de pequeno valor, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. Nestes casos a competência será do Juizado Especial Criminal. 

    Em sua justificativa, o autor argumenta que a medida aperfeiçoaria a legislação vigente, pois são “da competência dos Juizados Especiais Criminais causas mais lesivas ao interesse público, como crimes de abuso de poder, fraude no comércio e moeda falsa, por exemplo. Haveria, pois, de se incluir, ainda, o furto privilegiado”. 

    No entanto, o relator, em seu parecer, datado do dia 24 de junho de 2022, entendeu que a proposta é inconstitucional. No mérito do texto, ele votou pela rejeição da matéria. “Isso porque entendemos serem descabidas as alterações propostas para o Código Penal, a fim de delinear o tipo de ‘privilégio’ de furto, na medida em que a pena deste tipo penal é bastante elástica e permite a imposição da pena de forma individualizada e proporcional à conduta praticada pelo agente”, escreveu. 

    Para o direito criminal, em situações de furtos, algo de pequeno valor é a que não ultrapassa um salário mínimo. Já algo de valor insignificante é o que, de tão inexpressivo, sequer merece a proteção da justiça.

    Se aprovado em plenário, o projeto pode tirar das grades, por exemplo, casos crescentes de furtos famélicos - aqueles que são motivados pela necessidade e fome. Tais casos aumentaram graças à crise econômica, inflação, aumento da desigualdade e da insegurança alimentar, além da dificuldade na gerência da pandemia pelo governo Bolsonaro. 

    Dados do Supremo Tribunal Federal (STF) demonstra que mais de 3100 processos que envolvem a aplicação do princípio da insignificância, ou da bagatela, passaram pela corte desde 2010. Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2008 até o início de 2022, tramitaram cerca de 2300 casos desta natureza. 

    O advogado criminalista Jonatas Moreth avaliou que o PL 1808/07 é, em certo ponto, positivo, pois trata que coisas de pequeno valor como celulares, por exemplo. Para ele, mesmo que não seja tão insignificante este tipo de crime tem baixo índice de violência e, se propostas de diminuição de penas forem implementadas, pode ajudar a diminuir o encarceramento da juventude negra. 

    “Adolescentes que praticam seus primeiros delitos, por exemplo, tendem a ficar muito tempo encarcerados. Esse é um PL benéfico, a pensar de precisar de mais regulamentação e definição tecnica”, disse o advogado. 

    De acordo com o jurista Djeff Amadeus, coordenador do Instituto de Defesa da População Negra, uma lei semelhante é aplicada a funcionários públicos que possam cometer furtos em algum órgão. Segundo o advogado, o profissional pode fazer um ressarcimento ao erário e não cumprir qualquer pena, mas uma pessoa pobre não tem esse direito. 

    Para ele, essa lei já deveria existir a muito tempo e ir além. “Isso poderia ser resolvido com a justiça restaurativa, com acordos entre a parte lesionada e o agente do furto. Também é uma máquina inviável economicamente, já que é necessário toda a estrutura do sistema judiciário para investigar e prender um cidadão que furtou algo de pequeno valor”, conclui.  

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  11. Crimes com motivação política devem ter pena de até 30 anos, propõe PL

    No início da semana, o assassinato do guarda municipal e tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), Marcelo Arruda, chocou o país diante da brutalidade motivada por intolerância política.

    Dentro da sua própria festa de aniversário, que fazia alusão ao PT, Arruda foi morto a tiros pelo agente penitenciário e apoiador do presidente Jair Bolsonaro, Jorge José da Rocha, que segue internado em estado grave e segue sob custódia policial.

    Em 2018, um dia após o primeiro turno das eleições, o mestre de capoeira Moa do Katendê foi morto de forma semelhante em um bar, em Salvador. Após uma discussão política, Moa foi atacado e esfaqueado por um eleitor de Jair Bolsonaro depois de revelar que votava no então candidato Fernando Haddad, do PT. O responsável pelo crime, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, foi condenado a 22 anos e atualmente cumpre pena na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador.

    Crimes como esses, motivados por divergência política, podem receber uma penalidade maior, segundo propõe o projeto de Lei (PL) 1961/2022, apresentado pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG).

    O texto prevê alteração no Código Penal, com finalidade de aplicar mais rigor aos crimes de homicídio cometidos por intolerância política, com tipificação do crime em homicídio qualificado e aplicação da pena de 12 até 30 anos.

    "Hoje as pessoas têm medo de sair na rua com a camisa ou a bandeira de seu candidato, com um simples bóton, ou adesivar seu carro. Temem, por isso, serem agredidas, violentadas ou mesmo mortas. O que era para ser a grande festa da democracia – as eleições – tem, infelizmente, se tornado motivo de temor", cita o relator do PL.

    O PL foi encaminhado ao Plenário do Senado Federal e agora aguarda tramitação pelas demais comissões. Conforme o senador, é necessário conter atos que ferem a democracia no país.

    "Precisamos inibir ações que atentem contra a democracia e contra a liberdade do cidadão de manter suas crenças e ideologias políticas e poder se expressar sem temer por sua vida", completa.

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  12. PL prevê prevenção ao suicídio de agentes de segurança pública

    O Projeto de Lei nº 4815/2019 quer implementar ações de assistência social, promoção da saúde mental e prevenção ao suicídio entre profissionais de segurança pública e defesa social. A matéria, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), sujeita à apreciação no plenário da Câmara e tramita em regime de urgência.

    Sob relatoria do deputado Capitão Augusto (PL-SP), o projeto pretende também promover o acompanhamento psicológico preventivo e multidisciplinar aos familiares dos agentes e a realização de conferências para debater as diretrizes dos planos de segurança pública e defesa social.

    A este PL foram adicionados outros sete, que serão votados e relatados em conjunto. Todos eles versam sobre a instituição de políticas de direitos humanos, saúde mental e prevenção de riscos para os profissionais que lidam diretamente com a segurança pública.

    Segundo o relator, o índice de suicídios de policiais militares é enorme, decorrente da pressão que sofrem em atividade. “Não é ao acaso que o nível de alcoolismo têm aumentado entre os agentes, causando grandes problemas familiares. É preciso que sejam estudados caso a caso, ampliar o atendimento de saúde mental para que questões como estresse e ansiedade sejam minimizados ou resolvidos”, disse o deputado à Alma Preta Jornalismo.

    No texto, o projeto modifica as diretrizes do Pró-Vida - Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança - e determina que o programa passe a publicar anualmente os dados sobre saúde mental dos profissionais de segurança. Além disso, deverá desenvolver ações de combate a todas as formas de discriminação e preconceito, a fim de promover uma cultura de respeito aos direitos humanos.

    De acordo com o último boletim do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES) mostra que em 2020 houveram 122 casos de atentados contra a própria vida cometidos por agentes de segurança pública, média de um a cada três dias. O IPPES calcula esses dados anualmente, desde 2017, para que se pensem as políticas públicas específicas.

    Dos 122 casos, 71 registros são de suicídios consumados, 26 de tentativas de suicídio e 14 de homicídios seguidos de suicídio. Do total, 90 ocorreram em unidades da Polícia Militar, 12 na Polícia Civil, 8 no Corpo de Bombeiros Militar, 4 na Polícia Penal, 3 nas Forças Armadas, 3 na Polícia Rodoviária Federal, 1 na Polícia Federal e 1 em uma Guarda Municipal.

    Os estados com maiores taxas de violência contra si mesmo foram o Amapá e Alagoas. A maioria dos funcionários estão na ativa e são de baixa patente, ou seja, praças.

    O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse que o projeto é meritório. Para ele, são profissionais imprescindíveis para o país que precisam de assistência psicológica e social em razão dos desgastes que o exercício da profissão enseja.

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    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  13. "Quebradinha": a arte da favela em miniatura

    Quando criança, Marcelino Melo saia pelas ruas da cidade de Carneiros, no sertão de Alagoas, em busca de materiais que pudessem ser transformados em brinquedos. De origem pobre, foi no lixo que encontrou a possibilidade de ressignificar o que era descartado para transformar em arte. Foi quando chegou em São Paulo, em 2008, que o artista visual, conhecido como "Nenê", passou a dar vida ao que seria um dos seus grandes trabalhos: o "Quebradinha", projeto que utiliza materiais recicláveis para recriar casas e elementos das favelas em formato de miniatura.

    Morador do Jardim Piracuama, no Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, Nenê conta que o projeto nasceu a partir de um processo de terapia e, diante da necessidade de transformar a sua auto-observação em memória, resolveu criar casinhas que também rememoram trechos da sua história.

    "Todas as casinhas, por mais que elas passem por histórias que todo mundo vá se identificar, ela parte necessariamente de elementos da minha vida para que eu não esqueça. E eu não falo isso especificamente, eu crio, jogo e solto, agora é do mundo [...] Na prática, não é nada sobre mim, mas para as pessoas e isso é muito bom", diz o artista.

    Lajes, paredes sem reboco, caixa d'água, telhados, tudo se transforma em miniatura nas mãos do artista, que também é fotógrafo aéreo, arteducador e produtor. Todos os itens são medidos em proporção 1 por 20 e dentre os materiais utilizados estão garrafas pet, papelão, entre outros recicláveis encontrados pelas ruas.

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    Lajes, paredes sem reboco, caixa d'água, telhados, tudo se transforma em miniatura nas mãos do artista | Foto: Divulgação/Léu Britto

    As "Quebradinhas", como são chamadas as moradias, fizeram tanto sucesso que chamam atenção nas redes sociais. Com pouco mais de 180 mil seguidores, no perfil do projeto é possível encontrar imagens dos cenários que fazem parte do cotidiano das favelas. As miniaturas são tão detalhadas que se confundem com a realidade.

    O artista conta que as obras têm transformado a leitura que algumas pessoas têm da favela. Segundo Nenê, pessoas chegam a comentar que as miniaturas a fizeram resgatar lembranças afetivas das suas vidas e outras até se emocionam.

    "A gente tem um problema que é de olhar a favela só como um complexo de casas, quando a favela não é só isso [...] Se a gente for trazer para a luta preta, aquilo é de fato um quilombo em todas as coisas, desde o sentido de comunidade - de olhar as crianças pequenas na rua, por exemplo - como do cuidado, da afetividade", relata.

    Uma das obras, o "Quebradinha 8 (Nova Canindé)", é inspirado na história e obra da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus, mulher negra, pobre, catadora de recicláveis e moradora da Nova Canindé, considerada uma das primeiras favelas de São Paulo.

    Com uma parede que traz a ilustração da escritora, a casinha, que retrata um barraco de madeira, traz elementos que levantam discussões como a pobreza, a fome e o agravamento da desigualdade social no Brasil durante a pandemia da covid-19.

    "É uma casinha que pretende passar visualmente por pelo menos três décadas: 1960, pegando a história da Carolina, o barraco e os elementos literários que remetem à Carolina; 1990, o boom aqui em São Paulo dos barracos de pau, do esgoto à céu aberto, que sumiu até 2020, quando surge de novo novas favelas com essa estética de pau", explica Nenê.

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    "Sem muita romantização, os elementos passam a ser ressignificados na 'Quebradinha' e as pessoas, tanto de favela ou não, passam a ter uma outra leitura dos elementos. A minha porta maior não é, necessariamente, uma casinha, a estrutura da casa, mas nos elementos porque eles me ajudam a contar histórias e aí o resto é com quem tá vendo, a interpretação é alheia", completa.

    Em São Paulo, as obras do projeto "Quebradinha" podem ser conferidas de perto na exposição "Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros", no Sesc Sorocaba, no interior paulista.

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    Obras do projeto "Quebradinha" estão em exibição na exposição "Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros", no Sesc Sorocaba (SP) | Foto: Divulgação/Léu Britto

    A exibição, que teve início no dia 16 de junho, fica disponível até o dia 25 de setembro. Em novembro, as obras do artista "Nenê" serão exibidas em uma exposição coletiva no Centro Cultural de São Paulo, que acontece em novembro, ainda sem data marcada.

    Para o futuro, "Nenê" planeja lançar obras inéditas e intervenções nas ruas do país. Por fim, o multiartista relata que espera romper com a bolha do mercado artístico e colocar a produção negra em evidência.

    "Eu quero estar no mundo. Eu quero que a 'Quebradinha' esteja no Louvre, na Bienal de Veneza... Tô com essa ótica, apontando para e emanando energia", finaliza.

    Leia também: IMS Paulista inaugura exposição sobre a vida, a obra e o legado da escritora Carolina Maria de Jesus

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  14. Brasil cria quase meio milhão de vagas em prisões e não investe em livros

    Nas últimas duas décadas o Brasil ocorreu um fenômeno de crescimento  no total de vagas para presos em penitenciária, a alta foi de 253,4%, entre 2003 e 2021, segundo os dados do Anuário de Segurança Pública. Atualmente, o país tem 634.469 vagas para presos; há 20 anos, eram 179.489 vagas.

    “A prisão não consegue cumprir com seus objetivos iniciais que é o de ressocialização, do combate à criminalidade e da manutenção da paz social. Ao contrário, ele produz e reproduz a barbárie a partir de uma lógica da vingança racial superlotando celas, cadeias e sistemas socioeducativos com o povo preto e indígena”, pontua a advogada Dina Alves, pesquisadora do sistema carcerário no Brasil pelo viés interseccional.

    No mesmo período, segundo levantamento feito pela Alma Preta Jornalismo, o total de escolas que receberam livros didáticos para os anos do ensino fundamental apresentou uma queda de 8,7%. Em 2003, o PNLD (Programa Nacional de Livros Didáticos) atendeu 149.968 escolas em todo o país. Em 2020, foram 136.887 escolas, cerca de 13 mil escolas a menos do que em 2003, segundo os balanços apresentados pelo Ministério da Educação.

    Nos últimos anos, o melhor desempenho do programa de distribuição de livros foi em 2017, quando chegou a 146.334 escolas. No ano seguinte, porém, teve uma queda e chegou a 85.777 escolas, um dos piores resultados da década.

    Em 2019, segundo o Ministério da Educação, os livros foram distribuídos para alunos do ensino fundamental de 141.006 escolas, ou seja, de 2019 para 2020, mais de 4.200 escolas deixaram de receber livros do governo no Brasil.

    Em contrapartida, o total de novas vagas em penitenciários teve crescimento acelerado nas duas últimas décadas. De 2010 para 2016, o total foi de 281.520 para 446.874 vagas, alta de 58,7% em seis anos. De 2016 para 2021, o total de vagas nas cadeias apresentou uma alta de 41,9%.

    A condenação de pessoas no Brasil também teve uma aceleração nesses 20 últimos anos, o total de vagas nunca foi o suficiente para o total de presos. Em 2003, eram 308.304 presos para 179.489 vagas existentes e em 2021 chegou a 820.689 presos para 634.469 vagas. Há 20 anos, eram 1,71 preso/vaga e agora são 1,29 preso/vaga.

    Como alternativa para o volume elevado de encarceramento no Brasil, há cada vez maior adesão ao abolicionismo penal, uma corrente política que visa deslegitimar a lógica punitivista e propõe a retirada de determinadas condutas de leis penais e a extinção da pena para a prática de determinadas condutas.

    “O abolicionismo penal como uma forma de mediação de conflitos, de experimentar nova de sociabilidade humana, a gente abre a discussão para a compreensão da eclosão do encarceramento em massa que não pode ser desatrelada das inúmeras iniciativas de reforma e humanização das prisões que implicam sempre na sua naturalização e na humanização da barbárie, a qual é sempre retomada a cada modelo de governo, que enxerga na punição sua única via de existência”, afirma a advogada e militante do Movimento Negro Dina Alves.

    Segundo os abolicionistas penais, o encarceramento de jovens, na sua maioria negros, por delitos não-violentos, gera destabilidade social e vulnerabilidade por conta do rompimento de vínculos familiares, empobrecimento das famílias e aumento da criminalidade derivada da infuência das facções em quase todas as cadeias do Brasil.

    Lendo menos

    Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil realizada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Itaú Cultural, feita de quatro em quatro anos, o brasileiro leu, em média, 2,5 livros inteiros em 2019. Cerca de 48% dos entrevistados, com mais de cinco anos de idade, não leram nenhum livro nos últimos 12 meses. Além disso, em média, o brasileiro começou a ler, mas não concluiu a leitura de 2,4 livros em 2019.

    De 2015 para 2019, a porcentagem de leitores no Brasil caiu de 56% para 52%, foi uma perda de mais de 4,6 milhões de leitores.

    Foram feitas 8.076 entrevistas em 208 municípios entre outubro de 2019 e janeiro de 2020. Entre os entrevistados, 4% disseram não saber ler, outros 19% disseram ler muito devagar; 13%, não ter concentração suficiente para ler; e, 9% não compreender a maior parte do que leem.

    Segundo a pesquisa, 5% dos leitores e 1% dos não leitores disseram não ter lido mais porque os livros são caros; e, 7% dos leitores e 2% dos não leitores não leram porque não há bibliotecas por perto.

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  15. Violência policial pode ser a causa de estresse pós-traumático em pessoas negras

    Era pra ser uma saída com amigos pelas ruas do Pelourinho, em Salvador, quando Gisele Soares, que estava com três amigos em frente a uma banca de livros, foi surpreendida com a violência de um guarda municipal que queria estacionar uma viatura onde ela estava.

    Mulher negra, Gisele conta que se assustou ao ver o guarda apontar uma arma para ela e xingá-la apenas pelo fato de ela não ter visto que ele tentava estacionar. Em uma rede social, a dançarina fez um relato de denúncia.

    "Infelizmente acabei desenvolvendo fortes dores de cabeça e noites sem dormir devido ao medo por todo ocorrido, crises de ansiedade e pânico", relata Gisele, moradora e mobilizadora do Centro Histórico de Salvador e dançarina.

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    A artista Gisele Soares fez um relato de denúncia nas redes sociais | Foto: Reprodução/Instagram

    Situações de ameaças, xingamentos e agressões em abordagens policiais, vivenciadas principalmente pela população negra, podem ocasionar o desenvolvimento de doenças e transtornos psicológicos, como os transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) e de estresse agudo (TEA).

    Segundo o psicólogo e pesquisador em saúde mental da população negra, Adelmo Filho, os impactos do trauma podem gerar depressão e ansiedade.

    " [...] São algumas das consequências mais comuns, principalmente o transtorno de estresse pós-traumático e o transtorno de estresse agudo, onde as pessoas que vivenciam o trauma se encontram em constante estado de alerta, como se a qualquer momento pudessem ser vítimas dessa ou de outra violência", explica o profissional.

    Conforme o profissional, também é possível que os impactos psicológicos influenciem no surgimento de sintomas físicos, chamadas de doenças psicossomáticas.

    Em um dos relatos na rede social, a dançarina Gisele Soares conta que, além dos transtornos emocionais ocasionados pela truculência, ela acabou desenvolvendo uma dermatite seborréica, o que também tem afetado a sua autoestima.

    "Fico pensando que eu, enquanto vítima, continuo pagando, sofrendo por um erro que não cometi e me pergunto que erro foi esse? Será que a minha cor de pele é um erro? Não, mas infelizmente mesmo vivendo em um país onde a população negra é suma maioria, ainda sofremos agressões como esta", desabafa a artista.

    'Sentimento de humilhação e vergonha'

    Após cinco meses da truculência policial, a dançarina Gisele Soares diz que, até o momento, a Guarda Municipal de Salvador (GCM) não tomou providências sobre o ocorrido. Apesar de ter prestado depoimento na Corregedoria da GCM, nenhuma das testemunhas que estavam com ela foram convocadas para dar seguimento ao processo.

    "Sem nenhum retorno e sem saber quais providências serão tomadas, isso é se realmente vai ter alguma providência ou se será só mais um de muitos outros casos 'isolados'", aponta.

    Para ela, o sentimento que fica é de impotência, humilhação e vergonha. "O que vivenciei me gerou sentimentos de humilhação, ira, vergonha e impotência; preocupação constante pelo trauma; auto-culpabilização; Ter que passar pelo local diariamente com tendência a reviver e perceber o acontecimento como responsável principal pelo mesmo, sendo eu a vítima", comenta.

    A Alma Preta Jornalismo pediu um posicionamento da GCM em relação ao caso de Gisele Soares, e, em nota, a Guarda respondeu que ouviu o agente envolvido, através da Corregedoria do órgão, e o procedimento foi concluído e arquivado "em razão da verificação da inexistência de prática de infração funcional no episódio, com o envio de cópia do processo ao Ministério Público Estadual".

    A Guarda também informou que "atua diariamente buscando o bem dos nossos cidadãos e que os seus agentes são orientados para o desempenho de suas tarefas como garantidores de direitos, de forma cordial, respeitosa e dentro dos limites da lei".

    'O racismo institucional pode ser mais um fator de adoecimento'

    Em fevereiro de 2020, um adolescente negro agredido por um PM e vítima de racismo por causa do cabelo black disse que ia cortar o cabelo por causa do trauma. À época, o jovem disse que usava o black há pelo menos um ano e que foi a primeira vez que havia sido discriminado.

    A truculência policial, que ganhou repercussão nacional, aconteceu na região do Subúrbio de Salvador e a violência foi registrada por um vídeo gravado por um morador. Durante a abordagem, o policial diz:

    "Você é trabalhador, é v*ado, com esse cabelo? Para mim, você é ladrão, é vagabundo. Olha a desgraça desse cabelo", diz o PM, que em seguida tira o chapéu do jovem de 16 anos, dá dois socos na costela e um no rosto do rapaz.

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    Olha a desgraça desse cabelo", diz o PM ao agredir adolescente negro | Foto: Reprodução/Youtube

    No processo, ao qual a Alma Preta Jornalismo teve acesso, o PM, identificado como Laercio Sacramento, chega a dizer que o jovem agiu de forma desrespeitosa durante a abordagem e que, após o chapéu do rapaz cair, viu que o cabelo dele estava pintado de cor amarela, que - segundo o PM - se trata de cores utilizadas por integrantes de facção. Atualmente, o PM Laercio Sacramento cumpre funções administrativas e o processo segue em aberto.

    Para além da situação do trauma devido à truculência, a sensação de desamparo judicial e o racismo institucional é visto como a reprodução de um ciclo de violência, o que também gera impactos na saúde mental da população negra, conforme analisa o psicólogo Adelmo Filho.

    "Após passar por uma situação de violência e trauma, costuma-se buscar, minimamente, um espaço de acolhimento. Então imagine que você vai em busca de um espaço que deveria lhe proporcionar segurança, cuidado e acolhimento e você pode ser mais uma vez vítima de violência? O racismo institucional pode ser, sim, mais um fator de adoecimento ou de agravo deste. O racismo em si já é adoecedor e atinge a população negra em diversos níveis", comenta o psicólogo.

    De acordo com o profissional, é necessário que os espaços institucionais e de acolhimento estejam cientes do cenário social para evitar maiores danos psíquicos para a população negra e outras minorias sociais. Para ele, a educação deve ser uma aliada na conscientização social.

    "Quando falo da via educacional, é para que a sociedade se responsabilize já que ela é a maior causadora dessas violências e danos à saúde das pessoas negras. Não adianta fazer com que a vítima possa criar novos escudos se as armas sociais do racismo se tornam cada vez maiores e mais violentas", completa.

    Leia também: SP: caso de preso espancado por causa de um ovo em presídio é arquivado

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  16. Brasil criou primeira lei antirracista após hotel negar hospedagem a dançarina negra americana

    A primeira lei contra a discriminação racial completa 71 anos. Em 3 de julho de 1951, o presidente Getúlio Vargas sancionou a lei 1.390/51, do deputado Afonso Arinos, que em nove artigos definia como contravenção penal a discriminação racial em comércios, hotéis e órgãos públicos. De acordo com informações da Fundação Cultural Palmares, o projeto foi motivado por um caso de racismo contra uma bailarina negra. Katherine Dunham, afro-americana, foi impedida de se hospedar em um hotel em São Paulo devido à sua cor de pele.

    A lei Afonso Arinos tramitou por cinco meses na Câmara dos Deputados, recebeu uma emenda do deputado Hermes Lima, foi avaliada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e aprovada por unanimidade no plenário da Câmara em 15 de dezembro.

    No Senado, a tramitação do projeto de lei contra a discriminação demorou seis meses e foi acompanhado de perto pela população, na época, por conta de um caso de racismo contra uma cantora e bailarina negra dos EUA que não foi aceita como hóspede em um hotel de São Paulo.

    "Precisou acontecer um escândalo de repercussão internacional para o Brasil começar a se mexer em relação ao racismo", comenta Irapuã Santana, presidente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil-SP).

    Na própria Câmara dos Deputados, onde tramitou a lei Afonso Arinos, ocorreu um caso de discriminação racial. Em 1904, poucos anos após a Proclamação da República o advogado negro Manuel Monteiro da Mota Lopes, conhecido como Monteiro Lopes, foi eleito deputado federal, mas não foi diplomado como legislador, pois foi discriminado por conta da sua raça.

    Cinco anos depois, em janeiro de 1909, o pernambucano Monteiro Lopes disputou a eleição e novamente foi eleito.

    Dessa vez, houve uma grande mobilização popular liderada por grupos de homens negros de Campinas (SP), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE) para reivindicar que o parlamentar fosse empossado. Como deputado, o primeiro negro da história do Brasil, Monteiro Lopes apresentou projetos de interesse popular contra o trabalho infantil, por melhores aposentadorias, contra a exploração dos operários e propôs a criação do Ministério do Trabalho.

    Infelizmente, em 1910, pouco mais de um ano após a posse, Monteiro Lopes morreu sem terminar o mandato, aos 43 anos de idade.

    Lei Caó

    Afonso Arinos, que era um advogado branco nascido em Minas Gerais e que anos depois se tornou membro da Academia Brasileira de Letras. A lei que ele criou e leva o seu nome ficou em vigor até 1989, quando a legislação sobre racismo no Brasil foi atualizada com a lei 7.716/89.

    Essa nova lei foi apresentada pelo deputado federal negro Carlos Alberto Oliveira dos Santos, conhecido como Caó, que era advogado e jornalista. Por conta da sua luta contra o racismo e pela sua militância no movimento negro, a lei é chamada até hoje de Lei Caó.

    "Na época da lei Afonso Arinos, o combate ao racismo, ainda era algo só 'para inglês ver', não chegava a ser um crime, era uma infração de menor potencial ofensivo, uma contravenção. Era uma espécie de sinalização de virtude, sem ter uma preocupação contra a disseminação do racismo", pondera Irapuã Santana, da OAB-SP.

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  17. Suspensão de despejos até outubro deve proteger mais de 42 mil famílias em SP

    Mais de 42 mil famílias ameaçadas de despejo em São Paulo têm sua proteção garantida contra reintegrações de posse e desocupação de imóveis até 31 de outubro. Foi divulgada hoje a prorrogação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que suspende despejos no Brasil em área urbana ou rural enquanto perdurarem os efeitos da crise sanitária da Covid-19.

    De acordo com relatório assinado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, a decisão de prorrogação é justificada pelo aumento da pobreza, do desemprego e da fome nos últimos anos, além da tendência de alta nos casos de Covid-19 no Brasil no último mês.

    “Entre 19 e 25 de junho, o Brasil teve a semana epidemiológica com mais casos desde fevereiro, com 368.457 infecções pela doença em todo o território nacional. Os dados epidemiológicos indicam que o vírus da Covid-19 ainda é responsável por um registro muito maior de mortes do que outros vírus respiratórios”, aponta o relatório.

    Os dados levantados pela Campanha Despejo Zero, também destacados na decisão do Ministro Barroso, revelam que houve um aumento de 655% no número de famílias ameaçadas de perder sua moradia desde o início da pandemia e um aumento de 393% no número de famílias despejadas mesmo durante o período da crise sanitária.

    O estudo indica que são mais de meio milhão de pessoas ameaçadas de despejo no Brasil atualmente, sendo que existem pelo menos 97.391 crianças e 95.113 idosos entre os ameaçados. São Paulo lidera o ranking de estados com mais famílias em risco - mais 40 mil - e também o estado em que mais famílias foram despejadas mesmo em meio a pandemia - mais de 6 mil.

    Segundo Bianca Tavolari, professora do Insper e pesquisadora do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (CEBRAP), a decisão tomada pelo Ministro Barroso é histórica, porque concede um prazo maior para a suspensão de despejos e também indica condicionantes para que haja uma transição gradual quando for retirada a medida da ADPF.

    “Um ponto importante que o ministro indica na decisão e já vinha sinalizando nas outras decisões cautelares que determinaram a prorrogação dos despejos é de que tem de haver uma transição. Não é possível simplesmente prorrogar indefinidamente, então é preciso ter uma transição. A grande novidade é que o Ministro Barroso citou uma série de condicionantes para que seja pensado um regime de transição para que os despejos e as reintegrações de posse possam voltar a acontecer”, explica a professora do Insper.

    O relatório do STF com a decisão destaca que, em um regime de transição para a retomada da execução das decisões suspensas pela ação, a normalidade deve retornar de forma gradual e escalonada, assegurando que as desocupações coletivas - em se mostrando a solução mais adequada ao caso - sejam realizadas com respeito a dignidade das famílias. A Corte também concede ao Poder Legislativo um prazo para incidir sobre o tema, não descartando a hipótese de intervenção judicial em caso de omissão.

    O documento também indica uma série de contribuições elaboradas por partidos, órgãos colegiados, entidades da sociedade civil e movimentos sociais para ajudar na construção da retomada após a vigência da ADPF 828.

    Algumas dessas contribuições são: a necessidade de que a remoção forçada de populações em situação de vulnerabilidade seja tratada como uma medida excepcional, a necessidade de prévia elaboração de um plano de desocupação com a participação dos atingidos em casos inevitáveis, a garantia de reassentamento das populações afetadas em locais adequados para fins de moradia ou a garantia de acesso à terra produtiva e a concessão de prazos razoáveis para a retirada.

    “Seria simplesmente um flagelo social de grande magnitude se de um dia para o outro essas pessoas fossem removidas ou despejadas e ficassem sem ter pra onde ir”, reforça Bianca Tavolari.

    Propostas em tramitação e discussão

    Várias dessas propostas feitas para uma transição gradual foram incorporadas ao Projeto de Lei (PL) nº 1.501/2022, de autoria da deputada federal Natália Bonavides (PT - RN). A proposta busca responsabilizar o Estado, em suas diferentes esferas - para assegurar o direito à moradia adequada a famílias sob ameaça de despejo de regiões urbanas e rurais.

    Outro projeto de lei (PL 1.718/2022), apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), busca prorrogar a Lei 14.216/2021, sobre suspensão de despejos, até 31 de março de 2023, com o objetivo de minimizar efeitos econômicos e sociais causados pela pandemia.

    Na última quarta-feira (29), houve uma audiência pública na cidade de São Paulo que debateu sobre a paralisação de remoções e despejos durante a pandemia. Entre os debates, estava em pauta o PL 118/2021, chamado PL do Despejo Zero, de autoria da vereadora Juliana Cardoso (PT), com coautoria dos vereadores Silvia da Bancada Feminista (PSOL) e Eduardo Suplicy (PT). O projeto prevê a suspensão de medidas judiciais, extrajudiciais ou administrativas que resultem em despejos e remoções durante a pandemia e enquanto perdurarem seus impactos.

    O PL 200/2019, de autoria do vereador Eduardo Suplicy (PT) e que cria um protocolo unificado para as remoções na capital paulista, também esteve em debate.

    “Com a prorrogação da ADPF até outubro, nós ganhamos um pouco mais de prazo aqui no município de São Paulo porém não é um prazo muito longo, então nós temos, sim, a necessidade da aprovação na câmara municipal desses dois projetos de lei muito importantes”, pontua a vereadora Silvia da Bancada Feminista.

    De acordo com a vereadora, além da importância de aprovação dos projetos no município de São Paulo, também tem a questão a médio e longo prazo da construção das moradias populares.

    “A Secretaria de Habitação prometeu a entrega de 45 mil unidades o mais rápido possível, mas isso ainda está demorando e é por via de parceria público-privada que nós também queremos priorizar, pelo Programa Pode Entrar, a questão dessas moradias. Essas unidades ainda são insuficientes perto do déficit da cidade de SP de 500 mil moradias, então a gente acha que tem que acelerar a implementação do Programa Pode Entrar”, enfatiza a vereadora.

    Por último, Silvia aponta uma outra questão que são os projetos de locação social. “Achamos que a prefeitura deveria ter um fundo público de habitação que pudesse disponibilizar essas habitações para o aluguel social, que é uma forma emergencial de sanar a demanda por moradia popular”, complementa.

    De acordo com dados da Campanha Despejo Zero, a população de rua poderia quadruplicar se a suspensão dos despejos não fosse prorrogada. “Diante da atual crise econômica e social, também é notável a mudança no perfil do morador de rua. Atualmente é visível um maior contingente composto por mulheres, crianças, idosos e famílias inteiras”, destacam.

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    Dados da Campanha Despejo Zero revelam a importância da suspensão das remoções | Crédito: Elineudo Meira / @fotografia.75

    Como noticiado em matéria anterior da Alma Preta Jornalismo, a justiça de São Paulo é a que menos cumpre decisão do STF sobre despejos na pandemia, concentrando mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo por descumprimento da ADPF, segundo dados do levantamento realizado pelo Insper. 

    Até 30 de janeiro de 2022, segundo o estudo, 53 das 102 decisões do STF que determinavam a suspensão de despejos na pandemia eram de ações originárias de São Paulo. Segundo dados do Censo da População em Situação de Rua de São Paulo de 2021, a população em situação de rua da capital paulista cresceu 31% nos últimos dois anos.

    De acordo com Benedito Roberto Barbosa, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, os despejos coletivos geram um número grande de população em situação de rua, especialmente quando acontecem nas áreas centrais da cidade. Além disso, os despejos individuais também são um outro lado, difícil até do movimento social alcançar.

    “Os números são alarmantes da população em situação de rua no Brasil, impactados pela situação dos despejos, tanto dos coletivos como também dos individuais. Por isso que [a suspensão] é fundamental neste momento ainda, até que se construa uma resolução definitiva”, destaca Benedito Barbosa, também integrante da articulação nacional da Campanha Despejo Zero.

    O advogado também destaca que hoje há uma série de debates em relação ao tema dos despejos e dezenas de pedidos de suspensão seguindo no Supremo Tribunal Federal. Está acontecendo també, no Conselho Nacional de Justiça, um debate sobre a atuação dos tribunais de justiça em âmbito estadual e também dos tribunais federais de justiça sobre o cumprimento ou não de ordem de reintegração de posse com base na garantia dos direitos humanos.

    “Esse debate também está sendo feito no Conselho Nacional de Justiça que deve emitir uma resolução em breve sobre o tema, que será utilizada para que os tribunais tratem de uma forma diferenciada os conflitos pelas terras urbanas e rurais nos estados. Em algum momento é preciso encontrar uma modulação definitiva sobre o tratamento dos conflitos fundiários no Brasil”, finaliza Benedito Barbosa.

    Leia também: Convenção 169: tratado faz 33 anos de proteção a povos tradicionais e luta por direitos

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  18. Ministério da Saúde lança cartilha que contraria legislação sobre aborto

    “Não basta eleger um governo progressista, que esteja conectado com as demandas populares, é preciso também ampliar a bancada de mulheres, sobretudo de mulheres negras, para que nossas propostas tenham ressonância e sejam vitoriosas”, diz a deputada federal Taliria Petrone (PSOL-RJ) sobre os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e meninas no país. Segundo ela, é preciso mais mulheres negras nos legislativos, para impedir os retrocessos impostos pelo governo Bolsonaro e para avançar em novos direitos, como o aborto legal.

    Em meio a casos emblemáticos de violação de direitos sexuais e reprodutivos, como a de uma menina de 11 anos, em Tijucas (SC), que foi impedida de fazer um aborto legal pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e questionada sobre manter a gravidez pela juíza de seu caso, o Ministério da Saúde realizou, na manhã desta terça-feira (28), uma audiência pública para discutir o novo manual para atenção e acolhimento de mulheres vítimas de violência sexual nas unidades públicas de saúde. A publicação, que teve um resumo vazado no início de junho, é criticada por organizações de defesa das mulheres por criar novos obstáculos no acesso à interrupção da gravidez prevista em lei.

    Um dos pontos que gerou polêmica na discussão do manual diz respeito ao entendimento jurídico do aborto, em que diz que “todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno”. A versão apresentada não condiz com o código penal. Pela lei, as situações legais de aborto estão previstas nos incisos do artigo 128, e não na forma de exclusão de ilicitude.

    Além da incompatibilidade legislativa, o texto da cartilha pode criar margem para condicionar a realização do aborto legal para vítimas de estupro a uma investigação policial, o que dificultaria ainda mais o acesso ao serviço.

    Agenda bolsonarista em prática 

    O número de projetos que criminalizam o aborto apresentados no Congresso desde o início do governo Bolsonaro disparou: foram 43 apenas em 2019 e 2020 – a maioria propondo leis mais severas contra a interrupção voluntária da gravidez. É praticamente o mesmo número de proposições legislativas sobre o assunto apresentadas na Câmara em 23 anos (entre 1995 e 2018), segundo levantamento do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA).

    O Estatuto do Nascituro (PL 434/2021), por exemplo, que está em discussão no Congresso, proíbe a interrupção da gravidez de qualquer forma, até mesmo nos casos já previstos em lei. A agenda é uma das principais pautas da Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e Direito à Vida, encabeçada pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ).

    Segundo Priscilla Brito, assessora técnica do CFEMEA, apesar do Brasil ser signatário de diversos tratados internacionais e do Supremo Tribunal Federal (STF) admitir o direito ao aborto em caso de anencefalia, além das situações de violência sexual e que a gravidez põe em risco a vida da mulher, a fragilidade maior está no atendimento do sistema de saúde. 

    “[Antes do governo Bolsonaro] Existiam algumas normas e portarias do Ministério da Saúde para que as mulheres e meninas não precisassem provar a violência sexual ou o aborto espontâneo. Agora, essas normativas caíram e o entendimento dos profissionais de saúde de não fazer o procedimento alegando questões religiosas, por exemplo, se sobrepõe ao direito das mulheres de serem atendidas dignamente”, afirma a assessora CFEMEA, organização não-governamental brasileira, fundada em 1989 e dedicada a estudos de mulheres, sobre feminismo, direitos humanos, democracia e igualdade racial. 

    Para Priscilla, o novo manual do Ministério sobrepõe o direito dos profissionais ao direito das mulheres fazendo com que vítimas de violência sejam expostas e mal atendidas pelo Sistema Único de Saúde. A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com Ministério da Saúde e com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para mais informações, mas não obteve resposta. 

    Retrocesso nacional e internacional

    É sabido que o eixo do governo Bolsonaro em muito se pauta pela agenda neoliberal estadunidense. De acordo com a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), a decisão da Suprema Corte dos EUA de revogar a lei que permite o aborto no país é muito preocupante, pois significa um retrocesso de uma política consolidada, que pode inclusive impactar em outros direitos das mulheres e de outros setores que sofrem opressões, influenciando diversas nações. 

    “Sabemos que as mulheres negras são as mais atingidas quando um direito histórico é retirado. São elas as que mais sofrem com a criminalização do aborto, pois são as que mais procuram as clínicas clandestinas ou que recorrem aos métodos inseguros para interromper uma gravidez indesejada. São as que estão sempre mais sujeitas às condições precárias. Os retrocessos sempre chegam de forma mais intensa e cruel nos corpos negros”, reitera Petrone.

    A pós-doutoranda da Fundação Oswaldo Cruz, Emanuelle Góes, avaliou que, no caso dos Estados Unidos, quando se revoga a legislação, retira-se o meio pelo qual esse direito é visto como legal. Então, segundo a professora, as mulheres estarão sujeitas a serem criminalizadas, principalmente aquelas que já são vulnerabilizadas pela sociedade: negras, latinas, imigrantes, pobres e periféricas.

    Contudo, a autora da tese “Racismo e Aborto” reforça a importância do avanço dos direitos sexuais e reprodutivos na América Latina - como no Uruguai e na Argentina, por exemplo. 

    “Vamos ver como essa pauta pesa no Brasil, tendo essas duas agendas - de avanço e retrocesso. A justiça reprodutiva também é uma pauta que estamos retomando. As mulheres negras, indígenas, migrantes, desde o momento que decidem fazer um aborto precisam contar com uma justiça reprodutiva que vai cuidar e guiá-las para um procedimento legal e seguro. Mas isso ainda é permeado por racismo e misoginia”, pontua.

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  19. Homens negros gays são os que mais sofrem violência, segundo levantamento

    A violência contra a comunidade LGBTQIAP+ mudou de nome e endereço de 2021 para 2022. Enquanto nos primeiros cinco meses do ano passado as principais vítimas eram mulheres trans, alvos de agressões e violações de direitos humanos nas ruas, em 2022 homens negros gays sofrem a violência dentro de suas próprias casas, sendo os agressores – majoritariamente – da família.

    Esses dados, levantados pela Alma Preta Jornalismo junto ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), mostram que das 422 denúncias feitas à pasta a respeito de violência de violações de direitos humanos contra os membros da comunidade LGBTQIAP+, 316 informavam que as agressões eram contra homens homossexuais, sendo 166 negros (soma de pretos e pardos).

    Negro, com idade de 20 a 24 anos, com ensino médio completo ou cursando a graduação, morador de regiões periféricas, com renda de até um salário mínimo. Esse é o perfil das vítimas, segundo o MDH. Os agressores normalmente são outros membros masculinos da família, como pai, tio, avô, primos e irmãos.

    A principal motivação para que essas pessoas se tornassem alvos é a volta para o seio familiar devido às complicações financeiras causadas pela pandemia de Covid-19 e a influência da religião cristã no núcleo familiar.

    “É natural que durante a pandemia e isolamento social essas violências se multipliquem. No caso dos homens negros LGBT, essa violência parte dos espaços primários de relacionamento, de dentro de casa, de igreja, escola. A gente tem que pensar que tipo de casa é essa que as pessoas negras residem – que muitas vezes são precarizadas”, é o que pontua o professor de Direito, Wallace Corbo, da Fundação Getúlio Vargas (RJ).

    Mudança de alvo e cenário

    O professor Wallace Corbo enfatiza que essa mudança de vítima e de cenário de violação de direitos humanos demonstra alguns aspectos sobre a sociedade. De acordo com ele, a violência contra homens gays negros já existia antes da pandemia, mas pode ter se intensificado e alcançado níveis drásticos, o que levou a vítima ou conhecido a realizar a denúncia.

    “Em qualquer tipo de violência doméstica, a denúncia é muito difícil, pois um obstáculo psicológico é superado para poder denunciar um ente querido. A violência na rua é diferente, pois não está atrelada a vínculos familiares”, avalia.

    É o caso dos irmãos Anderson e Priscila Marques*, de 22 e 27 anos, respectivamente. Moradores da região periférica da Zona Sul de São Paulo, ambos voltaram a morar com os pais após a perda de trabalho devido à pandemia no início deste ano.

    Quando se assumiu homossexual, Anderson conta que a primeira coisa que fez foi se mudar da casa dos pais, a fim de evitar atritos. O pai, trabalhador da construção civil, sempre foi muito rígido e nunca aceitou ou respeitou a orientação sexual de seu filho caçula. Dona de casa, a mãe de Anderson e Priscila, de acordo com eles, não possui o perfil de confrontar o marido, por influência religiosa de que “a mulher tem que ser submissa”.

    “Tive que voltar porque perdi meu trabalho. Mas assim que cheguei, a violência começou. Meu pai falou que eu podia ser essa ‘aberração’ da porta dele para fora, mas que ele jamais iria aceitar um filho gay, ainda mais por eu ser negro. Enquanto estava somente na violência verbal eu conseguia lidar. Mas quando a agressão física veio, eu me senti destruído”, lamenta o jovem.

    “Já não basta ser preto e pobre, você ainda quer ser ‘viado’ também?”

    “Um dia cheguei em casa de um ‘bico’ que fiz no dia das mães. Encontrei o Anderson no chão, sendo chutado pelo nosso pai. Ele chorava e meu pai gritava com ele enquanto chutava as costelas do menino. Ele falava ‘já não basta você ser preto e pobre, você ainda quer ser ‘viado’ também?’ Fiquei horrorizada”, conta Priscila.

    A irmã da vítima disse que tentou impedir o pai, mas sem sucesso. Depois deste dia, outras agressões físicas foram praticadas contra Anderson, o que fez Priscila tomar coragem e denunciar o próprio pai.

    “Meu pai é violento com a gente. Sempre foi. Na minha mãe ele nunca bateu, mas em mim e no Anderson, sempre que podia ele batia. Saímos de casa por isso e tivemos que voltar por falta de opção. Depois do dia das mães, na segunda-feira mesmo, ele agrediu meu irmão novamente. Meu sangue subiu na hora e entendi que precisava tomar uma atitude senão o Anderson poderia morrer”, desabafa a irmã mais velha de Anderson.

    Priscila afirma que realizou uma denúncia anônima contra o pai e que ele já foi notificado pela justiça. A jovem explica que o pai acredita que a denúncia tenha vindo de vizinhos, que podem ter escutado a agressão contra Anderson e resolveram interferir.

    “Eu denunciei por que uma coisa é você educar um filho, outra coisa é torturar. Na segunda-feira depois do dia das mães, meu pai esquentou uma colher na boca do fogão e colocou a colher quente na língua do meu irmão, dizendo que ele iria ‘pensar duas vezes antes de botar um pênis na boca’ novamente. Isso não se faz com ninguém, é cruel”, relata Priscila.

    Raça é um fator relevante?

    O professor de Direito Wallace Corbo pondera que a raça – no caso de violências praticadas contra homens negros gays – possui relevância devido à particularidade que é exigida desse indivíduo.

    “A gente está falando de violências que acontecem em ambientes domésticos predominantemente periféricos. O que significa é que essas pessoas já estão numa situação de vulnerabilidade social, que é agravada pela violência doméstica, causada por LGBTfobia. Existe um aspecto que se impõe sobre homens negros, que é o fato da expectativa de masculinidade”, avalia.

    “É exigida uma conduta e uma performance desse homem negro gay 24h por dia. Expectativas de masculinidade que, ao não atender, também multiplicam as possibilidades de violência”, completa o docente.

    Anderson, vítima de agressão, afirma que o pai sempre bateu nessa tecla comentada pelo professor universitário. O jovem afirma que durante as surras, o pai dizia coisas do tipo “por que você não pode ser um preto ‘normal’ igual os outros?” Ou “como vou falar para o resto da família que você prefere ser gay do que um ‘comedor’, que é o que todo ‘negão’ é?”

    “Meu pai faz eu me sentir errado por existir. Ele me agride, xinga, cospe, queima, por uma coisa que eu não escolhi ser, apenas sou. Minha mãe fala que a culpa é minha por que eu não tentei não ser homossexual, ou não me apeguei com Deus. Mal sabe ela que eu tento não ser desde que era criança”, desabafa o jovem.

    Importância dos canais de denúncia

    Priscila, irmã da vítima, afirma que a oportunidade de denunciar o pai de maneira anônima pelo Disque 100 possibilitou que as violências diminuíssem contra o irmão, mas não foi suficiente para eliminá-las de vez. Ela afirma que assim que a situação financeira melhorar, ela irá alugar uma casa para ambos, para que Anderson não seja mais alvo de violência. A relação com o pai, segundo Priscila, não existe mais.

    “Eu não consigo sentir amor por uma pessoa que agride. Infelizmente, para o meu bem estar mental e o do Anderson, a gente precisa se afastar dessa família, se é que posso chamar assim. Eu não vou abandonar meu irmão e quando estivermos seguros, vou até o fim contra o meu pai. Ele precisa entender que tudo tem consequência. A denúncia foi só o primeiro passo”, enfatiza.

    O professor Wallace Corbo pontua que os canais de denúncia são essenciais para reportar casos similares e evitar que a violêncioa se agrave. “A existência dos canais de denúncia contribui também para que possamos ter acesso a esses dados, e permitir que nós saibamos o que está acontecendo no espaço ‘opaco’, que é uma casa”.

    “O Estado não entra na casa das pessoas, ele não consegue ver o que acontece dentro da casa das pessoas. Só consegue ver se as pessoas contarem, e elas só vão contar caso se sintam acolhidas dentro de espaços institucionais para poder reportar esse tipo de coisa”, explica.

    LGBTfobia é crime: saiba denunciar

    Em junho de 2019, em um julgamento histórico, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal (STF), por oito votos a três, decidiu em favor da criminalização da LGBTfobia, reconhecendo, assim, a prática da conduta contra pessoas LGBT+ como crime de racismo até o Congresso Nacional elaborar legislação específica sobre o tema.

    A partir da decisão, quem ofender ou discriminar gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros está sujeito a punição de um a três anos de prisão, prevista na Lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Assim como o crime de racismo, a LGBTfobia é crime inafiançável e imprescritível.

    Para as vítimas ou alguém que tomou conhecimento de um crime de LGBTfobia, o primeiro passo é procurar as autoridades responsáveis para registrar o caso. Se a denúncia não for formalizada, ela nunca será reconhecida nem entrará para as estatísticas oficiais, segundo o professor Wallace Corbo.

    Alguns estados possuem delegacias especializadas de combate à discriminação e grupos de promotores dedicados exclusivamente ao tema. Existem, ainda, canais municipais, estaduais e federais que recebem esse tipo de denúncia. O mais conhecido é o Disque 100, ou Disque Direitos Humanos, mas há inúmeras ouvidorias, conselhos e órgãos de Direitos Humanos locais que realizam função semelhante.

    “Eu penso que se eu não fizer nada, meu irmão não tem força sozinho e eu estarei concordando com a atitude do nosso pai. Então, meu conselho é que as pessoas tomem uma atitude contra essa violência contra homens negros, senão isso nunca vai mudar”, finaliza Priscila.

    *Anderson e Priscila são nomes fictícios, usados para resguardar a segurança dos entrevistados.

    Leia também: 'Quais as dificuldades enfrentadas por negros LGBTs no Brasil?'

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  20. Brasil tem sete estupros por hora; mulheres negras são as principais vítimas

    O Fórum Nacional da Segurança Pública apresenta hoje, dia 27, o balanço dos dados oficiais disponíveis sobre violência no Brasil. Mais uma vez, a mulher negra é a maior vítima de violência sexual. Os dados relacionados a estupro e estupro de vulneráveis no Brasil em 2021 apontam que, entre as vítimas, 52,2% eram mulheres negras e 46,9% eram mulheres brancas.

    O Brasil contabilizou, ao todo, 66.020 estupros em 2021, uma alta de 4,9% em relação ao ano anterior (62.917 registros). Desse total, a violência sexual contra vulneráveis, cujas vítimas são meninas de até 14 anos, são a maioria (45.994 casos).A chance, no Brasil, de uma mulher negra ser estuprada é 11,3% maior do que uma mulher branca. Entre as vítimas de estupro com até 13 anos de idade, 49,4% eram crianças negras.

    “Continua péssimo ser mulher preta no Brasil. As políticas públicas desenhadas para o combate á violência não alcançam nossos corpos”, enfatiza Thayná Yaredy, advogada, CEO da Gema Consultoria em Equidade e Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC).

    Considerando as capitais e o Distrito Federal, os dados levantados no 16º Anuário de Violência Pública mostram que foram 13.001 o total de casos de estupros registrados pela polícia. Na cidade de São Paulo subiu de 2.318, em 2020, para 2.339 casos e estupro no ano passado.

    Em Aracaju, capital de Sergipe, foi registrada a maior alta nos casos registrados de estupro, o crescimento foi de 144, em 2020, para 229 casos em 2021.

    “No Brasil, o setor de Segurança Pública está tomado por perspectivas antiquadas e improdutivas, que entendem que as políticas de mitigação da violência devem ter caráter generalista ocupando-se, quando muito da dimensão de classe, ignorando marcadores sociais da diferença tais quais raça, gênero, faixa etária e sexualidade”, pontua Dennis Pacheco, mestrando em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC e pesquisador no Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

    O anuário faz um recorte dos casos de violência contra as mulheres. No ano passado, 3.878 delas foram vítimas de homicídios e outras 1.341 mulheres foram vítimas de feminicídio, quando a condição de ser mulher ou o ódio às mulheres foram a motivação do crime.

    O Estado de São Paulo apresentou queda no total de homicídios de mulheres, foram 424 casos em 2020 e 366 casos no ano passado. Em relação ao total de feminicídios foram 179 em 2020 e outros 136 em 2021.

    No entanto, em outros estados, a violência contra as mulheres aumentou. No Amazonas, por exemplo, os assassinatos de mulheres aumentaram de 68 em 2020, para 110 no ano passado.

    Os feminicídios deram um salto de 16 para 23 casos. No Ceará, em 2021, foram 339 casos de homicídios de mulheres (em 2020 tinham sido 329 casos) e 25 casos de feminicídio, contra 17 casos em 2020.

    O anuário também apresenta uma alta nos registros de tentativas de feminicídios (de 1.940 casos para 2.028 casos), de lesão corporal por violência doméstica (de 227.753 casos para 230.861 casos) e assédio sexual (de 4.544 casos para 4.922 casos).

    Segundo Yaredy, os dados do anuário dão uma indicação de como está a situação no país, porém, é importante lembrar que muitos casos de violência contra mulheres negras não são nem notificados, ficando à margem das estatísticas.

    “Se nós observarmos que essas subnotificações vem também de bairros e territórios nos quais, em sua maioria, são ocupados por mulheres negras, podemos entender por lógica que essas porcentagens são muito maiores do que o alcance dos numerários coletados neste anuário. Fora que o acesso ao poder judiciário, praticamente a única instância para onde jogam as demandas de violência de gênero, também nos repele”, diz a advogada.

    Questão racial

    Os dados do anuário sobre os crimes violentos cometidos no ano passado sinalizam, novamente, como o fator racial se destaca na análise do perfil das vítimas. Do total de homicídios dolosos (aquele com a intenção de matar), 77,6% das vítimas eram negras e 22% eram brancas; 67,6% das vítimas de latrocínio eram negras e 32% eram brancas; 68,7% das vítimas de lesão corporal seguida de morte eram negras e 31% eram brancas.

    O anuário também revelou o perfil racial das pessoas que foram mortas por algum agente das forças de Segurança Pública no ano passado. Segundo este levantamento, 84,1% das mortes decorrentes de intervenção policial no Brasil foram de pessoas negras, enquanto que, no mesmo ano, as pessoas brancas representaram 15,8% das vítimas fatais em decorrência de intervenção policial.

    Os casos de racismo registrados no Brasil tiveram uma alta de 31%. Subiu de 4.568 em 2020 para 6.003 em 2021. No Estado do Rio Grande do Sul, a alta foi de 25,2%, passando de 3.288 casos em 2020 para 4.132 no ano passado. O levantamento foi feito sem os dados de São Paulo e Pernambuco.

    Por sua vez, os dados sobre os registros de crimes de injúria racial no Brasil, apontaram uma queda de 4,4%, passando de 14.402 em 2020 para 13.830, no ano passado, porém, sem as informações do Espírito Santo e da Bahia.

    Em São Paulo, foram 1.772 casos de injúria racial, em 2020, e 1.007 casos, em 2021 - a queda é de 43%. “Uma hipótese para o fenômeno observado é a de que o aumento dos registros de racismo refletiria o aumento do debate público em torno das temáticas raciais e LGBTQI+. Por uma via, pessoas mais conscientes acerca de seu direito à não-discriminação tendem a se tornar mais dispostas a reivindicá-lo formalmente. Por outra, a existência de um crescente debate em torno do racismo faz com que aumente a esperança das vítimas de terem sua reivindicação por não-discriminação devidamente formalizada e atendida pelos sistemas de segurança pública e justiça”, comenta Pacheco, pesquisador do Fórum.

    Leia mais: Duas a cada três vitimas de feminicidio no Brasil são mulheres negras

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  21. Metrô investiga vestígios do Quilombo Saracura no Bixiga

    A expansão na malha do metrô na cidade de São Paulo revelou a existência de vestígios do Quilombo do Saracura, na região do Bixiga, na região central da capital.

    A descoberta foi recebida com entusiasmo pelo movimento negro organizado e por moradores do bairro que elaboram um manifesto para cobrar medidas de preservação histórica e a alteração do futuro nome da estação de 14 Bis (praça onde será a estação) para Saracura Vai-Vai, em homenagem ao quilombo e também à escolade samba, fundada em 1930.

    A Linha Uni do metrô (Linha 6-Laranja) informou à Alma Preta Jornalismo que os vestígios do Quilombo Saracura estão a aproximadamente três metros de profundidade e serão retirados para resgate dos materiais e análise, após a execução das paredes de contenção, necessárias como medida de segurança.

    Ainda segundo a Linha Uni, com a autorização do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), uma empresa especializada no tema está trabalhando na caracterização da descoberta do sítio arqueológico, porém, as obras não foram interrompidas. A descoberta aconteceu em abril.

    Entidades do movimento negro organizado e moradores do bairro fizeram duas reuniões e criaram um coletivo com o objetivo de acompanhar os desdobramentos da descoberta e pedir providências para o Ministério Público, governo do estado e prefeitura. No dia 2 de julho, às 10h, haverá um ato na frente da obra.

    A solicitação é que as obras sejam interrompidas temporariamente até que seja assegurada a preservação do sítio sem a retirada dos achados do local.

    “Nosso objetivo é que o Sítio permita a construção de uma política de educação patrimonial regular e permanente, bem como uma política efetiva de reconhecimento, preservação e valorização patrimonial que contemple os povos originários e africanos que, ao longo de mais de três séculos antes da chegada de imigrantes europeus e asiáticos, construíram o Bixiga, São Paulo e o Brasil”, diz um trecho do manifesto lançado nesta semana e assinado por mais de 70 entidades, institutos e organizações populares das mais diversas áreas.

    O pedido coletivo de preservação da história negra do Bixiga tem respaldo constitucional, o artigo 216 da Constituição que fala sobre o patrimônio cultural brasileiro diz no parágrafo quinto: “Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.”

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    População do Bixiga se organizou para pedir a preservação dos vestigios do quilombo (Foto: arquivo pessoal)

    Segundo o manifesto, uma matéria publicada no jornal ‘O Paulistano’, em 9 de outubro de 1907, faz referência ao Saracura como um “pedaço de África” com seus casebres nas bordas do riacho chamado Saracura. Naquela época a região do Bixiga era a periferia de São Paulo.

    “O quilombo foi a organização social de pessoas negras brasileiras e africanas escravizadas que resistiram e ajudaram a acabar com o escravismo colonial”, reforça um trecho do manifesto, que também dá conta da importância de se reconhecer a região como uma das pequenas Áfricas brasileiras, a exemplo das ações de preservação que aconteceram no Cais do Valongo, região portuária da cidade do Rio de Janeiro.

    Metroviários

    A descoberta de um traço significativo da história negra na cidade de São Paulo também foi vista como um marco de esperança entre os funcionários negros do metrô para uma mudança na mentalidadeda empresa. Dos cerca de 8 mil funcionários do metrô, apenas 27,2% são negros, autodeclarados pretos ou pardos, segundo dados de 2018. Além disso, nos cargos de gestão, com melhores salários, apenas 7% dos metroviários são negros.

    “Atualmente, existe uma política de cotas para negros no acesso por meio dos concursos públicos, com 20% das vagas para negros, porém, nas promoções e elevações de cargos não tem cotas. Apesar de não ter dados que comprovem ainda, observo que na segurança é onde se concentra um grande número de negros na empresa, e a possibilidade de concursos internos para outras áreas e cargos é proibido, impossibilitando uma maior ascensão desse setores em cargos com maiores salários, como acontecia anteriormente”, explica Maria Clara, agente de Segurança do Metrô e diretoria de base do Sindicato dos Metroviários.

    Segundo ela, a mudança de nome da futura estação 14 Bis para um que celebre a cultura negra é um passo importante na busca pela valorização da história dos bairrosonde ficam as estações.

    “O metrô transporta milhares de pessoas, que inclusive em sua maioria negros e negras, faz parte da construção da cidade e precisa também através dele contar a nossa história. O metrô, recentemente, para ganhar dinheiro, está vendendo os nomes das estações para empresas privadas. Essa é uma atitude totalmente privatista e que descaracteriza toda a história de construção das estações nos bairros”, comenta Maria Clara.

    A Linha Uni informou que para informações sobre o andamento das obras e a preservação dos vestígios encontrados existe uma Central de Atendimento à comunidade pelo 0800 580 3172, de segunda a sexta, das 8h30 às 17h30. Também existe um atendimento presencial por meio da Central de Relacionamento com a comunidade. As unidades estão localizadas na Rua Cardoso de Almeida, 920, e na futura Estação João Paulo I - Praça Pastor Enoque Barbosa Medrado. O atendimento presencial funciona de segunda a sábado, das 7h às 17h.

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  22. Trabalhadoras de escolas de Santo André (SP) estão sem salário há três meses

    As funcionárias de serviços gerais de limpeza das escolas estaduais de Santo André, no ABC paulista, estão com os pagamentos atrasados e incompletos há cerca de três meses. No último dia 14, um grupo de 22 trabalhadoras foi até a delegacia regional de ensino protestar contra a situação, mas não foram recebidas por nenhum representante do Estado.

    A empresa da qual são empregadas é a SM Service System, cujo nome fantasia é Grupo Moraes. O contrato com as empresas terceirizadas é feito por meio de licitação pública, com várias concorrentes e o Estado escolhe aquela com maior pontuação, porém, a empresa precisa garantir que vai cumprir as exigências do serviço contratado.

    Na última segunda-feira, dia 20, algumas trabalhadoras receberam na conta uma parte do pagamento, em média R$ 200, quando o contrato indicava um valor de R$ 1.360 a ser recebido. Em mensagem de texto enviada para as trabalhadoras, a empresa diz que “passa por momentos difíceis” e que “a situação será regularizada”.

    “Nesse momento passamos por momentos difíceis, em que a empresa também necessita do apoio do colaborador, com uma compreensão de que todos da equipe operacional e administrativa está (sic) trabalhando duro e se esforçando em regularizar todas as pendências com vocês, e nesse momento difícil cabe a cada um de vocês escolher em esperar um pouco ou enlouquecer! Mas saibam, que hoje, desejo que você acredite (sic) nisto: serão a fé e a esperança que vão te trazer mais uma vitória”, diz um trecho da mensagem.

    Por não receberem salário, algumas funcionárias estão impossibilitadas de pagar o transporte para ir às escolas. Em junho, elas deveriam ter recebido no último dia 5, mas o pagamento não foi realizado. A contratação da maioria das auxiliares de serviços gerais aconteceu em maio.

    Ao todo, são cerca de 70 escolas estaduais na cidade de Santo André, as equipes de limpeza estão desfalcadas e as aulas vão até o dia 15 de julho. Por conta do atraso no pagamento, parte das trabalhadoras pediu demissão.

    A situação de vulnerabilidade na renda das trabalhadoras e a precarização das condições de trabalho, porque também faltam equipamentos de proteção individual, foi destaque em um vídeo da subsedede Santo André da Apeoesp, Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo.

    A Alma Preta Jornalismoprocurou a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. A pasta explicou que que os pagamentos à empresa prestadora dos serviços de limpeza foram feitos corretamente. No entanto, a terceirizada atrasou o pagamento de salários e benefícios aos seus funcionários. Em caso de interrupção dos serviços ou descumprimento das obrigações contratuais, como, por exemplo, a falta de pagamento dos funcionários, a contratada é notificada imediatamente. A Diretoria de Ensino da região já enviou duas notificações à empresa.

    Quando ocorre o descumprimento das obrigações contratuais, a terceirizada pode ser notificada pela DE por até três vezes. Após cinco dias sem que a questão seja resolvida, o contrato é rescindido, sendo possível fazer uma contratação emergencial. Caso a questão seja resolvida dentro do prazo legal, o contrato é mantido.

    Neste período, as unidades podem utilizar a verba do PDDE Paulista até que a situação seja normalizada. Em 2021, as unidades de Santo André receberam mais de R$ 19 milhões e, neste ano, já foram repassados mais de R$ 1 milhão.

    Por mensagem de texto, uma representante da empresa informou que os salários já estariam pagos. No entanto, as funcionárias receberam na tarde da terça-feira, dia 21, uma mensagem da empresa explicando que houve erro na contratação. O trabalho começou no dia 9 de maio, porém, o contrato com a secretaria era para o dia 26 de maio. Os valores referente entre os dias trabalhados no período de 9 a 25 de maio serão  "divididos e serão pagos em folha de pagamento durante quatro meses" para "não deixar ninguém no prejuízo", como diz um trecho da mensagem.

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  23. Pandemia agrava mortalidade por doenças que afetam mais a população negra

    Que a pandemia de Covid-19 afetou a população negra e periférica de forma mais profunda é uma realidade. Por conta disso, no período também foi observado um agravamento das mortes de pessoas negras por doenças consideradas “raciais” - comorbidades que atingem mais um grupo racial do que outros.

    Diabetes, hipertensão, doença falciforme entre outros diagnósticos são mais prevalentes em pessoas negras. Segundo informações do levantamento “Disparidades raciais no excesso de mortalidade em tempos de Covid-19”, no estado de São Paulo, em que 40% da população é negra (preta e parda), houve o maior número de óbitos no período pandêmico e a maior desigualdade entre as populações branca e negra.

    “A mortalidade aumentou para ambas as raças/cores, mas, entre negros, a situação foi pior: os aumentos chegaram a 25,1% – enquanto para brancos, foi de 11,5% para tais comorbidades”, diz o informe.

    Segundo o Prof. Kabenguele Munanga, embora a ideia de “raças” humanas tenha sido extinta pela ciência na segunda metade do século XX – quando os estudos genéticos demonstraram a homogeneidade populacional –, ela deixou um “filhote”: o racismo. É o que aponta o membro da coordenação do GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Hilton P. Silva, docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Sociedade na Amazônia.

    “As doenças que acometem com maior frequência a população brasileira atualmente são as chamadas doenças crônico-degenerativas, como a hipertensão e a obesidade, que somadas à doença falciforme têm um impacto elevado na morbi-mortalidade desse grupo. Mas a maioria das causas de mortalidade na população negra brasileira tem a ver com as condições sanitárias e ambientais nas quais sobrevive a população brasileira e com o racismo que impera no país”, avalia o pesquisador.

    Pandemia agravou o que já existia

    Para Altair dos Santos Lira, Mestre em Saúde Coletiva, Especialista no Campo da Saúde da População Negra e das Iniquidades em Saúde, com ênfase nos estudos sobre a Doença Falciforme e seus impactos sócio-políticos, a pandemia apenas acentuou os problemas que já existiam a respeito das doenças prevalentes na população negra, em especial, na dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

    “Durante a pandemia, pessoas que tinham consultas com hematologistas, consultas com cardiologista, deixaram de fazer essas consultas ou tiveram procedimentos suspensos por conta da Covid-19. Isso veio exatamente agravar o seu estado de saúde. Então, a pandemia vem exatamente expor esta gravidade dessas doenças junto a população negra”, avalia.

    Hilton Silva destaca que a população negra apresenta maiores taxas de mortalidade por doenças evitáveis e preveníveis, como pré-eclâmpsia, câncer de mama, infarto, AVC, tuberculose e AIDS, entre outras há muito tempo. Contudo – e como resultado do racismo estrutural e institucional – todos os negros e negras têm mais dificuldades em acessar serviços de saúde em geral para dar prosseguimento ao tratamento, segundo ele.

    “O racismo faz com que eles [negros] vivam em áreas mais degradadas, em piores condições de moradia e com menos acesso a saneamento. A pandemia de Covid-19, portanto, apenas agravou uma situação pré-existente, e afetou desproporcionalmente a população negra, ampliando a mortalidade por outras doenças, que deixaram de ser priorizadas em decorrência do SARS-CoV-2”, ressalta.

    Medidas anti-mortalidade esbarram no racismo

    O especialista Altair Lira ainda pondera que ao analisar a proposta nacional de saúde integral da população negra, é possível notar políticas que falam sobre reconhecer as desigualdades étnico-raciais como motivadores da mortalidade.

    “Estamos falando de analisar a questão da saúde da população negra dentro de um sistema de saúde que deveria atender a todos e todas, mas que dentro do seu âmago, está esse germe do racismo institucional. É necessário considerar efetivamente essas doenças e agravos como potenciais causadores da morte e do sofrimento da população negra. Precisamos de políticas públicas que atendam às pessoas”, enfatiza.

    Já o membro da coordenação da Abrasco, Hilton Silva, considera que o elemento fundamental para reduzir a morbi-mortalidade na população negra, inclusive por causas externas, é a tomada de consciência por todos a respeito do racismo.

    “Vivemos em uma sociedade historicamente racista, que discrimina as pessoas por sua aparência, sua religiosidade, seu modo de falar e de ser e que isso tem repercussões na sua qualidade de vida. O reconhecimento do racismo estrutural, a implementação de políticas públicas antirracistas e a mobilização social contra todas as formas de discriminação são medidas fundamentais para a garantia de saúde para a população”, pondera.

    Hilton pontua ainda que atualmente há diversas políticas públicas voltadas para a saúde da população negra (SPN), como o Estatuto da Igualdade Racial, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a Estratégia de Saúde da Família Quilombola, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, e até a Lei 10639/13, pois o reconhecimento da diversidade é fundamental para saúde.

    “Todas elas buscam implementar a equidade na sociedade e garantir que as pessoas sejam tratadas de acordo com as suas especificidades, como previsto na Constituição Federal e na legislação do SUS. O problema é que essas legislações encontram barreiras para sua implementação, em grande parte pela ideia/mito de muitos gestores que o Brasil é um 'paraíso racial', onde todos são tratados iguais”, finaliza.

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  24. Primeira mulher negra a ser deputada no Brasil pode ter nome entre Heróis e Heroínas da Pátria

    O nome da primeira deputada negra do Brasil, Antonietta de Barros, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, para constar no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. A proposta legislativa (PL 4940/20) do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) foi aprovada em caráter conclusivo e está em análise do Senado. 

    Com a possível entrada de Antonietta, ela estará entre os 49 nomes de personalidades ou grupos importantes para a História nacional. Dentre esses nomes cabe ressaltar o de Zumbi dos Palmares; os Seringueiros Soldados da Borracha; Chico da Matilde, do movimento abolicionista do Ceará; e Machado de Assis. Ainda existe uma lista com mais de 30 nomes propostos para o Livro de Aço, mas ainda hoje não constam. 

    Quem foi Antonietta de Barros

    Professora e jornalista, nasceu em Florianópolis (SC) em 1901. Com 33 anos, foi eleita a primeira mulher deputada na Assembleia Legislativa de Santa Catarina e a primeira mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil. Foi suplente do Partido Liberal Catarinense (PLC), assumindo o lugar de Leônidas Coelho de Souza, que não tomou posse.

    Advinda de uma família muito pobre, de pessoas negras escravizadas, Antonietta foi eleita deputada menos de 50 anos após a dita abolição da escravatura e apenas dois da ampliação do sufrágio — que deu às mulheres direito ao voto. Seu segundo mandato foi em 1948, pelo Partido Social Democrático (PSD), durante afastamento de José Boabaid.

    A bandeira política de Antonietta era a garantia do direito à educação para todos. É dela a lei que instituiu o Dia dos Professores em 15 de outubro, feriado nacional.

    Desde sua vitória, menos de 20 mulheres ocuparam uma cadeira na Assembleia de Santa Catarina. Nenhuma negra. O primeiro negro a assumir o cargo de deputado estadual no parlamento Catarinense foi Sandro Silva, do Partido Popular Socialista  (PPS), em 2012, como suplente convocado.

    Inscrição no livro dos Heróis da Pátria

    Em 2007, o Congresso instituiu alguns critérios básicos para a escolha dos nomes que serão inscritos no Livro de Aço. A Lei 11597, assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e subscrita pelo ministro da Cultura à época, Gilberto Gil, diz que o livro se destina ao “registro perpétuo dos nomes dos brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo". 

    A homenagem é prestada com uma edição de lei, decorridos pelo menos 50 anos da morte da pessoa homenageada. O prazo não precisa ser observado em se tratando de mortos em campos de batalhas. O objeto está no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

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  25. "Olhos de Erê": curta-metragem feito por quilombola de seis anos é premiado

    “Luan, pare de filmar as pessoas sem autorização”, disse a líder comunitária do quilombo Manzo Ngunzo Kaiango (MG), Cássia Cristina, conhecida como Makota Kidoialê, ao seu neto Luan Manzo, de apenas 6 anos na época, quando percebeu que a criança estava filmando e dando descrições bastante detalhadas sobre o que acontecia no terreiro de candomblé.

    É assim que nasceu o curta-metragem “Olhos de Erê”, trabalho despretensioso, mas que rendeu ao jovem Luan o primeiro lugar no 6º Prêmio BDMG Cultural. Kidoialê conta à reportagem da Alma Preta Jornalismo que seu neto sempre teve interesse em filmar as coisas, pessoas e até contracenava em novelas que ele mesmo criava.

    Com o celular da avó, o pequeno Luan descreve detalhadamente todo o terreiro, os fios de conta – que representam os orixás e nkisses – e os locais em que os rituais são feitos. Ele ainda fala que existem espaços em que não se pode filmar em respeito aos mistérios da religião.

    “Quando eu peguei meu celular, vi que havia um vídeo de mais de dez minutos, com tudo muito detalhado. Mostrei o vídeo para um parceiro da comunidade, que é produtor audiovisual, e ele deu a ideia de inscrever o vídeo em um edital”, conta a avó de Luan.

    O produtor, chamado Bruno Vasconcelos, conta que o pequeno Luan tinha apenas um celular em suas mãos, uma câmera, quando a partir disso ele se solta para mostrar tudo que acha interessante.

    “Há misturas, solenidade e graça, rapidez e também uma escala de tempo imemorial”, ressalta o produtor.

    O prêmio e o que mais veio com ele

    Ao descobrir que foi contemplado com o primeiro lugar do 6º Prêmio BDMG Cultural, na categoria “Curta-Metragem de Baixo Orçamento”, o pequeno Luan não teve dúvidas do que faria com o prêmio de R$ 6 mil: sua iniciação no candomblé.

    “Ele falou: ‘vó, esse dinheiro é para o meu santo. E, se der, para o santo da minha mãe e do meu irmão também’. Então assim foi feito”, conta Kidoialê.

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    O pequeno Luan Manzo, sua mãe e irmão | Créditos: Acervo Pessoal

    Porém, Luan não parou por aí. A avó do garoto conta que o pequeno descobriu que o cantor Carlinhos Brown era filho do orixá Omolu. A partir dessa informação, Luan então decidiu gravar um vídeo cantando para o orixá a fim de abençoar Carlinhos e dar ao cantor “muita saúde”.

    “Acho que as pessoas começaram a marcar o Carlinhos Brown nas redes sociais, até que ele respondeu o Luan. Aí eu contei para ele e ele disse ‘nossa, vó, bem que o Carlinhos Brown podia arrumar uns seguidores para mim’. Eu caí na risada com a simplicidade dele”, diz a avó do menino.

    Comunidade, educação, e curiosidade

    Segundo Makota Kidoialê, Luan, hoje com 8 anos, sempre foi interessado nas atividades da comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango. O quilombo não possui uma escola em seu território, portanto, durante a pandemia, os moradores descobriram uma forma de passar conhecimentos ancestrais às crianças com o projeto “Edukação de Kilombu – Afrobetização”.

    A líder conta que a iniciativa permite que as crianças da comunidade aprendam a respeito da cultura afrobrasileira e sobre as religiões de matriz africana, assunto que interessa ao Luan desde muito novo.

    Outro fato interessante sobre o pequeno cineasta, de acordo com sua avó, é que ele aprendeu a ler e escrever sozinho durante a pandemia. Entre 2020 e 2021, Kidoialê destaca que Luan ficou sem aulas tradicionais devido ao isolamento social, mas que isso não impediu o quilombola de se autoalfabetizar.

    “Ele utilizava da assistente do Google para aprender. Tudo sozinho. Ele falava com o celular coisas do tipo ‘como escrever tal coisa’. E daí aprendia. Luan é totalmente autodidata. Desde que ele tinha um ano de idade ele se interessava por celular”, diz.

    “Quando ele ainda era bebê, ele via alguém com o celular na mão e dizia para a pessoa por a ‘tenha’, que na verdade era para a pessoa desbloquear com a senha. Daí pronto, mostrava para ele uma vez e ele já aprendia. E o interesse sempre foi a câmera, nunca os jogos”, relembra a avó de Luan.

    “As crianças ensinam muito para a gente”

    Para Makota Kidoialê, Luan é um exemplo de como a simplicidade das crianças podem ensinar os adultos a se cobrarem menos. Para ela, o pequeno gesto de filmar o terreiro de candomblé pode ser útil para que mais pessoas aprendam sobre as religiões de matriz africana.

    “As crianças ensinam muito para a gente. Quem sabe as pessoas vendo o filme que o Luan fez elas passem a ter menos preconceito com candomblé, umbanda e vejam quanto riqueza e conhecimento um quilombo pode proporcionar. Pode ser que outras crianças se inspirem a criar coisas também”, pondera a líder comunitária.

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    Luan Manzo | Créditos: Acervo Pessoal

    O curta “Olhos de Erê” já foi exibido em diversos festivais e continua gerando algum rendimento a Luan. Com o dinheiro, que está em uma poupança, ele pretende tomar sua obrigação de um ano no candomblé em setembro, segundo sua avó.

    Atualmente, Makota Kidoialê contou à Alma Preta Jornalismo que Luan Manzo está envolvido em mais uma de suas “produções”, a novela “O Tronco Pegou Piolho”, em que o pequeno quilombola interpreta quatro personagens. “Às vezes ele se perde, troca de roupa, volta, grava. Vamos ver o que vem por aí”, finaliza.

    Leia também: ‘Seleção de filmes e livros para pensar uma educação antirracista’

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  26. Violência em casas de saúde mental é maior contra as mulheres

    As mulheres foram as principais vítimas de violência e violações de direitos humanos em instituições de internação psquiátrica e saúde mental de janeiro até o final de maio de 2022. De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), 151 denúncias do gênero foram registradas neste ano, sendo que em 30 casos houve violência contra a mulher.

    Em 70 casos registrados pela pasta, as vítimas eram mulheres, 52 homens e em 29 ocorrências não foi declarado gênero. Das vítimas, 61 não declarou raça, 47 eram brancas, 31 pardas, 10 pretas e 2 amarelas. No caso das mulheres negras (soma de pretas e pardas), 20 delas foram vítimas, sendo uma delas de comunidades tradicionais quilombolas. Do total de vítimas, 45 delas possuem deficiência intelectual.

    O ministério ainda aponta que o estado de São Paulo lídera as denúncias (40) de violência em manicômios, hospitais psiquiátricos e casas de saúde mental. Minas Gerais está em segundo lugar, com 29 casos, e o Rio de Janeiro conta com 20 ocorrências até o momento.

    As violações, de acordo com a pasta, estão relacionadas majoritariamente à integridade das vítimas, sendo que em 95 denúncias as violências ocorreram diariamente durante o período de internação. Dos casos, 66 foram denunciados por terceiros, 62 pela própria vítima, e as demais vieram a partir de denúncias anônimas.

    Os suspeitos de maus tratos, segundo o MDH, são principalmente os cuidadores ou prestadores de serviços para a instituição de saúde mental.

    As políticas públicas em saúde mental

    A rede de atenção à saúde mental brasileira constitui o Sistema Único de Saúde (SUS) que regula e organiza, em todo o território nacional, as ações e serviços na área nas três esferas de governo: federal, municipal e estadual. Pela lei, são princípios do SUS o acesso universal, público e gratuito às ações e serviços de saúde; a integralidade das ações; a equidade da oferta de serviços, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; a descentralização político-administrativa; e o controle social das ações.

    Compartilhando desses princípios, a Política Nacional de Saúde Mental busca consolidar um modelo de atenção aberto e de base comunitária, orientado pelo respeito à dignidade humana. Essa política se organiza a partir da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), criada pelo Ministério da Saúde em 2011 para sistematizar o mecanismo responsável por cuidar, articular e promover a atenção e o acesso a políticas públicas para a pessoa com transtorno mental.

    A RAPS é o reflexo de uma reordenação que aconteceu na atenção à saúde mental no Brasil a partir da Lei 10.216/2001, a chamada Lei da Reforma Psiquiátrica. Essa legislação, consolidada por meio de uma ampla participação popular, transforma a lógica da segregação e do asilamento para a perspectiva de antimanicomial e de reforço da cidadania da pessoa com transtorno mental. Este modelo de cuidado investe em uma atenção multidisciplinar, focada na inclusão e na autonomia das pessoas com transtorno mental a partir de um rearranjo dos serviços e dos investimentos públicos na área.

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    Crédito: Camila Ribeiro/Alma Preta Jornalismo

    A RAPS é constituída por diversos equipamentos do SUS como Atenção de Urgência e Emergência, Atenção Básica, Estratégia de Reabilitação Psicossocial, Atenção Hospitalar e Atenção Psicossocial Estratégica. Um dos equipamentos mais importantes são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que focam os cuidados na particularidade de cada sujeito, integrando-o à sociedade.

    Em 2019, com o governo Bolsonaro, tais políticas sofreram uma reformulação onde comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos ganharam mais força. A nota tecnica nº 11/2019 do Ministério da Saúde explica a nova Política de Saúde Mental, que favorece tratamentos como eletroconvulsoterapia (ECT), comumente chamada de eletrochoque, dizendo que "assim como psicocirurgias mais recentes, é objeto de um debate científico, bioético e judicial acirrado" e que "tem boa eficiência com depressão". A cultura medicalizante passaram a ter mais incentivo do que os CAPS ou outras instituições do SUS que trabalham de forma mais humanizada.

    No final de 2021, por exemplo, o presidente sancionou a Lei Complementar 187, que inclui as comunidades terapêuticas entre as entidades que contarão com imunidade tributária de contribuições à seguridade social. A matéria foi aclamada pela maioria da bancada conservadora da Câmara dos Deputados e fortalecida pelo vice-presidente da Casa Marcelo Ramos.

    ‘Paro de me tratar, mas nunca mais passo por isso’, relata vítima

    A estudante de Direito, Aline Campos, de 21 anos, ficou por três meses em uma instituição de saúde mental após um episódio de mania, estado que faz parte do espectro do transtorno afetivo bipolar (TAB) tipo 1. Diagnósticada há apenas oito meses, a estudante conta que foi alvo de deboche por parte dos funcionários da instituição, localizada no interior do estado de São Paulo.

    “Quando saiu o caso do morador de rua que teve uma relação sexual com uma mulherque também era bipolar, eu descobri por meio dos enfermeiros e cuidadores, pois na época estava internada. Eles começaram a tratar quem era bipolar com desdém, dizendo que não transariam com ‘mulher doida’, por mais gostosa que fosse”, relata a jovem negra.

    A mãe de Aline, Eliete Campos Bezerra, diz que a filha voltou muito envergonhada do próprio diagnóstico e, ao relatar à mãe o ocorrido durante o período de internação, dona Eliete decidiu entrar com ação judicial contra o local.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    Crédito: Camila Ribeiro/Alma Preta Jornalismo

    “O psiquiatra dela sugeriu que a gente internasse a Aline até ela estabilizar, já que era tudo muito novo para nós e para ela. Se eu soubesse que iam ridicularizar a minha filha eu nunca ia mandá-la para aquele lugar. Ela estava em desequilíbrio, mas agora está negando o tratamento. Olha, é muito difícil”, desabafa Eliete.

    A vítima, por sua vez, afirmou à reportagem que prefere parar com o tratamento da bipolaridade do que ser internada novamente. Ela afirma que só está tomando a medicação por consideração à mãe, mas mesmo assim, não aceita tomar todos os remédios por medo de que o médico que receitou esteja fazendo ela se sentir pior.

    “Eu paro de me tratar mas nunca mais passo por isso. Eu não confio em ninguém de lá [casa de saúde mental], então se o meu psiquiatra mandar, eu tomo certinho o que me receitaram lá. Do contrário, eu vou parar com tudo”, diz a jovem.

    “As pessoas não imaginam o que é estar em internato, o mínimo que a gente espera é que quem trabalha ali saiba lidar com a tempestade dentro de nós. Aí um ‘cara’ abusa de uma mulher em vulnerabilidade, e pronto, a vida de todo bipolar vira um inferno através de quem deveria estar cuidando de nós. É desumano”, completa a estudante.

    Aline Campos está processando a instituição e, por meio de orientação do advogado da família, prefere não divulgar a localidade ou nome da casa de saúde mental.

    O que dizem os especialistas

    Homem, negro, médico formado pela pela Universidade de Brasília (UnB), psicanalista e psiquiatra formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Lucas Oliveira conta que a falta de recurso para uma política humanizada dissolve a boa saúde mental pública tratando, hoje, a internação como mecanismo principal de tratamento. O que, segundo ele, deveria ser a última medida a ser adotada.

    “Existe inclusive a internação domiciliar, que não tira o indivíduo de dentro de casa, do convívio com as pessoas. Desde que a família se comprometa e tenha condições de manter os cuidados, é super recomendado”, diz. Esse e outros tipos de tratamentos humanizados dependem de uma boa condução médica e de política pública.

    No entanto, de acordo com o especialista, a categoria médica também não está capacitada para trabalhar a saúde mental. Lucas explica que é necessário um tempo de escuta do paciente e de conversa sobre suas dores e emoções, mas isto quase nunca acontece. De acordo com ele, um médico costuma interromper o paciente com menos de 2 minutos de diálogo.

    “Os médicos não sabem lidar com a questão, ainda mais quando se trata de uma pessoa negra. A categoria que mais está preparada para esse tipo de cuidado é a enfermagem, ainda assim são mal reconhecidos e mal remunerados”, avalia o médico.

    Oliveira conta que, trabalhando em alas e emergências psiquiátricas do SUS, já presenciou diversas violações dos direitos humanos, tanto físicas como psicológicas.

    “Bater, agredir verbal e fisicamente, isso é, sim, recorrente, mas vale destacar a coerção, o retirar a capacidade de expressão do outro. Quando um paciente chega na ala psiquiátrica, é comum os profissionais atestarem a ausência de juízo crítico, que é a falta de capacidade de discernimento e de falar por si. Assim, eles podem fazer o que quiserem, podem medicalizar a vontade, podem implantar tratamentos diversos que tiram a humanidade da pessoa, ainda mais se for uma pessoa negra”, diz.

    Em se tratando de mulheres negras, o médico explicou que é muito fácil de perceber as diferenças no tratamento. “Elas costumam receber diagnósticos muito mais pesados e com muito mais facilidade”, adverte. Para Lucas, o fato de um imaginário social atribuir às mulheres negras um estereótipo agressivo, de força bruta e desumano, faz com que elas estejam vulneráveis às "perversidades do sistema agressor”.

    “Vi mulheres tomando medicações fortes logo na primeira passagem pela psiquiatria. Mulheres que sofrem com o racismo desenvolvem sintomas típicos para isso. Por isso, é importante racializarmos a saúde mental, ter um olhar para como o racismo atravessa as pessoas”, explica.

    Lucas e outros profissionais da saúde mental negros estão criando o Tratado de Psicologia Preta (TRAPP), em que as particularidades do povo negro deverá ser observado. Para o médico esse é uma forma da luta antirracista também adentrar o campo da psicologia, da psiquiatria, psicanálise e todos as modalidades profissionais que trabalham com a saúde mental.

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  27. Clube Negrita promove consciência racial por meio da leitura

    Fortalecer os laços da comunidade negra por meio da literatura e estudos de textos que abordam a temática racial é o objetivo principal do Clube Negrita. O próximo encontro presencial será no dia 18 de junho, com entrada gratuita na Aparelha Luzia, espaço localizado na região central de São Paulo (SP).

    O clubeNegrita foi criado em 2017 pela escritora, produtora e artista visual Bruna Tamires, conhecida como Malokêarô. Este ano serão realizados cinco encontros do clube sobre literaturanegra. “Queremos que as pessoas encontrem práticas que transformem seus hábitos e ideias sobre o bem viver. A meta é unir pessoas leitoras que, organizadas, ajudem na melhora da nossa vida coletiva”, diz Malokêarô, que também é gestora de políticas públicas.

    Em abril, o tema do encontro do Clube Negrita foi o livro “As cabeças das pessoas negras”, de Nafissa Thompson-Spires, e o debate aconteceu em torno de questões relacionadas à negritude após a leitura do conto “Quatro esboços chiques, dois contornos feitos a giz e nenhum pedido de desculpas”.

    No encontro do dia 18 de junho o livro a ser debatido será o volume 1 da coleção “Pensamento Negro”, lançado pela editora Filhos da África. O texto selecionado é da advogada e ensaísta colombiana Rosa Amelia Plummelle-Uribe e se chama “Da Barbárie Colonial à Política Nazista de Extermínio”. Os convidados pelo Clube Negrita para o debate são Nina e Fuca, da UCPA (União dos Coletivos Pan-Africanistas), e Kennyata.

    A coleção “Pensamento Negro” está no quinto volume e os livros serão vendidos no dia do evento do Clube Negrita com um preço promocional de R$ 27 para o primeiro volume.

    Para manter e ampliar as atividades do Clube Negrita, foi criada uma campanha de financiamento coletivo com prazo de 40 semanas e meta de arrecadação de R$ 15 mil. A campanha está no ar, pelas redes sociais do clube, há nove semanas e conseguiu atingir cerca de 26% da meta estipulada.

    “Optamos fazer uma campanha via pix para evitar as taxas que são cobradas pelos sites de vaquinhas. Por enquanto, quem está colaborando são as pessoas que participam dos encontros e conhecem o clube. Queremos ampliar ainda mais o debate decolonial e sobre o racismo, por isso, contamos com todo o apoio possível para fortalecer o clube, qualquer valor é uma contribuição importante”, disse Malokêarô.

    Os próximos encontros literários do Clube Negrita estão marcados para os dias 20 de agosto, 22 de outubro e 17 de dezembro, das 17h às 19h. 

    Serviço

    Encontro do Clube Negrita

    Quando: sábado, 18 de junho, 17h.

    Onde: Aparelha Luzia - Rua Apa, 78, Campos Elíseos, perto da estação Marechal Deodoro do metrô.

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  28. “Os terreiros estão sendo incendiados como a KKK fazia nos EUA”, diz Kabengele Munanga

    Autor de obras como “Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil” e doutor em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP), Kabengele Munanga, aos 81 anos é um dos principais intelectuais do país e acredita que o Brasil vive um momento delicado. Em entrevista para a Alma Preta Jornalismo durante o II Egbé, encontro nacional dos povos de terreiro, o professor destaca a violência sofrida pelas religiões de matriz africana.

    “Quantos terreiros de candomblé estão sendo incendiados em alguns lugares clandestinamente? Incendiados de colocar fogo e fugir, como a KKK fazia nos EUA. Quantos são caçados no seu território?”, questiona. Um terreiro foi incendiado em São Luís, capital do Maranhão, nesta semana. Em comunicado, os religiosos da casa atacada afirmam que os “crimes de intolerância religiosa só crescem a cada dia no Estado do Maranhão”.

    Para ele, é papel do movimento negro se articular e frear essas violências. “O movimento negro tem de resistir muito, porque os terreiros são territórios étnicos”. O esforço também se deve pela compreensão, na perspectiva de Munanga, de que os terreiros no Brasil são fundamentais para a construção da identidade negra.

    “Se os terreiros não tiverem seus territórios, como eles vão construir a sua identidade? Os terreiros de candomblé são símbolos da ancestralidade e da resistência. Estamos aqui para mostrar que precisamos resistir. A gente não vai desistir porque a gente vem de longe e não é de agora que somos atacados”.

    Ele lamenta o fato das religiões de matriz africana não terem canais de comunicação de TV ou rádio, como tem os evangélicos, e critica os interesses por trás dos ataques às religiões de matriz africana.

    “Eles querem clientela para pagar dízimo, reserva eleitoral para ter representantes no governo para defender os seus interesses. Nós não temos canal de televisão para fazer a propaganda, não temos a rádio, os jornais, então o momento é de se conscientizar para também pensar em novas estratégias de resistência, porque os antepassados resistiram quando chegaram aqui era uma outra situação. Não tinha televisão, jornais, rede social, nada. A gente tem criar novas formas de estratégias para continuar resistindo e não ser destruído”, explica.

    O Brasil e o movimento negro

    A violência sofrida pelos terreiros é uma das facetas da situação vivida pelo país, na visão de Kabengele Munanga. Ele acredita, contudo, que a delicadeza do atual cenário coloca em risco as conquistas obtidas em tempos recentes.

    “A gente está passando por um momento de crise, um momento de ameaça de todas as conquistas que foram conquistados nos governos Lula e Dilma. Tudo o que foi feito de serviço para a sociedade, comunidade, tudo foi destruído e rasgado”.

    Um dos exemplos apresentados por Kabengele Munanga, para explicar a sensação sobre a realidade, é a maneira como o governo federal lidou com a pandemia da Covid-19. Até o dia 7 de junho de 2022, 667 mil pessoas perderam as vidas pela pandemia, a maioria delas pessoas pobres e negras. O Mapa da Desigualdade, estudo feito pela Rede Nossa São Paulo, apontou que entre janeiro e julho de 2021, 47,6% das mortes de pessoas negras na cidade foram por conta da Covid-19, contra 28,1% entre os brancos.

    Para Kabengele Munanga, os números indicam as desigualdades existentes no país e a responsabilidade do governo federal. “A pandemia matou muitos pobres, entre eles, muitos negros, tudo isso por conta da irresponsabilidade do atual governo”.

    Autor da frase de que o “racismo é um crime perfeito” no Brasil, Kabengele Munanga acredita que o racismo continua presente, mas com diferenças no atual cenário. “Quantos somos no Congresso? Para que sejamos os 54% ainda falta muito. Nas assembleias, no Senado, nos judiciários, somos sub representados e isso vai depender de dois caminhos: a educação e as políticas afirmativas”.

    Ele acredita que parte das mudanças na realidade brasileira fazem parte dos avanços obtidos pelo movimento negro. “As conquistas que nós tivemos, que são resultado de lutas de gerações, que vem lá de Zumbi dos Palmares, Frente Negra Brasileira, Movimento Negro Unificado, e hoje representadas por várias entidades do movimento negro e feministas organizados. Essas conquistas ainda não representam a população negra”. Os principais avanços apontados por Kabengele Munanga são as aprovações das leis 10.639 e 11.645, que obrigam o ensino da história africana, afro-brasileira e indígena, e a homologação da Lei de Cotas em 2012.

    O papel do movimento negro hoje é, para ele, sobretudo o de conscientizar os jovens sobre a necessidade de continuar na luta. “Não é porque entraram alguns negros nas universidades pelas cotas que conseguimos. Nós estamos apenas conseguindo alguns resultados, coisas que para mim ainda são muito poucos”.

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  29. Brasil tem aumento de mais de 60% de pessoas negras que convivem com a fome

    Em 2022, cerca de 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no Brasil e mais da metade (58,7%) da população está em situação de insegurança alimentar, situação em que uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos. É o que diz o II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

    “Em número de pessoas, isto significa que 14 milhões de novos brasileiros passaram a conviver com a situação de fome, uma vez que tínhamos 19,1 milhões ao final de 2020 e, ao final de 2021 e início de 2022, esse número subiu para 33,1 milhões”, ressalta o informe.

    O levantamento mostra ainda que enquanto na população negra houve um aumento de mais de 60% na proporção daquelas que convivem com a fome, dentre os brancos esse aumento foi de 34,6%.

    A insegurança alimentar grave aumentou nos domicílios chefiados por pessoas brancas, de 3,3% para 6,6%, e entre domicílios com pessoas de referência negra (preta/parda) de 8,7% para 10,2%. Isto resultou em diferença menor entre os grupos, mas com prevalência de insegurança alimentar grave de maior magnitude em domicílios chefiados por pessoas negras.

    O estudo também constatou que 22,3% das famílias cujos responsáveis têm até quatro anos de estudo ou não tinham escolaridade estão em situação de insegurança alimentar grave, o dobro daquelas com oito anos de estudo (10,2%). “A garantia da educação como direito social se revela, portanto, como um meio essencial também de proteção das famílias contra a ameaça da fome.”, diz o levantamento.

    “Por trás da fome, temos o flagelo sobre as crianças, as mulheres e a população negra, acrescido a isso o negacionismo frente ao problema climático, que tanto prejudica a produção agrícola e tem relação direta com a insegurança hídrica”, diz o informe.

    O estudo foi desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), em parceria com a Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert – Brasil, Instituto Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc São Paulo.

    Leia também: ‘Há uma ligação direta entre insegurança alimentar e racismo no Brasil’, diz nutricionista

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  30. “Negro quer poder”; Coalizão se prepara para ocupar parlamentos no Brasil

    “Se poder é bom, negro também quer poder”. Esse foi o lema do lançamento da iniciativa Quilombo nos Parlamentos, projeto apresentado pela Coalizão Negra por Direitos para eleger candidaturas negras em todo o legislativo nacional.

    Entre as 17h e as 22h, pré-candidatos de todo o Brasil discursaram na Ocupação 9 de Julho, no centro de São Paulo. O evento teve a participação destacada de Vilma Reis, pré-candidata a deputada federal na Bahia, e Douglas Belchior, pré-candidato a deputado federal por São Paulo, ambos pelo PT.

    “Nós não estamos aqui para eleger pessoas negras e só. Nós estamos aqui para eleger lideranças do movimento negro”, disse Douglas Belchior. Vilma Reis destacou a centralidade da luta contra o racismo para esse período histórico. “O Brasil só é possível com o povo negro. Nós não vamos recuar”. Os dois são articuladores nacionais da Coalizão Negra por Direitos.

    Diagnosticado com Covid-19, o ex-presidente Lula participou de maneira virtual do encontro. Ele enfatizou que ainda existe “muita desigualdade e muito racismo” no Brasil e que conta com a eleição de uma grande bancada de legisladores negros. “Se eles mataram Zumbi, vão precisar lidar com os milhões de Zumbis que vieram”.

    O encerramento da atividade foi feito com uma mesa, composta por figuras históricas do movimento negro, como Sueli Carneiro, Milton Barbosa, Cida Bento, Hélio Santos, Vanda Menezes, Nilma Bentes, Antonio Pitanga, Iêda Leal, Iya Sandrali e Anielle Franco.

    “Quando eu encontro vocês, eu vejo Maria Felipa, Acotirene, Dandara, tantas mulheres lutadoras. Esse país foi construído pela mão negra”, bradou Antonio Pitanga. Sueli Carneiro destacou a importância do prestígio dado pelo ex-presidente Lula para o evento e exaltou a força da Coalizão. “Nós vivenciamos um fato inédito, do lançamento de candidaturas negras de âmbito nacional, com a potencialidade de pela primeira vez eleger uma bancada negra significativa pela nossa ação política coletiva, sob a liderança da Coalizão Negra por Direitos”.

    Todas as candidaturas apresentadas foram ou para o Congresso Nacional ou para as assembleias estaduais legislativas. Nenhuma candidatura para o senado, governo estadual ou presidência da república.

    O encontro teve cortejo do Bloco Ilu Oba De Min, que apresentou ao público cantos para os orixás e músicas de exaltação das mulheres negras. Durante a apresentação das candidaturas, foi marcante a maior presença de mulheres e também a participação ativa de ativistas LGBTQIA+, com destaque para pessoas trans.

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  31. ‘Nunca pensei que minha primeira vez fosse terminar em abuso sexual’, diz vítima

    Se a grande maioria das vítimas de violência letal no Brasil são adolescentes de 15 até 19 anos, a violência sexual apresenta outra característica: os dados apontam que, entre 2017 e 2020, entre as vítimas de 0 a 19 anos, 81% tinham até 14 anos de idade. É o que diz o Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil.

    O documento mostra que enquanto em 2017 foram registrados aproximadamente 7,2 mil estupros de vulneráveis com vítimas brancas, e 5,3 mil com vítimas negras, em 2020, foram 5,2 mil e 5,6 mil, respectivamente. “Verifica-se, portanto, uma redução de 26,8% do número de vítimas brancas e um aumento de 6,5% do número de vítimas negras, resultando na inversão da distribuição”, pontua a análise.

    O crime de estupro também tem padrão no sexo das vítimas. Em todas as faixas etárias, a maior parte das vítimas é do sexo feminino. Porém, dentre as vítimas de 0 a 4 anos e de 5 a 9 anos, as meninas representam 77% do total e os meninos, 23%. Já entre as vítimas de 10 a 14 anos e 15 a 19 anos, o sexo feminino responde por 91% dos registros, e o masculino, por 9%. Isso indica que, quanto mais velha a vítima, maior a chance de ela ser uma menina.

    A cyberativista, analista de comunicação e administradora do projeto "Mulheres Históricas", Dai Soares, considera que muitas vezes a infância é roubada de crianças pretas e periféricas pelas ramificações do racismo e sua estrutura. Segundo Dai, muitas crianças começam a trabalhar muito cedo para ajudar em casa e são expostas a todos os tipos de riscos em uma sociedade que silencia a exploração sexual infantil e naturaliza a pedofilia.

    "Um dos fatores mais predominantes é a hipersexualização de corpos negros e a adultização de corpos infantis, principalmente nas perferias, onde a grande maioria das pessoas, são pretas", comenta a cyberativista.

    “Eu achei que se contasse para a minha mãe ela ia ficar brava comigo e tomar meu celular. Só depois eu me dei conta de que fiz uma grande irresponsabilidade. Eu acho que se ele [agressor] quisesse, teria me matado. Mas eu acho que alguma coisa ele conseguiu matar dentro de mim. Eu nunca pensei que a minha primeira vez fosse ser assim e terminar em um abuso sexual”.

    Ana Clara da Silva*, de 15 anos, moradora da zona leste de São Paulo, faz parte das estatísticas apontadas pelo panorama. Negra, de origem periférica, filha única de mãe solo, ela conta à reportagem da Alma Preta Jornalismo que conheceu um homem no Instagram, que mais para frente se tornaria seu agressor sexual. Ana relembra que tudo começou quando ele chamou a sua atenção ao curtir suas fotos e mandar comentários no direct.

    “Eu não vou mentir, eu fiquei feliz de receber os elogios. Na escola, nenhum dos meninos queria ficar comigo e, na pandemia, pior. Então, quando ele começou a curtir minhas fotos, eu fiquei me sentindo bonita, sabe? Foi aí que a gente começou a conversar e ele pediu meu número”, conta a adolescente.

    Na época do caso – que durou de outubro de 2020 até março de 2021 – Ana Clara escondeu da mãe que estava conversando com um homem mais velho e até passou a apagar as conversas do celular.

    “Ela [mãe] sempre foi de olhar meu celular por medo de eu cair em alguma coisa dessas. Então eu escondi dela, salvei o nome dele como se fosse de uma amiga da escola e apagava todas as nossas conversas. E isso foi ruim depois porque eu não tinha como provar nada do que ele me falou ou fez comigo”, lamenta a jovem.

    O homem, identificado apenas como Henrique, tinha 42 anos quando começou a conversar com Ana. Ela conta que se apaixonou por ele e por tudo que ele dizia nas conversas, que iam desde elogios até convites para a casa dele, o que, posteriormente, a adolescente aceitou.

    “No começo eu até falei para ele, meio que brincando, sabe? Eu falei: ‘isso é pedofilia por que eu tenho 13 anos’, e ele me respondeu ‘eu não sou pedófilo, sou efebófilo, sou doente, então não tem problema’. Um dia, minha mãe saiu para trabalhar e eu tomei coragem e disse para ele vir me buscar em casa”, diz a jovem.

    Efebofilia

    A psicóloga Débora Bonfim, pós-graduanda em Sexualidade Humana, pedagoga e palestrante, explica que a efebofilia se trata do desejo sexual em relação aos menores de idade, na idade puberal ou pós-puberal, denominado também como hebefilia.

    “É uma parafilia ou distúrbio parafílico, caracterizada pelo surgimento de fantasias sexuais intensas, nas quais o principal objeto de desejo está focado em seres não humanos, objetos não consentidos ou incapazes de consentir, ou envolve a existência de dano e sofrimento para si ou para os outros”, comenta.

    A psicóloga também aponta que essas fantasias são apresentadas intensamente por, no mínimo, seis meses, e geram disfuncionalidade e alteração no dia-a-dia do sujeito, pois ocupam parte de seu tempo e podem – ou não – gerar desconforto para a pessoa.

    “A fantasia pode permanecer imaginativa ou pode pressionar o sujeito a tentar praticá-la. Geralmente, gera um interesse sexual exclusivo, embora este último item não seja essencial em relação ao estímulo parafílico”, afirma a profissional.

    “Tecnicamente, esse tipo de interesse sexual pode ser considerado um tipo de pedofilia, pois, nesse caso, o sujeito do desejo do efebófilo permanece menor. No entanto, há uma característica em que elas diferem: no caso dos efebófilos, o sujeito já possui características sexuais semelhantes às de um sujeito adulto, já que está passando pela puberdade ou já a superou, enquanto na pedofilia clássica, interesse é focado em sujeitos pré-púberes, sem atributos sexuais”, completa.

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    Créditos: Unicef

    No entanto, para a legislação brasileira, um efebófilo não é considerado uma pessoa “doente”, como aponta a advogada e mestra em Ciências Humanas e Sociais, Ana Paula Freitas. “Nas leis temos as ações que são consideradas como crimes e cabe ao judiciário determinar se os efebófilos cometeram algo ilícito e em qual crime sua conduta se encaixa”, diz a jurista.

    A advogada explica que, quanto à penalidade, fica a cargo de um incidente processual determinar se essa pessoa pode ser responsabilizada ou não pelo crime.

    “Caso possa cumprir a pena, a pessoa será destinada para o estabelecimento penitenciário comum. Se for concluído que essa pessoa não pode responder por seus atos, ela deve ser encaminhada para um Hospital de Custódia e Tratamento”, comenta.

    O crime

    “No carro eu estava com medo, mas eu tentei não demonstrar. Daí eu estava tremendo e ele falou que ia fazer umas coisas comigo que talvez eu não gostasse muito, mas que ele precisava fazer por que ele era uma pessoa doente que não conseguia se controlar mais. Ele disse que seria uma prova de amor que, se eu passasse, ele iria convencer a minha mãe de que a gente deveria ficar juntos e casar”, relembra Ana Clara

    A adolescente conta que ao chegar na casa de Henrique, ele começou a dizer várias vezes a frase “olha o que você me faz fazer”. Depois disso, o homem passou a tentar tirar a roupa da menor. Com medo, Ana pediu para que ele parasse, pois tinha mudado de ideia quanto à relação sexual. Foi neste momento que a postura do homem passou a ser mais agressiva.

    “Ele começou a me xingar, disse pra eu calar a boca por que ele não ia perder tempo nenhum mais com conversa. Aí ele me deu um tapa na cara, me jogou no sofá e começou. Juro por Deus que eu travei, tentei lutar mas não tinha nem força para reagir. Eu estava com vergonha, com dor, com medo, arrependida de não ter conversado com a minha mãe. Eu realmente quis morrer”, desabafa a jovem.

    Ao fim da violência sexual, Ana Clara explica que Henrique se desculpou e disse que a amava muito, mas que era uma pessoa doente “com problema sexual”. Ele ofereceu à jovem um sorvete que já tinha em sua geladeira, pediu para que ela se acalmasse – pois estava chorando – e disse que ia levá-la de volta para casa apenas se a adolescente prometesse que não ia contar a ninguém o que aconteceu.

    “Ele disse que me amava, mas se eu contasse para alguém ele ia mostrar o vídeo para todo mundo. Eu gelei porque ele disse que tinha uma câmera escondida na casa dele. Fiquei pensando na minha mãe vendo isso e prometi que não ia comentar nada, e que só queria ir para casa. Eu estava me sentindo muito culpada por tudo que aconteceu”, diz.

    Consequências psicológicas

    “Eu comecei a perceber ela [Ana Clara] quieta, chorando pelos cantos, isolada. Ela não olhava para mim quando eu falava com ela. Comecei a pensar no pior, que algo de muito grave tinha acontecido com a minha filha. Ela reclamou de cólica por dias, disse que estava com dor e por isso estava tão quieta. Mas eu sentia que tinha algo errado”, lembra Luísa Fernandes*, mãe de Ana Clara.

    A psicóloga Débora Bonfim explica que a violência sexual gera grandes sequelas psicológicas nos adolescentes, marcas estas que perduram por muitos anos. Ela diz que a curto prazo, o sentimento de culpa, o medo de relatar aos responsáveis, o sentimento ambíguo de prazer com repulsa são os mais marcantes.

    “A médio e longo prazo cito agressividade, desenvolvimento de distúrbios de ordem emocional, dificuldade nas relações afetivas, desconfiança excessiva, perda da inocência, timidez, tristeza profunda, baixa autoestima, submissão sem questionamentos, necessidade de aceitação, depressão, transtorno de ansiedade generalizada, compulsão sexual, disfunções sexuais, vaginismo, automutilação, neuroses, dentre outros distúrbios”, enfatiza a profissional.

    Depois de quase duas semanas da violência sexual, dona Luísa diz que já estava no limite e que decidiu colocar a adolescente “na parede”. Preocupada, a mãe solo disse que chamou a filha para conversar, dizendo que se ela falasse a verdade do que havia acontecido, ela prometia que não colocaria a jovem de castigo.

    “Foi aí que ela [Ana Clara] desabou. Ela chorava tanto, mas tanto, que eu comecei a ficar desesperada também. Ela só dizia ‘desculpa, mãe, foi tudo minha culpa’. Essa menina começou a tremer, ficar com a boca roxa, falta de ar. Olha, foi terrível ver minha filha assim, não desejo para nenhuma mãe”, lamenta.

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    Créditos: Agência Jovem de Notícias

    “Aí eu perguntei: ‘filha, alguém te machucou’. E ela só respondeu que sim com a cabeça. Eu perguntei o que a pessoa fez e ela começou a chorar mais, chorou por uns cinco minutos e disse baixinho: ‘me estuprou’. Meu mundo caiu naquele momento”, desabafa a mãe de Ana Clara.

    Denúncia

    A advogada Ana Paula Freitas enfatiza que a Constituição Federal, em seu artigo 227, trata da prioridade absoluta na defesa dos direitos das crianças e adolescentes e diz que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

    “Nesse contexto temos alguns crimes previstos na legislação brasileira, mais especificamente no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. Junto com o crime de exploração sexual, a depender do caso, podem ser incluídos outros crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente no Código Penal”, pontua a jurista.

    A advogada pontua que, caso um adolescente ou criança seja vítima de exploração ou abuso sexual, é necessário procurar auxilio com alguém de sua confiança e, na ausência dessa figura, ligar para o disque 100 ou ir até uma delegacia de polícia.

    “Sua palavra conta como prova importante da configuração do crime, e será encaminhada para submissão de exames médicos e acolhimento. O caminho para levar uma denúncia para frente é a primeira notificação. Após tomar conhecimento dos fatos, cabe ao Ministério Público e a polícia conduzir as investigações”, salienta.

    Ao saber do ocorrido, a mãe de Ana Clara seguiu com as etapas descritas pela jurista Ana Paula Freitas. Luísa afirma que não irá deixar o caso de lado e que o processo ainda está em aberto, mas que ela conta com apoio de um advogado. A mãe de Ana Clara prefere não detalhar os trâmites, para sua proteção e da filha.

    “Eu não vou parar enquanto esse homem não for preso e punido pelo que fez com a minha filha. O adulto é ele, ela é só uma menina. Eu quero que ele pague o que a lei determina, nem nada a mais ou a menos. É só isso que eu quero. Ela errou em se expor assim? Errou. Mas o adulto é ele. Quem tem que pagar é ele, e não ela, que já está traumatizada”, destaca a mãe da adolescente.

    A advogada Ana Paula Freitas enfatiza que pena prevista no art.244-A do ECA é de quatro a 10 anos e multa para crimes sexuais contra adolescentes. “Além da perda de bens, os valores utilizados no crime são revertidos para o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado em que o crime ocorreu”, comenta.

    O que isso diz sobre a sociedade?

    A psicóloga Raísa Soares, especializada em atuação feminista e antirracista, aponta que há um grande problema social quando o assunto diz respeito à proteção de crianças e adolescentes negros conta abuso e exploração sexual.

    “Nossa cultura naturaliza a violência sexual, a pobreza que atravessa muitas famílias e sobre como os abusadores usam desse cenário para se aproximar de adolescentes. Isso tudo demonstra como o machismo favorece para que corpos femininos sejam lidos como propriedade e objeto”, avalia a profissional.

    Raísa pontua que os números a respeito da exploração sexual – como apontados pelo Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil – mostram a urgência em criar políticas públicas de combate, bem como o fortalecimento dos canais de denúncia e para trazer conscientização social de prevenção e cuidado.

    “Uma sociedade em que questões de gênero, raça e classe são indicadores de violência é uma sociedade em adoecimento. Novas possibilidades precisam ser construídas, psicologicamente, social e culturalmente. É preciso trazer novos debates que combatam a exploração sexual”, pondera.

    “Seguir em frente não é fácil”

    A cyberativista Raísa Soares avalia que é impossível falar sobre apoio psicológico aos adolescentes vítimas de violência sexual sem pontuar a necessidade de um apoio social. Para ela, a recuperação precisa também ser coletiva.

    “É preciso ampliar a política de enfrentamento à violência sexual, informar, conscientizar os adultos e no aspecto psicológico, há um trabalho de fortalecimento emocional a ser feito. As vítimas saem fragilizadas, com medo e vergonha, portanto, devolver a voz e o direito a fala a essa adolescente é o caminho da promoção à saúde”, pondera.

    Já Débora Bonfim salienta que os danos causados pela exploração sexual podem ser irreversíveis, dependendo da situação, tempo de exposição a essa situação, e também de quem cometeu tal ato. Para a psicóloga, se trata de sequelas que ferem a alma e atravessam a história de uma pessoa, principalmente quando se está em formação.

    “O trabalho em alguns casos precisa ser realizado por uma equipe multidisciplinar (psicóloga , psiquiatra, fisioterapeuta,etc) para a recuperação dessa pessoa e possibilidade de uma qualidade de vida melhor. Esquecer é impossível”, analisa a profissional.

    Ela recomenda que em casos de violência sexual, é ideal que a vítima seja submetida a sessões de psicoterapia semanais, no sentido de auxiliar esse adolescente a elaborar toda essa dor. Segundo a psicóloga, há um luto que precisa ser trabalhado.

    “Luto pela perda da imagem infantil, pelo que foi vivido antecipadamente, luto pela perda de confiança e referência nos adultos, enfim muitos fatores. O profissional qualificado saberá identificar o tempo e o limite de cada paciente para auxiliar na cura dessas feridas emocionais”, pondera.

    Débora ainda pontua que é de extrema importância uma rede de apoio familiar e um olhar atento para esta família também. “É possível que esse adolescente cresça como um adulto saudável, dentro das suas possibilidades, construa uma autoimagem positiva e ressignifique toda a sua história”, diz.

    Atualmente, Ana Clara faz acompanhamento psicológico e psiquiátrico. De acordo com a mãe da jovem, o objetivo dela é que a menina possa aprender a lidar com o trauma que viveu.

    “Seguir em frente não é fácil, mas eu fico mais aliviada em saber que ela está bem assistida com os profissionais que cuidam dela. Eu quero apenas que a minha filha consiga seguir em frente e que a pessoa que a traumatizou seja punida. Nem que eu leve a vida toda para ver isso acontecer, eu quero que minha filha saiba que ela é mais do que uma vítima”, explica dona Luísa.

    No momento, o agressor de Ana Clara está sendo procurado pela justiça, segundo a mãe da vítima. Ana Clara segue firme no tratamento, mas desde o ocorrido excluiu as redes sociais e evita sair de casa por medo de encontrar Henrique.

    *Ana Clara e Luísa são nomes fictícios, a fim de proteger a identidade das vítimas.

    Leia também: ‘Não é a mesma coisa: como reconhecer assédio moral e sexual?’

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  32. Identidade: barbeiros contam como a profissão tem ressignificado a cultura das favelas

    Do "bigodin finin" ao "cabelin na régua"*, os barbeiros oferecem variados estilos de cortes que fazem a cabeça dos jovens nas periferias, como o famoso “Loiro pivete” e o "Freestyle".

    A estética, criada nas comunidades, ainda hoje é marginalizada mas tem sido ressignificada por barbeiros que veem na profissão uma oportunidade de valorizar e expandir a cultura da favela, como conta o barbeiro Yudi Frttz, do bairro de Pau da Lima, em Salvador.

    "O que eu venho fazendo com o meu trabalho é tentar ressignificar isso. A gente tenta sempre usar esses cortes, essa estética que, de certa forma, faz parte da identidade da periferia e o que a gente faz é abraçar isso como nosso", explica Frttz.

    Yudi Frttz tinha apenas cinco anos quando teve contato com a barbearia. Foi por meio do pai, Dhotta, que nutriu a paixão pela profissão e enxerga nesse espaço uma forma de salvaguardar uma relação ancestral, de afeto e cuidado entre as pessoas negras. "Compreendo a minha profissão como um trabalho de transformação e de afetividade", pontua o barbeiro.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    "Compreendo a minha profissão como um trabalho de transformação e de afetividade" | Foto: Foto: Willyam Nascimento

    Considerada como uma das profissões mais antigas do mundo, ainda hoje os barbeiros são figuras de confiança e respeito. A eles é dada a confiança de mexer na cabeça, o que para as religiões de matriz africana representa a segurança de manusear o ponto de maior ligação espiritual do corpo.

    Leia também: ‘O cabelo crespo faz parte da realeza dos homens negros‘, define barbeiro

    Para Yudi, apesar da importância histórica e visibilidade que os barbeiros das comunidades têm conquistado, ainda há uma apropriação da estética dos jovens das periferias por espaços elitizados.

    "Tem um esvaziamento do significado e é bem triste porque eles fazem as coisas de uma maneira que transformam aquilo em lucro, em algo "bonito" para eles, enquanto quando a gente usa somos criminalizados, marginalizados", ressalta.

    Autonomia

    As barbearias, que antes era um espaço liderado majoritariamente por homens mais velhos, cada vez mais tem atraído o público mais jovem, que busca por autonomia financeira e uma alternativa para além do mercado formal de trabalho.

    Foi o que aconteceu com o barbeiro Alisson Jordan. Morador do bairro de Paripe, região do subúrbio de Salvador, ele se encontrou sem caminhos quando foi demitido do trabalho, em 2017.

    Sem encontrar emprego, decidiu investir o dinheiro que tinha recebido do antigo trabalho em um curso profissionalizante para atuar como barbeiro. Além da independência financeira, Jordan conta que o interesse do público mais jovem pela barbearia também se dá pela busca de um cuidado com a beleza e faz parte de uma cultura criada nas comunidades.

    "Foram as comunidades que trouxeram essa cultura de que você tem que estar 'alinhado'. Para onde você sai, você tem que estar 'alinhado', com o cabelo na 'régua', então isso fez com que muitos jovens tivessem interesse em conhecer a profissão e entrar no ramo", explica o barbeiro.

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    ‘Foram as comunidades que trouxeram essa cultura de que você tem que estar 'alinhado', com o cabelo na 'régua' | Foto: Arquivo Pessoal

    Para o proprietário do "Jordan Corts", a barbearia é um local de união e acolhimento entre as pessoas que vivem nas comunidades.

    "Barbearia para mim é tudo. Levando em consideração o lado financeiro, é ela que me dá um certo conforto, uma comodidade, além de estar fazendo com que eu conquiste algumas coisas. Além disso, a barbearia representa a união, ela tem esse lado acolhedor, tanto de mim para os meus clientes como dos clientes para outros clientes", completa.

    Já para o barbeiro Júnior Ferreira, também do subúrbio de Salvador, a profissão é uma aliada na transformação social da comunidade. No ramo há oito anos, Júnior decidiu criar um projeto social com objetivo de oferecer aulas gratuitas de barbearias para os jovens, o Instituto Júnior Ferreira.

    Com um ano e meio, o projeto já formou 15 jovens barbeiros das comunidades de Salvador e oferece certificado válido em todo o Brasil, além de indicação de estágio.

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    Júnior Ferreira | Foto: Instagram/@imperio.do.corte

    Além de incentivar uma maior autonomia nas quebradas, Júnior completa que o projeto "vai além de ensinar a cortar um cabelo, é uma ação de mudar vidas", finaliza.

    Leia também: Barbeiragem: muito mais entre as mãos do condutor e a arte na cabeça

    *Em referência ao bordão criado pelo MC Kallebe, de 15 anos, que viralizou nas redes sociais em 2018 e ganhou sucesso nas letras de funk. O jovem morreu em 2020 após se afogar no rio Ururaí, em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.

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  33. Dia Mundial do Meio Ambiente: como as mudanças climáticas já impactam as populações no Brasil?

    Em 5 de junho é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente. Há 50 anos, em 1972, a data foi instituída durante a Assembleia Geral das Nações Unidas e marcou a abertura da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. A data tem o objetivo de chamar a atenção para a emergência climática, para problemas ambientais já sentidos em todo o mundo, inclusive no Brasil, e para a necessidade de preservação dos recursos naturais.

    A mais recente publicação do 6° relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) aponta que as alterações do clima já levaram a perdas globais e danos irreversíveis nos ecossistemas, como a migração e as primeiras extinções de espécies. O IPCC é um comitê composto de cientistas do mundo inteiro que avaliam periodicamente o conhecimento científico sobre as mudanças no clima.

    “Nas últimas décadas, não só no Brasil, mas em todo o mundo, já se observa um aumento na frequência dos extremos. Quando digo extremos, não estou falando só de ondas de calor ou ondas de frio, mas também o que se refere a chuvas intensas, secas, furacões e os impactos que eles produzem, por exemplo, deslizamento de terra, enxurradas e enchentes”, explica José Marengo, climatologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

    O climatologista também ressalta que o aquecimento global é um processo natural da Terra, mas que é gradativo e lento ao longo da história. Entretanto, as atividades humanas aceleram esse processo.

    “Com a injeção extra de gases de efeito estufa, metano e óxido de carbono, esse aquecimento está acelerando e os eventos estão ficando mais intensos”, explica Marengo.

    De acordo com resumo disponibilizadopelo Observatório do Clima sobre as principais conclusões do relatório do IPCC, os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, expuseram milhões de pessoas à insegurança alimentar e hídrica, com os maiores impactos observados na África, na América Latina, na Ásia, nos pequenos países insulares e no Ártico.

    Leia mais: O que é racismo ambiental e como contribui para a retirada de direitos no Brasil

    “A mudança do clima retardou os ganhos de produtividade da agricultura mundial nos últimos 50 anos. A desnutrição aumentou, afetando principalmente idosos, crianças, mulheres grávidas e indígena”, explica o resumo.

    Atualmente, de 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivem em regiões ou contextos altamente vulneráveis à mudança climática, sendo que gênero, etnicidade e renda são fatores de aumento de vulnerabilidade. A mortalidade causada por tempestades, secas e enchentes foi 15 vezes maior nas regiões mais vulneráveis entre 2010 e 2020. Os impactos das mudanças são desproporcionais, sobretudo em países desiguais como o Brasil.

    “Nas cidades, por exemplo, que vêm sendo atingidas por ondas de calor e outros impactos climáticos ampliados por problemas de desenvolvimento, as populações de favelas são afetadas de forma desproporcional”, apontam as conclusões do estudo do IPCC, que revela a necessidade de que o assunto seja uma das prioridades nas agendas governamentais dos países.

    Pela primeira vez, o relatório também afirma que essas mudanças no clima podem estar agravando problemas de saúde mental, como o trauma relacionado à perda de condições de vida devido aos eventos climáticos extremos.

    A Alma Preta Jornalismoseparou alguns acontecimentos ocorridos recentemente no Brasil e que são reflexo das consequências geradas pelas alterações no clima.

    Chuvas intensas

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Tragédia em Petrópolis é a maior da Cidade Imperial no Rio de Janeiro | Crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil

    Só entre o final de 2021 e o primeiro semestre deste ano, chuvas intensas provocaram tragédias no Sul da Bahia, Minas Gerais, nos municípios de Petrópolis e Paraty no Rio de Janeiro e, agora, também em Recife, no Pernambuco.

    A tragédia em Pernambuco teve, até o momento, o registro de 127 mortes, com uma pessoa ainda desaparecida, essa se tornando a maior catástrofe dos últimos 50 anos no estado. Já passa de 9 mil o número de desalojados.

    No dia 15 de fevereiro deste ano, o município de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, foi tomado por uma tragédia considerada a maior da Cidade Imperial. O município recebeu um volume de chuva nunca antes registrado em sua história. As vidas de ao menos 238 pessoas foram perdidas no município de Petrópolis.

    O temporal ocorrido em Pernambuco, Rio de Janeiro e em outras regiões do Brasil observados desde o fim do ano passado é um reflexo das mudanças climáticas ao longo das últimas décadas. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), os sete anos mais quentes foram registrados desde 2015, com 2016, 2019 e 2020 no topo desse ranking. De acordo com o órgão da ONU, a temperatura média global ultrapassou os níveis pré-industriais em mais de 1°C.

    O aumento desses eventos intensos impacta diretamente as populações mais vulneráveis que sofrem com a falta de políticas públicas habitacionais e de ações preventivas e com a precariedade social e econômica.

    O climatologista José Marengo reforça que as chuvas não matam pessoas. O que mata é a combinação entre um volume muito alto de chuvas e pessoas morando em áreas de risco, áreas vulneráveis e exposição de cidades a ameaças climáticas.

    “Junto à intensidade dos desastres, a vulnerabilidade da população e a exposição das cidades também estão piorando. As cidades não estão preparadas para isso e então vemos como consequência enchentes, enxurradas e pessoas que morrem soterradas. Se isso está acontecendo no presente, imagine como será no futuro que os modelos estão fazendo projeção de eventos mais intensos, o que pode piorar a situação atual?”, indaga o coordenador-geral do Cemaden.

    Entre os anos de 1980 e 2019, o número de desastres naturais no Brasil passou de 5 mil para aproximadamente 33 mil, sendo que o aumento desses eventos foi mais acentuado nos últimos anos.

    Leia mais: Recife: para vereadores, falta de investimento em urbanização reflete racismo ambiental

    Tempestade de areia no Brasil

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Tempestade de areia no interior paulista | Crédito: Reprodução/Twitter

    Em setembro de 2021, regiões do interior paulista e mineiro foram tomadas por uma tempestade de areia nunca antes vista em tanta magnitude. O fenômeno aconteceu após um período sem chuvas no estado, o que causou o tempo seco e a baixa umidade. Rajadas de vento frio e seco que antecedem as chuvas expulsaram, então, a poeira acumulada nas superfícies.

    O fenômeno já foi observado em outros momentos no fim dos períodos mais secos, sobretudo em áreas de plantações, entretanto a intensidade maior e a formação de nuvens gigantes é um reflexo também das mudanças climáticas e do aumento das temperaturas globais, que favorecem maiores períodos de estiagem.

    Estiagens, secas e frio fora de época pelo Brasil

    Desde o segundo semestre de 2020 a setembro de 2021, o Brasil se viu diante da maior seca em 91 anos. As hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste chegaram em uma situação crítica com a falta de chuvas e a escassez histórica. As estações mais secas que a média têm acontecido com mais frequência nos últimos anos, afetando a oferta de água potável para a população e também levando ao aumento das contas de energia e perigos de apagões.

    De acordo com relatório do IPCC em publicação do ClimaInfo, as áreas do Nordeste sujeitas à seca, aumentaram em 65% no período de 2010 a 2019 e, para o futuro, espera-se que os impactos das mudanças climáticas impulsionem o aumento da seca na região.

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    Estiagens afetam os reservatórios de água do Brasil | Crédito: Reprodução/ IBBL

    O relatório também pontua que o calor e a umidade ultrapassarão a tolerância humana, inclusive no Brasil se as emissões de gases de efeito estufa não forem reduzidas. As mortes por calor no país poderão aumentar em 3% até 2050 e em 8% até 2090. O eventos extremos como a queda nas temperaturas e frios fora de época no país também fazem parte de um cenário causado por um planeta mais quente, segundo informações do Observatório do Clima.

    Políticas de adaptação e de prevenção são necessárias

    A ecofeminista e diretora do movimento Nossa América Verde Sylvia Siqueira pontua que a cultura do Brasil é de emergência, em que as principais decisões políticas são tomadas de última hora. Além disso, as pessoas normalmente não entendem como funciona a burocracia do estado e como se pode intervir ou participar da decisão orçamentária.

    “Quando a gente olha para o Legislativo, a função dele no âmbito de justiça climática é fazer a atualização da legislação. É preciso ter uma atualização da legislação ambiental no sentido de preservação, mas também de fiscalização. Diversos desastres ocorrem no nosso país pela falta de fiscalização. Em termos ambientais, a gente precisa de um sistema de fiscalização do solo, das águas e do ar. Por outro lado, o Executivo precisa desenhar políticas mais eficazes e implementá-las com qualidade, mas principalmente em territórios historicamente vulneráveis ou vulnerabilizados”, explica a ecofeminista.

    De acordo com Sylvia, a mudança climática tem tudo a ver com a forma de se redesenhar o modelo de governança com ampla participação popular. “Quando a gente fala sobre participação popular, não é simplesmente colocar uma consulta na internet. É sobre um redesenho de como a gente envolve os territórios no desenho orçamentário das cidades para que as pessoas que moram naquela cidade, tanto na área urbana quanto rural, e que a gente sabe que é de maioria negra, decida também sobre esse orçamento”, destaca.

    O climatologista José Marengo ressalta a importância de, além de se buscar reduzir o aquecimento do planeta o máximo possível nesse contexto, também trabalhar nas possibilidades de adaptação às alterações climáticas, como investir em sistemas de alertas e políticas para auxiliar e retirar pessoas de áreas de risco.

    “Se tivéssemos uma chuva muito forte no futuro, mas se a cidade é resiliente e se a população não mora em áreas de risco, nós teríamos desastres naturais que não matariam pessoas. Nós chegamos em um momento no qual já não é possível dizer que a chuva não vai acontecer, o que temos que reduzir é o impacto dessas chuvas e aí entram as políticas de urbanização, de governo, ambiental e plano de mudanças climáticas” explica o climatologista.

    A diretora do movimento Nossa América Verde também pontua que as tragédias que ocorrem por conta da falta de planejamento em torno dos eventos naturais mais intensos interfere em todas as áreas da vida de uma pessoa, como na alimentação e no acesso ao trabalho, por exemplo.

    “Um impacto muito grave para nossa população, para a população negra e periférica, seja urbana ou rural em diferentes dimensões, é o acesso à comida. Porque seja pela seca, seja pela enchente, a produção agrícola ou agroecológica das famílias agricultoras é prejudicada. Isso prejudica essas famílias em termos tanto alimentar, como também econômico e financeiro, porque ela não tem o que vender, logo outras áreas da vida dela são afetadas. E, nas cidades, o que consegue chegar das produções agrícolas, chega com preços mais altos", finaliza a ecofeminista.

    Leia também: Soluções sustentáveis para cuidar da natureza e reduzir desigualdades

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  34. Câmara tem pacote de projetos que quer aumentar pena em casos de discriminação racial

    Mais de 50 propostas legislativas com o objetivo de definir os crimes resultantes de discriminação e preconceito de raça, cor, gênero, etnia e religião estão tramitando em conjunto na Câmara dos Deputados. Os projetos foram unidos ao PL 6418/2005, de autoria do senador Paulo Paim e já podem ser votados em plenário. 

    O projeto de lei principal, a qual foram apensadas outras 55 propostas, foi remetido à Câmara em dezembro de 2005. Ele prevê mudanças no código penal que aumentam as penas nos casos de discriminação no mercado de trabalho, apologia ao racismo, atentado contra a identidade étnica, religiosa ou regional. Além de violência resultante de preconceito de raça como homicídios e lesões corporais. 

    Pelo texto, a injúria passa a ser criminalizada e os delitos tornam-se inafiançáveis e imprescritíveis, ou seja, os seus julgamentos não vencem o prazo. O senador Paulo Paim disse que o racismo institucional é um dos maiores impedimentos para que esse tipo de matéria seja votada e está fazendo uma campanha interna para que a Casa se mobilize. 

    De acordo com ele, apesar de vários projetos estarem prontos para serem votados no Plenário da Câmara, eles não entram na pauta. À Alma Preta Jornalismo o senador afirmou que os textos precisam de pressão popular para serem votados. 

    “Para isso foi criada a Frente Parlamentar Mista Contra o Racismo e o Preconceito cuja proposta é, em grupo, fazer uma visita aos presidentes do Senado e da Câmara que efetivamente as pautas humanitárias sejam aprovadas”, disse.

    Apensado ao PL 6418/2005, estão tramitando propostas que já queriam tipificar a injúria racial como crime de racismo desde a década de 1990, como é o caso do PL 715/95, da então deputada Telma de Souza (PT-SP), e do PL 1026/95, do então deputado José Fortunatti (PT-RS). Pelo menos sete projetos com este mesmo objetivo também estão na lista.

    “Se a gente não conseguir alinhar os trabalhos da Câmara e do Senado fica muito difícil, pois surgem muitas propostas novas, mas já existem projetos bons em andamento que só precisam ser votados", afirma Paim. 

    Além dessas matérias, algumas classificam como hediondos os crimes de preconceito religioso. Outras incluem os preconceitos de gênero, a misoginia e a discriminação LGBTQIA+ na legislação que define o crime de injúria. 

    Um dos destaques são os PLs 2785/2021 e 3178/2020 que versam sobre o crime de racismo e injúria cometidos na internet. Neste último texto, se define o crime de hater como aquele que usa a rede para “disseminar ódio ou proferir comentários discriminatórios de qualquer natureza, que cause dano à integridade psíquica” de outra pessoa. 

    Segundo o autor, João Daniel (PT-SE), discursos de ódio devem ser proibidos pela lei, e que essas proibições não firam o princípio de liberdade de expressão. Ainda não existe uma lei específica que trate sobre discurso de ódio, sobretudo, motivado por diversos tipos de discriminação na rede mundial de computadores.

    “A internet, assim como qualquer outro espaço ou ferramenta, pode ser usada para exponenciar boas e más ações. Por se tratar de um espaço imenso, muitas pessoas acreditam que a internet é “terra sem lei”, ou seja, que é permitido agir da maneira que lhes convém, sem lidar com as consequências. Por isso ainda é comum vermos comentários intolerantes nas redes sociais”, escreveu o parlamentar em sua justificativa.

    Paim explica que, após passarem pelo Congresso, essas leis precisam ganhar força no Judiciário e na sociedade para que elas sejam cumpridas. “A população deve se apropriar das leis e daí para frente exigir o respeito às leis que atendem aos interesses do povo”, ressalta.

    Leia mais: Senado Federal pressiona Câmara para votar pautas antirracistas

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  35. Lula tem maior vantagem entre os pretos, revela DataFolha

    A pesquisa de intenção de votos divulgada pelo Instituto Datafolha, nesta segunda-feira (30), aponta uma vantagem do ex-presidente Lula (PT) sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL)entre os negros em todos os cenários.

    Na resposta com a indicação dos nomes do candidato, Lula tem uma vantagem de 34 pontos sobre Bolsonaro, 57% contra 23%, entre aqueles que se autodeclararam pretos. Entre os pardos, Lula tem 49% e Bolsonaro tem 27%. Já entre os eleitores brancos, Lula tem 40% e Bolsonaro tem 32%.

    Ao todo, a pesquisa ouviu 2.556 eleitores em todas as regiões do Brasil, sendo 43% pardos, 32% brancos e 17% pretos.

    Na resposta espontânea, quando o entrevistador perguntou em quem o eleitor iria votar, mas sem apresentar uma lista de nomes, o pré-candidato do PT teve 38% das respostas dos pardos, 30% dos brancos e 44% dos pretos. Por sua vez, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu 22% dos pardos, 27% dos brancos e 17% dos pretos.

    O Datafolha também fez um questionamento sobre a certeza de voto dos eleitores agora em maio para as eleições que vão acontecer em outubro. Os eleitores responderam da seguinte forma: 69% dos pardos, 66% dos brancos e 70% dos pretos estão decididos em quem vão votar para presidente.

    No entanto, tem uma parcela considerável que afirma que ainda pode mudar de candidato: 31% dos pardos, 34% dos brancos e 29% dos pretos.

    No segundo turno, em um cenário de disputa entre Lula e Bolsonaro, o resultado seria este: pardos (58% Lula e 33% Bolsonaro), brancos (51% Lula e 38% Bolsonaro) e pretos (68% Lula e 26% Bolsonaro).

    O levantamento ouviu pessoas com mais de 16 anos de idade em 181 municípios nos dias 25 e 26 de maio e foi registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com o número TSE - BR-05166/2022.  Lula amplia sua vantagem sobre Bolsonaro entre as mulheres, respectivamente, 49% a 23%, na pesquisa com os nomes dos candidatos e também na pesquisa espontânea, Lula 36% e Bolsonaro 18% do voto feminino. A rejeição à Bolsonaro é mais alta entre as mulheres (57%) do que entre os homens (51%).

    Avaliação

    A pesquisa foi feita no mês em que Jair Bolsonaro completou três anos e cinco meses de governo. Então, uma das perguntas foi sobre a avaliação que o eleitor faz do seu governo entre as opções ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo.

    No geral, sem o recorte racial, o governo foi avaliado como ótimo/bom por 25%, regular por 27% e ruim/péssimo por 48% dos eleitores, e 1% disse que não saberia avaliar.

    No recorte racial, os eleitores pretos são os que pior avaliaram o governo do presidente Jair Bolsonaro, 53% disseram que foi ruim/péssimo. Para apenas 18% dos pretos Bolsonaro está fazendo um governo ótimo/bom. Para os eleitores pardos, segundo a Datafolha, o governo Bolsonaro é ruim/péssimo para 47%, regular para 29% e ótimo/bom para 24%.

    Entre os eleitores que se autodeclaram brancos no Brasil, 30% acham que Bolsonaro faz um governo ótimo/bom. A avaliação de regular é de 24%. Os que consideram o governo ruim/péssimo são 46% dos brancos.

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  36. “O humor sempre foi parte constituinte do racismo estrutural no Brasil”, diz pesquisadora

    Durante décadas, a TV aberta no Brasil, com seus programas de humor, pode ter contribuído com a desvalorização de pessoas negras. A carga de estereótipos negativos associados à negritude gerou reflexo na sociedade, incentivando o racismo recreativo e um projeto de desqualificação das pessoas negras, segundo os especialistas ouvidos pela Alma Preta Jornalismo.

    “Acho que o humor sempre foi um lugar extremamente estruturante no país pela nossa própria formação cultural, histórica e a relação que a gente tem com as culturas populares”. É o que destaca Marina Caminha, doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora sobre humor e audiovisual brasileiro há mais de 20 anos.

    O racismo recreativo, termo cunhado pelo doutor em Direito Adilson Moreira, refere-se a um humor tido como inofensivo, mas que possui um cunho racial que associa características de pessoas negras e indígenas a algo negativo ou inferior.

    “O Adilson Moreira achou uma palavra muito bem colocada para dar conta desse debate, porque é exatamente essa ideia do brincar como se nesse espaço eu pudesse fazer tudo. Eu acho até que a gente deve alargar essa categoria da recreação para outros campos, como xenofobia recreativa, machismo recreativo, LGBTfobia recreativa, que são grupos que sempre apanharam nos lugares dominantes e na mídia hegemônica”, explica Marina Caminha.

    Mussum e o humor na TV

    Antes de ser convidado para fazer parte dos Trapalhões, o sambista Antônio Carlos Bernardes já era famoso como integrante do grupo Os Originais do Samba, reconhecido pelo seu talento como ritmista, compositor, cantor e, em especial, o carisma para entreter a plateia, segundo conta o jornalista Juliano Barreto, autor do livro “Mussum Forévis: Samba, mé e Trapalhões”, lançado pela editora Leya.

    O programa se tornou um grande sucesso nacional aos domingos, mas era marcante o conteúdo racista e os reforços de estereótipos degradantes que o roteiro vinculava ao personagem Mussum, que falava errado e sempre estava bebendo cachaça.

    Na pesquisa para o livro, Juliano Barreto diz que o humorista Antônio Carlos fez frente ao conteúdo racista em diversas ocasiões e, nos cacos [intervenções fora do roteiro], retrucava os ataques raciais.

    “Ele não aceitava mesmo o racismo. Ele ensinava para os filhos que era preciso reagir, bater em quem fosse racista com eles. Não era algo para se admitir”, comentou o biógrafo do Mussum.

    O sambista era conhecido tanto como Antônio Carlos ou Carlinhos da Mangueira. O nome Mussum era um apelido com cunho racial, que ele não gostava, dado pelo ator Grande Otelo. Mussum é um peixe longilíneo de brejo de cor muito escura que era usado como isca para pesca.

    A resistência do Mussum, personagem, em não aceitar que o racismo saísse com vantagem foi percebida por um humorista negro de uma geração mais recente.

    “Ele era o cara sagaz, esperto, que sempre dava uma volta no Didi e no Dedé. O que me chamava atenção era quando ele saía por cima. E mesmo quando tinha uma piada racista, ele dava o troco no ato”, disse o humorista Helio de La Peña, que fez grande sucesso na TV e no cinema com o grupo Casseta e Planeta nos anos 90.

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    Os Trapalhões | Crédito: Reprodução/ Observatório da TV

    O programa dos Trapalhões foi exibido durante 21 anos, entre 1974 e 1995, pela Rede Tupi e pela TV Globo para todas as regiões do Brasil. A história do Mussum será adaptada para o cinema, com previsão de estreia em 2022, com os atores Ailton Graça e Yuri Marçal interpretando o humorista em fases diferentes da vida.

    Leia também: Nas panelas do Pânico, cozinha o humor racista

    Não existe inocência no riso

    A pesquisadora Marina Caminha destaca que é preciso entender que o humor é um lugar de potência, é parte constituinte de um projeto de poder, já que ele se apresenta em todos os lugares, atravessa o cotidiano das pessoas, inclusive as mídias e a política. Segundo ela, essa explicação tem uma importância sobretudo quando se pensa que na pós-abolição da escravatura, a ideia de se criar uma distinção entre as pessoas negras e brancas foi muito forte.

    “Quantos políticos usam a performance do humor para criar um certo lugar de carisma em relação ao público e assim sucessivamente?”, indaga a pesquisadora, também autora do artigo “O humor racista midiático: as políticas da dor e do ódio como desenho risível do corpo negro”.

    Segundo Caminha, com a modernidade, a ideia da brincadeira e do humor vai sendo construída como algo desimportante, inocente, sem intenção ou seriedade, quando, na verdade, dentro das culturas populares, a brincadeira sempre teve um viés ideológico.

    “Assim se dá o poder de tudo falar. Se o humor não é sério, não tem ação ofensiva ou ação ideológica, eu posso falar tudo. Criou-se um jeito de utilizar o humor muito favorável para a perversidade também. O humor sempre foi parte constituinte de um racismo estrutural no Brasil”, ressalta Caminha.

    Além do racismo, a homofobia era muito comum nos programas de humor que fizeram sucesso na TV aberta a partir dos anos 1960, influenciando o modo como a sociedade brasileira refletia sobre as questões de diversidade.

    Marina Caminha explica que atualmente percebe uma transformação nos programas humorísticos, principalmente depois da década de 1990, o que gera um certo tipo de constrangimento e obriga os humoristas brancos a revisarem também o tipo de humor que fazem.

    A pesquisadora também pontua que, por outro lado, é nesse mesmo período que o termo politicamente incorreto começa a surgir com força, com várias pessoas defendendo essa ideia como a essência do humor.

    “Querem dar o direito a que esse humor machista, homofóbico, racista, xenofóbico, permaneça. Aí vem um discurso avançando e se tornando senso comum de que é ‘mimimi’, de que é besteira, era uma brincadeira. Naturalizando a ideia de que o politicamente incorreto é a essência do humor, como se ele não fosse uma construção cultural”, explica.

    Ainda de acordo com a pesquisadora, a normalização e universalização de pensar o humor como um campo inocente permite que o processo colonizador e racista incutido dentro dele atravesse as pessoas e perdure até os dias atuais.

    “Não existe inocência no riso, porque não existe falta de um posicionamento político. O riso tem um claro lugar de ataque. A questão é onde você ataca, quem você ataca e por que você ataca”, explica a pesquisadora.

    Volta por cima

    O humor é um território em disputa onde há espaço para a luta antirracista. Já nos 1990 foi significativa a mudança na perspectiva de condenação do racismo, a partir do momento em que humoristas negros também participavam a criação das piadas e dos roteiros.

    “Eu era um dos donos do programa em que atuava, além de ator, era autor também, tinha domínio sobre as piadas em que atuava. Os comediantes pretos das outras gerações não tinham esse poder. Revendo o programa, vai notar que não me restringia ao papel de bandido, de bêbado ou mendigo. Fui Pelé, Obama, Michael Jackson, encarnei paródia até de personagens da Malu Mader”, disse Helio de La Penã.

    Mesmo com o sucesso na TV, e uma postura mais aguda contra o racismo, o humorista diz que naquela época ainda faltava representatividade.

    “Creio ter vivido mais casos de racismo fora do ar e quando não era ainda uma pessoa pública conhecida em todo o país. O racismo se mostrava mais pela ausência de outros artistas negros no cenário da TV e do cinema. A melhor forma de acuar o racismo na cultura e nas artes é dando voz e visibilidade aos artistas negros”, comentou.

    O cineasta negro Joel Zito Araújo, diretor do longa "O Pai da Rita" em cartaz nos cinemas, escreveu o livro “A Negação do Brasil: O negro na telenovela brasileira”, que é o resultado de uma profunda pesquisa nas novelas exibidas no país entre 1963 e 1997. A obra faz uma análise de como os personagens negros eram retratados e como as suas vidas e subjetividades foram invisibilizados nessas telenovelas, muito populares em sua época.

    “No Brasil, a ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial foram desejos e metas sociais construídos historicamente para apagar a herança negra africana, ‘a mancha da escravidão’, sendo responsáveis pela dificuldade de grande parcela dos afro-brasileiros em cultivar a sua auto-estima”, diz o cineasta Joel Zito em um trecho da obra.

    Leia mais: O nariz e o pregador: “quem te ensinou a se odiar?”

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  37. Câmeras corporais são a solução para a redução da letalidade policial no Brasil?

    Utilizada em ao menos em três estados brasileiros, as câmeras de segurança no uniforme policial se tornaram um ponto central no debate sobre a redução da letalidade policial e da proteção dos agentes de segurança pública no Brasil.

    Em Santa Catarina, o projeto para o uso das câmeras começou em 2018 e atualmente a Polícia Militar do estado conta com mais de duas mil câmeras corporais acopladas em pelo menos um policial de cada guarnição. Em Rondônia, 1.250 câmeras são utilizadas pela PM do estado.

    Já em São Paulo, o uso dos equipamentos resultou na redução de 87% no número de confrontos e queda de 32,7% nas ocorrências de resistência às abordagens policiais.

    Apesar dos números e dos resultados decorrentes do uso das câmeras nas fardas policiais, é possível dizer que os equipamentos são suficientes para reduzir a letalidade policial no país? Para especialistas, além do uso, a adoção das câmeras precisam estar acompanhadas de uma série de transformações institucionais e políticas, inclusive sob o ponto de vista do debate racial.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    Foto: Divulgação/Governo de São Paulo

    “As câmeras são um ponto dentro de uma transformação discursiva, inclusive sobre a questão da seletividade racial da atuação policial”, comenta Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e fundador do coletivo Negro Vozes.

    Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, 100% das pessoas mortas pela letalidade policial em Salvador foram homens negros. Cerca de 75% dessas vítimas não chegaram a ser detidas e levadas a julgamento e tinham idade entre 25 anos e 29 anos.

    Na Bahia, o teste das câmeras acopladas ao uniforme policial foi anunciado em agosto do ano passado e ainda não foi implantado de forma definitiva.

    O uso do equipamento tem sido cobrado por movimentos sociais e familiares de vítimas da violência policial, como da comunidde Gamboa, onde três jovens negros foram mortos após suposto confronto com policiais. De acordo com o inquérito da Polícia Militar, divulgado exclusivamente pela Alma Preta, há indícios de que ao menos um dos jovens foi executado pela polícia.

    "As câmeras constituem, sim, um instrumento importante mas que, como é apontado pelos movimentos negros, o que a gente precisa é de mudanças de caráter político e administrativo. Não é preciso um salvador tecnológico para reduzir a letalidade policial e seletividade racial das polícias", ressalta o pesquisador Dennis Pacheco.

    Um estudo produzido por pesquisadores da Universidade de Stanford, na Califórnia, aponta que a utilização das câmeras por policiais no Rio de Janeiro produziu um efeito de "despoliciamento", em que os policiais eram menos propensos a se envolver em atividades como abordagens e atendimentos de chamados. Além disso, o estudo também concluiu que apenas a tecnologia não é suficiente para reduzir a violência policial.

    De acordo com Pablo Nunes, cientista social, pesquisador e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança, os efeitos do uso dessa tecnologia no Brasil ainda são recentes e precisam ser acompanhados de forma assertiva em conjunto com outras modificações estruturais.

    “A gente ainda está tentando entender quais são esses efeitos. Por mais que a gente saiba que no contexto internacional são poucos os estudos que pontuam que há, sim, uma redução importante da criminalidade e do controle do uso da força policial com o uso de 'bodycams', a gente vê um efeito discreto dessas câmeras, mas a gente também vê o caso de São Paulo com muito interesse e curiosidade porque parece apontar para um outro resultado diferente do que a gente vê no contexto internacional”, avalia o pesquisador.

    Conforme Pablo Nunes, que também pesquisa sobre o uso de tecnologias de reconhecimento facial na segurança pública, é preciso uma estruturação no uso dessas ferramentas tendo em vista que elas também influenciam na revitimização e recriminação de determinadas parcelas da população.

    "As câmeras e outras tecnologias, como a de reconhecimento facial, não podem ser compreendidas apenas como ferramentas tecnológicas. Elas têm que vir acompanhadas de uma reestruturação e estruturação de sistemas, de instâncias de controle, acompanhamento, avaliação e de reavaliação dessas câmeras, de protocolos e indicadores de eficiência",

    "Não há como a gente pensar que comprar cinco mil câmeras, instalar em policiais e pronto, a mágica está feita. A gente não pode acreditar que isso é um cenário possível. Ainda mais pelo seu caráter de experimentação aqui no Brasil, elas precisam ser acompanhadas, avaliadas para se entender qual é a efetividade, se o uso é benéfico para a segurança pública e qual é o saldo entre a produção positiva - caso haja -, o custo de aquisição, manutenção e acompanhamento dessas câmeras", completa Pablo Nunes.

    Levantamento

    A Alma Preta Jornalismo produziu um levantamento sobre o uso das câmeras no uniforme policial nas 27 unidades federativas (UFs), em que questionou se as UFs usam os equipamentos; se sim, quais batalhões possuem as câmeras; qual a porcentagem de policiais que atuam com os equipamentos; se houve redução da letalidade nos batalhões que adotaram os equipamentos; se houve queda em comparação com o período em que as câmeras não eram utilizadas; e, caso o Estado não adotasse as câmeras, qual era a previsão de instalação.

    Ao todo, dez UFs responderam, sendo que seis informaram que ainda não utilizam os equipamentos ou estão em fase de análise para implementação, são eles: Amapá, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso e Pernambuco.

    No Rio Grande do Sul, as câmeras corporais estão em fase de testes desde abril do ano passado. Por meio do programa "Avançar na Segurança", o governo do Estado pretende viabilizar o investimento de 288,4 milhões nas forças de segurança e na implantação de um projeto-piloto com uso de 300 câmeras. Já Rondônia não disponibilizou os dados referentes ao uso das câmeras corporais nas polícias do estado. Apenas São Paulo e Santa Catarina informaram que já utilizam as câmeras nos batalhões.

    Não responderam: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe e Tocantins. A reportagem não conseguiu contato com a Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul.

    Veja o que respondeu cada uma das UFs que deram retorno:

    Amapá

    "O Estado do Amapá ainda não adota o uso de câmeras corporais nas suas forças policiais. Há em curso um planejamento de implantação das mesmas, no qual a empresa contratante que fornece ao Estado de São Paulo já visitou a secretaria para apresentar os seus materiais disponíveis, porém, ainda não há prazo determinado para a aquisição e implantação do sistema de monitoramento", diz o posicionamento.

    Ceará

    “A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) informa que foi criado um grupo de trabalho no Colégio Nacional dos Secretários de Segurança Pública (Consesp) para realizar um estudo sobre o uso de câmeras em uniformes e viaturas policiais. A SSPDS-CE aguarda a conclusão desse levantamento, que deve trazer informações sobre os custos de implantação e efetividade da ferramenta, entre outros dados, para deliberar sobre o assunto. A partir desse estudo, a SSPDS vai avaliar a utilização ou não das câmeras”, informa.

    Distrito Federal

    “A PMDF ainda não possui bodycam. Informamos que a instituição está em fase de chamamento público a fim de oportunizar ao mercado um diálogo competitivo para que possamos estudar qual a melhor tecnologia que se enquadra na necessidade da Corporação. Uma comissão já foi montada a fim de elaborar todos os estudos necessários para licitar a compra dessas câmeras”.

    Espírito Santo

    “A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) do Espírito Santo informa que uma equipe de Governo esteve em São Paulo, em 2021, realizando visita técnica à Polícia Militar, onde teve oportunidade de conhecer o modelo utilizado na instituição. Há previsão de implantação da tecnologia na polícias Militar e Civil do Espírito Santo, porém, há a necessidade de uma regulamentação desse dispositivo no País, fato que fez com que o Conselho Nacional de Secretários da Segurança Pública (Consesp) emitisse uma minuta, como proposta, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, com objetivo de que haja uma padronização operacional e jurídica em todo o País, acerca do tema, que está em discussão e construção”.

    Mato Grosso

    “O Estado de Mato Grosso, e logicamente a SESP e Polícia Militar estão planejando o uso da ferramenta de Body Cam, nas ações de segurança pública dentro deste continental Estado. Para tanto, está sendo produzido um Estudo Técnico Preliminar para elencar os requisitos necessários que o equipamento deva ter, bem como os riscos e ganhos, além do formato de contratação. Ainda não se encontra nenhum equipamento em uso, onde estamos na fase de requisitos técnicos e operacionais do sistema de gerenciamento de evidências para conclusão do estudo técnico”. Sobre a previsão de instalar as câmeras, a secretaria respondeu que: “será implementado após a conclusão do Estudo Técnico do equipamento e metodologia de emprego e custódia das imagens”.

    Pernambuco

    “A PMPE está desenvolvendo projeto-piloto para a utilização de câmeras corporais por parte do efetivo, as chamadas bodycams. O projeto de iniciativa do Estado foi apresentado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que firmou convênio com Pernambuco, e está previsto para começar ainda em 2022, em caráter experimental, no 17º Batalhão da PMPE, sediado em Paulista, Região Metropolitana do Recife.

    Está em licitação, executada pela PMPE, a compra de 187 câmeras individuais, incluindo 10 estações computadorizadas e 196 baterias sobressalentes. Além disso, o Estado investirá em uma sala de bodycam no 17º Batalhão da PMPE (para guarda, carregamento dos equipamentos e armazenamento de imagens) e em treinamento do efetivo.

    Assim que finalizado todo o processo licitatório, as informações serão divulgadas no Diário Oficial do Estado e no Sistema PE Integrado”

    Rio Grande do Sul

    “A utilização de câmeras corporais pelas polícias aqui no Rio Grande do Sul encontra-se em fase de testes para, na sequência, viabilizar a implantação de um projeto-piloto anunciado e com recursos já garantidos pelo governo do Estado, por meio do programa Avançar na Segurança. Não há, no momento, dados sobre eventual impacto na letalidade resultante de oposições à intervenção policial, uma vez que o número de equipamentos utilizados nessa etapa de testagem é pequeno”.

    Rondônia

    A Secretaria de Segurança Pública de Rondônia argumentou, por meio de portaria, que os dados solicitados se tratam de informação sigilosa e não disponibilizou os números dos impactos do uso das câmeras nas corporações do estado.

    “Informo-vos da publicação da Portaria nº 3553 de 15 de abril de 2021, no Diário Oficial de Rondônia nº 78, disponibilizado em 15/04/2021, que dispõe sobre a tabela de classificação de sigilo dos assuntos que especifica, da Polícia Militar do estado de Rondônia, em face da Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 e Decreto Estadual nº 17.145, de 1º de outubro de 2012.

    Como estabelecido no artigo 1º da citada portaria, por se considerar dados, classificados como informação sigilosa, deixo de apresentar os dados solicitados”, informa um trecho da nota.

    Santa Catarina

    “A Polícia Militar de Santa Catarina iniciou o projeto do uso de câmeras individuais em 2018. Desta forma, o uso e a quantidades atuais das câmeras estão projetadas para que pelo menos um dos policiais de cada guarnição esteja equipado, tendo até o momento um resultado satisfatório.

    Atualmente a Polícia Militar de Santa Catarina dispõe de 2245 câmeras corporais. Isso significa que, em todos os turnos operacionais, pelo menos um dos dois policiais de cada guarnição está equipado com a câmera.

    Como respondido anteriormente, todos os BPMs da Polícia Militar de Santa Catarina utilizam as câmeras corporais. Atualmente, o número de câmeras e o trabalho que está sendo realizado está de acordo com as demandas da PMSC.

    Não há como vincular a queda da letalidade policial ao uso das câmeras corporais. A criminalidade em Santa Catarina apresenta queda em todos os crimes nos últimos 12 meses. Assim sendo, a Polícia Militar de Santa Catarina, em conjunto com todas as demais forças de Segurança do Estado, estão diariamente interagindo com ações para que o território catarinense seja um dos mais seguros do país”.

    São Paulo

    “Levantamento da Polícia Militar do Estado de São Paulo revela que o uso das câmeras operacionais portáteis (COP) contribui diretamente para ampliar a segurança dos policiais em serviço. De acordo com os dados analisados, entre os meses de junho e outubro, ao longo dos últimos três anos (2019-2021), as ocorrências de resistência às abordagens policiais caíram 32,7% nos batalhões que utilizam os equipamentos. A queda é 13 pontos percentuais mais acentuada do que a observada em unidades que não contam com a tecnologia, que caiu 19,2% no mesmo período.

    Outro dado que chama atenção na análise é a redução no número de confrontos, preservando diretamente a vida dos policiais. Entre os batalhões que contam com câmeras acopladas aos uniformes, a redução dessas ocorrências foi de 87% - resultado 10 vezes mais expressivo do que o apurado nas unidades que não dispõem das bodycams”.

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  38. Prefeitura de SP não executou emenda para restaurar busto de Luiz Gama

    A vereadora Erika Hilton (PSOL) disponibilizou R$ 25 mil reais para o “Trabalho de conservação e restauro do busto de Luiz Gama, localizado no Largo do Arouche”. A emenda, enviada no dia 20 de Outubro de 2021, foi aprovada no dia 2 de dezembro. O recurso, porém, só foi liberado no dia 22 de dezembro, o que impossibilitou a execução do trabalho.

    A regra de recursos da Câmara Municipal é a de que as emendas, encaixadas dentro do orçamento planejado para o ano em questão, devem ser executadas naquele período. Caso contrário, retornam aos cofres públicos. 

    Sem êxito no ano passado, o mandato da vereadora deseja enviar nova emenda para reparar o busto do líder abolicionista. A parlamentar pediu, no dia 25 de janeiro de 2022, um orçamento da prefeitura para assim formular uma emenda para a restauração da estátua de Luiz Gama e da Mãe Preta, localizada no Largo do Paissandú. Ainda não há um retorno por parte da prefeitura e, sem o orçamento, a emenda não será criada.

    Vereadores têm reclamado do tempo de retorno e aprovação da Casa Civil e de algumas secretarias, em especial a da Cultura, para a continuidade e execução de emendas parlamentares. A secretária de cultura em São Paulo é Aline Torres (PSDB), quem deve ser candidata à deputada federal pelo PSDB, e o responsável pela Casa Civil é Fabrício Arbex.

    Estátua de Luiz Gama

    O busto em homenagem a Luiz Gama existe desde 1931, no Largo do Arouche, região central de São Paulo. O monumento é uma referência a um dos principais abolicionistas brasileiros e um dos maiores símbolos de orgulho do povo negro.

    Luiz Gama é integrante do “Livro de Heróis e Heroínas da Pátria” desde 2018. Ele também foi reconhecido como advogado pela OAB, em 2015, e como jornalista, pelo sindicato da profissão, em 2018.

    Outro lado

    Em nota enviada no dia 12 de Maio, a Secretaria Municipal da Casa Civil disse que "a liberação de emendas tem ritos próprios, definidos pelo Decreto Municipal 59.210, que depende de análise e do aceite dos órgãos da administração municipal envolvidas para sua execução. Após análise e aceite, as emendas passam pela Casa Civil para formalização do processo e são encaminhadas para a Subsecretaria de Planejamento e Orçamento Municipal (SUPOM) da Secretaria da Fazenda. Portanto, os prazos de liberação variam, dependendo da complexidade de cada solicitação, em especial a constar do prazo para a análise e aceite do órgão definido para execução da referida emenda".

    Leia mais: PSOL é o partido mais prejudicado nas emendas parlamentares em SP; vereadores alegam retaliação

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  39. PSOL é o partido mais prejudicado nas emendas parlamentares em SP; vereadores alegam retaliação

    Os vereadores da cidade de São Paulo destinaram 1.131 emendas parlamentares para projetos, subprefeituras, compra de equipamentos, entre outros motivos, no ano de 2021. Ao todo, R$183.417 milhões foram enviados pela Câmara Municipal para a execução da prefeitura.

    O PSOL foi quem teve emendas aprovadas com o menor valor médio e uma das legendas que conseguiu enviar o menor número médio de emendas por vereador. Segundo apuração dos dados da Câmara Municipal de 2021, o PSOL atingiu uma média de 12 emendas por parlamentar, com um valor de R$ 1,4 milhão por vereador. Em números absolutos, o partido conseguiu R$8,861 milhões, com uma bancada de seis vereadores.

    Em números absolutos, o partido que conseguiu a maior verba em emendas foi o DEM, do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, com a quantia de R$17,423 milhões, com uma bancada de cinco vereadores. A legenda se fundiu ao PSL em fevereiro de 2022 para fundar o União Brasil e disputar as eleições deste ano.

    Com um único vereador, o PTB conseguiu a maior média, com R$4 milhões, seguido pelo PSC, com também um vereador, e a verba de R$ 3,929 milhões. O único vereador do partido cristão, Rodolfo Despachante, aprovou 28 emendas, a maior média na comparação com as demais legendas, ao lado do PSL, de Isaac Félix, que também atingiu o mesmo número. Isaac Félix hoje compõe o Partido Liberal (PL).

    Legendas com mais vereadores e alinhadas ao poder executivo também tiveram uma média expressiva. O PSDB, com uma bancada de oito vereadores, conseguiu uma média de R$3,534 milhões para cada vereador e uma média de 19 emendas por parlamentar, assim como o DEM, com 3,484 milhões e 17 emendas de média.

    Já o MDB, com cinco vereadores na casa em 2021, havia conseguido aprovar 52 emendas parlamentares, uma média de 10 por representante, o menor número proporcional da casa. Em números absolutos, foram R$10,8 milhões e R$2,1 milhões de média por vereador. Apesar de menor número de emendas por parlamentar, o partido alcançou uma média de valores maior do que o PSOL.

    A prefeitura tem regras para a aprovação de emendas parlamentares. O decreto 59.210, que regulamenta as emendas na cidade, diz que o projeto deve ser enviado com pelo menos 20 dias de antecedência da realização e a Casa Civil deve dar um retorno para a secretaria responsável pela emenda sobre o projeto enviado pelo vereador. O atual chefe da Casa Civil em São Paulo é Fabrício Arbex.

    O decreto também sinaliza os fatores de “incompatibilidade”, que resultam na não aprovação da emenda: incompatibilidade entre o projeto e o órgão executor, valor insuficiente para a execução, e a “reprovação da proposta”. Os vereadores da oposição alegam, contudo, que existe um critério mais político do que técnico para avaliar as emendas parlamentares.

    Emendas negadas

    A prefeitura pode negar o recebimento de emendas por motivos de falta de tempo hábil para a execução, problemas no pedido do mandato, entraves na organização ou instituição que vai receber o apoio.

    Uma emenda parlamentar de R$ 100 mil foi destinada pela vereadora Erika Hilton (PSOL) para a entrega de refeições solidárias por meio do Projeto Séforas. O pedido foi negado pela prefeitura e a justificativa foi de que a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania já executa trabalhos com a mesma proposta na região. Apesar disso, houve um diálogo entre o mandato da vereadora e a secretaria para articular o envio da emenda. De acordo com a apuração, houve um retorno positivo sobre a emenda, que depois não foi aprovada.

    O recurso também pode ser aprovado e não executado, se não tiver tempo hábil para execução. A regra de recursos da Câmara Municipal é a de que as emendas, encaixadas dentro do orçamento planejado para o ano em questão, devem ser executadas naquele período. Caso contrário, retornam aos cofres públicos. Vereadores de oposição ao prefeito criticam uma lentidão da Casa Civil, secretaria responsável por autorizar o recurso, e as demais secretarias, para a aprovação das emendas.

    A vereadora Luana Alves (PSOL) tentou disponibilizar R$600 mil para o Hospital Maternidade Escola da Vila Nova Cachoerinha. A emenda, pedida no dia 2 de setembro, foi enviada para a Secretaria da Fazenda no dia 23 de novembro e não foi liberada. O resultado foi o retorno do recurso para os cofres públicos.

    O Hospital da Vila Nova Cachoeirinha recebeu outro pedido de emenda de R$600 mil. A Bancada Feminista (PSOL) ofereceu o recurso no dia 6 de julho, e só conseguiu a liberação da Casa Civil no dia 27 de setembro. Do valor total, o poder público conseguiu executar R$130 mil. A prefeitura abriu uma licitação por Carta Convite para contratar empresas especializadas em reformas e edificações no dia 30 de dezembro. O edital público fracassou por falta de tempo hábil.

    O Quilombo Periférico (PSOL) também lidou com problemas semelhantes. No dia 20 de outubro, o mandato enviou R$187 mil para fomentar as Salas Multiuso das UBSs em Sapopemba. A Casa Civil enviou o recurso no dia 15 de dezembro, e a Secretaria Municipal de Saúde informou que a SPMD não informou o plano de trabalho. O recurso não foi executado. 

    O PT, também oposição à gestão de Ricardo Antunes, conseguiu aprovar emendas no valor de R$25,234 milhões, para os oito vereadores da legenda. A média é de 19 emendas por parlamentar, com R$3,154 milhões de valor médio.

    Vereador mais votado da casa em 2020, com 167.552 votos, Eduardo Suplicy (PT) teve sete projetos liberados pela prefeitura, mas não executados. A maioria, projetos do segundo semestre.

    Um deles destinaria R$63 mil para a Amparar, organização de familiares de pessoas presas. O pedido da emenda foi feito no dia 26 de Agosto para a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, que só respondeu com um sinal positivo no dia 13 de dezembro, quatro meses depois. O recurso retornou aos cofres públicos.

    Boicote

    Em novembro de 2021, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) apresentou o projeto do SampaPrev 2 com o objetivo de alterar as regras de arrecadação da previdência, com a cobrança de uma alíquota de 14% de todos servidores com salário superior ao mínimo (R$1.100), regra que antes se aplicava a quem recebia quantias acima de R$6.433,00.

    A agenda, tida como prioritária pelo executivo e defendida pelo presidente da câmara, Milton Leite, sofreu uma grande pressão da oposição. Toda a bancada do PSOL se colocou de modo contrário durante as sessões e a votação pelo projeto, que foi aprovado com 37 votos favoráveis e 18 contrários.

    De acordo com informações apuradas pela reportagem, representantes do PSOL sentem que depois das mobilizações de oposição às agendas do prefeito e presidente da câmara, houve maior dificuldade para aprovação de emendas parlamentares.

    Outro lado

    Em nota, a "Secretaria Municipal da Casa Civil informa que a liberação de emendas tem ritos próprios, definidos pelo Decreto Municipal 59.210, que depende de análise e do aceite dos órgãos da administração municipal envolvidas para sua execução. Após análise e aceite, as emendas passam pela Casa Civil para formalização do processo e são encaminhadas para a Subsecretaria de Planejamento e Orçamento Municipal (SUPOM) da Secretaria da Fazenda. Portanto, os prazos de liberação variam, dependendo da complexidade de cada solicitação, em especial a constar do prazo para a análise e aceite do órgão definido para execução da referida emenda".

    As legendas PSOL e do MDB foram perguntadas sobre os motivos para uma menor aprovação de emendas parlamentares e não se pronunciaram.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  40. Capital de SP registra uma denúncia de violência racial a cada quatro dias

    A Decradi, delegacia especializada em casos de intolerância e violência racial, da capital paulista, registrou 572 denúncias nos últimos três anos, sendo que 487 deles seguiram como processo para decisão judicial. Dos registros, 238 eram sobre racismo ou injúria racial, uma média de 80 por ano.

    Os dados foram informados pela Polícia Civil à Alma Preta Jornalismo, por meio da Lei de Acesso à Informação, e dão conta que, entre 2019 e 2021, foram 487 casos de intolerância que a polícia teve conhecimento e foram instaurados inquérito encaminhado ao Ministério Público com a indicação dos suspeitos pelo crime. Deste total, foram 303 casos de racismo ou injúria racial, ou seja, o número representa cerca de 62,2% do total de processos que chegaram até a Justiça.

    De um total de 11 milhões de pessoas, a cidade de São Paulo tem cerca de 41,1% de pretos e pardos, segundo o IBGE, referente ao levantamento do primeiro trimestre de 2020. Nos últimos três anos, o Decradi recebeu 238 denúncias e depois do trabalho de inquérito, 162 pessoas foram identificadas por supostamente terem cometido racismo ou injúria racial. 

    No entanto, segundo a Decradi, a contabilização dos dados da polícia fica comprometida em casos de intolerância e violência racial que acontecem na internet. “Saliento, ainda, com relação aos crimes perpetrados por meio eletrônico, que muitas vezes, apurada a autoria, constata-se que efetuada por morador de outra comarca/estado, portanto, não ocorrida nesta capital”, diz a resposta da Decradi.

    Em 2019, a Decradi recebeu 205 denúncias de intolerância (42,4% por motivação racial) e 100 foram apresentados à justiça. Em 2020, a delegacia especializada recebeu 187 queixas de intolerância (38,5% por motivação racial) e 97 deles chegaram ao MP com indicação de autoria. No ano passado, na cidade de São Paulo, foram 180 casos de intolerância (43,8%) e 106 chegaram à justiça.

    O levantamento feito a pedido da Alma Preta também traz dados sobre os casos registrados no primeiro bimestre de 2022. Foram 26 queixas de intolerância que resultaram em 15 inquéritos de crimes praticados por conta da cor ou etnia das vítimas.

    A polícia civil informou que a decisão sobre o caso seguir para a Justiça é da vítima, que tem um prazo de até seis meses para fazer a representação após o registro do caso de violência racial.

    “ Uma vez havendo a sua manifestação [da vítima], de imediato é instaurado o inquérito policial, dando ensejo a um processo judicial. Ao término das investigações os autos são encaminhados para a apreciação do Ministério Público e do Judiciário, ensejando possibilidades diversas, como arquivamento, solicitação de novas diligências, proposta de transação, oferecimento de denúncia e início da ação penal”, diz a nota da Polícia Civil sobre os casos de violência racial.

    Além da delegacia especializada, a vítima de violência racial na cidade de São Paulo pode procurar ajuda em um dos centros de promoção da igualdade racial da prefeitura. Ao todo são cinco, que oferecem apoio jurídico e psicológico.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  41. Revitimização: mulheres negras são as mais constrangidas em delegacias

    “Eu procurei as delegacias de polícia para me sentir acolhida depois de ter sido agredida pelo meu ex-marido. Saí de lá pior do que entrei. Nunca pensei que poderia ser tão maltratada mesmo estando toda cheia de machucados. Meu ex me machucou por fora, mas os policiais da delegacia me feriram por dentro”.

    O relato da recepcionista e estudante de pedagogia Adriana Silva* comprova as estatísticas de violência e violações de direitos humanos em delegacias de polícia de todo o Brasil. De janeiro a março de 2021, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) contabilizou 92 denúncias sobre o assunto. Já no mesmo período de 2022, o número cresceu para 119, sendo as mulheres negras as principais vítimas.

    Adriana conta que procurou duas delegacias para denunciar a agressão que sofreu em fevereiro deste ano. Casada há quatro anos, a recepcionista era frequentemente xingada pelo ex-companheiro, que a ameaçava de morte e dizia que ela nunca conseguiria fazer com que alguém acreditasse na sua história.

    “O delegado fez eu me sentir do jeito que ele [ex-marido] falava. Fez perguntas descabidas, riu, debochou, e ainda falou que eu deveria passar uma maquiagem para cobrir os hematomas do rosto porque eu já era feia, machucada ficava pior. Eu me senti humilhada”, desabafa.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    Representação de uma mulher negra com hematoma no olho | Créditos: Vermelho.Org

    Na ocasião da denúncia, o ex-marido da estudante de pedagogia partiu para a agressão física após uma discussão entre o casal. Ele proferiu golpes no rosto da vítima, o que gerou cortes em sua boca e pálpebras. Incentivada por conhecidos, Adriana foi à delegacia do bairro em que mora. Lá, os agentes a encaminharam para o posto policial da região central da cidade*.

    No entanto, ao chegar na delegacia em questão, Adriana relembra que foi mal atendida desde o primeiro momento. Ao ser chamada para depor, ainda sangrando devido aos machucados, ela conta que o escrivão e o delegado passaram a debochar da sua condição.

    “Perguntaram se eu anotei a placa do caminhão que me atropelou, rindo muito da minha situação. Daí começaram as perguntas estúpidas, do tipo: ‘o que você fez para irritar ele assim?’ Ou ‘estava de roupa curta, maridão não gostou e te arrebentou na porrada. Vocês [mulheres] parecem que gostam de tirar homem do sério’. Eu fiquei extremamente constrangida e comecei a chorar”, lamenta a recepcionista.

    De acordo com os dados do MDH, as agressões contra mulheres e violações de direitos humanos em delegacias vêm – na maioria dos casos – do delegado, de um policial civil, escrivão, e/ou advogado. Das 119 denúncias registradas em 2022, em 110 vezes o suspeito se enquadrava nestas profissões e era um homem branco, hétero, cisgênero, de idade entre 35 e 44 anos.

    O que o aumento de casos representa?

    A advogada e pesquisadora do Projeto Gênero e Drogas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Cátia Kim, pontua que o aumento de casos de violência e violações de direitos humanos em delegacias de polícia demonstra que a equipe – que deveria acolher as vítimas – está despreparada para compreender a complexididade das denúncias, principalmente no que tange gênero, classe social e raça. Às vezes, de acordo com a jurista, até mesmo testemunhas da violência são vítimas, causando medo em testemunhar a favor da pessoa agredida.

    “Significa dizer que não há um procedimento institucionalizado de preparação, sensibilização, de criação de empatia e até mesmo de vínculos com essas pessoas [vítimas]. No caso das mulheres que passam por situações de violência, elas chegam às delegacias e passam por outros processos de violência”, pondera a pesquisadora.

    As informações do MDH mostram que as vítimas de violência nas delegacias até março deste ano eram 47,9% mulheres, 41,18% homens, sendo que em 10,92% dos casos a vítima não declarou gênero.

    A composição racial das vítimas das 119 denúncias registradas é a seguinte: 31 mulheres e 21 homens pardos; 13 mulheres e 13 homens brancos; 3 mulheres e 8 homens pretos, 2 mulheres amarelas e 1 homem indígena. Ou seja: a população negra (soma de pretos e pardos) é a mais prejudicada – com 63 casos registrados, sendo 34 violências contra mulheres negras.

    Para Fayda Belo, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal, advogada criminalista especialista em crimes de gênero, Direito Antidiscriminatório e Feminicídios, é necessário ressaltar que as mulheres não negras sofrem com a discriminação referente ao gênero, o que é diferente do caso das mulheres negras.

    “A mulher negra sofre com a discriminação de gênero, que é vivida por toda mulher, a discriminação de raça, por ser negra, e a discriminação de classe, onde se encontram as pessoas mais vulneráveis. Acumulando o fato da ausência de representatividade nesses espaços [delegacias] o resultado é uma diária revitimização dessa mulher”, analisa a especialista.

    Tipos de constrangimento

    A pesquisadora e advogada Cátia Kim explica que existem diversas formas de constranger uma vítima – em especial, mulheres – durante o atendimento nas delegacias de polícia. Ela destaca que a partir de sua experiência, é comum que os agentes de polícia ajam de forma que a vítima se sinta culpada pela violência que sofreu.

    “Ela ser uma mulher negra, ou gorda, ou ser dependente do companheiro ou do agressor, fazer uso de álcool ou outras drogas, estar em situação de rua. Vários fatores que ocorrem na vida desta mulher – até reflexos da sociedade em que ela está inserida – são usados contra ela durante a colheita desta denúncia“, enfatiza.

    No estudo da violência de gênero institucional, segundo Fayda Belo, este processo é chamado de revitimização, que ocorre quando de alguma forma há a tentativa de culpabilizar a vítima pelo fato ocorrido. Segundo a jurista, isso acaba por desencorajar a mulher a seguir com a denúncia. Ofensa à honra desta mulher, quando se trata de crimes sexuais, também ocorrem frequentemente, de acordo com ela.

    “Perguntam à mulher como ela vai viver se o marido for preso, como ela vai explicar para os filhos que mandou prender o pai deles, o que ela fez para que fosse agredida e, em crimes sexuais, há relatos de que perguntam a roupa que ela estava usando, se ela realmente não queria a relação sexual ou ainda, se for caso de importunação sexual, como um beijo roubado por exemplo, dizem que é uma bobeira que não deve ser levada a sério”, destaca.

    Fayda Belo ressalta que, no que diz respeito aos crimes sexuais contra mulheres negras, ocorre também a objetificação do seu corpo nas delegacias. “A violência institucional é ainda maior neste caso. Chegam a desacreditar que a mesma realmente é uma vítima”, argumenta.

    Adriana Silva, vítima de agressão que procurou respaldo nas delegacias de polícia, conta que o que Fayda Belo destaca condiz com a sua realidade. De acordo com ela, a agressão física se deu por ela ter negado ter relações sexuais com o companheiro, fato que desencadeou a discussão.

    “Eu estava muito cansada e ele [ex-marido] veio tentar forçar a relação e eu disse que não queria. Daí ele ficou bravo, disse que era minha obrigação de esposa, mas eu não sou obrigada a transar com alguém que me trata mal. A discussão esquentou e ele veio pra cima de mim. Tentei me defender, mas ele é bem maior que eu”, relata a recepcionista.

    “Na delegacia, o escrivão disse que isso teria sido evitado de maneira simples, era só ‘dar para o cara’. Já o delegado falou ‘tá vendo o que a sua frescurinha causou no seu rosto?’. De verdade, eu me senti ao mesmo tempo revoltada, culpada e muito constrangida”, lamenta Adriana.

    O MDH ainda disponibiliza uma nuvem de palavras a respeito da motivação das agressões sofridas nas delegacias de polícia. Dentre os motivos estão as palavras “sexo” e “mulher”.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    Nuvem de motivações para violência e violações de direitos humanos em delegacias | Créditos: Reprodução/MDH

    Ainda sobre os casos de violência e violações de direitos humanos em delegacias, a pasta destaca que dos 119 casos, dois foram contra pessoas portadoras de doenças raras; 17 contra pessoas com deficiência intelectual; 11 contra pessoas portadoras de deficiência física e/ou motora, três contra pessoas deficiência visual e um, auditiva.

    Como proceder

    A advogada e especialista Fayda Belo explica que caso uma pessoa seja vítima de violência em delegacias de polícia é necessário denunciar este caso à corregedoria e também ao Ministério Público da região que a vítima reside.

    “Importante ressaltar que essa violência institucional é crime e está elencada como tal na Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13869/19), em seu artigo 15-A, na qual proíbe que que as vítimas sejam submetidas a procedimentos invasivos que a fazem reviver a situação de violência ou que gerem sofrimento, podendo esse servidor público receber uma pena de até um ano de detenção”, explica.

    Segundo ela, se esse servidor público permitir que um terceiro intimide ou revitimize a vítima, a pena é aumentada em 2/3, e se for ele próprio que intimidar a vítima – gerando a revitimização – a pena é aplicada em dobro.

    “Vale lembrar que o art. 92 do Código Penal traz entre os efeitos da condenação – punição além da pena de prisão –,a perda do cargo ou função pública quando o crime for praticado com abuso de poder ou violação do dever para com a Administração Pública. Já o art. 91cita a obrigatoriedade de indenizar a vítima o dano causado pelo crime”, ressalta.

    Medo

    De acordo com o estudo “Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher — 2021”, realizado pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, 75% das vítimas não denunciam as agressões domésticas por medo. Cátia Kim pondera que esse medo se estende também ao tratamento que as vítimas irão receber nas delegacias. “Existe este justo receio de represálias”, salienta.

    É o caso de Adriana Silva. Depois do constrangimento que passou ao tentar denunciar as agressões cometidas por seu ex-companheiro, a vítima desistiu de levar em frente o caso, por medo de piorar a situação com o agressor e de sofrer mais violência por parte dos agentes da delegacia.

    “Eu tinha esperança, sabe? De que poderiam fazer algo por mim. Mas quando o deboche deles se tornou insuportável, simplesmente me levantei e fui embora. Nunca mais quero ter que pisar em delegacias de polícia. Não vou mais denunciar meu ex, não vou denunciar o delegado e o escrivão”, lamenta.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    Créditos: Reprodução/Agência Senado

    “Só quero virar essa página e esquecer tudo. Até porque tenho medo de arrumar mais problemas para mim. Tenho medo de denunciar e o delegado vir atrás de mim. A minha vontade é apenas sumir. Estou contando meu relato com medo, mas para que outras pessoas saibam que é isso que acontece quando uma mulher negra tenta denunciar violência: ela é humilhada”, completa a vítima.

    No cenário “delegacias de polícia”, o MDH que as denúncias de violações de direitos humanos e violência contra a mulher se resumem em: ameaça à integridade, à liberdade, aos direitos sociais, direitos civis e políticos e à vida. Ao todo, com as 119 denúncias no primeiro trimestre de 2022, a pasta contabilizou 429 violações de direitos humanos.

    Atenção e importância dos canais de denúncia

    Quem denunciou os 119 casos ocorridos nas delegacias de polícia, de acordo com o MDH foram: em 67 casos, a própria vítima; em 44, terceiros; sete casos de denúncia anônima, e uma pessoa em sofrimento psíquico.

    Das ocorrências no primeiro trimestre de 2022, 86 não apresentavam risco de morte da vítima, dois casos de risco iminente e 31 ocorrências foram registradas em situação de flagrante. O canal que mais recebeu relatos foi o Disque Denúncia, com 105 ocorrências registradas no período.

    Cátia Kim pondera ainda que o interesse do governo em retomar o atendimento às vítimas de violência em delegacias de polícia comuns pode ser preocupante. Ela argumenta que as delegacias especializadas em defesa da mulher são resultado de muita luta de movimentos feministas e de direitos humanos, justamente por que antes ocorriam muitas violências nesses espaços convencionais, portanto, levar essas denúncias para canais comuns de registro pode desencorajar a prática da denúncia.

    “Em tese, ter mais delegacias e canais de atendimento às mulheres é positivo para se ter mais espaços para colheita de denúncias, mas, como a realidade vai contra o sentido de atendimento acolhedor, que compreenda a situação daquela mulher, e não a deixe em um contexto de constrangimento e de revitimização, eu vejo com uma certa preocupação esse cenário e é importante estar atento”, considera.

    Fayda Belo, por sua vez, avalia que não é razoável que uma mulher que tenha sido vítima de um crime passe por mais constrangimento no ambiente que deveria acolhê-la, ampará-la. Para ela, os canais de denúncia “são de suma importância para que as mulheres não sejam desencorajadas de denunciar os crimes que sofrerem, bem como afastar aqueles que violam as normas que devem nortear os atendimentos das delegacias”.

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    Fayda Belo, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal, advogada criminalista especialista em crimes de gênero, Direito Antidiscriminatório e Feminicídios | Créditos: Acervo Pessoal

    “Dar uma resposta às mulheres nesse sentido torna esse ambiente mais seguro, mais justo e com a verdadeira missão na qual existem”, finaliza a especialista.

    *Adriana Silva é um nome fictício. A vítima prefere não se identificar ou expor dados – como a cidade onde reside – para evitar represálias tanto do seu ex-companheiro quanto dos agentes que a atenderam nas delegacias de polícia.

    Leia também: ‘Quem sofre violência no transporte público do Brasil?’

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  42. Longas jornadas: funcionários processam transportadora Framento e Nestlé

    A transportadora Framento é acusada por 20 motoristas venezuelanos e brasileiros de não cumprir os acordos trabalhistas. Segundo a assessora jurídica, Silmara Maciel, os funcionários têm uma jornada de trabalho de média de 15h todos os dias, não tem o direito ao descanso, não recebem as horas extras e moram nos próprios caminhões em condições insalubres. O processo corre na Vara do Trabalho de Várzea Grande, no Mato Grosso desde dezembro de 2021.

    “Os venezuelanos e brasileiros da Framento lutam diariamente para conseguir uma folga, porque eles ficam três ou seis meses sem poder visitar a família. E os gestores da Framento alegam que o caminhão não pode ficar parado, o caminhão tem que rodar, e eles não podem folgar”, conta Silmara Maciel.

    O processo sinaliza que os contratados trabalhavam cerca de duas vezes ao mês nos domingos, bem como nos feriados. Os funcionários nunca foram consultados ou assinaram qualquer acordo neste sentido. Na ação, está descrito que os motoristas foram contratados para uma carga horária de 11h diárias por 6 dias da semana, com um dia de folga. A rotina acordada funcionaria das 6h às 18h, com 1h de intervalo para o almoço.

    Os empregados expressam no documento receber chamados nos telefones “para carregar/descarregar o caminhão, geralmente por volta das 5h, sendo que em média, encerravam o expediente por volta das 22h”. O texto ainda completa que em “diversas vezes por semana o autor tinha de estender a jornada para que pudesse terminar a viagem que estava realizando, sendo que diversas vezes laborou no período noturno, encerrando seu expediente por volta das 0h”. Existe uma suspeita de que a empresa impôs uma nova jornada de trabalho aos funcionários, com a proposta de 78 dias seguidos de trabalho, com 12 dias de descanso.

    O processo movido pelos funcionários destaca que a Framento tinha o controle por GPS do trajeto dos caminhoneiros e, apesar disso, não acertava os valores de hora extra da maneira adequada. Os trabalhadores também não tinham acesso aos próprios horários, que ficavam restritos à empresa. A falta de controle dificultou a quantificação das horas a serem exigidas pela advogada no processo. O levantamento, com base na jornada média de cada motorista e de todas negligências por parte das empresas, exige vencimentos na casa de R$ 140 mil para cada um dos envolvidos.

    “Receberam uma parte insignificante das horas extras, que não é aquilo que eles realizaram. O pedido que entraram na justiça é isso, da pernoite que não pagam, porque na Convenção Coletiva devem pagar o almoço, jantar e a pernoite. Eles não recebem isso. Por todas as vezes, eles tiram do bolso para poder pagar tudo, porque eles moram no caminhão”, explica Silmara Maciel.

    A Convenção Coletiva de Trabalho da área tem validade entre 1 de maio de 2021 e 30 de abril de 2022. O acordo é fruto de um pacto entre Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Transportes Rodoviários de Cargas Secas e Molhadas e Setor Diferenciado de Jundiai e Região e o Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região.

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    Motoristas da Transportadora Framento moravam nos caminhões (Foto: Reprodução)

    O texto coloca que as empresas são responsáveis pelo pagamento de almoço, jantar e pernoite dos funcionários, quando estiverem fora de casa em razão do trabalho. “O reembolso de Despesas/Alimentação ou pernoite tem caráter indenizatório, uma vez que se destinam a atender necessidade básica do trabalhador, não se integrando ou incorporando ao salário ou à remuneração do empregado, podendo a empresa exigir ou não, a comprovação dos gastos correspondentes”, detalha o acordo.

    O processo também indica que os funcionários lidavam com o acúmulo de funções. Para além de dirigir, tinham a responsabilidade de participar do serviço de carga, descarga de materiais e de operadores de máquinas. Nunca foram remunerados por esses serviços. Por este motivo, pedem o pagamento de 30% a mais do que o salário, na casa dos R$ 2 mil.

    “Eles têm de morar lá porque vivem viajando. Eles carregam de madrugada, quando têm a chance. Mesmo quando eles estão na fila para carregar ou descarregar, eles têm que ficar puxando fila, e isso é contado como jornada de trabalho. Ele chegou na empresa às 22h, entra, puxa a fila, na hora que chega para descarregar e carregar, eles têm que abrir a lona, apertar, desapertar, tudo isso como jornada. Eles já viajaram o dia inteiro, chegam 22h e ainda tem isso”, conta Silmara Maciel.

    Vídeos e áudios compartilhados por antigos e atuais funcionários da empresa mostram a situação de revolta dos trabalhadores. Em um vídeo, o motorista aponta a impossibilidade de dormir na cabine do caminhão, ao lado do sistema de refrigeração do baú. “Como é que dorme assim?”, reclama. A empresa não disponibiliza qualquer recurso para os funcionários descansarem em hotel ou pousada. Por este motivo, os trabalhadores também exigem o pagamento de danos morais.

    Uma das contratantes da Framento, caso da Nestlé, é alvo de reclamações e da ação movida pelos motoristas. A empresa foi incluída no processo como responsável “in legendo” e “in vigilando”. No termo jurídico, significa que se a Framento não arcar com as responsabilidades financeiras, a Nestlé honrará os compromissos impostos pela justiça.

    “Sendo assim, outras empresas, que podem ser ligadas ao mesmo grupo ou fazem parte do mesmo conglomerado, são acionadas pela Justiça do Trabalho para o pagamento da dívida trabalhista”, explica a assessora jurídica Silmara Maciel. Ela enfatiza que a Nestlé está ciente de toda a situação de trabalho na Framento e por isso pode ser responsabilizada.

    “Por conseguinte, requer a condenação da 2° reclamada a responder solidariamente com a 1°, ou nem sendo outro vosso entendimento, requer a condenação da 2° reclamada de modo subsidiário em relação à primeira, devedora principal”, diz o texto do processo.

    Procurada, a Transportadora Framento não respondeu aos questionamentos da reportagem. A Nestlé, em nota, se posicionou para a Alma Preta. Leia o posicionamento na íntegra:

    “A Nestlé não tolera violações dos direitos trabalhistas. A companhia está comprometida em direcionar esforços para que sua cadeia de fornecedores atenda à legislação referente ao tema, bem como em zelar pela dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. Assim, exige dos fornecedores o cumprimento de Princípios de Gestão Empresarial, Norma de Fornecimento Responsável e Código de Conduta Empresarial. Documentos que estabelecem, entre outros, respeito ao trabalho digno.

    No início deste ano, a Transportadora Framento foi submetida a uma das auditorias periódicas realizadas pela Nestlé para checagem de cumprimento da legislação e, como resultado dessa checagem, em razão de insuficiência de dados e documentos, a mesma foi bloqueada e não está prestando serviços à Nestlé desde fevereiro de 2022.

    Em relação às ações trabalhistas questionadas, a Nestlé recebeu cinco notificações até o momento - todas estão sob análise e a Nestlé adotará medidas pertinentes ao tema”.

    Em nota enviada para a Alma Preta no dia 4 de Maio, a Transportadora Framento pronunciou que:

    "Inicialmente a empresa Transportes Framento conta com mais de 1.300 (um mil e trezentos) funcionários em seu quadro;

    • Que, diferente do que afirma a reportagem, especificamente no Estado do Mato Grosso esta empresa possui uma única ação trabalhista, sendo a mesma individual (Certidão Eletrônica de Ações Trabalhistas n. 13813485, site www.tst.jus.br/certidão);

    • Que esta empresa contrata todos os seus motoristas sob a égide da Lei do Motorista, não cabendo as alegações referentes as jornadas fixas, pois, incompatíveis com as especificações da função;

    • Que é pago aos motoristas vale alimentação conforme a convenção coletiva de cada região, complementando o mesmo com os valores referentes as diárias, pagos em folha, quando se encontram em viagem e precisam pernoitar fora de sua base territorial;

    • Que os veículos da empresa estão equipados com cabine leito, mas, o motorista não é obrigado a permanecer na mesma, podendo utilizar do dinheiro do pernoite para se hospedar onde bem entender;

    • Esclarece, ainda, que quando os motoristas estão em viagem lhes é garantida a folga semanal, e, ainda permite acumular na forma do art. § 2º, art. 235-D, da CLT, gozando de período de descanso junto a sua família.

    • Que, a carga e descarga é feita pelo embarcador ou destinatário, sendo proibida a participação do motorista nesta atividade, inclusive pelo embarcador.

    • Que a afirmação de que os motoristas “têm que abrir a lona, apertar, desapertar” não tem cabimento, pois, essa empresa somente possui sua base formada em quase sua totalidade de caminhões frigorificados - esse tipo de veículo não tem lona.

    Não bastasse os esclarecimentos específicos supra referidos, cabe dizer que está empresa prima pelo respeito a legislação trabalhista e a dignidade da pessoa humana, sendo as afirmações veiculadas na matéria inverídicas".

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  43. Escolas dos Grupos de Acesso de SP somam mais títulos que as do Grupo Especial

    As escolas de samba dos Grupos de Acesso I e II do Carnaval de São Paulo somam nove títulos a mais que as escolas do Grupo Especial.

    Vai-Vai, Camisa Verde e Branco, Nenê de Vila Matilde, Unidos do Peruche e X 9 Paulistana fazem parte dos Grupos de Acesso e juntas têm 40 títulos.

    Já a Mancha Verde — campeã do Especial em 2022 —, Império de Casa Verde, Gaviões da Fiel, Mocidade Alegre, Acadêmicos do Tatuapé, Águia de Ouro e Rosas de Ouro possuem, ao todo, 31.

    Veja o ranking de títulos considerados pela Liga das Escolas de Samba de São Paulo (Liga SP) a partir de 1965:

    1º Vai-Vai: 15 (Caiu para o Grupo de Acesso 1);

    2º Nenê de Vila Matilde: 11 (Subiu para o Grupo de Acesso 1);

    3º Mocidade Alegre: 10 (Grupo Especial);

    4º Camisa Verde e Branco: 9 (Grupo de Acesso 1);

    5° Rosas de Ouro: 7 (Grupo Especial);

    6º Gaviões da Fiel: 4 (Grupo Especial);

    7º Unidos do Peruche: 3 (Grupo de Acesso 2);

    8º: Império de Casa Verde: 3 (Grupo Especial);

    9º X 9 Paulistana: 2 (Grupo de Acesso 1);

    10° Acadêmicos do Tatuapé: 2 (Grupo Especial);

    11° Mancha Verde:2 (Grupo Especial);

    12° Águia de Ouro: 1 (Grupo Especial).

    Leia também: Brancas são maioria entre rainhas de bateria das escolas de samba em 2022

    As vencedoras de 2022

    Com o “Planeta Água” como samba-enredo, a Mancha Verde foi a grande vencedora do Grupo Especial, chamado de “Elite do Carnaval de São Paulo”. Esse é o segundo título conquistado pela agremiação, classificada com 269,9 pontos.

    A Vai-Vai, detentora do maior número de títulos, desfilou no Grupo Especial em 2022 e ficou em 14º lugar, caindo para o Grupo de Acesso, onde desfilará em 2023, assim como a Colorado do Brás. Ambas pontuaram 269,1.

    No Grupo de Acesso I, a vencedora foi a Estrela do Terceiro Milênio, escola do Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo, que conquistou 270 pontos com o enredo “Ô abre alas que elas vão passar”, uma homenagem às mulheres da história do samba. Com a vitória, no Carnaval do ano que vem a agremiação desfilará pela primeira vez no Grupo Especial.

    Segundo informações do G1, durante a apuração houve protesto de integrantes da Camisa Verde e Branco, agremiação que ficou em 5º lugar. Os membros da escola ironizaram as notas dos jurados e afirmaram que estariam “enterrando a tradição do samba de São Paulo”.

    No Grupo II, a vencedora foi a Nenê de Vila Matilde, segunda escola com mais títulos na história do carnaval paulista. Em 2023, a tradicional agremiação retornará ao Acesso I.

    Leia também: A Dialética do Samba e o Carnaval de 2022

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  44. "Agrotóxicos são ferramentas de racismo ambiental", denuncia engenheira agrônoma

    O impacto dos agrotóxicos na saúde da população será debatido na próxima terça-feira (26) em audiência pública interativa na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. Na ocasião, será apresentado o "Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da vida"que compila informações contrárias ao uso de agrotóxicos e foi organizado pelas Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Associação Brasileira de Agroecologia e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

    “A apresentação do dossiê objetiva não apenas documentar todo o processo, como e principalmente, subsidiar técnica e cientificamente as lutas no cenário legislativo nas esferas federal, estadual e municipal, travadas por parlamentares e, sobretudo, pelos movimentos populares e organizações da sociedade civil em defesa da saúde humana e ambiental e da própria democracia”, destaca a justificativa do requerimento para realização do debate, que foi proposto pelo senador Humberto Costa (PT-PE), segundo Agência Senado.

    A audiência pública surge no contexto da tramitação do projeto de lei que muda as regras atuais do registro de agrotóxicos e foi aprovado no dia 9 de fevereiro na Câmara dos Deputados. Depois de 20 anos do andamento do processo, ele aguarda agora apreciação pelo Senado.

    Diante dessa legislação considerada mais permissiva à entrada de agrotóxicos no Brasil, quilombolas e especialistas apontam que iniciativas de incentivo à agricultura familiar deveriam ser a preocupação principal do país.

    “É possível, sim, produzir muitos alimentos sem usar o agrotóxico. Nós, do Quilombo Ivaporunduva, já somos um exemplo, mas as comunidades quilombolas no geral produzem muitos alimentos sem nenhum tipo de agrotóxico”. É o que afirma Laudessandro Marinho da Silva, educador social e morador do Quilombo Ivaporunduva.

    O quilombola conta que sua comunidade optou por ter uma certificação orgânica desde 2003, a qual proíbe o uso de qualquer defensivo agrícola no território, localizado na região do Vale do Ribeira, maior remanescente de Mata Atlântica em todo o país.

    Por meio do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (SATQ), conjunto de saberes ancestrais aplicados no cultivo de alimentos, a comunidade de Ivaporunduva e outros quilombos da região conseguem produzir alimentos suficientes também para pessoas de fora do território.

    Durante a pandemia, a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) enviou quase 333 toneladas de alimentos saudáveis produzidos por quilombolas da região para mais de 43 mil famílias em vulnerabilidade nas cidades de Eldorado, Jandira, Cananéia, Iporanga e São Paulo/Favela São Remo.

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    Produção agrícola no Quilombo Ivaporunduva | Crédito: Acervo pessoal de Laudessandro

    “A gente está dentro de uma região da Mata Atlântica onde temos várias nascentes de rio, além do Rio Ribeira de Iguape. Então a gente preserva a natureza e também busca uma melhor qualidade de vida dos produtos saudáveis, não só para o nosso consumo, mas também para colocar produtos no mercado”, acrescenta Laudessandro.

    Um argumento muito presente na defesa dos agrotóxicos é o de que o uso desses produtos é indispensável para a produção do volume de alimentos atuais e sua ausência geraria riscos à segurança alimentar.

    Segundo a quilombola, engenheira agrônoma e mestre em Saúde Pública, Fran Paula, há uma narrativa muito grande que associa o uso de agrotóxicos como essenciais para a agricultura, o que, segunda ela, não é uma verdade já que a agricultura agroecológica é muito produtiva.

    “A exemplo disso, nós temos os sistemas agrícolas tradicionais, que mantêm sua produção. O Brasil é um dos maiores produtores da América do Sul de arroz orgânico e açúcar orgânico de grande escala. O agrotóxico não se trata do que a agricultura precisa, se trata apenas do que a indústria tem para oferecer e colocar no mercado”, explica a engenheira agrônoma.

    ‘Pacote do Veneno’ ou ‘Lei do Alimento mais Seguro’?

    O Projeto de Lei 6299teve como autor em 2002 o então senador federal Blairo Maggi, um dos maiores representantes produtores de sojas do Brasil. Apelidado por parlamentares favoráveis de "Lei do Alimento Mais Seguro", o ponto central atendido pelo PL é a aceleração do registro de agrotóxicos no país, que passam a ter seu trâmite de fiscalização e análise centralizado apenas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

    Atualmente, a aprovação dos produtos é condicionada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que analisa possíveis danos à saúde humana, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que avalia os impactos ambientais, e também ao Mapa, que analisa a eficiência dos produtos e formaliza o registro após aval dos outros dois órgãos. Com a nova regra, a Anvisa e o Ibama se tornam órgãos consultivos nessa liberação.

    Além disso, o projeto de lei também aumenta a multa por mau uso de agrotóxico e prevê um limite de dois anos para a análise do pesticida e expedição do parecer sobre o registro. Caso esse prazo não seja cumprido, deve haver a concessão de um registro temporário pelo órgão registrante.

    Alguns argumentos favoráveis ao PL defendem que a mudança possibilitaria a entrada de produtos mais modernos e sustentáveis no país, já que o prazo de liberação se encurtaria diante de um tempo atual que pode ultrapassar oito anos.

    De acordo com Yamila Goldfarb, geógrafa e vice-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), é importante considerar que o Brasil já tem uma legislação para agrotóxicos muito permissiva.

    “A gente já permite agrotóxicos que são banidos em vários países e uma maior quantidade de resíduos. A nossa lei é muito permissiva e não seria necessário do ponto de vista econômico uma mais permissiva do que é. Então essa lei é muito fruto do lobby das indústrias produtoras de agrotóxicos que quer usar o Brasil como escoadouro de pesticidas que não são vendáveis em outros países com legislações mais restritivas”, explica a geógrafa.

    Segundo a vice-presidente da Abra, a liberação de agrotóxicos tem que ser feita a partir de critérios científicos rigorosos que levem em conta a saúde animal, humana e ambiental. Assim, o projeto de lei apelidado por grupos desfavoráveis como "Pacote do Veneno" não vai só aumentar a quantidade de agrotóxicos aprováveis, como também concentrar a avaliação deles em um órgão em que o interesse econômico pode se sobrepor à segurança pública, ambiental e humana.

    “É uma mentira essa ideia de que o agrotóxico é utilizado para produção de comida. Embora ele seja também utilizado na produção de produtos que são de fato a comida que vai na mesa das pessoas, a grande parte está indo para as commodities. É para produção de soja, milho, eucalipto, algodão e cana-de-açúcar, por exemplo. São essas as culturas que têm maior interesse no aprovação”, destaca Yamila.

    Impacto aos quilombolas e aos direitos humanos

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    Território Quilombola de Volta Miúda enfrenta batalhas contra empresa de celulose na defesa de suas terras | Foto: Arquivo pessoal - Celio Leocádio

    O Governo Bolsonaro é recordista em aprovações de uso de agrotóxicos no Brasil. Desde o começo do mandato, o governo Bolsonaro publicou a aprovação de 1682 novos produtos agrotóxicos, de acordo com o Robotox, projeto da Agência Pública e Repórter Brasil para monitorar os registros no Diário Oficial da União. A atual gestão detém pelo menos 40% de registros desses produtos na história do país.

    De acordo com a engenheira agrônoma Fran Paula, hoje existem várias pesquisas e dados científicos que comprovam a relação da exposição de agrotóxicos a diversas doenças, como o câncer. Os agrotóxicos também representam um dos principais fatores que levam à perda da biodiversidade, que gera mais desequilíbrio ecológico e ambiental.

    Além disso, segundo Fran Paula, o problema dos agrotóxicos é de dimensão global, já que a indústria que movimenta o mercado investe em ações de comercialização de pesticidas altamente tóxicos em países do Sul Global, como o Brasil e África. Há inclusive denúncias que apontam violações de direitos humanos envolvendo o uso do produto.

    “É comum a gente se deparar com denúncias do uso de agrotóxicos como uma arma química contra populações negras, indígenas, comunidades rurais negras e quilombolas em diversos territórios brasileiros. Isso é uma ferramenta do racismo ambiental. O agrotóxico sendo utilizado para expulsar famílias dos seus territórios e também privá-los ao meio ambiente saudável à medida que o uso dessas substâncias tem contaminado as fontes de água e os rios que são fundamentais para o abastecimento dessas comunidades e desses quilombos”, pontua a engenheira agrônoma.

    Fran Paula conta que, recentemente, coordenou uma pesquisa no Pantanal em comunidades quilombolas que estão expostas a agrotóxicos devido ao avanço do agronegócio sobre os seus territórios, que recebem plantios de monocultivos de soja e intensa pulverização terrestre e aérea de agrotóxicos.

    Na pesquisa, com a análise de resíduos de agrotóxicos nas águas das comunidades quilombolas, foram detectadas até nove tipos de ingredientes ativos de pesticidas presentes nas águas de rios dos poços artesianos, na água da chuva e tanques de pisciculturas, o que impacta a saúde das famílias.

    É também o que acontece no Território Quilombola de Volta Miúda, no município de Caravelas, no Extremo Sul da Bahia, que foi cercado pelo monocultivo de eucalipto por empresa de celulose. De acordo com Celio Leocádio, atual presidente da Associação Quilombola de Volta Miúda (APRVM), a comunidade é impactada à medida em que há uma perda da biodiversidade da região.

    Segundo Celio, são águas contaminadas, córregos que deixaram de existir e mortandade de abelhas, o que causou a desativação da casa de beneficiamento do mel que possuem.

    “A gente está ilhado pelo eucalipto em torno da nossa comunidade, então a empresa de celulose faz todo o combate do tratamento da monocultura dela pra qualquer tipo de praga. Assim, os insetos e predadores saem da plantação de eucalipto e vem para as pessoas da comunidade que fazem seus plantios”, afirma Celio, que explica que isso leva até alguns quilombolas da região a se verem na necessidade de usar agrotóxicos.

    De acordo com Celio Leocádio, antes a comunidade quilombola conseguia plantar seus alimentos de acordo com as estações do ano e de forma mais natural. “Hoje a gente não tem mais nada natural por conta dessa maneira que fomos impactados na nossa vida cotidiana”, ressalta.

    Leia mais: Estudo aponta sucateamento generalizado de políticas sociais no Brasil

    Alternativas quilombolas para segurança alimentar

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    Quintais quilombola no Pantanal - MT | Crédito: Acervo pessoal de Fran Paula

    De acordo com Fran Paula, a produção de alimentos fica sob a responsabilidade dos agricultores familiares que produzem em sua maioria em sistemas diversificados com mais equilíbrio e menos utilização de agrotóxicos.

    “Quanto menos agrotóxicos, mais segurança alimentar a população brasileira tem. Os agrotóxicos são um dos fatores que leva à insegurança alimentar e nutricional da população à medida que contém resíduos de produtos químicos que provocam o adoecimento da população brasileira”, explica a também mestre em Saúde Pública.

    O conhecimento ancestral envolvido nas produções das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, por exemplo, se apresentam como uma outra lógica possível e mais saudável para a produção de alimentos. O quilombola Laudessandro Marinho conta que as produções do Quilombo Ivaporunduva são pensadas para se integrarem ao ambiente ao redor, com soluções de defensivos naturais oferecidos pela própria natureza.

    “A gente tem que saber adaptar a planta que a gente vai consumir e vender ao sistema da mata. Plantamos de acordo com a lua para que as pragas e ervas daninhas não ataquem tanto. Plantamos em lugares em que vai ter bastante árvores para proteger de quedas, para poder fazer também a adubação e o controle natural de irrigação também. A gente planta algum tipo de folha que também exala algum cheiro que espanta insetos”, exemplifica Laudessandro.

    Celio Leocádio também ressalta a importância de existirem treinamentos para as comunidades de forma que elas possam implementar estratégias de combate saudáveis em suas produções.

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    Falta um projeto político que priorize a segurança alimentar | Crédito: Acervo pessoal de Fran Paula

    No Território Quilombola de Volta Miúda, existem pessoas que aprenderam a fazer uma calda natural de folhas do fumo para espantar insetos de plantações. A Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, dava esse suporte para a comunidade, mas hoje está praticamente desativada.

    De acordo com Yamila Goldfarb, o que tem acontecido no Brasil e no mundo é que se está deixando de produzir alimento para produzir commodities. “O problema não é que falta agrotóxico para produção de alimentos, o que falta é um projeto político econômico de zoneamento ecológico e econômico no país que priorize a segurança alimentar”, destaca a vice-presidente da Abra.

    Há um projeto de lei de iniciativa popular de 2016 chamada Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) que visa uma redução gradual do uso de agrotóxicos e estimula a transição orgânica e agroecológica. “Se a gente quer controlar e reduzir os impactos dessas substâncias, precisa restringir a utilização e implantar imediatamente uma política para redução de agrotóxicos no país”, finaliza Fran Paula, que também integra a coordenação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

    Serviço

    A audiência pública interativa na Comissão de Direitos Humanos para apresentação do ‘Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da vida’ acontece às 9h da próxima terça-feira (26) na sala 2 da Ala Senador Nilo Coelho, Plenário nº 2, em Brasília, com transmissão online na TV Senado.

    O evento será interativo e os cidadãos podem enviar perguntas e comentários pelo telefone da Ouvidoria do Senado (0800 061 2211) ou pelo Portal e‑Cidadania, que podem ser lidos e respondidos pelos senadores e debatedores ao vivo.

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  45. Maioria dos temas que as escolas de samba levam para a avenida são relacionados à negritude

    Indo na contramão do último levantamento realizado pela Alma Preta Jornalismo, que revela que a maioria das rainhas de bateria das escolas de samba do Grupo Especial, neste ano, são brancas, os assuntos a serem explorados nos desfiles das escolas de samba pretendem exaltar as raízes negras. Em 2022, os temas relacionados à negritude são maioria entre as agremiações de São Paulo e Rio de Janeiro. 

    Ao todo, das 26 escolas que compõem o Grupo Especial de 2022, 15 exaltam a história e elementos da identidade do povo negro. No Rio de Janeiro, das 12 agremiações que irão desfilar pela categoria, oito abordarão temas associados à história e cultura da população, representando 66,6% dos temas escolhidos. Já em São Paulo, das 14 escolas, sete farão o mesmo trabalho de valorizar a cultura afro diaspórica, ocupando 50% dos temas. 

    Entre os temas, estão homenagens a figuras que foram importantes na base cultural brasileira, na música ou literatura, a reverência aos elementos das religiões de matrizes africanas e aos orixás, além da história contada além do processo de escravização. 

    No Rio de Janeiro, três escolas levam à avenida as particularidades e a importância das religiões de matrizes africanas, como a Mocidade Independente de Padre Miguel, que trata como tema a divindade da caça e da fartura, Oxóssi; já a Acadêmicos do Grande Rio, traz para a avenida a força e a história de orixá responsável pela comunicação e abertura dos caminhos, Exú; e a Portela, aborda a ‘árvore da vida’ essencial para os cultos afros, o baobá.

    Na Sapucaí, outras quatro escolas retratam ícones negros: Mangueira, celebra a vida e obra de Cartola, Jamelão e Delegado, grandes nomes do samba; a Unidos de Vila Isabel homenageia Martinho da Vila, importante figura do samba carioca ainda vivo; a Paraíso do Tuitui, retrata a "negritude e seus ícones"; além da Beija-Flor de Nilópolis, que apresenta a história sob a ótica negra e seus personagens.

    A Salgueiro também não fica de fora, sendo a única que vai trazer o tema “Resistência negra” como central, ao abordar as maiores mazelas enfrentadas pela população negra no país.

    São Paulo

    Já no Sambódromo do Anhembi, uma escolha se assemelha à escolha da agremiação carioca citada anteriormente. A tradicional agremiação Gaviões da Fiel traz, para este ano, a temática da desigualdade social, com destaque para a frase “Vidas Negras Importam” incluída no seu samba-enredo, fazendo alusão à campanha “Black Lives Matter”. O movimento ganhou força após o assassinato do americano George Foyd,  em 2020, pelo policial branco Derek Chauvin.

    Dois grandes nomes de mulheres negras também serão destaque no carnaval paulista. A escola Colorado do Brás traz como tema a vida e obra da escritora da Carolina Maria de Jesus. Já a Mocidade Alegre homenageia a cantora Clementina de Jesus. 

    Com cunho religioso, a Acadêmicos do Tatuapé contará, em seu desfile, a história e a importância do café para o Brasil através da simbologia do Preto-Velho, relacionando à história do povo negro ao arquétipo de idoso africano, que é cultuado como entidade em religiões como a Umbanda. Da mesma linha de reverência às entidades, a escola Barroca da Zona Sul vai à avenida reverenciando Zé Pelintra, uma das mais importantes entidades de cultos afro-brasileiros, especialmente entre os umbandistas.

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    Já a Vai-Vai e a Águia de Ouro apresentam, respectivamente: “Homenagem aos povos africanos” e “Cultura afro-brasileira”. 

    Para os estudiosos e representantes do movimento negro, o protagonismo de temáticas que envolvem a negritude entre as escolas do Grupo Especial em 2022 é sinônimo de resgate e exaltação do movimento originário da população negra. O professor de etnomusicologia da Escola de Música da UFRJ e mestre e licenciado em Música pela UFPE, Tiago Sá, no entanto, aponta que as escolas de samba nunca deixaram de tratar temas sobre negritude e sua identidade. 

    “É claro que, em alguns momentos, essas questões ficam mais evidentes do que outras. Entretanto, esse ano veremos a pauta da negritude e sua identidade não apenas nas questões técnicas e rítmicas, mas também, estará presente na dança, na roupa e nos textos cantados com uma outra evidência”, aponta. 

    Segundo ele, o impacto desse protagonismo é a possibilidade de ampliar o debate sobre essas temáticas por meio de uma manifestação cultural de origem negra, o samba.  

    “É comum assistirmos matérias sobre ‘Exu’ em programa jornalístico da TV aberta, em plena hora do almoço? Não. Além de tratarmos da intolerância de uma outra maneira, também pautamos o racismo e a violência contra nós. Assim, o samba, enquanto música, se apresenta como mais uma forma de chamar a atenção para esses temas que continuam urgentes, mas a forma como ela vai impactar e exaltar vai além dos enredos”, ressalta. 

    O posicionamento do especialista é compartilhado pela militante negra, Elisa Lucas, 68, que há 40 anos atua na luta pelos direitos da população negra e no combate à discriminação racial. Hoje, atuando como Secretária Executiva Adjunta de Igualdade Racial de São Paulo, ela analisa que os dados levantados apontam um “momento de expansão”. 

    “O que estamos vendo agora é uma amplitude das nossas temáticas, também voltadas à valorização dos artistas negros, da nossa luta histórica e das intolerâncias vividas contra os nossos cultos, que, aqui no país, são os mais atacados. Acredito que este protagonismo entre as escolas é uma resposta à sociedade e reafirmam que a nossa história está viva, é essa e se faz presente”, dispara.

    Questionada sobre os impactos sobre o alcance das temáticas através de um evento veiculado na mídia brasileira e no mundo, Elisa afirma que o movimento negro avalia como medida eficaz e positivida, principalmente diante do cenário político dos últimos anos.

    “O governo atual trouxe diversas tentativas de esquecimento da nossa história, do nosso valor, mesmo nós, negros, representando a maioria da população do país. Sem representatividade em espaços de poder, como o parlamento, o que nos resta é a negação dos nossos valores. As escolas de samba, enquanto agentes das nossas manifestações, portanto, tem a força de fazer aderir, entender e convocar à população a reverenciar, por exemplo, os nossos heróis que, por vezes, são esquecidos", finaliza. 

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  46. "Não é dia do Índio": 19 de abril marca luta e resistência dos povos indígenas

    O dia 19 de abril é considerado pelos povos originários como Dia de Luta e Resistência dos Povos Indígenas. Uma nomenclatura mais adequada diante do propagado “Dia do Índio", que reproduz estereótipos e não abarca a diversidade existente em um contingente de 305 povos em todas as regiões do Brasil.

    De acordo com Fábio Pataxó, vice-cacique da Aldeia Indígenas Novos Guerreiros, na Bahia, essa é uma data de resistência na qual se luta para que as escolas, as prefeituras e as instituições parem de repetir os estereótipos que se criaram em torno dos povos Indígenas durante 521 anos.

    “Precisamos que a população brasileira compreenda que não somos a imagem de um estágio ‘pré-cultural’ da humanidade, diferente disso somos seres humanos, homens e mulheres constituídos de cultura e saberes. A única diferença é que nossos costumes, línguas e visão de mundo são distintos da do homem branco e exigimos respeito por isso”, reforça a liderança.

    Diante das ameaças constantes sofridas pelas comunidades indígenas do Brasil, principais vítimas de situação de violência no campo, denunciar as agressões sofridas diariamente é buscar fortalecer a luta pela garantia de direitos previstos na Constituição de 1988.

    Avanço da violência sobre territórios indígenas

    Na última segunda-feira (18), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou a publicação anual ‘Conflitos no Campo 2021’, em que aponta o avanço do garimpo ilegal sobre as terras indígenas e a violência contra essa população. Em 2021, houve um aumento de 1.100% nas mortes em consequência de conflitos no campo. Das 109 mortes registradas em 2021, contra 09 registradas em 2020, 101 ocorreram no território Yanomami, em Roraima, por conta da ação de garimpeiros.

    Foram registrados também 35 assassinatos em conflitos no campo no ano de 2021. Um aumento de 75% em relação a 2020, quando foram registrados 20 assassinatos. Dentre as 35 vítimas, 10 eram indígenas, nove sem-terras, seis posseiros, três quilombolas, dois assentados, dois pequenos proprietários, duas quebradeiras de coco babaçu e um aliado.

    Desse total, 11 assassinatos, praticamente um terço, foram no estado de Rondônia, onde ocorreu, também, um massacre no mês de agosto, com três vítimas. Outro massacre foi registrado na região alta do rio Apiauí, em Mucajaí, sul de Roraima, com a morte de três indígenas Moxihatëtëa, classificados como "indígenas isolados" e chacinados na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

    Além disso, a publicação da CPT apresenta pela primeira vez dados quanto à orientação sexual e à expressão de gênero das vítimas. Em 2021, cinco pessoas LGBTQIA+ sofreram violência no campo, sendo quatro destas vítimas identificadas como sem-terras e uma indígena.

    “Nós temos atualmente o Congresso mais anti-indígena na história recente deste país desde a redemocratização. Essa política está muito bem estruturada para ser de fato anti-indígena com o desmonte de órgãos de atendimento às demandas dos povos indígenas. Não saiu mais nenhuma demarcação e isso gera uma série de tensões e inseguranças”, destaca Ronilson Costa, da coordenação nacional da CPT.

    Expansão do garimpo ilegal

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Devastação do garimpo no Rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami | Crédito: Bruno Kelly/HAY

    Ainda de acordo com a publicação da CPT, a Terra Indígena Yanomami (TIY) - que faz 30 anos de demarção em maio deste ano - é um dos territórios mais duramente afetados pelo garimpo ilegal, que vem se expandindo aceleradamente no país desde pelo menos 2012, com impacto significativo sobre a Amazônia.

    Esse avanço desenfreado tem causado mortes e violências, remetendo a um nível de ataques que a etnia havia sofrido no final da década de 80, quando o Poder Judiciário reconheceu a situação vivenciada pelos indígenas como genocídio.

    “Os efeitos da atividade garimpeira ilegal sobre os povos indígenas afetados são múltiplos. Para além dos severos danos ao meio ambiente, as denúncias dos indígenas Yanomami e Ye’Kwana contra a presença da atividade garimpeira próximo a suas comunidades vêm revelando prejuízos diretos à saúde, à alimentação, à segurança pessoal, à integridade física das comunidades indígenas do entorno”, destacam.

    Entre 1985 e 2020, a exploração garimpeira cresceu mais de seis vezes: de 31 mil hectares em 1985 para um total de 206 mil hectares. Os dados da plataforma também demonstraram uma tendência de aceleração desde a década de 2010.

    “O garimpo ocorre atualmente quase que exclusivamente na região amazônica (cerca de 90% da área identificada), sendo que metade das áreas de exploração foram detectadas em Unidades de Conservação ou Terras Indígenas, onde tal ação é ilegal. Nestas, a atividade teve um aumento de 495% de 2010 a 2020”, também pontua a publicação.

    Entre os meses de abril e maio de 2021, o território Yanomami foi ameaçado intensamente pela presença de núcleos garimpeiros das proximidades. A comunidade de Palimiú sofreu um ataque em 10 de maio, levando ao afogamento de duas crianças durante a fuga. Outras situações de violência são identificadas nas regiões impactadas pelo garimpo.

    O relatório ‘Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo’, lançado pela Hutukara Associação Yanomami no dia 11/4, em 2021, o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. Além disso, a publicação traz relatos de violência sexual sofridas por mulheres e crianças por parte dos garimpeiros. Há situações em que comida é oferecida em troca de sexo.

    “Os [garimpeiros] dizem: ‘Essa moça aqui. Essa tua filha que está aqui, é muito bonita!’. Então, os Yanomami respondem: ‘É minha filha!’. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Somente depois de apalpar é que dão um pouco de comida” - um dos depoimentos disponibilizados.

    “Lamentavelmente, as terras indígenas dos povos Yanomami tem sido um dos principais lugares onde garimpeiros tem se atraído. Está distante das forças de observação e monitoramento. A própria Funai, entre outros órgãos de atendimento às demandas dos povos do campo e das florestas, tiveram seus orçamentos extremamente reduzidos, o que afeta fiscalização, continuidade dos processos que estavam em andamento e abre uma série de precedentes para a atuação de garimpos”, explica Ronilson Costa.

    Governo na contramão da garantia de direitos

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    Aldeia Indígena Novos Guerreiros, em Brasília, contra o Marco Temporal | Crédito: Acervo de Fábio Pataxó

    De acordo com Fábio Pataxó, as violações aos direitos indígenas têm se acentuado durante o Governo Bolsonaro por diversas questões, entre elas pela mudança estrutural nas políticas indigenistas do país, o desmonte e esvaziamento da Funai (Fundação Nacional do Índio), a abertura para exploração de territórios tradicionais em todo país e a falta de comprometimento com questões ambientais.

     “Outra questão que foi e é demasiadamente responsável pelos ataques sofridos por nossos povos, é o discurso de ódio difundido pelo presidente que ainda em sua campanha declarou guerra contra os povos Indígenas, declarando que se fosse eleito não ia demarcar nem um centímetro de terra. O discurso de ódio dele leva outra pessoa a reproduzir seu discurso e consequentemente a praticar violência, discriminação, e até mesmo assassinar lideranças Indígenas”, explica a liderança.

    Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng, acredita no mesmo. “É lamentável no século 21 o governo brasileiro que tem a responsabilidade de defender os direitos dos povos indígenas, direito do povo brasileiro, ter essa atitude. O governo brasileiro precisa fazer com que haja segurança para esses povos. É uma vergonha o que o governo brasileiro expressa quando toca nos direitos dos povos indígenas. É desrespeito aos povos indígenas e desrespeito à Constituição Federal”, explica.

    O povo Xokleng está no centro do debate sobre direitos indígenas no STF, que analisa a reintegração de posse movida em Santa Catarina referente à Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Entre as ações, está o julgamento da tese do Marco Temporal, Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, previsto para ser retomado pela Corte no dia 23 de junho de 2022.

    Entre os dias 4 e 14 de abril, mais de sete mil representantes de 200 etnias estiveram acampados na Esplanada em Brasília no Acampamento Terra Livre (ATL) para a defesa da demarcação das terras indígena, oposição à liberação de mineração em terras indígenas (PL 191/2020) e contra o Marco Temporal, que limita o reconhecimento de novas terras tradicionalmente habitadas por povos originários.

    “O poder público precisa tomar diversas medidas para garantir a proteção de nossos povos. O primeiro passo é revogar imediatamente todas as políticas anti-indigenistas promovidas pelo governo genocida de Bolsonaro. Em seguida deve-se criar um programa eficaz de proteção às lideranças Indígenas e defensores de direitos humanos, isso torna-se cada vez mais necessário, em terceiro lugar precisamos que se crie políticas indigenistas de estado”, finaliza Fábio Pataxó.

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  47. Covid-19: entenda por que a pandemia ainda não acabou

    Há algumas semanas o uso de máscaras deixou de ser obrigatório em vários estados com a queda no número de infectados e mortos pela covid-19. Mas, afinal, a pandemia acabou ou não?

    O anúncio do fim da emergência de saúde pública causada pelo coronavírus, feito pelo Ministério da Saúde no domingo (17), também pode parecer um sinal de que a pandemia acabou. No entanto, a decisão contraria as recomendações do Comitê de Emergência da OMS (Organização Mundial da Saúde), que avalia que a covid-19 “representa um risco contínuo de propagação internacional e requer uma resposta internacional coordenada”.

    O Brasil também está na contramão das políticas adotadas em outros países como os Estados Unidos e a China. Recentemente, os EUA prorrogaram o uso de máscaras por mais três meses e convocaram uma segunda Cúpula Global para debater os esforços de combate à pandemia. Já a China acabou de passar por um período de três semanas de lockdown severo. Ambos países adotaram essas posturas diante do aumento dos casos da doença.

    No Brasil, a atual média móvel de mortes é de 100, número bem distante das aproximadamente 68 mil vidas perdidas somente em abril de 2021, mas a doença ainda é a que mais mata no país, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa.

    A hipótese de que a pandemia já tenha acabado é descartada pela OMS e, no país, o Instituto Butantan destaca alguns dos motivos que provam que a crise sanitária ainda não chegou ao fim.

    Uma das razões é que bilhões de pessoas continuam sem vacina em todo o mundo. Embora no Brasil mais de 76% da população já tenha sido imunizada, pesquisas demonstram que a proteção contra quadros graves da covid-19 só ocorre com o esquema vacinal completo e cerca de 50 milhões de brasileiros ainda não tomaram a dose de reforço.

    África é um dos continentes com menor acesso à vacina

    Em todo o mundo, pelo menos 3 bilhões de pessoas não receberam nenhuma dose do imunizante e ainda correm o risco de contrair o SARS-Cov-2 e desenvolver a forma mais grave da doença. O instituto menciona a gravidade da situação de países do continente americano e, como já noticiado pela Alma Preta Jornalismo, do continente africano.

    “No mês passado, a OMS informou que apenas 11% da população elegível à vacinação em todo o continente africano tinha recebido ao menos uma dose. Ainda segundo o órgão, 14 países das Américas não bateram a meta de vacinação”, diz o Instituto Butantan.

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    Crianças de até quatro anos ainda não foram imunizadas

    Outro fator que revela que a pandemia não chegou ao fim é o de que há uma grande população infantil sem acesso ao esquema vacinal. As vacinas disponíveis são recomendadas somente para crianças acima de cinco anos, enquanto as de zero a quatro anos continuam mais vulneráveis ao vírus, que continua circulando e pode atacá-las de forma mais grave.

    A CoronaVac, vacina fabricada pelo Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac, já é aplicada em crianças e adolescentes brasileiros de seis a 17 anos. No estado de São Paulo, 80,02% das crianças entre cinco e 11 anos já completaram a primeira dose e 48,57% estão com o esquema vacinal completo.

    O Butantan entrou com um pedido na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para liberar o imunizante para crianças a partir dos três anos, após pesquisa realizada no Chile e em outros países mostrarem que ele é altamente eficaz contra a covid-19 nesta população.

    Novas variantes representam riscos

    O surgimento de novas variantes como a ômicron e a delta-ômicron representam riscos em escala mundial e são mais uma prova de que a pandemia não chegou ao fim. Segundo a OMS, a BA.1 (sublinhagem da ômicron) é a variante predominante no mundo atualmente e os casos de BA.2 têm aumentado nas últimas semanas.

    “Além do surgimento de novas variantes aumentar o risco do escape vacinal, isto é, a diminuição da proteção das vacinas já existentes, quanto mais variantes circularem, maior o risco de mais pessoas se infectarem, dos não vacinados terem quadros graves e de novas ondas de infecções surgirem – diminuindo ainda mais a chance de a pandemia acabar”, salienta o Instituto Butantan.

    Pandemia pode virar endemia?

    Entre a comunidade científica há um consenso de que a pandemia de covid-19 poderá se tornar uma endemia, ou seja, o coronavírus não irá desaparecer, se tornará uma doença com pequenos surtos em algumas épocas e regiões do mundo, como acontece com outras enfermidades como a gripe – em que os casos aumentam no inverno.

    Um dos principais motivos para a preocupação da OMS é que esse processo de transição da pandemia para endemia ainda está distante de ser tornar uma realidade, apesar da flexibilidade nas medidas de proteção em países como o Brasil.

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  48. Demarcação de terras, reforma agrária e estatização: o que defende o pré-candidato Léo Péricles

    Leonardo Péricles, presidente do Partido Unidade Popular (UP) e pré-candidato à presidência da República, afirma que, se eleito, vai lutar pelos direitos dos povos quilombolas, principalmente o direito às terras. Em entrevista exclusiva à Alma Preta Jornalismo, ele falou sobre empregabilidade, economia, meio ambiente e citou os principais desafios de sua pré-campanha até o momento.

    O Congresso Nacional tem pautado projetos como o PL 490/2007, que institui o Marco Temporal. O Supremo Tribunal Federal (STF),  marcou para 23 de junho de 2022 a continuidade do julgamento que decide sobre a validade desta matéria. A tese discutida diz que populações indígenas e quilombolas só podem reivindicar as terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

    Para Péricles, desde o início da formação do Brasil existe um processo gradativo de expulsão das comunidades indígenas e quilombolas dos seus territórios. Os povos tradicionais e originários foram submetidos a um processo de escravização ao qual resistem até os dias atuais. Por isso, segundo ele, o direito à terra e ao aquilombamento é um dos maiores bens para manter a identidade e a vida dos povos quilombolas e indígenas.

    "As comunidades remanescentes quilombos no Brasil são de extrema legitimidade. Esses povos podem ser pescadores, ribeirinhos, vasanteiros. Um governo de esquerda precisa olhar para essas pessoas como a base da sociedade brasileira ", declara o pré-candidato.

    Ele argumentou que, como presidente da República, a demarcação de terras será de extrema importância no possível mandato. Para Léo Péricles, essa é uma questão que atinge a vida dos demais setores da população brasileira, pois, "eles [os povos tradicionais] nos mostram que é possível ter uma relação extremamente harmônica e fraternal com o meio-ambiente".  

    "Eles têm uma prática de preservação permanente das nossas matas, dos nossos rios, dos animais que se encontram nessas regiões. A proteção da biodiversidade tem uma relação íntima com a quantidade de temas historicamente demarcadas", diz.

    O trabalho com outros órgãos

    Outras propostas legislativas que influenciam na garantia ao usufruto dessas terras são os Projetos de Lei  6299/2002, conhecido como PL do Veneno por ampliar o uso de agrotóxicos; e os PLs 2633/2020 e 510/2021, que facilitam a grilagem de terras. Esses projetos tramitam no Senado Federal e, se aprovados, vão para sanção do presidente Jair Bolsonaro. O PL do Veneno, por exemplo, teve aprovação em regime de urgência na Câmara dos Deputados, em fevereiro.

    Léo Péricles considera que, para se garantir o direito à vida dos povos tradicionais, não basta apenas atuar junto ao Congresso nas questões legislativas, mas as autarquias e fundações precisam de uma atenção especial. Esses órgãos são diretamente ligados à execução de políticas públicas para essa população e pela fiscalização da lei.

    Órgãos como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), entes do governo e autarquias que cuidam de temáticas voltadas as pessoas do campo, ribeirinhas, quilombolas e indígenas, devem ser considerados basilares em uma possível gestão de Leonardo Péricles.

    O pré-candidato acredita que para se ter uma demarcação de terras ou uma reforma agrária eficientes é necessário "mexer no coração desses órgãos". Para ele, a estrutura estatal deve se voltar ao povo, o que não acontece hoje em dia. "As autarquias, que deveriam garantir o cumprimento de políticas públicas estão falidas e omissas", aponta.

    "Visitei ribeirinhos e quilombolas em Minas Gerais, onde as pessoas estão devastadas pelas ações das mineradoras, como a Vale, que era uma estatal, foi vendida, e agora os entes do governo não se preocupam em fazer a decida fiscalização, não dispõe de recursos humanos e nem de orçamento suficiente", reitera.

    Economia e trabalho

    A estatização vem como uma das propostas para fomentar a geração de empregos e a movimentação da economia em um possível governo de Leonado Péricles. Em sua visão, quando mais obras públicas como a construção de estradas, hospitais, escolas, praças e industrias, maior a disponibilidade de trabalho para pessoas de todas as esferas sociais. Assim, a riqueza brasileira e os investimentos permaneceriam em território nacional.

    Outra medida considerada central para o pré-candidato é a suspensão do pagamento da dívida pública e, também, a sua auditoria. Segundo ele, a proposta é usar o recurso dessa dívida para o interesse do povo brasileiro. 

    "Hoje, esta é uma dívida usada para enriquecer banqueiros. Essa quantidade de recurso pode ser revestido nas áreas sociais e gerar milhões de oportunidades. Com certeza, nosso povo negro seria um dos principais beneficiados", explica Léo Péricles.

    Desafios

    O pré-candidato ressalta que o maior desafio de sua pré-campanha até omomento é o orçamento escasso. De acordo com ele, a Unidade Popular possui, para toda a corrida eleitoral, R$3 milhões advindos do Fundo Eleitoral. 

    Além disso, a UP é um partido político fundado em 2014 e registrado oficialmente em 2019. Possui cerca de 2,6 mil filiados e ainda não conta com uma cadeira no Congresso Nacional. Portanto, a legenda esbarra na cláusula de barreira, instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em fevereiro de 2019. 

    Também conhecida como cláusula de exclusão, a legislação é uma norma que impede ou restringe o funcionamento parlamentar ao partido que não alcançar determinado percentual de votos. O dispositivo foi aprovado pelo Congresso em 1995 para ter validade nas eleições de 2006, mas foi considerado inconstitucional pela unanimidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento de que prejudicaria os pequenos partidos. 

    A regra determina que os partidos com menos de 5% dos votos nacionais não terão direito a representação partidária e não poderiam indicar titulares para as comissões, incluindo CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito). Também não teriam direito à liderança ou cargos nas Mesas Diretoras.

    Além dessas restrições, perderão recursos do fundo partidário e ficarão com tempo restrito de propaganda eleitoral em rede nacional de rádio e de TV. O desempenho eleitoral exigido das legendas partidárias será aplicado de forma gradual e alcançará seu ápice nas eleições de 2030, conforme previsto na EC nº 97/2017.

    "Essa resistência à visibilidade está sendo quebrada graças às mídias independentes que, felizmente, também têm pautado a grande imprensa. Podemos não ter tempo de TV, mas podemos ir aos debates. Queremos e fazemos questão de estar em todos", conclui Léo Péricles. 

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  49. Como é ser avó de crianças pretas no Brasil?

    Dengo, conselhos, comida caseira e remédios naturais: todas essas coisas são lembranças valiosas de mulheres que foram criadas pelas avós. Pelos mais diferentes motivos, como abandono parental, morte ou até mesmo quando os pais precisam trabalhar para garantir o sustento da casa, cerca de 100 mil brasileiros tiveram suas criações destinadas a essas senhoras, segundo uma pesquisa elaborada pelo Instituto Kantar.

    Para mulheres negras que passaram por esse processo, a referência feminina e a potência de saberes adquiridos pela experiência de vida das avós é parte fundamental de suas respectivas construções como indivíduos no mundo. Independência, força de vontade e garra são características marcantes dessa criação. É o que conta a corretora de planos de saúde Sabrina Saturnino, moradora de Guaianases, em São Paulo.

    “Por minha avó ser muito guerreira, ela sempre mostrou o valor de uma mulher ser independente. Hoje eu sou mãe e passo o mesmo valor para meus filhos. Mulher tem que ser livre e pode estar onde ela quiser, ainda mais sendo uma mulher negra. Lutar pelos nossos direitos e se empoderar é muito importante”, comenta.

    Neta de dona Nair Marques, a criação de Sabrina foi designada para sua avó paterna devido à morte de seu pai, que sofreu um acidente de carro quando a corretora tinha apenas dois anos de idade. Ela conta que sua mãe não possuía condições financeiras e psicológicas para cuidar dos filhos, e passou a guarda dela e do irmão – que na época tinha apenas 9 meses – para sua avó. “Assim vivemos juntos, mas minha mãe não era presente”, completa.

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    Dona Nair, avó responsável pela criação da corretora Sabrina Saturnino | Créditos: Acervo Pessoal

    Lembranças

    “Lembro de cuidar dos cabelos e unhas de minha avó, a gente disputando a máquina de costura, ela me ensinando as tarefas domésticas e até as brigas por igualdade, pois minha avó era muito machista”. É o que diz a líder de montagem Ângela Maria da Silva.

    Criada pela avó devido ao abandono parental, Ângela comenta que seus pais eram muito jovens e inexperientes. Com a separação, “resolveram seguir caminhos diferentes, sem a companhia dos filhos”, relembra.

    Dona Francelina Alves, avó paterna, resolveu então cuidar dos três filhos mais velhos do casal. Apesar de todas as lembranças boas, Ângela ressalta que sua avó exercia uma liderança rígida dentro de casa, para que os netos tivessem uma boa educação. Porém, e, apesar da rigidez relatada pela líder de montagem, afeto e respeito são marcas que remetem à criação de dona Francelina.

    “A convivência com ela era complexa, pois minha avó possuía uma personalidade forte e, devido às dificuldades impostas pela vida, ela se tornou uma pessoa introspectiva. Apesar disso, era carinhosa à sua maneira. Ela era uma pessoa inteligente, corajosa e não desistia quando surgiam problemas”, avalia.

    Segundo ela, o tratamento entre os netos homens e mulheres era diferente, o que às vezes trazia atritos para o lar. Todavia, Ângela salienta que de certa forma Dona Francelina a respeitava, mesmo com a divergência de opiniões.

    “Nesse tipo de situação [machista], ela não me censurava. Apenas dizia que eu ‘deveria ter nascido homem’. Acredito que ela – de maneira muito discreta — admirava a minha atitude em confrontá-la e exigir igualdade de direitos. Sem falar abertamente, através de exemplos, ela me ensinou a ser corajosa e ter empatia”, destaca.

    A escolha entre a convivência com os filhos e o trabalho

    Dona Lia da Silva é costureira e mora na região periférica de Guarulhos. Aos 71 anos, e responsável pela criação de oito dos 12 netos, ela conta que a tarefa de cuidar dos filhos de suas filhas nunca foi fácil, mas que a convivência com eles lhe traz ânimo de vida. Maria, Ana Paula e Francielly são mães solo, e confiaram a criação de seus filhos à sua mãe, enquanto tentam a vida como garçonetes e faxineiras em cruzeiros marítimos.

    “A minha mais velha [Maria] conseguiu o emprego e levou as outras duas. Daí, acabou que minha casa encheu de criança!”, ri Dona Lia.

    “Elas precisavam trabalhar para dar uma condição melhor para os filhos delas. Elas [filhas] ficam meses no mar e eu fico com eles [netos] aqui. Criei mulheres guerreiras, que não têm medo de trabalhar. É duro o serviço delas, mas proporciona coisas boas para os meus netos, como cursos de inglês, comida no prato e remédio, quando precisam. Então, elas escolheram poder dar para eles o que eu não pude dar a elas”, completa.

    Maria, Ana Paula e Francielly fazem parte da estatística mostrada pela pesquisa do Instituto Kantar. A análise mostra que 41% das crianças são criadas pela avó para que suas mães possam trabalhar.

    “Eu sei que elas [as filhas] sofrem e sentem saudades porque são boas mães. Mas pior seria se elas não conseguissem emprego, não é? A gente que é mulher, principalmente se for preta e de origem pobre, vive fazendo escolhas difíceis. É assim desde que o mundo é mundo”, pondera Dona Lia.

    Ensinamentos em meio à escassez

    “Lembro das vezes que a gente pegava um ônibus apenas para passear. Como não havia condições de ir para um shopping, um parque, pegávamos um ônibus sem rumo. Íamos vendo os lugares passando, e eu deitada em seu colo e ela fazendo aquele cafuné em minha cabeça, contando histórias que até então achava ser apenas histórias, mas não. Eram as realidades da vida... E assim a gente seguia, até o ponto final e voltava”, compartilha Ana Paula Garcia da Silva.

    A auxiliar administrativa e professora também foi criada por sua avó. Quando ela tinha apenas três anos, sua mãe foi assassinada. Ana e seus dois irmãos então passaram a morar com dona Ivonne.

    “Meu pai biológico, que era apenas o meu, sumiu após o falecimento da minha mãe. E, independente disso, a minha avó jamais abriria mão da gente, pois já era totalmente presente antes mesmo do falecimento de minha mãe”, comenta.

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    Dona Ivonne, avó de Ana Paula Garcia | Créditos: Acervo Pessoal

    Ana descreve dona Ivonne como seu espelho. Mesmo em meio à escassez financeira – pois sua avó era a única responsável pelo sustento dos netos – ela passou seus valores às crianças que educou, ato que Ana tenta repetir na criação de seus próprios filhos.

    “Mediante a todas as dificuldades, que foram muitas, ela nunca desistiu da gente. Ela poderia ficar sem comer, mas a gente jamais. Sempre me ensinou sobre respeitar as pessoas, ser honesta, e ser uma mulher independente. Ela se separou do meu avô muito cedo, logo, sempre se virou sozinha e mostrava que nós, mulheres, somos fortes e temos que ser independentes”, relembra.

    “Fui aprendendo o legado que ela queria deixar. Se hoje sou a mulher que sou, é por conta da base inicial que eu tive. Batalhar sempre pelo melhor. E quando eu chegar no patamar que almejo, será mais um orgulho pra ela, mesmo não estando mais em vida”, completa.

    Ângela, por sua vez, conta que sua avó lhe ensinou muitas lições, principalmente relacionadas a caráter e honestidade.

    “A minha avó foi a figura mais importante na minha formação, pois diferentemente das avós que conhecemos, ela não me mimou. Ela sempre foi rígida e exigente em relação à minha educação e me mostrou que eu tinha que tornar uma mulher de bom caráter”, destaca.

    Comidas e remédios feitos com amor

    “Eu distraio os menores [de 4, 6 e 7 anos] da saudade da mãe pelo estômago, viu? Esse tanto de criança come bem e de tudo, são saudáveis, tomaram todas as vacinas. E eu sei que eles me amam do jeito que eu os amo. Quando eu não estiver mais aqui, tenho certeza que eles vão lembrar dessa ‘negra velha’ com carinho”, comenta Dona Lia, responsável pelos oito netos.

    A crença em remédios utilizados pelos antigos – como administrar mel para criança com tosse – é marca na casa de Dona Lia, mas também fez parte da criação de Ângela Maria.

    “Ela [avó], ao seu modo, acreditava que qualquer tipo de dor ou doenças leves podiam ser resolvidas com ‘banha de galinha’ ou ‘mastruz com leite’. Neste momento, eu sentia seu carinho e cuidado por mim”, relembra Ângela. A líder de montagem conta que a avó também fazia questão que os moradores da casa se reuníssem à mesa para todas as refeições, sem exceção.

    Já Ana Paula lembra que dona Ivonne era uma mulher detentora de muitos saberes, inclusive de medicina natural, conhecimento passado na oralidade por gerações, segundo ela.

    “As ervas não podiam faltar para os xaropes e chás. Quando faltava, a gente tinha que ir lá na horta pedir. Ela era rezadeira, mas independentemente de xaropes, chás e rezas, ela nos curava , pois tudo isso ainda tinha o toque de muito amor”, comenta.

    Sabrina comenta que assim como Ana e Ângela, a saúde da família era garantida a partir das receitas de remédios caseiros de sua avó, que utilizava ervas do próprio quintal para elaborar xaropes e sucos. “Ficávamos novinhos em folha", diz.

    Ana Paula ainda destaca as receitas de sua avó, como bolo de fubá acompanhado de chocolate quente, bolinho de chuva, massa de pastel caseira e mingau. “Até hoje tento fazer igual mas não consigo”, diz.

    Contudo, apesar dos saberes medicinais, a auxiliar administrativa lamenta a perda de sua avó por problemas de saúde, mas afirma que dona Nair ainda vive em suas memórias e coração.

    “Eu presenciei seus últimos minutos de vida. É uma cena que não tiro da minha cabeça, mas as últimas palavras dela pra mim antes de morrer foram: ‘você vai ser a neta que mais vai se dar bem na vida e continuará sendo meu grande orgulho!’ Com essas palavras, conforto meu coração todas as vezes que sinto sua falta e, em cada degrau que consigo avançar em minha vida, ela é lembrada”, finaliza.

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  50. Quem sofre violência no transporte público do Brasil?

    Mulher, negra, estudante, com idade de 20 a 24 anos, com ensino médio completo, que ganha de um a três salários mínimos por mês, pega ônibus e é moradora do estado de São Paulo. Esse é o perfil das principais vítimas de violência no transporte público do Brasil.

    O levantamento, elaborado pela Alma Preta Jornalismo, coletou dados de julho de 2020 a dezembro de 2021 junto ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos a partir das denúncias recebidas pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos ou Contra a Mulher por meio do Disque 100, Disque 180 ou do aplicativo oficial da pasta. Os dados incluem as ocorrências em ônibus, trem/metrô, táxi e transporte monitorado por app, como Uber.

    No período analisado, 623 denúncias foram feitas. Outras violências contra a mulher (que não proveniente de um companheiro ou familiar), lideram o número de denúncias (220), e representam 35,31% dos casos.

    Além disso, 4,65% (29 denúncias) são de violência doméstica e familiar contra a mulher no transporte; 96 denúncias (15,41%) de violência contra a criança ou adolescente; e 18,46% (115 denúncias) de violência contra a pessoa idosa.

    Outros indicadores são: violência contra pessoa socialmente vulnerável (10,75%); violência contra pessoa com deficiência (9,15%); violência contra pessoa em restrição de liberdade (com menos de 1%); violência contra pessoa LGBTQIAP+ (2,25%); violência contra pessoa em situação de rua (menos de 1%), e violação de direitos humanos (3,21%).

    Do total de vítimas, 219 não declararam ou não sabiam a própria raça. No entanto, os dados mostram que as vítimas que declararam foram categorizadas da seguinte forma: entre os pardos, 133 eram mulheres e 47 homens. Entre os brancos, 115 mulheres e 30 homens. Dos pretos, 55 mulheres e 17 homens, e, entre os amarelos, 4 mulheres e 1 homem. Ou seja, a população negra (soma de pretos e pardos) foi vítima de 252 ocorrências.

    Locais das violações, riscos, suspeitos e vítimas

    O estado de São Paulo lidera o número de ocorrências, com 170 das 623 denúncias registradas, seguido pelo Rio de Janeiro, com 130, Minas Gerais, com 52, Bahia e Goiás, com 24 cada, e Paraná com 23. As demais unidades federativas apresentaram menos de 20 denúncias de violência e violações de direitos no transporte público durante o período analisado.

    Dos casos denunciados, 456 aconteceram em ônibus, 73 em metrô/trem, 51 em carros de transporte monitorado por aplicativo e 43 em táxi. Das vítimas, 397 (63,72%) eram mulheres, 140 (22,47%) homens e 86 (13,8%) não declararam o gênero no registro da denúncia.

    A faixa etária mais comum das vítimas é de 20 a 24 anos. Das denúncias, 18 foram contra a comunidade LGBTQIAP+, sendo 9 delas cometidas contra homens gays e 9 contra mulheres lésbicas.

    Quanto ao suspeito, em 371 casos, o agressor era homem, branco, heterossexual, de ensino médio completo, com idade de 40 a 44 anos. Apenas dois suspeitos eram homossexuais. A maior parte das violações veio de desconhecidos das vítimas no transporte (144 ocorrências) ou dos prestadores de serviço, como motoristas e cobradores (96 casos).

    Categorias e motivação

    Das 623 ocorrências, os riscos às vítimas foram categorizados da seguinte forma pelo Ministério: 531 casos de risco à integridade; 212 casos de risco à liberdade das vítimas; 77 ocorrências de risco violações dos direitos sociais da vítima; 20 casos contra a segurança; 3 casos de risco de vida; e 2 de violações dos direitos civis e políticos.

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    Nuvem de palavras sobre motivações registradas nas denúncias de violência no transporte público | Créditos: Reprodução/ Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

    Apesar de 399 denúncias emergenciais não apresentarem risco de morte à vítima, 9 apresentaram risco imininente de morte, 214 são consideradas situações de flagrante (registradas até 24h da ocorrência) e em 1 caso a vítima estava sangrando quando realizou a denúncia. Do total, 380 denúncias foram registradas por telefone, 80 por WhatsApp, 10 por web chat e 3 por e-mail.

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  51. Juíza pede a prisão de mulher por furtar cinco livros infantis para filha

    No último 12 de abril. a juíza Gabriela Bertoli pediu a prisão preventiva de Lélia* pelo furto de cinco livros infantis. A mulher foi enviada para um presídio em São Paulo. Desempregada, ela alega ter pego os itens da marca Barbie para presentear a filha de 14 anos.

    O caso aconteceu no dia 11 de abril no Terminal de Ônibus do Tatuapé. A funcionária responsável pela biblioteca e o segurança da estação desconfiaram de Lélia e a abordaram. Quando ela foi questionada, assumiu ter pego os livros e se ofereceu a devolvê-los. Lélia foi cercada pelos dois, que chamaram a polícia. O caso foi registrado na 10° delegacia de polícia da Penha, pela delegada Tarsila Fernandes.

    Ao fim da audiência de custódia, a juíza Gabriela Bertoli decretou prisão preventiva para Lélia*. Ela já havia sido condenada por furto em outras duas situações, uma por furtar termômetro e monitor de pressão arterial e a outra por subtrair prendedores de cabelo, remédios, desodorantes e pares de meia. O argumento utilizado pela juíza para pedir a prisão preventiva é a reincidência. 

    A acusada aguarda o posicionamento do Ministério Público, que poderá pedir o arquivamento do caso pelo princípio de insignificância, quando o crime causa poucos danos para a sociedade. A promotoria também pode acusar Lélia e pedir uma audiência de julgamento sobre o caso.

    O Defensor Público Diego Polachini emitiu um pedido de Habeas Corpus na quarta-feira, dia 13 de Abril. Ele sinaliza que o valor dos bens furtados por Lélia não passam de R$ 75,00, número inferior ao limite utilizado para definição do critério de insignificância, valores que oscilam entre R$ 80,00 e R$ 120,00, segundo os ministros Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

    Diego Polachini também sinaliza que a reincidência não pode ser adotada como único critério para se decretar prisão preventiva e que a punição de reclusão em formato fechado, sem julgamento, é mais severa do que uma possível punição em caso de condenação por furto. A Defensoria Pública pede o afrouxamento da decisão, com Lélia no cumprimento de regime semi-aberto ou com autorização para responder a uma possível acusação em liberdade.

    O nome Lélia* é fictício e foi adotado para preservar a identidade da pessoa em questão

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  52. Professora negra denuncia racismo no Extra: 'me senti uma bandida'

    A atriz e professora de teatro Ivone Dias denunciou em suas redes sociais que foi vítima de racismo ao tentar fazer uma compra em uma unidade do Mini Mercado Extra, em M’Boi Mirim, na zona sul de São Paulo.

    Ao passar no caixa do estabelecimento, Ivone conta que pagou a compra de aproximadamente R$79 via PIX e mostrou o comprovante para a atendente, que alegou que o pagamento não havia sido registrado pelo sistema.

    “Ela chamou uma outra funcionária que disse que a compra não foi debitada no sistema e que eu teria que pagar de novo. Eu mostrei o comprovante novamente e quebrou o sigilo da minha conta ao mostrar o meu extrato bancário para comprovar também por lá que o valor da compra havia sido descontado do meu saldo”, relata Ivone, em entrevista à Alma Preta Jornalismo.

    Mesmo depois de a cliente mostrar que o valor da compra foi cobrado de sua conta, Ivone relata que as funcionárias continuaram a afirmar que o pagamento não foi computado.

    “Eu me senti como se eu fosse uma bandida, que estava tentando dar um golpe no mercado. Inclusive, eu pedi para a atendente confirmar os dados para eu não fazer o PIX para a conta errada”, detalha Ivone.

    O caso aconteceu no dia 6 de abril, quando a professora passou no Extra para comprar alguns alimentos depois de sair da Casa de Cultura M'Boi Mirim, a 250 metros do estabelecimento, onde dá aulas em uma oficina de construção de fantoches e bonecos.

    ‘Uma pessoa branca não seria tratada igual’

    Segundo Ivone, sem resolver o problema, as funcionárias do Extra cancelaram a compra e ela ficou no local à espera de uma solução por mais de uma hora. A professora considera que a situação se tratou de racismo por acreditar que não seria tratada da mesma forma caso fosse uma pessoa branca.

    “Me trataram com extrema grosseria e indiferença. Será que se eu fosse uma mulher branca, de cabelos lisos e magra, eu teria sido tratada da mesma forma?”, questiona.

    Enquanto ainda aguardava uma solução para o problema, Ivone iniciou uma transmissão ao vivo no Facebook para expor aos seus seguidores o que aconteceu. Ainda de acordo com o relato dela, só depois de ver a gravação é que o problema foi resolvido e os funcionários encontraram o registro do pagamento no sistema.

    “Parecia que eu não tinha o direito de fazer uma compra com o dinheiro que eu ganhei com o meu trabalho. Só depois que os funcionários me viram fazendo a live é que eles começaram a me tratar com educação e acharam o pagamento em uma conta deles”, finaliza.

    O que diz o Extra

    Após o constrangimento, Ivone relata que ficou abalada emocionalmente e cobrou um posicionamento do Extra no Instagram. O mercado respondeu sua mensagem dizendo que a situação não estava “de acordo com os padrões de qualidade e atendimento da nossa rede”.

    O perfil do Extra na rede social também informou no dia 8 de abril que o caso foi encaminhado para a ouvidoria interna e que em breve retornariam o contato com a cliente. Até esta quinta-feira (14) Ivone não recebeu um retorno.

    A reportagem procurou o Grupo Pão de Açúcar – responsável pela gestão das unidades do Mini Mercado Extra – para saber se o caso é apurado, qual é o protocolo adotado pelo estabelecimento nos casos de pagamento via PIX e quais são as políticas adotadas pelo grupo para evitar que os clientes sejam tratados de forma inadequada.

    Em nota, a assessoria de imprensa afirmou que "o Mercado Extra tem o respeito e a inclusão como valores e compromissos assumidos em seu Código de Ética e também em sua política de diversidade e promoção dos direitos humanos, e repudia quaisquer atitudes discriminatórias."

    Sobre o relato feito por Ivone Dias Gomes, a rede informou que "a transação via PIX não foi completada pela instituição financeira e, por isso, não constava como paga no sistema da loja. Por isso, foi realizado o estorno automático do valor pelo banco na conta da cliente".

    O Grupo Pão de Açucar disse ainda que trabalha para aprimorar seus processos e evitar que situações semelhantes aconteçam novamente.

    "O Mercado Extra lamenta e pede desculpas à cliente por esse processo ter sido moroso e informa que está trabalhando para aprimorar seus processos, prezando pelo melhor atendimento e relacionamento com os seus clientes e evitar que situações como essa se repitam."

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  53. Chuvas atingem quilombo do Camburi e escancaram problemas sofridos pela comunidade

    Más condições nas estradas e fortes chuvas, que arrastam casas, atrapalham a comunicação e o acesso à cidade, são as mais recentes dificuldades que a comunidade quilombola e caiçara do Camburienfrenta. O quilombo, localizado na cidade de Ubatuba – litoral norte de São Paulo – , próximo a Paraty, no Rio de Janeiro, tenta se restabelecer após as tempestades que assolaram a região recentemente. Com o grande volume de chuvas, a comunidade do Camburi passou dias isolada, devido aos inúmeros deslizamentos de terra nas estradas adjacentes.

    A entrega de insumos aos moradores foi feita por mar enquanto a Defesa Civil tentava liberar parcialmente a rodovia BR 101, que estava fechada. A energia elétrica demorou dias para ser religada, o que atrapalhou a comunicação dos quilombolas para além dos limites da comunidade. É o que conta o biólogo e escritor Santiago Bernardes, um dos coordenadores do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra-Paraty-Ubatuba, movimento social dos povos caiçaras, indígenas e quilombolas dessas três cidades.

    “Além de todos esses problemas que as chuvas causaram, os rios, córregos e veios d’água, que servem à comunidade, foram prejudicados pelo barro. E não podendo sair, a alimentação também foi afetada, pois perdemos o acesso à saída do quilombo para buscar alimentos”, ressalta o escritor.

    A assistência social do município foi fundamental nos últimos dias, de acordo com Santiago. Ele destaca que, além da doação de cestas básicas, a entidade se dirigiu até Camburi para discutir benefícios que podem ser concedidos aos quilombolas e caiçaras, prestando – mais que um socorro emergencial – solidariedade. No entanto, ele pontua que a comunicação com a Prefeitura Municipal de Ubatuba “é muito insuficiente”.

    Falta de titulação prejudica direitos dos quilombolas

    Residente do Camburi, Santiago explica que a comunidade não possui ainda a titulação de terras, mas é autorreconhecida enquanto quilombola e caiçara perante o Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo) desde 2004. Cerca de 50 famílias ocupam a área há aproximadamente 150 anos. O local é extremamente valorizado como ponto turístico, segundo informações da Prefeitura Municipal de Ubatuba.

    Relatos dos moradores da comunidade contam que um grupo de negros, liderado por uma escravizada chamada Josefa, vieram fugidos de fazendas da região de Paraty, no Rio de Janeiro. Eles teriam sido os primeiros a ocupar a área do Camburi, tanto que alguns moradores se referem à escravizada Josefa como uma “parenta” distante e o lugar onde ela teria se refugiado até hoje se mantém na comunidade como um marco histórico: a Toca da Josefa.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    Toca da Josefa, no Camburi | Créditos: Reprodução/Instagram

    Apesar dos esforços do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra-Paraty-Ubatuba, e também da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a morosidade do estado de São Paulo e também da Fundação Cultural Palmares (FCP) tornam a titulação uma possibilidade cada dia mais distante, segundo Santiago, o que gera mais problemas para a comunidade, que acaba por ficar sem respaldo em algumas questões.

    “O Camburi é sobreposto por dois parques de conservação integral, que interferem na vida da comunidade com restrições ambientais baseadas em modelos de conservação que são autoritários. Essa proteção integral não se adequa às necessidades do quilombo, que já estava presente no território, preservando e garantindo seu uso sustentável por meio de práticas ancestrais”, explica.

    Os parques pontuados por Santiago são: Parque Nacional da Serra da Bocaina e Parque Estadual da Serra do Mar. Por conta dessas áreas de preservação, atividades como agricultura e pesca foram restritas aos quilombolas. “O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] não toma atitude perante essa situação e a Fundação Palmares menos ainda”, aponta Santiago.

    Falta de segurança, transporte e evasão escolar

    Contudo, os quilombolas do Camburi sofrem com outras coisas que independem do clima, como falta de segurança pública na área, principalmente em época de temporada turística – por se tratar de uma região litorânea. Com o alto número de visitantes, assaltos ocorrem nas estradas para o quilombo e nada é feito para garantir a segurança dos quilombolas, segundo o escritor.

    Além disso, a comunidade do Camburi conta apenas com uma escola no território, mas que somente atende estudantes nos primeiros ciclos de educação. O ensino médio, portanto, deve ser cursado no centro de Ubatuba, que fica a 44km do quilombo.

    A distância entre Camburi e a escola, bem como as más condições das estradas e falta de transporte público de qualidade são determinantes para mais um percalço: a evasão escolar.

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    Trecho de um dos diversos deslizamentos na rodovia BR 101 após as chuvas em Ubatuba | Créditos: Reprodução/Facebook

    “Os estudantes, a partir da 5ª série, precisam se locomover para a escola do Puruba, comunidade caiçara vizinha. Mas para cursar o ensino médio, a dificuldade aumenta. A estrada de acesso da rodovia ao Camburi tem, em média, 3,5 km, e está em precárias condições”, salienta Santiago.

    “A Prefeitura de Ubatuba não resolve. A empresa de ônibus [Verdebus] não disponibiliza o suficiente. São apenas três ônibus por dia, e apenas de segunda à sexta. Esses são os principais motivos da evasão escolar”, finaliza.

    A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Prefeitura Municipal de Ubatuba para repercutir as informações a respeito da falta de transporte para a comunidade quilombola e caiçara do Camburi e questionou a possibilidade de ampliação da escola no território. Outro ponto perguntado à entidade foi em relação às condições da estrada que leva para o interior do quilombo e quais os próximos passos para normalizar o acesso ao Camburi devido às chuvas. A empresa Verdebus de ônibus também foi contatada.

    Além disso, o Incra também foi procurado, bem como a Fundação Cultural Palmares, a respeito do andamento do processo de titulação da comunidade tradicional. Sobre a segurança, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e a Guarda Civil Municipal foram acionadas.

    A SSP respondeu o seguinte:

    "As ações de patrulhamento na região de Ubatuba são reorientadas e intensificadas constantemente, de acordo com as dinâmicas criminais. No primeiro bimestre de 2022, o trabalho das forças policiais resultou na prisão de 98 criminosos e apreensão de 15 armas de fogo ilegais. A Polícia Civil não localizou registros de ocorrências relacionadas a roubos de veículos na região apontada pela reportagem. As forças policiais ressaltam a importância do boletim de ocorrência, para que os crimes sejam investigados e para auxiliar nas estratégias de policiamento na área. Os registros podem ser feitos nas delegacias territoriais ou na Delegacia Eletrônica".

    Até o momento, nenhum dos outros órgãos se pronunciou. Caso respondam, o texto será novamente atualizado.

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  54. Seis anos do assassinato de Luana Barbosa: "abril se tornou um mês de temor e luto", diz irmã

    O processo de apuração do assassinato de Luana Barbosa corre na justiça como um homicídio simples, após uma decisão que retirou os agravantes do caso. Os policiais militares acusados pelo crime podem ir a júri popular, porém, sem as circunstâncias que agravam a pena (crueldade, abuso de força e intenso sofrimento físico e psicológico), a pena deve ser menor.

    “Não foi homicídio simples, foi um crime cruel, bárbaro e marcado pelo racismo e pela LGBTfobia”, diz a advogada Dina Alves, assistente de acusão com outros advogados entrou com um pedido no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para que essas qualificadoras do crime sejam novamente incluídas no processo.

    O advogado Daniel Rondi, que  também representa a familia na acusação, comenta que a inclusão dos três qualificadoressão fundamentais para que seja justo o julgamento. 

    "Os três policias devem ser julgados pelo o que fizeram com a Luana. O tribunal do júri, representando a população, deve analisar a eventual culpa deles em face desses três motivos que levam ao crime e que agravam e aumentam a pena pela reponsabilidade do fato. Pela memória de Luana, a justiça precisa ser feita", apontou Rondi.

    Engajamento

    De acordo com a defensora Dina Alves, todo o processo até aqui é caracterizado por dois momentos distintos de engajamento. “Os movimentos sociais de direitos humanos, sobretudo os feministas, foram muito importantes na participação ativa das audiências criminais porque demarca uma ocupação do espaço público do fórum como um palco de performance de corpos insurgentes, negros e coletivos no enfrentamento ao discurso de criminalização de pessoas como Luana Barbosa”, comentou.

    Por outro lado, a advogada lembra que, infelizmente, houve uma certa dose de oportunismo. “Nesses seis anos, também experimentamos o sofrimento da luta solitária. Vimos feministas negras ganharem medalhas em nome de Luana Barbosa, mas essas pessoas nunca colocaram o pé na quebrada do Paiva Neto [bairro onde ela foi assassinada], nunca estiveram em uma audiência e nunca fortaleceram com a luta. Teve muito oportunismo com a dor alheia, ausência de empatia com a dor da mulher negra”, contou Dina Alves.

    Em 8 de abril de 2016, Luana se preparava para levar o filho, de 14 anos, para um curso quando foi abordada por policiais do 51º batalhão de Ribeirão Preto. Ela disse que era uma mulher e tinha o direito de ser revistada por uma policial feminina. A atitude de Luana, exigindo o cumprimento da norma, irritou os policiais que a agrediram violentamente causando traumatismo craniano. Luana, que tinha apenas 34 anos, morreu no dia 13 de abril em decorrência dos ferimentos.

    Roseli, irmã de Luana, avalia que o processo teve um andamento muito moroso e que, sem os agravantes relacionados ao homicídio, a pena que será determinada no júri pode acabar fazendo com que policiais não passem nem um dia na cadeia.

    “Luana era importante na vida de muitas pessoas. Ela era irmã, mãe, tia, madrinha, amiga e namorada. Essa luta já dura seis anos e estamos todos adoecendo com isso. Todos os dias acontecem casos de brutalidade policial, de racismo, de perseguição aos pobres, e nos resta lutar constantemente, durante anos, por justiça”, disse Roseli.

    Além do processo criminal, também está em andamento um processo cível que pede uma indenização para a família de Luana.  No último dia 7 de abril, uma decisão da 2ª vara de Ribeirão Preto acatou o pedido de indenização por danos morais e danos materiais, reconhecendo que houve abuso na ação da polícia.

    "É uma decisão muito importante porque reconhece que Luana era uma trabalhadora, não estava fazendo nada de ilícito e foi espancada brutalmente na frente do filho, que na época era menor de idade. A sentença dos danos materias determina o pagamento de um valor mensal até que o rapaz complete 25 anos", disse Flávia Meziara, a advogada que entrou com a ação cível em nome da família de Luana, junto com a advogada Dina Alves.

    O Governo do Estado de São Paulo, por meio da secretaria da Fazenda Pública, deve entrar com um recurso contra a decisão de indenização para a família. 

    “A gente morre um pouco junto e passa a sobreviver como um zumbi. Abril se tornou um mês de temor e luto para a nossa família. A impunidade mostra que a nossa dor não é vista e nem respeitada. É um ciclo de tempo que passa e não passa. Minha irmã morreu há seis anos, mas parece que o tempo não passou e a gente sempre volta para aquele 8 de abril e para aquele 13 de abril de 2016”, disse a irmã de Luana.

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  55. Mulher é condenada a pagar R$20 mil de indenização por perseguir vizinhos negros

    A juiza Cláudia Carneiro Renaux, do Tribunal de Justiça de São Paulo, condenou a moradora de um prédio a pagar R$20 mil por danos morais a uma professora negra que passou meses sendo perseguida, xingada e humilhada com acusações falsas de barulho e perturbação da ordem. A perseguição da vizinha causou o adoecimento mental da professora, que teve sociofobia e ansiedade.

    A mulher condenada entrou com uma apelação contra a decisão, no entanto, o pedido de anulação da sentença foi negado e o valor da indenização foi mantido pela juíza Maria Luiza Pizzotti, que considerou relevantes as provas e os depoimentos das testemunhas do processo.

    Em dezembro de 2020, a professora se mudou para o apartamento de número 11 e no mesmo dia, a vizinha do andar baixo, do apartamento número 01, interfonou dizendo que eles estavam fazendo muito barulho com a colocação dos armários da cozinha, e já tinha passado das 17h.

    A vizinha, que é do conselho de moradores do condomínio, teria sido rude com a mulher e o marido dela, segundo a professora, e desde aquele momento passou a perseguir o casal e fazer ameaças, dizendo que iria “tirar eles do condomínio”, pois era do conselho e morava lá desde 2000.

    As reclamações ficaram mais frequentes e não se justificavam. A vizinha chegou a reclamar de barulho numa data em que o casal estava viajando e o apartamento estava vazio. Lá vivem ela, o marido e um cachorro.

    A professora, segundo consta no processo, procurou a síndica do prédio e pediu uma reunião com a outra moradora para discutir a questão do barulho, mas a vizinha não foi na reunião afirmando que “não valia a pena falar com eles”.

    No entanto, ela seguiu com as acusações falsas e começou a ir na porta do apartamento deles para xingá-los em diversos horários, inclusive após as 23h. A perseguição foi tão intensa que a professora teve problemas de saúde e passou a fazer um tratamento psiquiátrico.

    No dia 10 de maio, a vizinha do andar de baixo mais uma vez foi até a porta do apartamento do casal. A professora conta que a mulher já iniciou a conversa com diversos insultos e gritos, ”mandando calar a boca", além de dizer a seguinte frase: “uma pessoa como você não merece morar aqui!” e fez um gesto tocando a pele, referindo-se à cor da professora.

    O casal chamou a polícia e foi feito um boletim de ocorrências. Porém, nas semanas seguintes continuaram os ataques. A síndica chegou a fazer uma reunião com os outros moradores do andar para saber se alguém poderia confirmar se a professora fazia um barulho acima do normal ou incomodava os moradores. Nessa reunião, ninguém respaldou as queixas.

    A professora descobriu que, antes deles, quem morava no apartamento era um casal de haitianos, que saiu do imóvel antes do término do contrato por conta das ofensas e perseguições da moradora de baixo. O casal haitiano decidiu mudar porque a mulher estava grávida e o contato diário com as ofensas racistaspoderia ocasionar a perda do bebê.

    Algumas vezes, a professora e o marido eram acordados com ligações às 0h30, e a professora acabou desenvolvendo um quadro clínico de transtorno de ansiedade, precisando tomar medicação controlada. Para tentar evitar atritos com a vizinha, o casal comprou um cercadinho para que o cachorrinho não circulasse pela casa.

    Além disso, durante boa parte da pandemia, o marido da professora trabalhou de casa e o animal não ficava sozinho.

    Um casal de mulheres que mora no mesmo prédio contou que já sofreu ataque homofóbica da moradora do apartamento 01, que teria dito para elas : “vocês não merecem morar aqui” e “eu vou acionar o conselho para tirar vocês daqui”. Frases que também foram usadas pela vizinha para atacar o casal de haitianos.

    A versão da vizinha

    À Justiça, a vizinha do andar de baixo negou que tenha feito alguma declaração racista e que a professora e marido,fazem barulho ao caminhar “forte” sobre o piso de madeira e também que abrem e fecham muito as janelas. Ela também disse que já ouviu som alto e barulho de briga entre os dois.

    A vizinha também se defendeu argumentando que fez registro de todas as queixas contra o casal e que a alegação de racismo é uma tentativa de “desviar a atenção” das diversas violações do regimento interno do condomínio. Ela contou também que o cachorro era deixado sozinho e latia “sem parar”.

    A defesa da vizinha do apartamento 01 tentou desqualificar a ofensa com teor racista. De acordo com o advogado, a frase teria sido “as pessoas deveriam tomar conhecimento das regras de convivência do condomínio antes de morar aqui”.

    O condomínio fica na zona Sul de São Paulo, em um bairro próximo ao autódromo de Interlagos. À decisão ainda cabe recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

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  56. Áurea e Talíria enviaram mais de R$11 milhões para projetos de igualdade racial

    As deputadas federais, Áurea Carolina (PSOL-MG) e Taliria Petrone (PSOL-RJ), enviaram R$ 11.667 milhões em emendas parlamentares para projetos de apoio à igualdade racial. Entre 2019 e 2021, ano dos dados coletados, as parlamentares apoiaram projetos de pesquisa e atendimento médico especializado, e fortaleceram comunidades quilombolas e manifestações culturais.

    Áurea Carolina disponibilizou R$ 6.727 milhões para iniciativas de combate ao racismo. A instituição que recebeu a maior emenda foi a Superintendência do IPHAN em Minas Gerais, para o projeto “Salvaguarda do Jongo do Sudeste: memória e olhares futuros”. O programa recebeu a quantia de R$540 mil.

    Eleita deputada federal em 2018 com 162.740 votos, Áurea Carolina anunciou via Twitter que não será candidata a qualquer cargo público em 2022. Ela pretende cuidar da saúde mental nos próximos anos. “Entendi que é momento de concluir a tarefa pública que assumi com imensa responsabilidade, confiada a mim por milhares de pessoas, e fazer uma pausa de volta para casa", explicou Áurea.

    O mandato de Taliria Petrone disponibilizou para a sociedade R$4.910 milhões para ações de superação do racismo. O programa de maior apoio da deputada foi o de “Melhoria da atenção à saúde das pessoas com doença falciforme e outra hemoglobinopatias”, doenças com maior incidência sobre a comunidade negra. O Hemorio recebeu aporte de R$600 mil.

    "A destinação de emendas é resultado de um acúmulo da atuação conjunta do nosso mandato com as organizações e movimentos sociais do estado do Rio. Junto com a militância organizada que se articula em torno da defesa dos direitos da população negra e no combate ao racismo, conseguimos pensar em iniciativas importantes para intensificar essa luta. E as emendas, em grande medida, são frutos dessa articulação”, Talíria.

    Os problemas de saúde da população negra e os seus desdobramentos foram pontos de atenção no mandato. Somente para a saúde e as consequências da pandemia foram destinados R$1.7 milhão para projetos focados na comunidade negra.

    Taliria Petrone enviou R$250 mil para o projeto “Trabalho, renda e enfrentamento à pandemia: a inovação social das mulheres negras da Zona Oeste do Rio”, R$500 mil para a “Saúde coletiva e povos tradicionais de matriz africana para a promoção de soberania e segurança alimentar e nutricional” e R$350 mil para a estruturação da “Farmácia universitária para anemia falciforme UFRJ Macaé”.

    “Acreditamos que essa é uma forma de valorizar esse trabalho no território e garantir melhorias concretas para os diversos setores do nosso campo. E fortalecer políticas públicas voltadas à saúde da população negra é uma das nossas prioridades", Talíria.

    Quilombolas

    A deputada mineira depositou parte da energia política da equipe ao apoio das comunidade quilombolas do estado de Minas Gerais. Áurea Carolina disponibilizou R$1.7 milhão para iniciativas que vão desde o empreendedorismo para esse segmento até projetos de gestão territorial, agroecologia e saúde.

    O Instituto de Ciências Puras e Aplicadas da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) recebeu o apoio de R$100 mil para desenvolver o projeto “Conflitos rurais do Médio Rio Doce (MG): resistência de comunidades quilombolas a grandes empreendimentos econômicos”.

    A Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais desenvolveu o projeto “Potência Quilombola: Desenvolvimento de Práticas de Autogestão Territorial e Ambiental, Acesso a Direitos e Instrumentos de Sustentabilidade Agroecológica”. Para produzir a iniciativa, recebeu o apoio de R$300 mil da parlamentar.

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  57. Xande de Pilares celebra suas raízes em álbum gravado onde iniciou a carreira

    O sambista e compositor Xande de Pilares, de 52 anos, pode dizer que o seu encontro com a música teve dia e local marcados. Foi no quintal da Tia Gessy, em Cachambi, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, em um dia 20 de janeiro, no início da década de 1990, que o músico pegou pela primeira vez em um cavaquinho.

    A roda de samba da casa da Tia Gessy era muito mais que um encontro de músicos e diversão, naquele quintal a magia da música tomava forma e para Xande, nascido e criado na favela do Jacaré, também na zona norte, virou sua grande paixão.

    “Devo muito ao pagode da Tia Gessy e fico muito feliz em poder prestar essa homenagem a ela em vida. Demonstrando todo o meu amor e gratidão por ela e pelo samba”, destaca o músico, em entrevista à Alma Preta Jornalismo.

    Xande de Pilares acaba de lançar o álbum "Pagode da Tia Gessy - Que Samba Bom", com 30 músicas gravadas no mesmo local onde o sambista começou sua formação musical.

    Segundo ele, naquela época os sambistas gostavam de tocar as músicas dos anos 1960 e 1970, de grandes compositores, que hoje compõem uma compilação de resistência cultural e celebração da cultura e ancestralidade afro-brasileira.

    “Antigamente a gente não tocava só os sucessos. Em uma semana ou menos, os músicos ‘tiravam’ todos os sambas dos discos que eram lançados para tocar na roda. Era um prazer poder mostrar que a gente sabia todos aqueles sambas, que fazem parte da história da cultura do Brasil”, conta.

    Na roda de samba, Xande se sente à vontade e transporta para o álbum a alegria de estar cercado de amigos para homenagear grandes nomes como Almir Guineto, mestre André, Arlindo Cruz, Wilson Rodrigues, Leandro Lehart, Gonzaguinha, Luverci Ernesto, Aldir Blanc, entre outros gênios.

    “Uma vez a tia Gessy me falou que todo mundo que passou pelo pagode fez sucesso e é verdade”, recorda o sambista, que praticamente saiu da roda da Tia Gessy para fazer parte do Grupo Revelação.

    Este ano, o pagode da Tia Gessy completa 45 anos. Para Xande, o local onde acontece o pagode é como uma extensão de seu quintal de casa.

    “Meu avô dizia que a escada só existe porque tem o primeiro degrau e quem sabe de onde veio também sabe onde quer chegar”, diz.

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    Xande de Pilares e Tia Gessy. | Foto: Roberto Augusto/Divulgação

    Resistência da cultura do samba

    O álbum é um passeio pela memória afetiva do compositor, onde é resgatada a história de batuqueiros e músicos de diversas gerações do Pagode da Tia Gessy, que continua a acontecer com a mesma alegria, energia e empolgação.

    “Sou uma pessoa muito musical e a minha história é muito longa. Para este projeto eu juntei 150 músicas e gravei 80 delas. Tem muita coisa boa que ficou de fora. Para ter uma ideia de como estava bom, a gente conseguiu encher todo o HD e não tinha mais espaço para gravar”, conta Xande, aos risos.

    Para o músico, o samba tem um poder muito grande de entrar na mente e no coração das pessoas para fazer a denúncia das desigualdades e debater questões raciais.

    “Tinha essa época em que não se podia nem andar com um pandeiro na mão, tamanha era a perseguição. Daí vem a resistência, vem a luta e o samba nunca vai deixar de falar dessas coisas para que as pessoas se conscientizem”, comenta.

    Além de aprender e tocar grandes clássicos do samba, foi no pagode da Tia Gessy que Xande de Pilares começou a apresentar suas primeiras canções e encontrou os seus primeiros parceiros.

    Compor e se aproximar artisticamente de outros compositores fez parte da rotina de Xande durante o período de isolamento provocado pela pandemia da covid-19.

    “Eu sempre pensei coletivamente e a música é coletiva. Uma coisa que me incomoda, por exemplo, é que agora não tem mais a ficha técnica nos lançamentos com os nomes dos músicos que tocaram. Temos que valorizar os músicos. Eles sofreram muito sem trabalho na pandemia e eu espero que daqui para frente fique melhor para todo mundo”, conclui o sambista.

    Leia também: Leandro Firmino: 20 anos de resistência ao racismo no audiovisual

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  58. SP: Erika Hilton é reeleita presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara

    A vereadora Erika Hilton (PSOL) foi reeleita por unanimidade como presidente da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo. A vereadora, que foi a candidata mais votada do país em 2020 – contabilizando 50.508 votos –, é a primeira mulher negra a presidir uma comissão no estado paulista.

    “É uma honra dar continuidade ao trabalho, ao que nós começamos no ano anterior”, comenta Erika Hilton. “Tenho certeza que teremos um brilhante trabalho pela frente”, acrescenta a presidente reeleita.

    Erika Hilton afirma ainda que seguirá com a fiscalização dos serviços de atendimento às populações em extrema vulnerabilidade social, em situação de rua e em estado de violência social. O vereador Eduardo Suplicy (PT) também foi reeleito vice-presidente da comissão, ao lado de Hilton.

    “Me sinto muito honrado e agradeço a confiança de todos os vereadores e vereadoras. E espero continuar tendo essa parceria harmoniosa, ainda mais nesse tempo de dificuldade”, afirmou Suplicy.

    Para 2022, Erika garante que a comissão servirá enquanto ferramenta fundamental para que os Direitos Humanos, em especial do povo negro e LGBTQIA+, não sejam esquecidos em um cenário em que os políticos estarão focados nas eleições. Segundo ela, o combate ao racismo continua sendo um dos focos das atividades do órgão.

    "Será nossa arma, nossa vez e voz para levar as demandas da população negra, pobre e periférica, para o centro do debate público", salienta a vereadora.

    De acordo com informações da Câmara Municipal de São Paulo, em 2021, a comissão realizou mais de 20 audiências públicas temáticas com distintos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, e criou o Observatório Municipal da Fome, projeto voltado para complementar o Fundo Municipal de Combate à Fome, de autoria de Erika Hilton. A atividade foi aprovada na Câmara e sancionada pelo prefeito Ricardo Nunes.

    A Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania é responsável por receber, avaliar e proceder com a investigação de denúncias relativas às ameaças ou violações de Direitos Humanos. Erika Hilton, presidente da entidade, também tem a função de pesquisar e estudar a situação da cidadania no município de São Paulo; acompanhar, sugerir e fiscalizar, junto ao Executivo, o desenvolvimento, a elaboração e a execução de convênios e projetos, dentre outras atribuições.

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  59. Profissionais do transporte são os que mais convivem com casos de racismo no trabalho, revela pesquisa

    Uma recente pesquisa apresentada pelo Instituto Locomotiva aponta que os profissionais de transporte são os mais observam e/ou sofrem por casos de racismo durante o trabalho. O estudo também insere a porcentagem de usuários de transportes que presenciaram esse tipo de situaçãp. Ao todo, 1.200 passageiros e mais de mil profissionais da área foram consultados. 

    Entre a classe, os motoristas de ônibus e cobradores são os profissionais que mais observam casos de racismo no seu trabalho (75%), seguidos de motoristas de aplicativo (73%) e taxistas (65%). Um exemplo de condutor que já passou por episódios de discriminação é Matheus Rodrigues, 24. Trabalhando para a Uber há três anos, o profissional revela ter sido vítima desse tipo de agressão por inúmeras vezes.

    “Um dos episódios que marcou foram quando duas senhoras solicitaram o meu carro e, quando cheguei na residência, tiveram vários comportamentos ‘estranhos’. Perguntando a mim a própria placa do meu carro, dizendo que iriam compartilhar a rota com terceiros e reproduzindo áudios fakes, simulando que alguma pessoa estava no viva-voz com elas durante o transporte”, conta.

    Matheus aponta que, pelo tempo trabalhando como motorista, já consegue identificar padrões de desconfiança de passageiros que assimilam raça com tendência ao crime. Entre as práticas, costumeiramente o condutor é questionado se o carro é dele próprio. 

    “São diversos comportamentos que já consigo perceber e tirar de tempo, não me abalar, mas é difícil. Um passageiro já cancelou a corrida por eu estar sem barba, diferente com o que ele tinha visto na foto, mas o carro era o mesmo. Sei que tem a questão da segurança, mas o preconceito pesa, sim. O que resulta em trabalhar na tensão, em uma defensiva, observando como vão avaliar nosso trabalho quando desembarcarem”, relata. 

    O estudo mostra ainda que 71% das pessoas negras que trabalham no trânsito sentem medo de sofrer racismo ou preconceito por sua cor. Entre a população negra em geral, esse número cai para 41%, o que mostra que quem está na rua por mais tempo sente mais medo de sofrer esse tipo de discriminação.

    Os usuários também dizem já ter presenciado situações de discriminação racial nos transportes, totalizando 72% das 1.200 pessoas ouvidas. Do montante, 39% confirmaram já terem sido vítimas do crime, trazendo um balanço que revela mais um panorama racial ao país: uma em cada três pessoas negras já sofreu preconceito em seus deslocamentos. 

    Entre as situações de preconceito vividas, 24% da população negra relatou ter sido menosprezada, 17% abordada de maneira desrespeitosa e 14% sofrido agressões verbais e ter sido alvo de expressões racistas. 

    Em avaliação, profissionais que integraram a pesquisa tiveram que responder a comparativo sobre percepção da atuação de condutores de transporte negros e brancos. O levantamento aponta que seis em cada dez trabalhadores do setor acreditam que uma pessoa negra tem mais chance de causar medo nos passageiros que uma pessoa branca. O resultado é complementado pela diferença da chance de motoristas não pararem no embarque para um passageiro negro do que um branco: 61% contra 7%. 

    A graduanda em Direito, Maria Vitória do Nascimento, 25, é um exemplo de que poderia ser incluída neste último levantamento. A estudante conta que teve sua corrida cancelada junto a um aplicativo por estar usando um elemento que remete à cultura negra e à ancestralidade. 

    “Estava saindo de casa, após solicitar um carro. Quando desci e fiz sinal para o motorista, ele me olhou e prontamente deu ré. Parecia estar receoso por eu estar usando um simples turbante, que era o que marcava mais a roupa que eu estava usando. Fiquei abismada com como alguém poderia ter medo disso, mas logo interpretei como racismo mesmo. Só depois que acenei bastante e ele percebeu que eu não seria um risco, aceitou a corrida e eu pude entrar no carro”, conta.

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    A graduanda em Direito, Maria Vitória, 25, teria sofrido discriminação por parte de um motorista de aplicativo por usar turbante (Imagem: Reprodução / Instagram)

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    Usuários mudam deslocamento por discriminação

    Para Maria Vitória, mulher negra, o episódio não foi o único. Ela conta que, ao usar transporte público, também percebe aquelas pessoas que, mesmo com o ônibus lotado, prefere não sentar ao seu lado ou de outras pessoas negras. Uma visão marginal do corpo negro que, para ela, faz parte de um racismo estrutural, velado e que gerou consequências no seu comportamento. 

    “São situações que nos questionamos se não é paranoia ou imaginação da nossa cabeça. Frente a isso, minha mente tenta abstrair, me fazer pensar que não se trata de discriminação racial, mas no fundo isso me toca de forma muito significativa. Após o episódio do turbante, por exemplo, quando eu sei que vou usar esses serviços de transportes privados, eu evito usar. Acaba que entro em um processo de anulação das minhas raízes para evitar determinadas situações”, desabafa. 

    Situações como as apontadas por Maria reiteram uma mudança de comportamento, também, ao planejar os deslocamentos. A pesquisa afirma que 29% dos negros declararam que já mudaram a forma de se locomover pela cidade devido a situações de preconceito ou discriminação. Entre mulheres negras, o número chega a 31%. 

    Pelo que revela o estudo, as mulheres negras também são as que mais se sentem vulneráveis nos deslocamentos: 72% delas temem sofrer algum tipo de assédio sexual, 64% agressão física e 47% sofrer algum tipo de racismo.

    Mais dados e interseccionalidades sobre discriminação e transportes, o Instituto Locomotiva disponibiliza o dossiê.

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  60. Bolsonaro entrega ao Congresso projetos que ampliam ação da polícia

    O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), e o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres, entregaram ao Congresso Nacional, projetos de lei do novo “Pacote Anticrime” do governo federal. Uma das medidas, consideradas eleitoreiras para alguns especialistas, adiciona "ações violentas com fins políticos ou ideológicos" à Lei Antiterrorismo. Outra, altera o Código Penal para abrandar penas para policiais que cometem excesso em exercício das suas funções.

    Os projetos estão gerando controvérsias entre o poder público, peritos técnicos e sociedade civil. E, de acordo com o coordenador da organização baiana que promove assessoria jurídica popular - IDEAS, Wagner Moreira, as propostas abrem precedentes para criminalização de movimentos populares e cidadãos individuais de diversas formas. 

    A primeira matéria a ser destacada modifica a Lei 13.260/2016, e amplia a definição de terrorismo. A iniciativa do Palácio do Planalto tira a conotação exclusiva do racismo, do xenofobismo, atualmente em vigor, e passa a prever "o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos". 

    De acordo com Moreira, em um ano eleitoral, propor um projeto que visa classificar como terrorismo as ações com finalidades político-ideológicas é uma tentativa clara de criminalização de todo e qualquer movimento que faça oposição ao governo vigente. 

    “É muito perigoso, pois o governo bolsonaro é pautado no ódio e na não aceitação das diferenças. Isso nos preocupa, pois essa matéria vai tramitar em um Congresso cujas bancadas ruralista, evangélica e da bala tem grande interesse e participação na construção da pauta”, afirma o técnico.

    Aprovada na administração da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a Lei 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo foi bastante problematizada à época. Pelo texto, a legislação diz que terrorismo consiste na prática de atos motivados por "xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública".

    Nesta tipificação criminal, quebrar uma vidraça ou fazer uma pichação seria considerado vandalismo, com pena de reclusão de seis meses. Na nova proposta, esses atos podem ser tipificados como terrorismo e a pessoa pode pegar uma pena de até 30 anos de reclusão. 

    Outra matéria que merece atenção endurece penas aos cidadãos e alivia punições a policiais que cometem excessos em exercício de suas funções. Pela proposta apresentada, em situação de flagrante, “a autoridade policial deixa de efetuar a prisão se entender que o profissional de segurança pública praticou o fato amparado por qualquer excludente de ilicitude ou culpabilidade", diz o comunicado do Ministério da Justiça.

    O dito “excludente de ilicitude ou culpabilidade” prevê que o agente de segurança pública não seja punido caso cometa um excesso “em vista de um temor fundado de risco grave e iminente”. Isso quer dizer que o agente não seria penalizado caso, mesmo sem existir um ato criminoso acontecendo explicitamente, ele agisse com violência, chegando, inclusive, a cometer um crime, como um homicídio.

    Segundo o advogado criminalista Vanter Coutinho, o projeto prevê ainda uma mudança no direito à defesa. “Quando se está repelindo uma agressão por legítima defesa, o agente é punido pelos excessos que ele comete, mas a matéria exige comprovação de intenção de matar ou ferir, o que dificulda muito a responsabilização de policiais pelos seus atos”, afirma.

    O especialista reitera que já está previsto no Código Penal que agentes de segurança pública podem agir em legítima defesa para proteger a si e a terceiros, o que bastaria para resguardar a sua integridade. Segundo ele, esta medida foi resgatada do Pacote Anticrime, proposto pelo então ministro da Justiça, Sérgio Moro, e que não foi aprovado pelo Congresso em 2019. 

    Os profissionais declararam que esta movimentação de Bolsonaro é uma sinalização para a base política do presidente. Para eles, em um governo que aposta no fortalecimento da sociedade civil armada e no conflito com os governos estaduais, fica evidente que as políticas não são protetivas, os opositores serão aqueles classificados como inimigos do Estado. 

    “Na verdade, Bolsonaro está apostando na criação de conflitos entre as polícias e os governos estaduais. É um ano eleitoral, então, caso ele venha a perder as eleições, o presidente já está formando aliados para fazer esse enfrentamento”, observaram. 

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  61. 61% das vítimas de racismo no trabalho não denunciam por medo

    Após driblar as barreiras do racismo para ingressar no mercado de trabalho, as pessoas negras se deparam com a discriminação racial dentro das empresas também. Um novo levantamento divulgado pelo InfoJobs, empresa de tecnologia para recursos humanos, aponta que 39% dos profissionais pretos e pardos já foram discriminados no trabalho por causa da cor da pele. Destes, 61% tiveram medo de denunciar e omitiram a situação, 18% confrontaram a pessoa que cometeu o crime, 11% reportaram aos superiores e 10% compartilharam a situação com o RH ou outras pessoas.

    Segundo a pesquisa realizada com 1.567 pessoas, os superiores, como gerentes e supervisores, são os que mais cometem racismo no trabalho. Eles aparecem em 48% dos casos. Em seguida, estão os colegas da mesma posição hierárquica, com 28%, e os subordinados correspondem a 23%.

    "O preconceito começa nos processos seletivos e vai muito além. Já trabalhei em uma empresa que precisava de um depoimento público e ao invés de me chamarem para falar da operação que eu coordenava, preferiram chamar uma backoffice, branca, loira e de olhos claros, que estava há pouco menos de seis meses na empresa", conta Jefferson Silva, coordenador comercial do InfoJobs.

    Em relação à omissão, o coordenador reforça a tendência de racismo apontada pela pesquisa, já que em sua opinião muitas empresas temem que casos de discriminação se tornem públicos.

    "Hoje em dia, por exemplo, existem recursos, como o InfoJobs Advisor, onde as pessoas são livres para colocar avaliações e pontuar quais organizações promovem ou não a diversidade. É muito importante que as pessoas usem essas ferramentas", defende.

    Na percepção de 86% dos trabalhadores entrevistados para levantamento, existem preconceitos velados que atuam como barreiras externas para o crescimento profissional de pessoas negras.

    Entre os respondentes da pesquisa, 59% trabalha ou já trabalhou com profissionais negros na liderança. Em contrapartida, apenas 10% já atuou em uma empresa com programas específicos para a contratação e desenvolvimento de profissionais negros, embora 88% acredite que esse tipo de ação é importante para apoiar a diversidade e inclusão corporativa.

    LinkedIn é pressionado após excluir vaga prioritária para profissionais negros

    Nos últimos dias, o LinkedIn foi notificado pelo Procon-SP (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) por excluir o anúncio de uma vaga de trabalho que priorizava candidatos negros e indígenas. A ação movida pelas organizações Educafro, Frente Nacional Antirracista e Centro Santo Dias de Direitos Humanos pediu R$10 milhões em danos morais e coletivos.

    A plataforma justificou a exclusão sob a alegação de que sua política de uso não permitia vagas que dessem preferência a qualquer candidato por características.

    O posicionamento da empresa repercutiu mal na internet e no dia 29 de março a rede social de networking atualizou sua política de divulgação de vagas para dar às empresas autonomia para a criação de processos seletivos que visam reduzir os impactos do racismo no mercado de trabalho e priorizam grupos historicamente minorizados.

    "Agradecemos o feedback que recebemos da nossa comunidade no Brasil. Fazer a coisa certa é importante e estamos comprometidos em continuar aprendendo e melhorando", disse a rede social em comunicado.

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    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  62. Mulheres negras são percebidas como as principais vítimas de violência sexual

    As mulheres e as meninas negras são percebidas como as principais vítima de estupro no Brasil. É o que aponta o estudo ‘Percepções sobre direito ao aborto em caso de estupro’, publicado pelos intitutos Locomotiva e Patrícia Galvão. De acordo com a pesquisa, 57% dos entrevistados acreditam que as mulheres negras são as principais vítimas desse crime no Brasil.

    Segundo o levantamento, 64% da população e duas em cada três mulheres - um número que abrange mais de 122 milhões de brasileiros - conhecem ao menos uma mulher ou menina que já foi vítima de estupro.  Entre as mulheres entrevistadas, 16% - 14,1 milhões de brasileiras - declaram já terem sido vítimas do crime. Em 84% dos casos, o estuprador era alguém do círculo social da vítima.

    Além disso, 95% das entrevistadas apontaram terem medo de serem vítimas de estupro, 87% das que disseram sentir muito medo são mulheres negras e 88% são jovens de 16 a 24 anos.

    O levantamento foi realizado com 2 mil pessoas, entre homens e mulheres com 16 anos ou mais, em todo o território nacional entre os dias 27 de janeiro e 4 de fevereiro deste ano.

    “A pesquisa mostra que a sociedade brasileira vem avançando no reconhecimento do que é um estupro. Hoje as pessoas sabem que o perigo está menos em um desconhecido na rua e muito mais nas relações pessoais e familiares e também que as mais vulneráveis são as meninas e, considerando os grupos raciais, as mulheres e meninas negras”, explica Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão.

    A diretora executiva pontua que há uma parcela ainda significativa de pessoas que não reconhece como estupro várias situações que podem levar a uma gravidez e que, portanto, se enquadrariam no direito ao aborto previsto por lei.

    De acordo com o levantamento, 21% dos respondentes não consideram que fazer sexo com uma menina menor de 14 anos mesmo que ela autorize é estupro e 38% não consideram que se um homem tirar o preservativo durante o sexo sem a mulher perceber ou consentir está cometendo um estupro.

    “Esse desconhecimento não apenas contribui para a naturalização dessas formas de violência sexual em nossa sociedade, mas obriga as vítimas de estupro que teriam direito a um aborto legal a levar adiante essa gestação ou, o que costuma ocorrer na maioria desses casos, a recorrer a métodos clandestinos e inseguros”, salienta Jacira.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Relatório publicado pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão no final de março de 2022.

    Percepções sobre o aborto

    O estudo também buscou saber as percepções da população quando ocorre a gestação em decorrência de estupro e interrupção da gravidez.

    Atualmente no Brasil, o aborto é permitido em três casos: se há um risco de vida para a para a mulher, se o feto for anencéfalo (quando tem uma má formação cerebral) ou em casos em que a gravidez é resultante de um estupro. Uma mulher que aborta em casos que não os previstos, pode ser julgada e receber condenação de três a seis anos de reclusão. 

    Mesmo em casos previstos, mulheres que procuram a interrupção da gravidez também enfrentam dificuldades para a realização, seja no acesso ao atendimento ou na discriminação que passam por parte de pessoas que não concordam com esse direito.

    Foram 77% os entrevistados que concordaram que as mulheres pobres que não podem pagar por uma interrupção de gravidez realizado com orientação médica são as que mais sofrem com a criminalização do aborto no Brasil.

    O relatório aponta que, em pouco mais da metade (52%) dos casos conhecidos de gravidez decorrente de estupro, a gestação não foi interrompida. São 11,9 milhões de pessoas que conhecem algum caso assim.

    Ainda de acordo com Jacira Melo, os dados mostram que 73% dos entrevistados concordam que quem defende o aborto em qualquer circunstância não está pensando no que vai acontecer com a mulher ou menina se ela for obrigada a levar essa gravidez adiante.

    “A pesquisa evidencia como a população brasileira é sensível ao drama das vítimas de estupro que se descobrem grávidas após a violência e considera que o aborto nesses casos é um direito para proteger a saúde física e mental das vítimas. Entre as mulheres entrevistadas, 75% gostariam de poder optar por um aborto se engravidassem após um estupro”,  reforça a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão.

    Para 64%, a discussão sobre aborto no Brasil é, principalmente, um tema de saúde pública e de direitos, não de polícia ou religião. Para três em quatro pessoas, o direito ao aborto deve ser mantido nos casos previstos por lei atualmente ou ampliado.

    Atendimento em serviços em saúde e delegacias

    Outro dado revelado pelo estudo é de que a percepção geral é de que as vítimas de estupro não buscam atendimento em serviços de saúde ou delegacias por vergonha e medo de exposição, além de terem receio de não acreditarem nelas.

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    Relatório publicado pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão no fim de março de 2022.

    O levantamento revela que 81% das mulheres que declararam já terem sido vítimas de estupro, ou seja 8 em cada 10 mulheres, não procuraram nenhum serviço de apoio. Só 5% das respondentes declararam ter procurado a polícia e um serviço de saúde.

    Entre os entrevistados, 51% não conhecem a lei que garante atendimento imediato e integral de saúde à vítima de estupro sem necessidade de fazer um boletim de ocorrência.

    “É preciso informar a população, e sobretudo as mulheres, sobre seus direitos e requisitos necessários ou não em caso de estupro. Isso é importante sobretudo em uma situação em que a maior parte dos estupros ocorrem por pessoas do círculo social das mulheres e grande parte não sabe que o acesso a serviços de saúde não implica em denúncia do agressor (fato que pode ser decidido depois, inclusive com apoio psicológico para a vítima)”, conclui o relatório da pesquisa.

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  63. Senado vai instaurar Frente Parlamentar pelo Desarmamento

    Criada em abril de 2021, a Frente Parlamentar pelo Desarmamento teve sua instauração marcada para essa terça-feira (29), a partir das 19h. Pelo texto, a Frente visa “aprimorar a legislação federal para atuar em favor do desarmamento e da construção de uma cultura de paz”. 

    A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) é a parlamentar responsável pelo projeto de resolução que deu origem a essa frente (PRS 12/2021). O texto aprovado foi o substitutivo do relator da matéria, senador Paulo Rocha  (PT-PA). Qualquer membro do Congresso Nacional que manifestar interesse terá a inserção assegurada.

    De acordo com a justificativa da pauta, a cultura de paz e a política do desarmamento, já “consolidada no país, não podem ser perdidas para uma efêmera ideologia armamentista que busca a facilitação da obtenção e uso de armas de fogo”. E ainda diz que o desarmamento e a construção de uma cultura de paz é um “tema cuja sedimentação precisa ser reforçada em nossa sociedade”.

    Segundo o Senado Federal, além de promover o debate sobre a pauta, a frente deve formular e apresentar propostas para o enfrentamento ao desarmamento e desenvolver um regulamento que limite as autorizações de compra, transporte, porte, uso e registro de armas de fogo.

    O senador Paulo Paim (PT - RS), que vai compor uma cadeira como titular da Frente, afirma que a iniciativa é essencial e urgente para o bem-estar da população brasileira. Apresentando dados do Instituto Sou da Paz, o parlamentar disse que no Brasil, dos 30 mil assassinatos por agressão armada em 2019, 78% foram contra pessoas negras.

    “Formular, aprimorar e apresentar proposições que tratam de providências direcionadas ao desarmamento e conter a compra indiscriminada, além do porte e registro de armas é urgente para proteção da nossa sociedade”, disse Paim ao Alma Preta Jornalismo.

    Outra congressista que está com a cadeira garantida é a deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ). Para ela, a iniciativa da senadora Eliziane Gama é essencial, sobretudo num momento em que o próprio governo federal incentiva o armamento.  

    “Precisamos derrotar esse entendimento de que mais armas significa mais segurança para a população, quando sabemos que a origem do problema é a falta de políticas públicas que amparem os setores mais vulneráveis de nossa sociedade”, declarou Talíria.

    Decretos presidenciais e as estatísticas

    De acordo um levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz, organização que acompanha o tema há mais de 20 anos, ao todo, o governo já publicou 31 alterações na política de acesso a armas no Brasil desde o começo de seu mandato, em janeiro de 2019. São 14 decretos, 14 portarias de ministérios ou órgãos do governo, dois projetos de lei que ainda não foram aprovados e uma resolução que flexibiliza e facilita o acesso para compra de armas e munições no país.

    Essa política é refletida nos números crescentes de registros de armas feitas pela Polícia Federal. Segundo a organização, nos últimos três anos de governo Bolsonaro (2019 a 2021), o registro de armas de fogo foi cerca de três vezes maior em relação aos três anos anteriores (2016 a 2018). Desde o início da legislatura, foi registrada uma média anual de 153 mil armas novas, aumento de 225% em relação ao triênio anterior, quando a média anual foi de 47.141. 

    O presidente chegou a comemorar os números. Em agosto do ano passado, ele declarou a apoiadores, após a veiculação de reportagens mostrando os números de armas particulares, que esperava que o número fosse multiplicado por cinco. 

    "Hoje em dia, o homem do campo está mais tranquilo. Tiramos dinheiro de ONG, conseguimos via decreto dar o fuzil 762 para vocês. Conseguimos a posse ampliada, o elemento podia comprar a arma e usar dentro da casa na fazenda. Hoje ele pode montar o cavalo ou pegar o jipe dele e andar na fazenda toda armado", apontou. Segundo o presidente, "quanto mais armado estiver o povo, melhor é para todo mundo". 

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  64. ‘Meta é combater o racismo na Justiça’, diz presidente de comissão da OAB-SP

    A OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Estado de São Paulo) levou 90 anos para ter uma comissão permanente sobre a temática racial. Fundada em janeiro de 1932, a OAB-SP conta hoje com mais de 318 mil advogados inscritos e 239 subseções no Estado de São Paulo.

    “A existência de uma comissão permanente de igualdade racial indica o compromisso obrigatório que precisa ser observado pela diretoria com a causa antirracista”, diz o advogado Irapuã Santana, presidente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB-SP.

    A Comissão Permanente de Igualdade Racial foi uma das promessas da chapa vencedora para a gestão 2022 a 2024, liderada pela advogada Maria Patrícia Vanzolini Figueiredo, eleita em 2021 em uma disputa marcada por mudanças que diminuíram a participação de candidaturas negras.

    No dia 31 de março será realizada a primeira reunião da comissão, na cidade de São Paulo. O encontro será transmitido na páginado Facebook da comissão, a partir das 19h.

    Em entrevista exclusiva à Alma Preta Jornalismo, Irapuã Santana falou sobre a comissão e como será o trabalho de combate ao racismo institucional.

    O presidente da comissão também falou sobre os planos para ampliar a presença negra na advocacia do Estado, onde atuou Luiz Gama, um dos advogados abolicionistas mais importantes do país. São Paulo possui também a marca de ser o último Estado a abolir a escravidão. Há registros do regime escravocrata em Campinas até 1920, e o último a ter cotas raciais entre as grandes univesidades do país, a adesão da USP (Universidade de São Paulo) só aconteceu em 2018. Na UnB, de Brasília, começou em 2004.

    Alma Preta Jornalismo: Como atua uma comissão permanente da OAB?

    Irapuã Santana: As comissões da OAB têm como objetivo auxiliar a instituição nas matérias nas quais elas são especializadas. Uma comissão permanente garante maior grau de caráter oficial, demonstrando que aquela determinada matéria é parte indispensável da atuação da entidade.

    AP: Quais são os seus planos à frente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB-SP?

    IS: Primeiramente, acho que é importante deixar claro que não se trata de um projeto pessoal. Assim, os planos não são do Irapuã, mas sim de toda a comunidade negra, cujos passos vêm de muito tempo. Isso também não quer dizer que exista a pretensão de representar toda a comunidade negra de São Paulo, visto que ela é extremamente diversa, seja do ponto de vista de formação, de opinião e de visão de mundo. O nosso foco aqui na gestão atual é ajudar da melhor maneira possível. Para isso, estabelecemos três pilares que vão subsidiar nossas atividades: inclusão, acolhimento e luta.

    Balizados por esses princípios, vamos buscar melhores condições de trabalho para a população negra, a partir do combate ao racismo institucional. Sabemos que o racismo corta a vida das pessoas como um todo, mas, para que possamos ser mais efetivos e realmente caminhar, nossa ideia é ter um trabalho voltado para a diminuição do racismo no sistema de Justiça e de Segurança Pública.

    AP: Como a OAB-SP pode apoiar a maior presença de pessoas negras na advocacia?

    IS: Já tivemos uma vitória histórica na OAB, com a aprovação da Carta Compromisso na reunião do plenário do Conselho Estadual, por aclamação. Um auditório majoritariamente branco aplaudiu de pé nossas propostas de inclusão dentro dos quadros da OAB. Foi a 1ª Seccional do país a aprovar tantas medidas relevantes que vão auxiliar a advocacia negra a trabalhar mais e melhor.

    Como resultado, estamos sempre à procura de advogados negros para se colocarem como professores e palestrantes para tratar de temas que não são apenas voltados para a causa racial.

    AP: Quando deve sair o censo com o recorte racial dos advogados paulistas?

    IS: Vai ter um recorte, por exemplo, de quantos são sócios de escritórios? IS:Infelizmente eu não tenho a resposta a respeito disso. O censo se iniciou na gestão anterior e eu não tomei pé de como está o andamento disso. Mas já existe uma pesquisa que foi muito difundida a respeito do baixíssimo número de pessoas negras nos corpos técnicos dos escritórios, o que é um absurdo completamente injustificável.

    AP: A comissão pode instigar o Ministério Público e o Judiciário de São Paulo para que seja dado destaque maior à questão da discriminação racial e da presença de pessoas negras nos seus quadros?

    IS: Sim! A ideia é dialogar com todas as autoridades para que haver um trabalho em conjunto no combate à discriminação racial. É essencial que os órgão do sistema de Justiça tenham a consciência acerca da necessidade de conferir maior dignidade no tratamento relativo à nossa comunidade.

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    OAB-SP  tem sua primeira Comissão Permanente de Igualdade Racial. | Foto: Divulgação

    AP: Como a comissão pode atuar no combate ao racismo institucional na máquina administrativa do Estado de São Paulo?

    IS: Primeiro de tudo é estabelecer uma boa base de diálogo. Uma das coisas que acreditamos é que precisamos derrubar os muros para a construção de pontes. Dentro da Administração Pública de São Paulo, existem órgãos de promoção da igualdade racial, que vêm desenvolvendo um trabalho importante.

    Precisamos nos unir a essas tarefas e nos tornar disponíveis para tomar ciência de violência contra a algum membro da comunidade negra e, assim, adotar a medida jurídica cabível ao caso. Então, estamos desenhando um setor de ouvidoria na nossa comissão, que irá receber essas denúncias, deliberar a respeito e agir conversando, no momento imediato que ocorrer o problema e, caso não se resolva amigavelmente, recorrerá ao judiciário.

    AP: Como a advocacia pode contribuir para melhorar o debate sobre o racismo e acelerar a adoção de ações afirmativas no Estado de São Paulo, como as cotas raciais?

    IS: Estamos elaborando uma nota técnica justamente nesse sentido! Ela tem como finalidade avaliar o impacto das cotas raciais desde que foram implantadas e mostrar, através de evidências e dados empíricos, que o país e o próprio Estado de São Paulo precisam confirmar a necessidade de sua renovação e de melhoramento.

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  65. Sem direito à presunção de inocência, jovem negro é mantido preso há dois anos sem provas

    O catador de material reciclável e entulhos em obras Ailton da Silva, jovem negro de 25 anos, está preso há quase dois anos no CDP (Centro de Detenção Provisório) de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, sem nenhum benefício de flexibilização da pena de sete anos por roubo à mão armada.

    Ailton afirma que não cometeu o crime e o seu advogado aguarda a avaliação de um recurso processual no STJ (Superior Tribunal de Justiça). A prisão e a condenação do jovem tem como base o depoimento da vítima, que viu o suposto ladrão por menos de dois minutos e com capacete. O reconhecimento, após ter sido abordado por PMs em uma avenida distante do local do roubo, foi feito pelo 'porte físico'.

    No dia do crime, ele e um amigo iam para uma adega no bairro do Capão Redondo para comprar cigarros. A vítima e um motorista de Uber foram assaltados, minutos antes, por uma quadrilha com cinco pessoas em quatro motos, numa espécie de arrastão.

    Nas buscas pelos criminosos, os PMs pararam o catador e o amigo, que não estavam nem com o dinheiro e nem com o celular da vítima, mas mesmo assim foram fotografados e levados para a delegacia, no dia 25 de maio de 2020.

    “Quando meu irmão foi preso, uma parte da gente também foi presa. É difícil estar num daqueles que sabem que é inocente, são dois anos perdidos na vida de todos. Cada dia que passa, eu sinto mais revolta”, diz Alessandra da Silva, 35 anos, auxiliar de confeiteira, irmã de Ailton.

    O jovem tem dois irmãos e duas irmãs, a família faz vaquinha com a ajuda de amigos para enviar o sedex de mantimentos todos os meses para o CDP de Osasco. O catador era quem cuidava da mãe, dona Carmem Lúcia, que convive com sequelas graves de um AVC que aconteceu há seis anos. Ele e um irmão também ajudavam o pai, o senhor Jailton Severino, que é pedreiro. “Agora o nosso irmão mais novo tem que se desdobrar em dois para ajudar o pai nas obras”, lamenta Ângela da Silva, outra irmã.

    O caso do Ailton foi julgado no fórum, foi analisado pelo Ministério Público e pela equipe da Polícia Civil e em todas essas oportunidades pesou a declaração dos polícias militares, que alegaram a "atitude suspeita" e o testemunho da vítima que nunca tinha visto o rosto do rapaz, mas o apontou como autor do roubo.

    Os PMs que estavam seguindo a localização do celular da vítima desistiram de continuar a busca depois que prenderam o Ailton e o amigo. No processo, o fato do celular roubado não estar com os rapazes, apesar de ter sido rastreado até aquele local, foi considerado irrelevante.

    “O princípio da presunção da inocência é um direito constitucional que gera uma série de direitos para o réu no processo penal, porém, isso não é o que acontece quando o acusado é negro”, aponta o advogado Irapuã Santana, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP).

    De acordo com o rito processual, o Ministério Público, que é o autor da ação, precisa comprovar por todos os meios que ocorreu um crime, que há vítimas e que aquela pessoa que ele aponta como acusado é realmente o autor do crime.

    “Isso é o que diz a Constituição, mas na prática, quando a pessoa é negra isso não acontece e é ela que tem que provar a sua inocência. Isso tem um aspecto psicológico gigantesco em relação à formulação da sentença e da convicção do juiz; e sobre o trabalho de quem deve fazer a produção de provas, que é o MP. Quem faz parte da população negra não é considerada uma pessoa com direitos”, explica o advogado.

    A falta de reconhecimento institucional dos direitos da população negra também é apontada como um dos fatores que explicam o fato de Ailton da Silva continuar preso, segundo o seu advogado Flávio Campos.

    “No caso do Ailton, não foi feito o procedimento previsto no código penal, que é apresentar a pessoa suspeita com outras pessoas com portes semelhantes, justamente para evitar uma prisão indevida. Esperamos que o STJ possa reformar decisões arbitrárias e injustas como essa”, cobra Campos, que também é ativista do movimento negro e de defesa dos direitos humanos.

    Segundo Campos, no julgamento, feito no fórum, a juíza só perguntou para a vítima se ela reconheceu o suspeito na data do fato e se a pessoa era a mesma que estava ali presente.

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  66. Aplicativo mapeia oportunidades de emprego para profissionais das periferias

    Cerca de 43% dos moradores de periferias perderam o emprego durante a pandemia, apontou uma pesquisa encomendada pelo G10 Favelas. Outro levantamento, realizado pela Central Única de Favelas (Cufa) em conjunto com o Instituto Data Favela e Locomotiva, revelou que, nesse período, 71% das famílias sobreviviam com menos da metade da renda que tinham antes da crise. Para resolver parte da equação desse cenário de alto índice de desocupação, surge o Trampolim, aplicativo colaborativo de empregos.

    Desenvolvido para conectar oferta e procura de trabalho em áreas de vulnerabilidade econômica, ele é totalmente gratuito. Hoje, das mais de 2,5 mil vagas divulgadas na plataforma, 32% estão localizadas na cidade de São Paulo. Os bairros com mais vagas por região são: Zona Sul (Santo Amaro e Ipiranga), Centro (Bom Retiro e Vila Buarque), Zona Leste (Brás e São Mateus), Zona Norte (Santana e Freguesia do Ó) e Zona Oeste (Lapa e Perdizes).

    Segundo o diretor de produto da startup, Bruno Rizzato, o aplicativo pode ampliar as oportunidades de recolocação para profissionais que moram em locais afastados dos grandes polos comerciais da cidade.

    “Atualmente, 80% dos usuários cadastrados no aplicativo moram em regiões periféricas de São Paulo. Às vezes a pessoa se desloca para procurar emprego em um lugar longe, geralmente o centro da cidade, mesmo que existam oportunidades dentro da sua própria comunidade. Graças ao recurso de geolocalização do Trampolim, o candidato consegue encontrar vagas perto de casa e economizar tempo e dinheiro com transporte e impressão de currículos”, explica.

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    Além de melhorar a qualidade de vida da população local, a solução chega para apoiar a economia interna das comunidades. Geralmente, lojas de bairro anunciam suas vagas na porta do estabelecimento, dependendo exclusivamente do acaso - que o candidato com o perfil desejado passe em frente ao local para descobri-la.

    “O Trampolim atua justamente na digitalização dessas vagas de rua, ajudando comerciantes locais no processo seletivo e aumentando a eficácia da contratação. A geolocalização permite ao estabelecimento contratar profissionais que, por morarem perto, terão mais facilidade e menor custo de deslocamento, o que ajuda a reduzir a taxa de rotatividade e a melhorar a produtividade do trabalhador”, detalha Rizzato.

    O mapeamento e divulgação de vagas é feito pelos próprios usuários, que podem fotografar vagas que encontrem anunciadas pela região e compartilhar no aplicativo, na intenção de ajudar tanto quem oferece como quem procura trabalho – daí o caráter colaborativo.

    “Quanto mais pessoas estiverem compartilhando vagas, mais vagas serão preenchidas, e com mais eficiência. Para se ter uma ideia, já temos mais de 20 mil usuários participando dessa corrente do bem”, complementa o executivo.

    Recentemente a startup foi premiada com o selo internacional iImpact 2021, em três dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU: erradicação da pobreza, redução das desigualdades e comunidades sustentáveis.

    “Durante a pandemia, muitos foram demitidos ou impedidos de trabalhar em serviços informais, que eram suas únicas fontes de renda, por isso iniciativas como essa são essenciais. A Trampolim espera promover um impacto positivo nas comunidades, democratizando o acesso às oportunidades de trabalho”.

    Para acessar e compartilhar vagas, basta fazer o download do app disponível para versões android.

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  67. PLs que combatem o racismo institucional podem ser votados na Câmara

    Com parecer favorável do relator Paulão (PT), três projetos de leis apensados esperam o aceno da Mesa Diretora para serem pautados no plenário da Câmara dos Deputados. Ao PL 5875/19, de autoria da deputada Carmem Zanotto (Cidadania - SC), uniram-se o PL 5885/2019, da deputada Áurea Carolina (PSOL - MG) e outros parlamentares negros e o PL 6066/2019, do deputado David Miranda (PSOL - RJ). Todos dispõe sobre o conceito de racismo estrutural e sobre o combate desta modalidade de discriminação nas organizações públicas e privadas.

    O relator dos textos, deputado Paulão (PT - AL), espera uma decisão da Mesa Diretora da Casa para a inclusão da matéria nas discussões do plenário. Segundo a assessoria do parlamentar, o relatório foi passado para a Consultoria Legislativa para revisão e espera-se ser colocado em pauta para apreciação, mas ainda sem data definida. 

    Caso o PL construído por Áurea Carolina e mais seis deputados negros (Benedita da Silva - PT, Bira do Pindaré - PSDB, David Miranda - PSOL, Dr. Damião - PDT, Orlando Silva - PCdoB, Talíria Petrone - PSOL) seja priorizado no relatório, a legislação que visa enfrentar o racismo institucional vai prever alterações em leis como a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (Lei 13.675/ 18), as normas para empresas particulares que de vigilância (Lei 7.102/83), a lei que institui os direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública ( Lei 13.460/17) e a que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais (Lei 8.112/90).

    De acordo com o texto, a formação dos integrantes dos órgãos de segurança pública previstos incluirá obrigatoriamente conteúdos sobre o enfrentamento ao racismo institucional e sobre os direitos e garantias fundamentais, especialmente relacionados ao combate à tortura. O mesmo vale para a segurança privada, onde os cursos de vigilantes deverão ter o mesmo teor.

    Além disso, em se tratando do serviço público, ainda no estágio probatório, o servidor será submetido a palestras e cursos de formação sobre a importância do igual respeito por servidores e usuários visando o enfrentamento ao racismo institucional no âmbito da administração pública.

    Segundo a justificativa explícita no projeto, ele se faz necessário para que as organizações que lidam com o uso da força “tomem consciência dos padrões racistas que existentes em nossa sociedade, deixem de reproduzi-los e convertam-se em instrumento de combate a estes padrões”. E complementa: “Por mais que não tenhamos ilusão de que isso não será possível sem mudanças estruturais em nossa sociedade, precisamos agir desde já”. 

    Já o documento escrito por Zanotto altera o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10) e afirma que os órgãos e entidades da administração pública e as sociedades de economia mista federais poderão firmar compromissos de combate ao racismo estrutural com estudos internos sobre a incidência do racismo institucional; metas e ações de enfrentamento ao racismo monitoradas pela direção ou setor específico do órgão e comunicação institucional acerca dos compromissos firmados. No entanto, a proposta não discorre sobre como devem ser estruturadas essas ações. 

    A proposta assinada apenas por David Miranda modifica a Lei que determina os direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. O PL passa a garantir a informação e o acesso aos serviços públicos de denúncia de racismo, injúria racial, intolerância religiosa e outras violações de direitos humanos.

    Impacto social das propostas

    A sub-representação de negros marca a estrutura da administração pública. Embora sejam aproximadamente 56% da população, as pessoas negras ocupam 35,6% dos postos no serviço público federal.

    A disparidade fica ainda mais visível quando é feito o recorte por hierarquia de cargos e nível de escolaridade. Pretos e pardos ocupam apenas 15% das cadeiras mais altas.

    O governo federal não deixa disponível para consulta pública estatísticas de pessoal com recorte por cor e raça. O dado detalhado mais recente, referente a 2018, foi compilado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), vinculada ao Ministério da Economia.

    De acordo com um servidor de um banco público, desde os certames externos, passando pelas estratégias de gratificações e nas seleções internas são regadas pelo racismo institucional. O homem, que já tem mais de 15 anos de serviço público e preferiu não ter a identidade revelada disse que desde que entrou no banco, “sempre teve um tratamento diferente”. 

    Ele revelou que frequentemente os vigilantes do órgão onde trabalha o veem como suspeito. “Eu uso chapéu na rua e sempre sou impedido de entrar no prédio. Outras pessoas brancas que também usam boina nunca foram barradas”, comenta o servidor. 

    “Quando eu entrei a estagiária tinha uma mesa de trabalho e eu não tinha. Eu tive que brigar por uma mesa de trabalho, que não é nem o mínimo para exercer a função”, contou.

    Mesmo quando passou a ocupar cargos mais altos nas associações de representação trabalhista, o servidor afirma que não era reconhecido em suas posições. “Eu só vejo como solução a manutenção das cotas raciais e o incentivo para se multiplicar as cotas nas seleções internas”, ressaltou.

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  68. Sistema Nacional de Educação não cita raça e gênero em diretrizes para acabar com as desigualdades no ensino

    O projeto do Sistema Nacional de Educação (SNE) pode ser um trunfo para o governo nas próximas semanas, de acordo com fontes ligadas à Frente Parlamentar Mista da Educação, da Câmara dos Deputados. O PLC 235/2019, aprovado no Senado por unanimidade, deve ser levado diretamente ao Plenário após ter apensado a ele o PLP 25/2019, de autoria da deputada professora Dorinha (DEM-TO) e relatoria do deputado Idilvan Alencar (PDT- CE). 

    Segundo informações, existe um acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para que a matéria seja aprovada. “É mais um projeto para o governo chamar de seu”, afirmou. A Lei Complementar institui o SNE e fixa normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, em matéria educacional. Se aprovado, a matéria vai à sanção presidencial. 

    Sem citar abertamente questões como racismo estrutural ou desigualdade de gênero, por exemplo, a legislação visa, em seu artigo 2º, a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. Além de garantir a “gestão democrática da educação”. 

    O projeto é chamado de o SUS da Educação, e vai dar diretrizes para o ensino nas três esferas de governo. “A chance de se votar um projeto desse tamanho e para este fim é agora, no primeiro semestre, porque posteriormente todo mundo vai estar voltado para as eleições”, disse a fonte que preferiu não ser identificada.

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    Professora Dra. Catarina Santos considera que um sistema educacional que não reflete a juventude negra é falho. Foto: Reprodução/Youtube

    Políticas Públicas em educação

    A professora Catarina de Almeida Santos, doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Comitê-DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, afirma que um Sistema Nacional de Educação eficiente pode ser um mecanismo para alcançar outros direitos, mas não é suficiente. Segundo ela, garantir a educação de qualidade, significa remover todas as barreiras que impossibilitam que uma pessoa tenha acesso a essa educação. 

    “É preciso considerar as discrepâncias de gênero, de raça e as distorções de idade e série. É preciso ver quantos estudantes trabalham e o porquê. Como estão as condições familiares dessas crianças e jovens, sem isso, não podemos ter uma educação democrática”, avalia a docente. 

    A especialista declara que, a lógica mercadológica da educação vista, inclusive, no Novo Ensino Médio, leva à juventude não ser percebida em suas vulnerabilidades. Para ela ter uma boa gestão do país passa também por eliminar a lógica do privilégio. “Ninguém aprende com fome, doente e sem lugar para morar”, pontua.

    “Não acreditar no engodo da meritocracia, do empreendedorismo e ter uma educação antirracista, sobretudo, é fundamental para que possamos munir a juventude das ferramentas para lutar contra o sistema que quer excluí-los, que quer eliminá-los”, declara a especialista. 

    Impacto para a População Negra 

    De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no fim de 2021, cerca de 244 mil crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos estavam fora das escolas no Brasil. Neste ano, os dados registraram um crescimento de 171,1% na evasão escolar em relação a 2019. 

    A Pnad Contínua da Educação 2019 mostrou que dos 10 milhões de jovens brasileiros entre 14 e 29 anos de idade que deixaram de frequentar a escola sem ter completado a educação básica, 71,7% são pretos ou pardos.

    Alex Kaially, de 26 anos, é morador do município de Girassol, no interior do Goiás (GO). O jovem, que é filho de diarista, sentiu muita dificuldade na escola pela falta da presença da família. “Eu aprendi a ler com a minha mãe. Ela não sabia muito, mas me ensinou”, diz. 

    Kaially reprovou duas vezes durante o ensino básico. “Eu enfrentava muitas dificuldades”, resume. Começou a trabalhar aos 17 anos, em um lava-a-jato, logo passou para um trabalho em uma rede de fastfood em um shopping. Na época, começou a estudar Gestão de Recursos Humanos em uma faculdade privada. 

    “Era tão corrido que eu chegava tarde da faculdade e não sabia se tomava banho ou jantava. Eu não tinha tempo. Só dormia e acordava às 4h da manhã”, contou.

    Atualmente, ele tem um regime que o faz trabalhar 48 horas ininterruptas. É cuidador de idosos autônomo e não tem tempo para planejar uma carreira que necessite de horas de estudos. Como jovem negro, ele alega que a maior dificuldade é a “política da exclusão”. 

    “Sendo negro e periférico eu não tenho condições de estudar, de ter uma rotina mais livre. Eu trabalho por necessidade, moro sozinho e preciso me manter. Passo 5 horas dentro do ônibus diariamente. O sistema já exclui a gente”, relata. 

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  69. Projeto de Lei prevê aposentadoria para donas de casa com mais de 60 anos

    Alzira Santana, de 63 anos, mora na região de Ceilândia, em Brasília, e durante toda a sua vida sonhou em ser enfermeira.  A carreira precisou ser colocada em segundo plano devido aos cuidados domésticos e maternidade. Ela teve seis filhos e hoje sonha com a aposentadoria que não pode solicitar por não ter o período de contribuição suficiente para a previdência.

    Mulher negra, Alzira é uma das milhões de mães solo que não conseguiram contribuir com a previdência durante a vida por exercer uma função não remunerada: ser mãe e dona de casa. “Minha vida era cuidar da casa, das crianças, do marido. Não tinha tempo para mais nada. Depois que eu me separei comecei a estudar, mas não me aposentei ainda”, disse.

    O Projeto de Lei 2757/21, intitulado "Cuidado Materno Também é Trabalho", da deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), visa a aposentadoria em um salário mínimo por cuidados domésticos, computando, também, o tempo de licença maternidade. O direito poderá ser garantido às mulheres com mais de 60 anos que não possuem os anos de contribuição necessários.

    Na Câmara dos Deputados, a proposta passa por uma campanha para conquistar as 257 assinaturas que garantem a aprovação do requerimento de urgência. “A nossa luta é por uma divisão social do trabalho mais justa e igual, mas enquanto isso não acontece o mínimo que podemos fazer é garantir aposentadoria às mulheres, principalmente negras, que já trabalharam a vida inteira sem receber por isso”, declara a parlamentar.

    Segundo o levantamento da Oxfam “Tempo de Cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago”, os 22 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza do que todas as mulheres da África. O estudo mostra ainda que mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado – uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global – mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.

    Além de muitas vezes fazerem dupla jornada, geralmente são as mulheres que abrem mão do emprego ou da qualificação profissional para conseguirem manter a estrutura da casa funcionando. “Muitas deixam de contribuir com a Previdência, sendo as mulheres negras e pobres as mais atingidas também nessa estrutura tão desigual. Aquelas que são mães geralmente trabalham mais, e sobretudo as mães solo - 11 milhões de mulheres no Brasil”, afirma Talíria.

    Atualmente o projeto foi apensado ao PL 2647/21, da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) que também dispõe sobre a contagem de tempo de serviço, para efeitos de aposentadoria, das tarefas assistenciais de criação de filhos e filhas biológicos ou adotados. As matérias aguardam o parecer da relatora, a deputada Tereza Nelma (PSDB-AL), na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER). 

    De acordo com Amélia Cardoso, de 62 anos, moradora da região de Samambaia, na capital federal, a aposentadoria é um direito que trará dignidade. “Esse é o maior sonho que eu tenho, que eu tenha uma velhice com o mínimo de dignidade”, conta a mulher que trabalha como camelô no centro de Brasília. Ela tem quatro filhos e passou a maior parte da vida precisando se desdobrar entre cuidar das crianças, do esposo e trabalhar como servente em escolas e hospitais.

    O projeto de lei é inspirado no PL aprovado dia 19 de julho de 2021 na Argentina denominado “Programa Integral de Reconhecimento de Tempo de Serviço por Tarefas Assistenciais”, que concede o direito para mulheres com 60 anos de idade ou mais que não completaram o tempo necessário de atuação no mercado de trabalho para se aposentar devido às tarefas da maternidade. O projeto criado no país vizinho também amplia o direito às trabalhadoras com carteira assinada, possibilitando que o tempo da licença-maternidade seja incorporados à contagem do tempo de serviço.

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  70. Como o Direito pode ser um aliado da luta antirracista?

    “A justiça é o direito do mais fraco”. A frase, do pensador francês Joseph Joubert, nem sempre reflete a realidade, ainda mais quando se trata de Brasil, país que possui uma taxa de 40% de pessoas presas injustamente, que aguardam julgamento para serem inocentados, de acordo com o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege). O perfil desses presos é majoritariamente composto por jovens negros, que representam 83% dos casos.

    Diante desse cenário, se faz necessário que o direito seja uma ferramenta aliada à luta antirracista para minimizar as desigualdades raciais no campo jurídico, afinal, quem mais busca defesa pública é justamente a população negra e periférica, de acordo com Defensoria Pública de São Paulo.

    O órgão explica que o perfil socioeconômico dos usuários dos serviços da Defensoria Pública é de pessoas que tenham, em regra, renda não superior a três salários mínimos por mês. Quanto ao perfil racial, a Defensoria Pública atende mais pessoas autodeclaradas pretas e pardas, em comparação às brancas e amarelas.

    “Tomando por base os dados que ainda serão oficialmente publicados pela Ouvidoria-Geral, coletados em entrevistas feitas por telefone entre os meses de fevereiro e março de 2022, estima-se que a Defensoria Pública atende 1% de pessoas autodeclaradas amarelas, 43% brancas, 39% pardas e 16% pretas. Não foram computados dados relativos a etnias indígenas”, afirma.

    Herança histórica

    A desigualdade no Brasil é histórica e sistêmica e tem na população negra sua maior vítima. Ainda que correspondam a pouco mais da metade da população (56%), são a maioria das pessoas assassinadas (78%), das vítimas de latrocínio (64%) e de feminicídio (61,8%), segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

    Todavia, o povo preto brasileiro está sobrerrepresentado no sistema penitenciário nacional, dado que 66% das pessoas encarceradas são negras, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) – número que pode ser ainda maior, pois não há dados sobre raça e cor de mais de 20% desta população.

    “O racismo estrutural e as desigualdades exigem respostas em todas as esferas da sociedade, o que inclui a justiça criminal e o Direito. O judiciário tem, portanto, um papel fundamental na promoção da equidade e no enfrentamento destas questões, assegurando a plena aplicação das diretivas constitucionais”, aponta o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luís Lanfredi, em nota enviada ao CNJ.

    Na obra Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil, a filósofa brasileira Sueli Carneiro pontua que a naturalização da desigualdade de direitos está ligada ao período de escravização no Brasil e à abolição “inconclusa”. O resultado desse processo, segundo ela, criou políticas de exclusão, obstáculos para o acesso da população negra à educação formal, ao mercado de trabalho e à participação política.

    “Como é sabido, o Brasil foi o último país do mundo a abolir o sistema escravocrata, estrutura essa que, combinada com a ausência de políticas públicas de inclusão de pessoas negras à sociedade ou ainda medidas de reparação histórica, é uma das principais causas das desigualdades sociais sofridas pelos negros e negras, que são maioria entre a população que vive em situação de extrema pobreza”, avalia Caroline Ramos, vice-presidente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB-SP.

    A advogada salienta ainda que o sistema escravocrata e o respectivo processo de abolição foram instituídos e regulamentados pelo Estado, o que não o exime de responsabilidade com esse grupo.

    “Da mesma forma, são diversas as políticas públicas existentes que também são regidas pela legislação e amplamente discutidas no Poder Judiciário, de forma que a atuação jurídica se mostra necessária em qualquer área do Direito, por meio da qual se possa alcançar a equidade de direitos, historicamente negada à população negra”, completa a vice-presidente.

    “Defender uma pessoa negra é muitíssimo difícil”

    Para o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), representado pelos advogados Marcela Cardoso, Monalisa Castro e Ítalo Lima, o Direito tem um imenso potencial contra-hegemônico, quando utilizado estrategicamente pelos movimentos sociais em suas pautas.

    “No arcabouço do ordenamento jurídico temos diversas lacunas que podem ser preenchidas por interpretação axiológica dos princípios constitucionais, tratados e convenções internacionais os quais foram ratificados pelo Brasil”, afirmaram os representantes do IDPN.

    O Instituto acredita que, a partir da compreensão de que o Direito serve como um instrumento de manutenção das hierarquias de raça, gênero e classe, essa mesma ferramenta tem o dever de questionar, levantar contradições e utilizar as próprias lacunas do poder, principalmente para a defesa da população negra e periférica.

    “Em uma sociedade de hierarquização racial, onde a escola positivista está enraizada dentro do judiciário, de nossas polícias, instituições e sociedade, e que leva a enxergar as pessoas negras como potenciais criminosos, perigosos, pessoas propensas a reincidir, defender uma pessoa negra é muitíssimo difícil, pois o julgador já está predisposto e efetivamente convencido da culpabilidade do réu, de um olhar que o desumaniza”, ressalta o Instituto.

    “Para defender pessoas brancas temos que nos focar no fato, ao caso especificamente, e suas consequências jurídicas. No entanto, para pessoas negras, temos que, antes mesmo de nos ater à discussão processual, focar em humanizar aquele corpo, individualizar aquela pessoa, para além da pré-concepção do julgador, imbuída do racismo”, complementa.

    Advogados negros não estão isentos da desigualdade racial

    “É evidente que advogadas e advogados negros sofrem racismo diariamente. Toda esta estrutura impede que a sociedade olhe para um advogado negro como qualquer outro profissional capaz de exercer a profissão com a qualidade esperada”, salienta o IDPN.

    Dados publicados no site Conjur (Consultor Jurídico) e levantados pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) apontam que apenas 1% dos advogados que trabalham nos grandes escritórios de advocacia do Brasil são negros.

    Para o jurista Danilo Costa, idealizador da plataforma Pretos no Direito – voltada à divulgação de vagas de emprego para profissionais negros –, na era atual da diversidade, alguns dos grandes escritórios utilizam o “selo de inclusão”, a fim de cumprir uma cota de contratação de pessoas negras e evitar críticas.

    “Somos lidos como a representação da diversidade, a cota, como quiser chamar. A realidade é que isso, de certa forma, aos poucos vai mudando a cor predominantemente dos locais de trabalho, mas a luta machuca, cansa”, desabafa.

    “Temos sempre que olhar o copo meio cheio. A formação em Direito não muda a cor da pele, o preto sempre vai ser preto. O racismo chega de forma velada tanto do empregador quanto do cliente. Sempre temos que nos provar mais do que outros profissionais”, completa Danilo Costa.

    O advogado acrescenta ainda que para alguns escritórios e empresas, é necessário rever o esquema de contratação, pois – segundo ele – algumas exigências de processos seletivos servem para excluir pessoas negras.

    “Por muitas vezes, exigem na seleção candidatos de universidades específicas, algumas especializações ou ainda fluência em outras línguas, sendo que tais requisitos não são para o trabalho a ser desempenhado e, sim, para cortar candidatos que não atendem ao ‘padrão’ do escritório”.

    O Instituto de Defesa da População Negra aponta ainda que a falta de representatividade negra em grandes escritórios de advocacia evidencia a desigualdade socioeconômica e racial também no mundo do Direito.

    “Neste caso, fica evidente o racismo institucional: o modo como as instituições se organizam e atuam e a adoção de determinadas práticas contribui para o aumento das desvantagens que afetam significativamente grupos raciais socialmente marginalizados. Assim, todas as instituições acabam por reproduzir esta relação de poder e subjulgam pessoas negras”, explica o IDPN.

    Dos 61 cargos de liderança da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por exemplo, 28 são ocupados por pessoas do gênero feminino e 33 do gênero masculino. No caso do gênero feminino – quanto à etnia/raça/cor – uma profissional se declarou amarela, 25 brancas, nenhuma parda e duas pretas. Quanto ao masculino, nenhum se declarou amarelo, 30 brancos, dois pardos e um preto, segundo o órgão.

    Ações afirmativas

    Para o Instituto de Defesa da População Negra, para utilizar o Direito como aliado à luta antirracista é necessário, primeiramente, desconstruir os estereótipos dirigidos à população negra.

    “Existem bons e maus profissionais, independente da cor, mas esse julgamento prévio só acontece com pessoas negras. Outro ponto importante é a conscientização de que não houve política pública para pessoas escravizadas, o que impacta ainda hoje, já que seus descendentes ainda convivem com o descaso do Estado. De maneira geral, podemos dizer que a sociedade tem ciência do ocorrido, mas falta consciência para se responsabilizar e transformar esse cenário”, comenta.

    A vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP, Caroline Ramos, pontua que um dos primeiros atos da atual gestão foi a aprovação por unanimidade da Carta Compromisso, na qual foram estabelecidos objetivos a serem alcançados pela entidade. Dentre eles, está a instituição de cotas, de no mínimo 30%, que interseccionem gênero e raça e que vinculem todas as esferas da Secional, aplicáveis, dentre outros, às composições de diretorias, conselhos e direção de comissões, e às Escolas Superiores da Advocacia, entre diretorias, coordenações, corpo docente, instrutoras(es) e palestrantes.

    Além disso, Caroline Ramos destaca que em 89 anos de história, a OAB-SP elegeu a primeira mulher como presidente da instituição. “Se por um lado esse dado revela o quanto ainda precisamos evoluir, por outro mostra o anseio pela mudança”, avalia a jurista. Ano passado também foi aprovada uma resolução em âmbito nacional visando estabelecer a paridade de gênero e cotas raciais nas eleições da OAB, que já teve validade para o último pleito.

    “A garantia da paridade de gênero e reconhecimento do direito às cotas raciais garante a reparação e inclusão necessárias dentro de uma instituição que tem como missão a defesa dos direitos humanos e justiça social. Uma instituição com tamanha responsabilidade deve refletir internamente os valores e mudanças que pretende no sistema de justiça”, pontua a vice-presidente.

    A OAB-SP comenta ainda que uma das demandas da comunidade negra era que fosse realizado o Censo da Advocacia Paulista, com referência expressa à autodeclaração de etnia de seus componentes. Entretanto, esse processo ainda não foi finalizado, de modo que ainda não é possível ter acesso a aos dados raciais.

    A Defensoria Pública de São Paulo, por sua vez, afirma que a instituição conta com o Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, coordenado atualmente pelo defensor público Vinicius Conceição Silva, que elabora estudos, materiais de consulta pública gratuita e pareceres sobre perspectivas antirracistas de atuação institucional.

    O órgão também adotou mecanismos de combate ao racismo dentro da instituição e prevê percentual de vagas reservadas para negros e índígenas, pelo critério da autodeclaração, bem como para pessoas com deficiência, pessoas trans e mulheres em situação de violência doméstica e familiar. O mesmo mecanismo também é adotado para o concurso público de ingresso nas carreiras da instituição.

    “Do ponto de vista externo, a atuação judicial e extrajudicial da Defensoria Pública busca estar pautada pela perspectiva antirracista, conhecendo as particularidades das abordagens policiais e do Sistema de Justiça às pessoas negras, como o conhecido reconhecimento fotográfico, que é amplamente combatido por gerar elevado grau de erros oriundos da concepção racista de quem os realiza”, comenta.

    O IDPN finaliza afirmando que apesar de ações afirmativas já existentes, não se pode esquecer que o Brasil é um país “fundado no racismo”. “Em razão disso, é preciso discutir a raça e o racismo em toda esfera da sociedade brasileira. Por isso destacamos a importância da efetividade das políticas afirmativas. Esse é um dos focos do IDPN, a formação de advogadas e advogados negros, auxiliando tanto na capacitação como oferecendo serviço gratuito de qualidade ao povo preto”.

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  71. Mulheres ocupam 60% das moradias precárias no Brasil

    “É de extrema importância entender que as mulheres negras e periféricas são as mais afetadas com a falta de moradia e moradia inadequada, e que esse problema tende a ser muito mais severo nas regiões Norte e Nordeste do país”, aponta Raquel Ludermir, doutora em Desenvolvimento Urbano, coordenadora nacional de incidência política da ONG Habitat para a Humanidade Brasil.

    Para ela, entender os efeitos das discriminações e desigualdades interseccionais no acesso e nas condições de moradia é um passo fundamental para construção de políticas públicas que respondam à real necessidade da população, pois segundo informações da Fundação João Pinheiro (FIP), o déficit habitacional brasileiro também é uma questão de gênero, que acomete – principalmente – as mulheres.

    Os dados da FIP mostram que, em 2021, 15 milhões de moradias inadequadas são ocupadas por mulheres, número que representa 60% dos do total no Brasil. Contudo, e a partir dessa análise, Raquel Ludermir pontua que essas dimensões muitas vezes são invisibilizadas nas estimativas e médias nacionais.

    “É justamente esse o perfil [mulheres negras e periféricas] mais afetado quando se fala, por exemplo, em quem precisa escolher entre comer ou pagar aluguel (ônus excessivo com aluguel), quem mora de favor na casa de amigos ou parentes por não ter alternativa (coabitação involuntária), ou quem precisa carregar baldes d’água na cabeça para necessidades básicas, como cozinhar e lavar roupa (carências de infraestruturas)”, salienta.

    Precariedade

    A doutora em Desenvolvimento Urbano ressalta que habitação adequada é a porta de entrada para uma série de direitos. “Olhar para o problema da moradia na perspectiva de gênero ajuda a entender que as condições de moradia das mulheres tendem a ser ainda mais precárias do que a média, e que isso tem repercussões na saúde, educação e bem estar das mulheres”.

    No entanto, as informações do relatório da FIP não são animadoras. No indicador de precariedade habitacional, por exemplo, a análise mostra que enquanto houve uma taxa de crescimento de 7% ao ano entre as mulheres em situação habitacional precária, no caso dos homens esse crescimento foi apenas de 1,5%.

    Ainda sobre a precariedade habitacional, outro número relevante é que, no Sudeste, a taxa é 67,5% feminina, ou seja, mais do que o dobro da masculina, que fica em 32,5%.

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    Raquel Ludemir pondera que é importante entender que essas desigualdades têm efeitos hoje e também ao longo das gerações, principalmente “para as mulheres, desproporcionalmente afetadas”, e suas famílias.

    “Casa é um local de descanso e de convívio familiar, funções essenciais para a saúde física e mental. Também é local de estudo e desenvolvimento humano, e, muitas vezes, local de produção, geração de renda e sobrevivência”, destaca.

    Moradia e violência doméstica

    “Em uma pesquisa recente sobre as trajetórias de moradia de mulheres residentes em assentamentos precários, pude observar como as violências – física, psicológica, moral, sexual e patrimonial – atravessam a vida das mulheres desde a infância”, afirma Raquel Ludemir

    A doutora está correta em sua análise, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. A OMS aponta que uma em cada três mulheres no mundo sofre violência doméstica. No Brasil, cerca de 80% dos casos conhecidos de violência contra a mulher são exercidos por parceiro íntimo, atual ou passado, e por parentes, como pais, irmãos, filhos, tios e sogros.

    Além disso, casos de violência são rotineiros na vida das mulheres: 43% reportam sofrer violência diariamente e 35% semanalmente, de acordo com o Dossiê da Agência Patrícia Galvão.

    “Infelizmente, ainda existem muitas mulheres que precisam tolerar esse tipo de violência por não ter para onde ir. A falta de alternativa de moradia não é a única, mas, certamente, é uma importante questão que influencia a decisão das mulheres que pretendem terminar relacionamentos abusivos. Muitas fogem de casa depois de episódios de violência aguda e buscam abrigo na casa de parentes, mas terminam voltando quando já não são mais bem vindas onde conseguiram abrigo temporário, ou quando as coisas se acalmam”, pondera Raquel Ludemir.

    A doutora em Desenvolvimento Urbano ainda salienta que algumas mulheres optam por permanecer na relação para proteger seus bens e a herança dos filhos, e/ou também por não conseguir o afastamento do agressor do local de convívio, mesmo depois de determinadas medidas protetivas.

    Além disso, outras mulheres enfrentam uma escalada da violência, que chega ao ponto de ameaças de morte, justamente quando elas tentam se separar e ficar com a casa ou bens aos quais têm direito e terminam fugindo de casa para evitar o feminicídio, de acordo com Raquel.

    “Ou seja, a violência doméstica e ameaça de morte têm sido usadas como ferramenta de despejo e despossessão das mulheres e, infelizmente, ajudado a perpetuar as desigualdades materiais entre homens e mulheres, que são a base do machismo e patriarcado”, ressalta.

    Abrigo seguro ainda é uma realidade distante

    “Uma situação marcante é quando meninas são abusadas por pais ou padrastos e saem de casa, por vezes, migrando para outras cidades, em busca de trabalho, mesmo que precário, mas que ofereça também moradia”, complementa Raquel.

    A organização Habitat Para a Humanidade Brasil aponta que no Brasil existem menos de 80 casas-abrigo para mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A política de abrigamento restringe essas vagas para mulheres em situação de risco iminente de morte. Antes do risco de feminicídio, não existe abrigamento para mulheres em situação de violência doméstica.

    Alguns estados e municípios possuem previsão para oferecer auxílio-aluguel para estas mulheres, mas tanto o valor quanto o volume de atendimento nessa modalidade são insuficientes. Em uma cidade do tamanho de São Paulo, por exemplo, apenas 32 sobreviventes receberam bolsa-aluguel, concedida pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab-SP), no primeiro semestre de 2015. Mesmo assim, o programa foi suspenso em 2016.

    “Ainda hoje, mulheres em situação de violência doméstica ainda são encaminhadas para abrigos de população em situação de rua, ou mesmo encaminhadas para casa de parentes distantes, em um sentido que é contrário à autonomia delas”, avalia Raquel Ludemir.

    Políticas públicas

    O problema da moradia no Brasil é extremamente complexo e requer políticas públicas que vão desde a melhoria habitacional, a regularização fundiária, e a implantação de infraestrutura em assentamentos precários, até a produção de novas moradias para fazer frente ao déficit habitacional no país, segundo a doutora em Desenvolvimento Urbano.

    Para ela, em todas essas medidas, é importante priorizar os grupos historicamente vulnerabilizados, como as mulheres, população negra e de baixa renda.

    “Considerando as relações entre violência doméstica e moradia, é urgente ampliar o serviço de abrigamento para atender mulheres vítimas de violência antes que elas estejam diante do risco de feminicídio, e garantir a efetividade de medidas protetivas para as mulheres que desejam e têm o direito de permanecer na casa onde conviviam com o agressor”, complementa.

    Raquel avalia ainda que também é importante que as mulheres, e os operadores da rede de atendimento à vítima de violência, entendam que perder parte de uma casa (ou terreno) na separação – ou na partilha de herança –, ter direitos sucessórios negados ou diminuídos, quando pais priorizam filhos em detrimento das filhas na antecipação de herança, por exemplo, constituem a violência patrimonial contra a mulher, já prevista na Lei Maria da Penha desde 2006.

    “Muitas mulheres desconhecem seus direitos de propriedade e, portanto, não conseguem identificar quando estão expostas a este tipo de violência patrimonial”, complementa.

    Contudo, a doutora lamenta que nos últimos anos, houve um desmonte das políticas urbanas e de habitação no Brasil. Em 2021, por exemplo, mesmo durante a pandemia, o Governo Federal cortou 98% dos recursos para a produção de moradia para a população de baixa renda, enquanto a população em situação de rua, os despejos, e as remoções forçadas não pararam de crescer.

    Para ela, “o resultado das eleições presidenciais será determinante para a luta pelo direito à cidade. Nós da Habitat para a Humanidade Brasil continuaremos produzindo informações e fortalecendo territórios, denunciando violações de direitos, e incidindo por políticas públicas que visem cidades mais justas, sustentáveis e democráticas”, finaliza.

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  72. SP é o estado que menos cumpre decisão do STF contra despejos na pandemia

    Em desabafo nas redes sociais, o balconista Vitor Lopes mostrou indignação sobre a situação de sua família, moradora da Vila Couto, no município de Cubatão, em São Paulo. Após 13 anos vivendo na casa construída pelos pais, todos viram a moradia ser demolida no dia 10 de fevereiro, após a empresa ferroviária Rumo Logística iniciar processo de reintegração de posse do terreno onde estava localizada. O caso acontece mesmo com a proibição feita pelo STF de despejos durante a pandemia desde junho de 2021.

    A empresa Rumo administra o transporte férreo na região e está com projeto de obras no perímetro. As reintegrações de posse acontecem com a justificativa de respeito à distância de 15 metros da ferrovia prevista por lei como faixa não edificável por medida de segurança.

    O pedido liminar para reintegração de posse das áreas ocupadas foi deferido em 23 de novembro de 2020. Segundo a concessionária, vistorias no local e contatos com os moradores da área foram feitos em dezembro de 2020, além de fevereiro e novembro de 2021. O caso foi paralisado por conta do avanço da pandemia e, no começo deste ano, a família recebeu notificação sobre a demolição das casas. Entraram em contato com um advogado, mas não conseguiram revogar a liminar da empresa.

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    Casa de Vitor Lopes antes de ser demolida | Crédito: Acervo pessoal

    “Não quiseram nem entrar em um acordo, falaram para o juiz que a gente morava em barraco. A prefeitura não nos ajudou em nada. A família do meu irmão também foi retirada”, comenta o balconista. Lucas Miguel Lopes da Silva, irmão de Vitor, tinha sua casa localizada na parte de trás do terreno dos pais e também foi destruída.

    De acordo com documento que pediu a revogação da liminar feito por advogado, a família não foi inserida em nenhum programa social da prefeitura, que não tinha ciência da ação. A empresa ferroviária ofereceu uma garantia processual para as famílias impactadas de R$6 mil, mas os pais de Vitor não receberam a quantia até o fechamento deste texto.

    Além disso, o documento ressalta que há 12 famílias que se encontram na mesma faixa de domínio operacional e possivelmente serão atingidas pelo cumprimento da medida liminar. O caso é um reflexo das muitas pessoas que continuam perdendo suas casas mesmo durante a pandemia.

    Suspensão de despejos durante a pandemia não é cumprida integralmente

    Está em vigor, até 31 de março de 2022, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF) 828, medida cautelar julgada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso que suspende os despejos, desocupações de imóveis e as desocupações coletivas em decorrência da pandemia, seja em área urbana ou rural.

    A ação foi proposta no ano passado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tendo como amicus curiae (amigos da corte) Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Terra de Direitos e outras organizações. Mesmo com a ADPF, os despejos continuam a acontecer.

    Daisy Ribeiro, assessora jurídica popular da Terra de Direitos e integrante da Campanha Despejo Zero, reforça que muitos juízes e gestores públicos têm desrespeitado as normas de saúde e realizado essas remoções durante a pandemia.

    “Isso ocorre por uma priorização equivocada da propriedade frente à vida das pessoas, mesmo num cenário de múltiplas crises. Caso as decisões do STF sejam desrespeitadas, é possível que as famílias utilizem o recurso das Reclamações Constitucionais”, pontua.

    De acordo com dados do levantamentorealizado pelo Insper, a justiça de São Paulo é a que menos cumpre decisão do STF sobre despejos na pandemia, concentrando mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo por descumprimento da ADPF. Até 30 de janeiro de 2022, segundo o estudo, 53 das 102 decisões do STF que determinam a suspensão de despejos na pandemia são de ações originárias de São Paulo. Logo depois vem o Distrito Federal representando 7 decisões e o Rio de Janeiro com 6 decisões. 

    De acordo com Bianca Tavolari, professora do Insper e pesquisadora do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (CEBRAP), alguns fatores podem ser apontados para o motivo de São Paulo liderar essa posição.

    “A primeira coisa é o acesso à justiça. Em SP, há um sistema de defensorias públicas e um acesso à justiça bastante consolidado. O segundo fator é que São Paulo é um dos estados com o maior número de aglomerados subnormais, que é a classificação do IBGE para favelas, cortiços e ocupações que são irregulares do ponto de vista do direito formal. Então, há uma quantidade muito grande de conflito em torno de terra e ocupação”, explica a professora.

    Ainda de acordo com Bianca, deve-se levar em consideração que pode acontecer de alguns lugares terem muitos conflitos também, mas não conseguirem acessar o judiciário e isso não se refletir no STF.

    “A terceira coisa que a gente precisa levar em consideração, mas que a gente não tem dados para comprovar é que pode ser que nos outros estados não se tenha tantas reclamações enviadas ao Supremo, porque juízes e juízas, desembargadores e desembargadoras da Primeira e da Segunda Instância não estão negando a ADPF”, pontua Bianca.

    O levantamento do Insper ainda indica que, ao menos, 24.623 pessoas foram protegidas das reintegrações de posse, despejos e remoções por meio de reclamações enviadas ao STF pelo descumprimento da medida cautelar.

    Os novos dados divulgados pela Campanha Nacional Despejo Zero também revelam que, até fevereiro de 2022, mais de 132.290 famílias estão ameaçadas de remoção pelo Brasil durante a pandemia. Além disso, mais 27.600 foram removidas mesmo durante a crise sanitária.

    Reintegrações de posse em áreas de risco

    Em relação ao caso da família Lopes, o vereador da cidade de Cubatão/SP Rafael Tucla (PP) tomou conhecimento ao assistir o desabafo do balconista nas redes sociais.

    “Sensibilizado com a situação abrupta sem conceder valores justos para indenização, acionamos os demais vereadores e pedimos que o objeto da comissão recém formada (Comissão Especial de Vereadores) fosse ampliado para também apurar as possíveis irregularidades e injustiças na forma abrupta em que agiu o governo municipal”, declara.

    “Vamos continuar atuando para que as famílias inicialmente removidas sejam indenizadas e assistidas, bem como, para que as demais famílias do bairro, que terão seus imóveis afetados, tenham suas respectivas reparações. Entendo que uma ampliação da malha ferroviária deve trazer o progresso por onde passa, todavia o progresso não isenta a referida empresa de suas responsabilidades sociais e jurídicas”, pontua o vereador.

    Em nota, a empresa Rumo informa que a companhia procura impedir e retirar ocupações irregulares da faixa de domínio para garantir a segurança da operação e, principalmente, das pessoas. “A preservação dessa faixa é uma obrigação decorrente do contrato de concessão firmado com o governo federal. Trata-se de uma área que deve ficar livre de qualquer tipo de ocupação, garantindo assim a segurança da comunidade e da operação ferroviária”, pontuam.

    Segundo a empresa, a ADPF 828 não se aplica à reintegração de posse em faixas de domínio da ferrovia em razão da segurança das pessoas expostas ao risco de desastre ferroviário. A nota também informa que as famílias foram cientificadas com antecedência da ordem de reintegração e tiveram um prazo para desocupação voluntária. “A ação teve a presença de uma assistente social e contou com um caminhão e montadores de móveis para apoio às famílias”, diz a nota.

    A Alma Preta Jornalismo também entrou em contato com a prefeitura do município de Cubatão, mas até o fechamento do texto, não teve um retorno.

    Leia mais: Mulheres negras chefiam maioria das famílias com risco de despejo em comunidade do Recife

    Segundo Benedito Roberto Barbosa, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e membro da Campanha Despejo Zero, quando o ministro Barroso aprovou a liminar da ADPF 828 estabeleceu três exceções: nos casos de ocupações ou invasão de terras indígenas, em flagrante ocupação de áreas consideradas de risco e em áreas ocupadas também pelo crime organizado e por milícias.

    “Embora haja essa exceção na ADPF, não significa que você não pode demandar da justiça proteção do Estado para essa família ameaçada ou em situação de risco. No Brasil, o setor imobiliário, as prefeituras e o próprio poder público de uma forma geral têm utilizado o argumento do risco para despejar as pessoas. É necessário também pensar e analisar caso a caso, denunciar junto ao Supremo Tribunal Federal e ao judiciário de uma forma geral essa situação e ao mesmo tempo solicitar proteção do estado”, explica o advogado.

    De acordo com a advogada Daisy Ribeiro, qualquer medida em área de risco deve sempre obedecer a Lei 12.340/2010 e as Resoluções n. 10/2018 e Resolução n. 17/2021 do CNDH.

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    Prorrogação da ADPF 828

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Na última quinta-feira (17), foram programadas manifestações para prorrogação da ADPF em todo o Brasil | Crédito: Reprodução/ PCdoB

    Apesar do avanço da vacinação contra a covid-19, a crise social continua e tem aumentado. A população em situação de rua da capital paulista cresceu 31% nos últimos dois anos, segundo dados do Censo da População em Situação de Rua de São Paulode 2021. De acordo com o Plano Municipal de Habitação, de 2016, a cidade de São Paulo precisaria de 358 mil novas moradias para zerar seu déficit habitacional.

    “Nós estamos vendo os efeitos deletérios da pandemia principalmente na economia de um modo geral. Diante disso, acredito eu que nós teremos, sim, a prorrogação da ADPF, diante dessa situação”, ressalta Gleibe Pretti, professor de Sociologia da Estácio.

    Carmen Silva, coordenadora do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) - que coordena cinco ocupações e um empreendimento - conta que as ocupações organizadas pelo movimento também sofrem ameaças de despejos e reintegrações de posse durante a pandemia. “Por mais que sejam ocupações antigas, os processos de reintegrações vão sendo movimentados”, explica.

    Já próximo ao fim da prorrogação da ADPF 828, a Campanha Despejo Zero chamou as pessoas às ruas em todo o Brasil na última quinta-feira (17) para pedir mais uma prorrogação da suspensão dos despejos e seguir lutando por políticas públicas de habitação.

    “Nós da Campanha Despejo Zero esperamos que o STF estenda o prazo, reconhecendo que a pandemia não acabou e a crise social permanece grave, impactando famílias já hipervulneráveis”, destaca a advogada Daisy Ribeiro.

    A professora do Insper Bianca Tavolari pontua que se o STF não prorrogar o prazo, não há nenhuma outra proteção contra despejos e remoções.

    "A gente tinha uma Lei que foi aprovada no ano passado (Lei 14.216/2021), só que o prazo da Lei foi 31 de dezembro, então já acabou. A gente tem algumas normas estaduais, mas em âmbito federal a gente só tem a ADPF, por isso essa decisão do Supremo é tão importante, porque ela pega conflitos urbanos e rurais”, finaliza a professora.

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  73. Doria não cumpre promessa de ajudar vítimas de deslizamentos em Franco da Rocha

    As famílias vítimas do deslizamento de terra em Franco da Rocha, Região Metropolitana de São Paulo, aguardam há 41 dias o governador João Doria (PSDB) cumprir sua promessa de ajuda financeira para as obras emergenciais na rua São Carlos, no bairro do Parque Paulista, onde morreram 18 pessoas no dia 30 de janeiro, após um deslizamento de terra que deixou centenas de famílias desalojadas.

    Doria esteve no local no dia 3 de fevereiro e prometeu que seriam destinados à cidade R$ 3 milhões para apoio as vítimas e obras de infraestrutura, além dos R$ 5 milhões que já tinham sido prometidos no dia 30 de janeiro, quando o governador disse que seria criada uma força-tarefa para socorrer as cidades mais atingidas pelas chuvas do início deste ano.

    Segundo a Prefeitura de Franco da Rocha, ainda não chegou a primeira parcela da ajuda estadual para a realização das obras emergenciais de infraestrutura na rua visitada pelo governador do estado.

    Ainda segundo a grestão municipal, as obras que estão em andamento, por enquanto, usam recursos do próprio município no programa “Reconstrói Franco”. Os serviços são de tapa-buraco, poda de árvores, limpeza de rios e córregos, cata-treco, reconstrução de galerias e paisagismo. Ao todo, a prefeitura investe R$ 20 milhões juntamente com R$ 2 milhões da Defesa Civil, órgão do governo do Estado.

    Além de Franco da Rocha, o governador Doria anunciou ajuda para os municípios de Arujá (R$ 1 milhão), Francisco Morato (R$ 2 milhão), Embu das Artes (R$ 1 milhão), Várzea Paulista (R$ 1 milhão), Campo Limpo Paulista (R$ 1 milhão), Jaú (R$ 1 milhão), Capivari (R$ 1 milhão), Montemor (R$ 1 milhão) e Rafard (R$ 1 milhão).

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    O governador João Doria durante coletiva de imprensa em Franco da Rocha no início de fevereiro. | Foto: Governo de São Paulo

    Auxílio financeiro às famílias atingidas

    No começo de março, a Câmara dos Vereadores de Franco da Rocha aprovou um auxílioemergencial temporário batizado de “Força Franco” para atender as famílias desalojadas.  Até o dia 13 de março, de acordo com a prefeitura, foram feitos 283 requerimentos para o novo benefício e 128 já foram aprovado. As primeiras famílias começaram a receber o auxílio no dia 9.

    A meta é atender cerca de 3.500 famílias. Nos finais de semana, a prefeitura também faz mutirões de cadastramento. Ao longo da semana, os pedidos de cadastro podem ser feitos no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS).

    O piso do Força Franco é de R$ 300 e será adicionado R$ 50 para cada integrante da família menor de 18 anos ou maior de 60 anos. Caso a família seja monoparental (mães ou pais que sustentam a casa sozinhos), será acrescentado o valor de mais R$ 50. O teto é de R$ 600. O benefício é de três parcelas e pode ser prorrogado por mais três.

    As famílias que ficaram desalojadas por conta dos deslizamentos também têm direito ao auxílio-aluguel. A prefeitura cadastrou as famílias, porém, passados 45 dias da tragédia do dia 30 de janeiro, ainda existem moradores que se cadastraram, mas não receberam nenhuma parcela do benefício.

    Edcarlos Prospero teve a casa condenada por conta do risco de desmoronar e fez o cadastro para o auxílio-aluguel no dia 15 de fevereiro.

    “Disseram que iria sair em sete dias. Dois funcionários da prefeitura foram até a minha casa fazer a checagem e mesmo assim ainda não recebi nada. Estou pagando R$ 600 de aluguel, R$ 200 de contas e ganho só o piso do INSS. Tive que me endividar e atrasar outras contas”, conta o morador de Franco da Rocha, que tem quatro filhos pequenos e ainda vai ter que passar por uma cirurgia na perna por conta de um acidente sofrido antes dos deslizamentos.

    O valor do auxílio-aluguel para as vítimas do deslizamento de Franco da Rocha é de R$ 600 e segundo a gestão municipal seria pago por seis meses, renovável por mais seis meses.

    O que diz o governo de São Paulo

    A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com o Governo do Estado de São Paulo que, por meio da Defesa Civil, respondeu que já repassou R$ 2 milhões para o município de Franco da Rocha para a realização de ações emergenciais, e repassará outros R$ 6 milhões destinados às obras de contenção nos locais dos deslizamento. 

    Ainda segundo a nota enviada para a reportagem, após a prefeitura cumprir as formalidades administrativas e a documentação for aprovada, o dinheiro será liberado. A prefeitura, por sua vez, informou que vai apurar quais são as demandas que ainda estariam pendentes para a liberação dos recursos prometidos pelo governador João Doria.

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  74. Erica Malunguinho será candidata à deputada federal por São Paulo

    Erica Malunguinho, deputada estadual (PSOL-SP) e fundadora da Aparelha Luzia, será candidata à deputada federal em 2022. A decisão foi tomada na sexta-feira passada (11), depois de diálogos com a mandata quilombo, parceiros e a legenda.

    "Meu desejo é levar ao Congresso Nacional um projeto de humanidade para todo o país, em que caibam nossos anseios pretos e LGBTs e os além. Estamos vivenciando um momento histórico que demanda uma nova redemocratização do Brasil, real e profunda, sem que ninguém fique pra trás. Esse recomeço deve partir de um princípio iniciado há séculos, com a movimentação dos povos marginalizados, nossos ancestrais, que nunca se conformaram com essa posição", afirmou a deputada sobre a pré-candidatura nas redes sociais.

    A idealizadora da Aparelha Luzia recebeu 55.223 votos em 2018, quando concorreu pela primeira vez a um cargo no legislativo e foi a primeira deputada trans eleita no Brasil. Erica se destacou pela defesa dos direitos de pessoas em situação de rua, do povo negro, e pessoas trans durante o mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP).

    O PSOL tem o desejo de ampliar a bancada no congresso nacional, hoje com Luiza Erundina, Ivan Valente e Sâmia Bonfim. Há a expectativa de que Guilherme Boulos desista da candidatura ao governo do estado e também seja candidato a deputado federal. Com Boulos, o PSOL planeja ter uma figura com poder de atrair uma grande base de votos e aumentar a bancada do partido.

    Erica Malunguinho organiza uma atividade para o dia 31 de março, na Aparelha Luzia, quando pretende oficializar a pré-candidatura. O evento contará com a presença das artistas Luedji Luna e Majur. 

    A proposta de Malunguinho é ampliar o trabalho desenvolvido na Alesp, e fortalecer as lutas e tradições feitas pelas religiões de matriz africana, povos quilombolas, pessoas negras e LGBTQIA+.

    Enquanto deputada estadual, Erica enviou emendas parlamentares de R$3.345.653,00 para grupos ligados à luta LGBTQIA+, R$ 1.302.000,00 para comunidades quilombolas e R$1.250.000,00 para religiões de matriz africana.

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  75. Em poucos dias, alta do gás já ameaça renda da população negra

    Em um intervalo de apenas cinco meses, o Gás Liquefeito de Petróleo, também conhecido como ‘GLP’, sofreu um novo reajuste de 16% nas refinarias. A medida da Petrobras foi acompanhada de um aumento de 25% no preço dos combustíveis derivados do petróleo, o que gerou alta de preços em produtos como a gasolina e o diesel. O peso no orçamento dos brasileiros está ainda maior, principalmente, diante dos efeitos da pandemia e de um cenário político de crise.

    Segundo dados fornecidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), com o reajuste, o gás de cozinha passará de R$3,86 para R$4,48 o quilo. Em termos práticos, em um comparativo com o preço do mesmo produto há uma década, é possível identificar um salto. Em 2011, o preço do gás girava em torno de R$40. Hoje, em cidades como São Paulo e Pernambuco, revendedores chegam a cobrar, em média, entre R$120 a R$150, uma alta de 275% desde 2011 até 2022.

    Ainda segundo a ANP, no intervalo entre os meses de junho e novembro do ano passado - em relatório disponibilizado pela média do preço semestral do GLP - o valor do gás já chegava a R$95,63. Já de setembro até fevereiro deste ano, o valor passou para R$101,37. O que representa uma alta de 6%, apenas neste período. Os últimos dados fornecidos sobre inflação pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda reiteram que, em 12 meses, o gás de botijão acumula uma alta de 27,63%.  

    Os constantes reajustes são sentidos por pessoas como Ana Benedita. Moradora do Recife, a artista e educadora conta com as vendas dos pratos servidos em seu pequeno negócio, a Iyá Sabores. Questionada sobre como lidou com a alta, a microempresária afirma que há pouco mais de dois anos tem que fazer "malabarismos" para poder suprir as necessidades financeiras e conseguir investir em seu negócio. 

    "Não só eu, mas outras mulheres negras, mães, que trabalham e tem os seus negócios, todo mês lidam com o quebra-cabeça de como resolverão as contas não só delas, mas dos filhos, da família. É o que eu faço. Usei da minha aptidão com a cozinha para, em horários extras ao meu trabalho diário, vender minhas comidas em feiras e até em festas. O problema é que, quanto mais a gente se esforça, parece que mais obstáculos aparecem. Nós só lidamos com aumentos e aumentos e, no final das contas, esperamos que tenham clientes e que, hoje, mais do que nunca, entendam que nós precisamos do lucro", comenta. 

    O Mestre em economia e Doutor em administração, Elias Sampaio, afirma que esses tipos de aumento impactam diretamente as camadas menos favorecidas financeiramente da população do país, formado principalmente por pessoas negras. "Assim, os efeitos do aumento são devastadores, tendo em vista que em cima disso essa população enfrenta outras vulnerabilidades, como o acesso desigual ao dinheiro e aos serviços”, afirma.

    O economista aponta que os efeitos sofridos por esta população não se dá só no aumento do gás, mas em toda uma cadeia que antecede o acesso à ferramenta para cozinhar, como do valor dos combustíveis para transportes, que também é embutido no valor dos produtos e no preço dos alimentos. Como resposta à instabilidade que atinge toda uma cadeia, para Sampaio, o preço dos combustíveis no Brasil já deveria ter uma rede de proteção contra as oscilações do mercado externo há anos. 

    “Temos uma política econômica relacionada ao petróleo que é quase centenária, mesmo assim, conseguimos enxergar, do ponto de vista social, a disparidade que os efeitos da oscilação dos preços gera na vida da população, formada por pessoas que não chegam a ter acesso ao gás e que, ainda hoje, cozinham à lenha. Por isso, vejo que há uma necessidade de política pública que pense em economia consciente de que o acesso aos serviços é assimétrico, principalmente quando analisada de um ponto de vista étnico”, pontua.

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    Medidas paliativas 

    No Jardim Elba, no extremo Leste da capital paulista, o time de futebol de várzea Complexo do Jardim Elba, promoveu a terceira edição da ação social de distribuição de gás de cozinha para famílias que moram nas favelas da região. 

    Em 2020, eles conseguiram distribuir gás para 900 famílias. No ano passado, foram 417 famílias atendidas. A expectativa para este ano era aumentar a abrangência da ação, chegando a 745 famílias, porém, a alta do preço do gás mudou os planos do time.

    “Com o preço mais caro do botijão, nós conseguimos cadastrar as 745 famílias, porém, pela primeira vez, elas terão que completar o voucher do gás com mais dez reais do próprio bolso lá na revendedora. É muito triste para nós uma situação dessas, ainda mais se tratando de pessoas já com a renda extremamente comprometida”, lamenta Reginaldo Gavião, coordenador das ações sociais do Complexo da Vila Elba.

    A distribuição de gás nas favelas do extremo leste, promovida pelo time de várzea, só é possível por conta da parceria com empresas e doações. A ação que aconteceu no último domingo (13) foi apoiada pelo Banco do Brasil, Cufa, Abam (Associação dos Bananicultores de Miracatu) e Petrobras.

    “Esperamos contar com o apoio de mais empresas e mais doadores para ampliar as nossas ações sociais”, diz o coordenador do time.

    Para tentar reduzir os impactos do aumento, o Senado, na última quinta-feira (10), aprovou um projeto de lei que inclui a ampliação do número de beneficiários do Vale Gás, que aumenta de 5,5 milhões para 11 milhões de famílias assistidas pelo programa. No entanto, o recurso não recebe um aumento sobre o valor atual, suprindo apenas a metade do valor de um botijão de gás de 13kg, que, atualmente, gira em torno de R$52. 

    A medida é vista como paliativa para Elias Sampaio, que definiu como medida sem sustentabilidade e que não resolve a problemática sobre os efeitos em cadeia gerados pela oscilação dos preços dos combustíveis como uma política pública efetiva.

    “Estamos falando de uma classe política hipócrita dentro de um cenário de ano eleitoral. Medidas como essa resolvem o problema de forma pontual, apenas. A classe política que pode exercer poder sobre questões econômicas como essa não veem o Brasil como um país assimétrico. Ao que parece, brincam de políticas públicas que, no fim das contas, dialogam com classes mais abastadas. Se não houver inclusão étnica nessas discussões, políticas permanentes destinadas à pessoas negras, por exemplo, jamais serão permanentes”, finaliza. 

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  76. Além de Marielle: as lideranças negras assassinadas na história brasileira

    Há 1.461 dias, em 14 de março de 2018, a vereadora e ativista negra Marielle Franco(PSOL) foi assassinada a tiros, junto com seu motorista, Anderson Gomes, no Rio de Janeiro. Nestes quatro anos de investigação – marcados pela falta de respostas sobre o crime – o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) ainda não sabe quem matou Marielle e Anderson, muito menos tem certeza sobre a motivação do crime. 

    A suspeita do MP é de que o crime foi cometido por dois ex-policiais militares: Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. Denunciados e presos em penitenciárias federais fora do Rio de Janeiro, ambos vão a júri popular. A audiência ainda não tem data marcada para acontecer.
     

    Marielle Franco, no entando, não foi a única vítima negra engajada com a política brasileira a ser assassinada ou ser dada como desaparecida pelo Estado.Informações da Comissão da Verdade de São Paulo mostram que no período da didatura militar (1964-1985), 41 lideranças do movimento negro do Brasil sumiram ou foram mortas. Os dados ainda apontam registros de perseguição à luta antirracista até 1981, quatro anos antes do fim do regime.

    Para além do regime ditatorial brasileiro, outras figuras negras foram mortas por motivações políticas. A Alma Preta Jornalismo selecionou seis lideranças negras que foram alvo da violência, fato que custou suas vidas. Relembre casos.

    Marighella

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    Carlos Marighella, morto a tiros em novembro de 1969 | Foto: Reprodução/Acervo Nacional

    Carlos Marighella (1911-1969) é considerado um dos principais organizadores da resistência contra o regime militar, apelidado de “o inimigo número um da ditadura''. Ao todo, Marighella foi preso por quatro vezes, onde sofreu espancamentos e torturas, sendo a sua primeira experiência atrás das grades aos aos vinte anos de idade.

    Militante do Partido Comunista por 33 anos e fundador do movimento armado Ação Libertadora Nacional (ALN), a trajetória política de Marighella começou em sua juventude. Em 1932, foi preso pela primeira vez ao escrever um poema com críticas ao interventor da Bahia, Juracy Magalhães. Depois de quatro anos abandonou o curso de Engenharia Civil e se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), na época, dirigido por figuras como Astrojildo Pereira e Luís Carlos Prestes. Tornou-se, então, militante profissional do partido e foi morar no Rio de Janeiro.

    Durante a Era Vargas, foi preso por subversão e torturado pela polícia duas vezes. Até 1945 permaneceu na prisão, quando foi beneficiado com a anistia pelo processo de redemocratização do país.

    Elegeu-se deputado federal constituinte pelo PCB baiano em 1946, como um dos mais bem votados da época. Mas Marighella perdeu o mandato porque o governo Dutra cassou todos os políticos filiados a partidos comunistas.

    Impedido de atuar pelas vias legais, retornou à clandestinidade e ocupou diversos cargos na direção partidária. Convidado pelo Comitê Central, passou os anos de 1953 e 1954 na China. Em maio de 1964, após o golpe militar, foi baleado e preso por agentes das Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS) dentro de um cinema, no estado do Rio de Janeiro. Em 1965 foi libertado por decisão judicial e no ano seguinte, engajou-se na luta armada contra a ditadura e escreveu o livro “A crise brasileira”.

    Em 1967, foi expulso do PCB por divergências políticas, e, então, fundou o grupo armado Ação Libertadora Nacional (ALN), com dissidentes do partido. Essa organização participou de diversos assaltos a banco e do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em setembro de 1969, em uma ação conjunta com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Depois, o embaixador foi trocado por 15 presos políticos.

    Os órgãos de repressão da ditadura militar concentraram esforços em sua captura. Na noite de 4 de novembro de 1969, Marighella foi surpreendido por uma emboscada na alameda Casa Branca, na capital paulista. Foi morto a tiros por agentes do DOPS, em uma ação coordenada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. A morte de Marighella marcou a história da resistência armada urbana à ditadura militar no Brasil. A ALN continuou em atividade até o ano de 1974.

    Osvaldão

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    Osvaldo Orlando da Costa, morto em 1974 | Foto: Reprodução/Internet

    Em 27 de abril de 1938 nasceu Osvaldo Orlando da Costa, conhecido como Osvaldão. Homem negro, oriundo de uma família humilde de Passa Quatro, no sul de Minas Gerais, Osvaldão era o caçula de oito irmãos. Foi boxeador e tenente do Exército.

    Aos 20 anos foi para o Rio de Janeiro estudar na Escola Técnica Nacional e lá começou sua militância política. Entrou para o movimento estudantil em 1958 e se filiou ao Partido Comunista do Brasil. Em 1960, Osvaldão foi convidado para estudar engenharia em Praga, antiga Tchecoslováquia. E lá se especializou em mineração.

    Em 1966, Osvaldão retorna para o Brasil e vai para a região do Araguaia, no Pará. Na comunidade, estabeleceu laços de amizade e confiança. A relação com os ribeirinhos era tão estreita que eles o tinham como um membro da família e não como alguém de fora.

    No final da década de 1960, Osvaldão entra para a guerrilha, com o intuito de lutar contra a ditadura militar. Como conhecia bem o local, era o ativista quem orientava e guiava os novos integrantes do grupo pela região ribeirinha, além de mapear e encontrar espaços aptos para a mineração. Osvaldão extraia pedras preciosas, que ajudavam a financiar os custos com a guerrilha. Militantes e moradores da região afirmam que ele foi o primeiro a explorar o local, que mais tarde ficou conhecido como Serra Pelada.

    Com mais de dois metros de altura, porte atlético e uma pontaria implacável, Osvaldão se colocava como uma barreira contra o ataque do Exército à guerrilha. Documentos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos relatam que soldados temiam o nome do guerrilheiro. Pela importância política e simbólica, capturar Osvaldão significava o fim da guerrilha no Araguaia.

    Depois de inúmeras investidas, em 1974, um mateiro – agregado à organização militar – disparou tiros e matou o comandante da Guerrilha do Araguaia. O corpo de Osvaldão foi exposto nos vilarejos da região e durante todo o dia um helicóptero sobrevoou o Araguaia içando seu corpo, como sinal de derrota do ativista negro.

    Margarida Alves

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Em 5 de agosto de 1933, em Alagoa Grande, na Paraíba, nascia Margarida Maria Alves, figura que se tornaria um símbolo sindicalista e defensora dos direitos humanos. Ela foi uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país. Seu nome e sua história de luta inspiraram a Marcha das Margaridas, movimento criado nos anos 2000.

    Durante o período em que esteve à frente do sindicato local de sua cidade, Margarida Alves foi responsável por mais de cem ações trabalhistas na justiça do trabalho regional, tendo sido a primeira mulher a lutar pelos direitos trabalhistas no estado paraibano durante a ditadura militar.

    No dia 12 de agosto de 1983, Margarida foi assassinada com um tiro de espingarda calibre 12 no rosto. Com 50 anos, a sindicalista morreu em frente à sua casa, perto de seu marido e do filho de oito anos, que brincava na calçada.

    A investigação apurou que as denúncias de abusos e desrespeito aos direitos dos trabalhadores nas usinas da região, feitas por Margarida Alves, desagradavam os fazendeiros, que encomendaram seu assassinato.

    No entanto, apesar da repercussão, o crime não resultou na prisão dos mandantes. Em 1995, 12 anos após o assassinato, o Ministério Público chegou a denunciar quatro fazendeiros como mandantes do assassinato, entretanto, apenas um suspeito foi julgado e inocentado em 2001.

    Helenira Rezende

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Helenira Rezende, morta a tiros em setembro de 1972 | Foto: Reprodução/Movimento Feminino Popular

    Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), desaparecida desde 1972, na Guerrilha do Araguaia, quando tinha 28 anos, Helenira Resende (1944-1972) se destacou na resistência à ditadura no Brasil. Iniciou sua militância no movimento estudantil e em São Paulo se destacou como líder estudantil como vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1969.

    Foi presa em maio de 1968, no momento em que convocava colegas para uma manifestação na capital paulista. Ainda naquele ano de fortes mobilizações estudantis, foi presa novamente como delegada do 30º Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), e levada para o Presídio Tiradentes.

    Depois, foi transferida para o DOPS, onde foi jurada de morte pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Helenira foi solta por força de um habeas corpus, pouco antes da promulgação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5).

    A partir daí, passou a atuar na clandestinidade, vivendo em diversos locais até ir para a região do Araguaia, no sul do Pará, para contribuir na organização da luta armada rural contra o regime. Usando o codinome “Fátima”, fez trabalho político e ajudou a preparar a Guerrilha do Araguaia.

    No dia 29 de setembro de 1972, Helenira acabou sendo ferida a tiros e metralhada nas pernas, numa emboscada feita por fuzileiros navais. Recusou entregar a localização de seus companheiros aos militares, e acabou sendo torturada e morta.

    O “Relatório Arroyo”, escrito pelo dirigente do PCdoB Angelo Arroyo, que escapou ao cerco militar à região em 1974, descreveu sua morte da seguinte forma:

    “No dia 29 de setembro, houve um choque do qual resultou a morte de Helenira Resende. Ela, juntamente com outro companheiro, estava de guarda num ponto alto da mata para permitir a passagem, sem surpresas, de grupos do destacamento. Nessa ocasião, pela estrada vinham tropas. Como estas achassem a passagem perigosa, enviaram ‘batedores’ para explorar a margem da estrada, precisamente onde se encontrava Helenira e o outro companheiro”.

    “Este, quando viu os soldados, acionou a metralhadora, que não funcionou. Ele correu e Helenira não se deu conta do que estava sucedendo. Quando viu, os soldados já estavam diante dela. Helenira atirou com uma espingarda 16. Matou um. O outro soldado deu uma rajada de metralhadora que a atingiu. Ferida, sacou o revólver e atirou no soldado, que deve ter sido atingido. Foi presa e torturada até a morte”.

    Binho do Quilombo

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Binho do Quilombo, morto a tiros em setembro de 2017 | Foto: Divulgação

    Mais recentemente, o alvo foi o militante negro e quilombola conhecido como “Binho do Quilombo”. No dia 19 de setembro de 2017, o líder do quilombo Pitanga dos Palmares, na Bahia, foi alvejado dentro de seu carro, após deixar seu filho na Escola Municipal Nova Esperança, em Simões Filho.

    Testemunhas afirmam que um carro branco parou do lado do veículo da vítima e, sem sair de dentro do automóvel, o atirador disparou cerca de 14 tiros contra Binho, que não teve tempo de reagir. O quilombola tinha 36 anos quando foi assassinado, deixando esposa e três filhos.

    Leia também: ‘Quilombolas no Censo 2022: 'Invisibilidade nos tira o direito de viver de forma digna nos territórios'

    O crime até hoje segue sem solução, mas a suspeita é que o assassinato tenha sido motivado por disputas territoriais nas terras do quilombo Pitanga dos Palmares, região metropolitana de Salvador, onde Binho representava uma das lideranças mais ativas.

    Môa do Katendê

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Mestre Môa do Katendê, morto a facadas em 2018 | Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

    Campeão do Festival da Canção do bloco Ilê Aiyê em 1977, mestre Môa também é responsável pela promoção do afoxé, fundou o Badauê em 1978, e em 1995 o Amigos de Katendê. Defendia um processo de “reafricanização” da juventude baiana e do carnaval, seguindo as propostas de Antonio Risério.

    No dia 18 de outubro de 2018, Môa do Katendê foi assassinado com doze facadas pelas costas, após o primeiro turno das eleições gerais. Segundo testemunhas e a investigação policial, o ataque foi motivado por discussões políticas, após Mestre Môa declarar ter votado em Fernando Haddad. O agressor, apoiador do candidato adversário Jair Bolsonaro (PL), teria discutido com o capoeirista e deixado a cena, voltando logo em seguida com o facão com o qual teria desfilado ao menos 12 facadas. O capoeirista não resistiu e morreu no local.

    O barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, autor confesso do assassinato do mestre de capoeira, foi condenado a 22 anos de prisão em regime fechado, durante um julgamento no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, em novembro do ano passado.

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    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  77. Ex-policial faz ofensas racistas e ameaça mulheres dentro de um açougue

    Um policial militar branco, aposentado, fez ofensas racistas e ameaçou duas mulheres que estavam em um açougue, na zona Leste de São Paulo, em 14 de janeiro, por volta das 19h. O ex-1º sargento José Gonçalves Canhoto entrou no estabelecimento Penhita, no bairro da Vila Esperança, e foi em direção à uma empresária e a sua irmã, ambas negras.

    Canhoto foi grosseiro com as mulheres e afirmou que elas tinham estacionado o carro de forma errada. Elas estranharam a abordagem de baixo nível e o homem começou a ofendê-las, fazer gestos obscenos e ofensas racistas, enquanto era ignorado pelas duas mulheres diante de funcionários e clientes do estabelecimento.

    De acordo com a empresária, o ex-policial se aproximou dela na fila de atendimento e disse que queria dar um tiro na testa dela.

    “O racismo e machismo estabelecem diferenças graves entre os indivíduos, pois restringe o direito de ir e vir numa evidente ofensa aos princípios e garantias individuais consagrados em nossa Constituição, ocasionando a perda do respeito pela pessoa humana”, afirma a advogada Zaira Castro, que defende as irmãs, junto com Rodrigo Cordeiro e Valmir Venâncio.

    A irmã da empresária decidiu gravar um vídeo no seu celular para registrar a atitude do homem que também se identificou como policial militar. Ele, então, tomou o aparelho da moça à força, apagou as imagens e deixou cair no chão. Para tentar se defender do homem e reaver o seu celular, a moça arranhou os pulsos de José Gonçalves.

    O ex-policial disse na frente das pessoas que iria até o carro para pegar a arma. Ele foi contido pela esposa e por funcionários do açougue, que presenciaram a cena. O policial deu uma cotovelada nas costas da moça.

    As irmãs foram até o 24º DP acompanhadas da advogada para registrar a queixa. O ex-policial disse que a empresária era “uma merda” e “macaca” e que aquilo não daria em nada porque ele era da polícia. O boletim de ocorrências foi aberto com as indicações de crimes consumados de lesão corporal (artigo 129), ameaça (artigo 147) e injúria racial (artigo 140, parágrafo 3º).

    “O fato está sendo investigado pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), e que, além da possível representação criminal, é possível que se requeira à reparação civil por danos materiais e morais”, diz a advogada.

    Na semana passada, as duas vítimas foram prestar depoimento no 2º Batalhão da Polícia Militar, acompanhadas novamente pela advogada Zaira Castro. O ex-policial também fez um depoimento, no dia 22 de fevereiro, onde negou que tenha feito declarações racistas e que tinha dito apenas que a mulher era “mal educada”. Ele, que é loiro e de olhos claros, também afirmou que as irmãs tinham parado o carro de modo a ocupar duas vagas.

    As imagens gravadas pela irmã da empresária não puderam ser acessadas porque o celular quebrou a tela e apagou depois que ela foi agredida pelo policial.

    A polícia deve ouvir agora outras testemunhas que presenciaram a agressão e as ofensas do ex-policial contra as duas mulheres. O açougue tem um circuito interno de gravação de imagens. No vídeo abaixo, que não tem áudio, é possível notar o gestual corporal do ex-policial - homem de camisa preta - de afronta diante das irmãs enquanto fazia ameaças e tentava tirar o celular de uma delas.

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  78. Como fortalecer o trabalho de escritores negros e negras?

    Na Semana do Consumidor, entre os dias 7 e 15 de março, grandes lojas disponibilizam as mais diversas promoções e descontos em compras, que vão desde eletroeletrônicos e se estendem até mesmo aos livros. O período pode servir de incentivo para que as pessoas invistam no consumo de literatura negra. Neste sentido, a Alma Preta Jornalismo conversou com a editora Esmeralda Ribeiro e a escritora Karina Vieira, que dão algumas sugestões de livros que podem ser comprados para fortalecer o trabalho de escritores negros e negras.

    Esmeralda, uma das editoras da série literária independente Cadernos Negros e coordenadora do coletivo Quilombhoje Literatura, acredita que é de fundamental importância ler e adquirir obras de autores negros, a fim de fortalecer a rede de comercialização das escritas dessas pessoas.

    “Isso incentivará, de fato, que demais escritores produzam seus livros. Somos a maioria da população, mas esse fato não é traduzido em vendas das nossas produções, apesar de outros incentivos, como clube de leituras, saraus etc.”, pondera.

    Visibilidade e identificação são outros dois pontos importantes para que o público negro passe a consumir a literatura produzida por seus iguais. Além disso, há a compreensão de que o indíviduo negro pode ser um produtor de saberes e o protagonista da própria história. É o que avalia a comunicóloga, escritora e podcaster Karina Vieira, integrante do podcast Afetos, que atuou como livreira por oito anos.

    “Não menos importante, vem a sensação de pertencimento, que consequentemente traz benefícios. Saber que a sua história, e a história do seu povo, que, por vezes, não foi contada ou foi apagada, suprimida ou jogada para baixo do tapete, ganhou espaço, faz com que o povo negro saia da lógica hegemônica, pois existem outras formas de contar a história”, salienta Karina.

    Descolonização do olhar de compra e o papel da educação

    “Todos os espaços da educação, do berçário à universidade, deveriam ter em suas bibliotecas literatura de autores negros. Com certeza, seria um fomento importante para que a educação, em geral, tivesse mais contato com a nossa produção, porque leitores estão por toda a parte. Esta ação, por exemplo, contemplaria a Lei 10.649, que completa 19 anos marcados por poucos avanços”, avalia a escritora Esmeralda Ribeiro.

    A comunicóloga Karina Vieira comenta ainda que, em sua experiência pessoal, não teve contato com a literatura negra nos espaços de ensino. Contudo, ela acredita que a nova geração de educadores já traz o debate racial para as salas de aula, do ensino básico à academia.

    “Ter mais docentes negros conscientes é uma forma dos alunos negros se sentirem pertencentes aos mais diversos espaços possíveis. Estudei em universidade particular e, se não fosse por uma iniciativa extracurricular minha, eu não teria contato com a literatura negra”, relembra.

    Para modificar e descolonizar o comportamento de compra, Karina ressalta um ponto em específico: a valorização dos pequenos produtores e escritores negros independentes. Ela avalia ainda que as editoras menores sofrem com a dificuldade de adentrar espaços formais de literatura, portanto, é fundamental investir no crescimento deste nicho.

    Outros aspectos abordados pela podcaster são: o apoio aos financiamentos coletivos e a compra direta de livros com o próprio escritor negro. “Comprar de quem faz é uma forma da gente reaprender a comprar, a fim que isso fortaleça a comunidade preta”, diz.

    O que consumir da literatura negra brasileira?

    “Nem sempre são livros fáceis de ler, mas com certeza são de escritores que têm boas histórias para contar”, destaca Karina Vieira.

    Quem ainda não possui o hábito de leitura, mas quer passar a integrar esse universo, a podcaster indica as obras “Nunca Vi a Chuva” e “Homens Pretos Não Choram”, de Stefano Volp. Cidinha da Silva também entra na lista de Karina como uma autora que traz a sensação de pertencimento ao leitor negro. Ela indica a obra de crônicas “Oh, Margem! Reiventa os Rios!”.

    “Para quem gosta de poesia, eu indico muito a Ryane Leão, com a obra ‘Tudo Nela Brilha e Queima’, e também ‘Tudo Nela é de se Amar’, de Luciene Nascimento”.

    “Eu não poderia deixar de citar, como formador de caráter, por assim dizer, Conceição Evaristo – tenho um carinho gigantesco por ‘Olhos D’Água –, e o livro que eu falo que é o meu livro da vida, que é ‘Um Defeito de Cor’, de Ana Maria Gonçalves. É um livro que você pode ler aos pouquinhos, que você vai ver a história de uma geração se desenhando. É lindíssimo!”, sugere a livreira.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    Trecho do livro "Um Defeito de Cor", de Ana Maria Gonçalves | Créditos: Reprodução/ Impressões de Maria

    Além de citar Conceição Evaristo, a editora do Cadernos Negros, Esmeralda Ribeiro, indica obras de Miriam Alves, Cristiane Sobral, Cuti Luiz Silva.

    Karina completa a lista de sugestões, dessa vez para quem já é assíduo no hábito de consumo da literatura negra, com os autores Abdias Nascimento (O Genocídio do Negro Brasileiro), Renato Nogueira (Por Que Amamos). Quem deseja levar o debate racial para o campo da espiritualidade, a obra “Ocupar, resistir, Subverter”, de Ronilso Pacheco, é a indicação dela.

    Literatura e escritores além das fronteiras

    “A leitura vai da paixão de cada leitor. Acrescento também autoras e autores traduzidos para o português, como: Toni Morison, Alice Walker, Chimamanda Ngozi Adichie, ‘Filho Nativo’, de Richard Whrigt, ‘O Homem Invisível’, de Ralph Ellison, obras de James Baldwin, Grada Kilomba e Paulina Chiziane”, comenta Esmeralda Ribeiro.

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    Obras da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie | Créditos: Reprodução/ Escritas & Tal

    A podcaster Karina Vieira acrescenta à lista de indicações sua escritora negra favorita: Bell Hooks, com as obra “Anseios” e também “Tudo Sobre o Amor”, trilogia que fala sobre o amor não-romântico, com a abordagem de outros aspectos, como o amor como prática e como ação.

    “Para quem gosta de ficção científica, indico a rainha, que é Octavia Butler, escritora da obra ‘Kindred’. Além disso, tem o livro ‘Fique Comigo’, da Ayòbámi Adébáyò, ‘A Outra Garota Negra’, da Zakiya Dalila, ‘Seus Olhos Viam Deus’, da Zora Neale Hurston e o livro ‘Na Corda Bamba’, de Kiley Reid. Essas são obras de literatura contemporânea”, finaliza a comunicóloga.

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  79. Maioria das armas ilegais de São Paulo foram compradas por pessoas brancas

    O mercado ilegal de armas de fogo no Brasil é abastecido, em grande parte, pelo roubo e desvio de armamentos fabricados no país. Em média, no estado de São Paulo, por dia nove pistolas e revólveres acabam indo para o mercado paralelo e sendo usadas em homicídios, lesão corporal, feminicídios e também diversos crimes de motivação racial.

    Um estudo feito pelo Instituto Sou da Paz revela que sete em cada dez armas que vão parar nas mãos de criminosos foram compradas, anteriormente e de forma legal, por pessoas brancas. O dado contrasta com o recorte racial das vítimas de armas de fogo no Brasil, que é majoritariamente de pessoas negras. Em 2020, 76% dos óbitos e lesões provocados por tiros no Brasil eram de negros.

    De acordo com os dados do SUS (Sistema Único de Saúde), 57% dos pacientes internados por lesão com arma de fogo eram jovens com idade entre 15 e 29 anos. Em média, 40 mil pessoas morrem por ano em decorrência de tiros.

    Entre 2011 e 2020, o Instituto apurou as informações de 33.059 casos de desvio de armamentos no estado de São Paulo. Do total, 24.267, cerca de 73%, delas eram de propriedade de pessoas brancas e outras 5.460 tinham sido compradas por pessoas negras, o que corresponde a 16,5% dos casos.

    “O grosso das armas usadas no cotidiano, nos roubos, nos feminicídios, nos crimes de motivação racial são do tipo de pequeno porte e de fabricação nacional, que são armas que são vendidas legalmente e acabam sendo desviadas”, explica Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

    De acordo com a pesquisa, das armas que abastecem o mercado ilegal 60% foram furtadas, ou seja, obtidas sem uso de violência e, às vezes, sem que a vítima se dê conta do sumiço, e 38% foram roubadas.

    “Elas têm alto valor no mercado ilegal e acabam funcionando mais como um imã para o criminoso do que como um elemento para afastar o crime, o que refuta a crença de que a arma protege a residência”, comenta Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz e um dos responsáveis pela pesquisa.

    Os revólveres de calibre 38 fabricados no Brasil lideram tanto a lista de armas desviadas quanto a de apreendidas. A gaúcha Taurus é a marca de 78,1% das desviadas e 71,2% das apreendidas pela polícia. A Rossi, também do Rio Grande do Sul, fabricou 17,2% dos revólveres desviados e 18,1% das apreendidas no estado de São Paulo, entre 2011 e 2020.

    “Os dados mostram que as pessoas negras são muito mais mortas por armas de fogo do que as pessoas brancas, assim como as pessoas negras são mais vítimas de homicídios do que pessoas brancas. Esse é um fenômeno fruto das muitas dimensões do racismo estrutural e precisa ser combatido com um maior controle e rastreabilidade dos revólveres fabricados. É uma responsabilidade do governo e também dos fabricantes de armas, porque a maior circulação de armas de fogo vai impactar em mais mortes de pessoas negras”, aponta Carolina.

    Segundo ela, um dos caminhos é o uso de tecnologia e informação para reduzir as mortes provocadas por armamentos. “O controle das armas precisa ser efetivo, com a fiscalização feita pelo Exército sobre as armas vendidas para as polícias e para os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Depois que essas armas são vendidas é necessária uma renovação periódica dos registros das armas para saber se as pessoas que compraram seguem em condições de usá-las. Além disso, é preciso fazer o rastreamento correto das armas apreendidas para saber de onde vieram, se foram feitas no Brasil, se entraram pela fronteira. Isso é um bom modelo de controle das armas e reduz o número delas em circulação”, pontua Carolina.

    O rigor no controle e a constante verificação das armas legais no país também podem ajudar nas investigações de crimes, segundo a representante do Instituto Sou da Paz. “Se a origem das armas for bem rastreada, é possível desbaratar uma quadrilha ou uma pessoa que simula ser um CAC com o objetivo de comprar armas e vender para o crime”, afirma a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz..

    A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Aniam (Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições) com questionamentos sobre as armas fabricadas no Brasil que são desviadas para o mercado ilegal e o controle que as empresas do setor poderiam fazer para tentar reduzir esses casos. A associação não respondeu, a reportagem será atualizada com a posição dos representantes do setor.

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  80. Famílias que vivem à beira de córrego em SP denunciam risco de perder moradia

    Cerca de 40 pessoas que vivem em barracos próximos a um córrego no Jardim Modelo, região do Jaçanã, na zona norte de São Paulo, denunciam que podem ficar sem moradia por causa de uma reintegração de posse marcada para esta quarta-feira (9).

    A ação deve ocorrer com o auxílio da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar e descumpre a decisãodo Supremo Tribunal Federal (STF), que em dezembro de 2021 prorrogou até 31 de março de 2022 a proibição de despejos e reintegrações de posse contra famílias vulneráveis durante a pandemia. No entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, a existência de 123 mil famílias ameaçadas de despejo no país justifica a excepcionalidade da decisão.

    Segundo informações de órgãos da Prefeitura de São Paulo que atuam no local, o território localizado na rua General Jerônimo Furtado pertence à Enel, empresa responsável pelo fornecimento de energia elétrica na capital paulista.

    Um comunicado da Subprefeitura do Jaçanã/Tremembé, no qual a Alma Preta Jornalismo obteve acesso, diz que as famílias que ocupam o território serão encaminhadas para serviços de acolhida,  porém os moradores temem as condições dos abrigos.

    “Os serviços de abordagem para a população atendida está abalado e precário, não possuem vagas para atender toda a população presente na região. Essa falta de vagas e realojamento, de forma não prevista nos protocolos, fará com que essa reintegração de posse se torne apenas uma ação higienista”, diz uma profissional que atua no território.

    Outro lado

    A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo e questionou a razão de a decisão do STF ter sido descumprida pela gestão municipal e como ficará a situação das famílias que vivem no território ocupado caso a reintegração de posse seja concluída e elas percam a moradia. 

    A prefeitura não respondeu sobre o descumprimento da decisão do STF e disse, em nota, que na segunda-feira (7) constava na programação de zeladoria uma ação de "desfazimento de ocupações em área pública à beira de córrego, no endereço mencionado. No entanto, foi cancelada e os ocupantes das moradias improvisadas, foram comunicados que a desocupação do espaço deve ocorrer no prazo de 15 dias.".

    Segundo a gestão municipal, frequentemente equipes do Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas) fazem abordagens às pessoas em situação de vulnerabilidade que se encontram no local, mas há recusa dos encaminhamentos oferecidos.

    A pasta também disse que todas as pessoas que vivem no endereço não possuem registro no Cadastro Único (CadÚnico), de acordo com o Centro de Referência e Assistência Social (Cras), Jaçanã.

    "O serviço, inclusive, realizou na última sexta-feira (4/3), uma ação presencial e com informativos, com o objetivo de atrair as pessoas, que vivem no local, de forma espontânea e encaminhá-las aos serviços da rede socioassistencial. Até o momento, apenas duas pessoas procuraram o Cras e receberam encaminhamentos necessários.".

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  81. 8 de março: a quem é dado o direito de ser mulher?

    Em 1851, a afro-americana abolicionista e ex-escrava Sojourner Truth deu o pontapé inicial para questionar o espaço das mulheres negras na sociedade. Com o discurso 'E eu não sou uma mulher?', feito durante a 1ª Convenção Nacional pelos Direitos das Mulheres em Ohio (EUA), Sojourner trouxe à tona as camadas sociais que colocam as mulheres negras em um lugar de maior vulnerabilidade, expondo os discursos racistas, classistas e sexistas da hegemonia branca masculina e também das mulheres brancas que lideravam os movimentos por direitos iguais.

    "Dei à luz treze crianças e vi a maioria delas sendo vendida como escrava, e quando gritei a minha dor de mãe, ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E eu não sou uma mulher?", questionou Truth.

    Ainda hoje, passados mais de 170 anos após o discurso da ativista, o questionamento de Sojourner Truth ecoa atemporal e traz a reflexão sobre a importância do debate das interseccionalidades sobre o direito das mulheres. Afinal, a quem é dado o direito de ser mulher?

    Para Lindinalva De Paula, representante da Rede de Mulheres Negras do Estado da Bahia, a romantização em torno do Dia Internacional da Mulher e o surgimento da luta, baseado na narrativa de mulheres brancas, é uma das barreiras a serem enfrentadas pelas mulheres negras e indígenas.

    "Durante um bom tempo eu não conseguia me enxergar dentro dessa luta feminista porque as nossas pautas e reivindicações vão para além do patriarcado, da garantia dos direitos e também dos perfis sociais que são traçados na sociedade a partir da classificação do gênero: masculino e feminino", conta Lindinalva, que também integra a Frente Nacional Makota Valdina.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    "Temos que parar de romantizar algumas datas que, para alguns setores organizados, são muito caras porque estamos falando de vidas, de dignidade" | Foto: Arquivo Pessoal

    Assim como fez Sojourner no século XIX, lideranças negras ainda lutam pelo reconhecimento das suas narrativas e pelo direito de existir. Dados do Atlas da Violência de 2021 mostram que as mulheres negras são as maiores vítimas de feminicídio no Brasil, totalizando 66% dos assassinatos. Um levantamento do Instituto Sou da Paz mostrou que as mulheres negras nordestinas são as maiores vítimas de crimes cometidos com arma de fogo, representando cerca de 70,5% das mulheres negras que ocupam o quadro de vítimas de violência por gênero.

    "Sabemos que o feminicídio e o genocídio tem cor, raça e sexualidade. Nós devemos pautar isso dentro do 8 de março e dizer que as mulheres morrem, mas quem morre são as mulheres negras que estão desempregadas e a população feminina que sempre é atacada: as mulheres negras, indígenas, LBTT [lésbicas, bissexuais, trans e travestis]", destaca Lindinalva de Paula.

    A ativista completa apontando que a construção social do que é ser mulher a partir de um referencial hegemônico também gera desafios que ainda se fazem presentes na luta pelo direito das mulheres. "Essas são as dificuldades, trazer algumas pautas dentro do 8 [de março] para quebrar a hegemonia dessa universalidade de que somos mulheres e somos iguais. É totalmente o contrário: somos mulheres e somos totalmente diferentes", pontua Lindinalva.

    'Nada de sexo frágil, somos mulheres de luta'

    Em setembro do ano passado, mais de quatro mil mulheres se reuniram em frente à Câmara dos Deputados, em Brasília, para denunciar uma série de violações e violências cometidas contra mulheres indígenas em seus territórios. O encontro reuniu lideranças indígenas que também vem transformando o cenário da diversidade política no Brasil, como Joenia Wapichana, primeira mulher indígena eleita como deputada federal no país, e Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib).

    Somente em agosto do ano passado, duas jovens indígenas: Daiane Griá, 14 anos, e Raíssa Silva, de 11 anos, foram violentadas, estupradas e assassinadas brutalmente nas terras indígenas de Bororó (MG) e Guarita (RS). Os casos provocaram um movimento nacional pelo fim da violência contra mulheres originárias e busca frear a lógica colonial que insiste em violar esses corpos.

    A professora, historiadora e integrante da Associação de Mulheres Guerreiras Indígenas Potiguara (AMGIP), Cristiane Padilha, foi uma das lideranças presente na 2ª Marcha Nacional de Mulheres Indígenas e entende que o debate das interseccionalidades também é caro às mulheres originárias, que muitas vezes são invisibilizadas dentro da pauta das mulheres.

    Para ela, a inclusão das indígenas nos debates e espaços de poder contribuem para a construção de narrativas que visibilizam lutas que antes eram excluídas do debate público, como a violência contra as indígenas.

    "Mesmo sendo indígenas, a gente também vivencia muita coisa do que qualquer outra mulher da nossa sociedade vivencia e uma das pautas é a questão da violência doméstica, do nosso espaço como mulher dentro do trabalho, que muitas vezes ainda somos muito discriminadas", diz a indígena natural da Baía da Traição, município paraibano com maior reserva indígena dos índios Potiguaras.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    'A gente também vivencia muita coisa do que qualquer outra mulher da nossa sociedade' | Foto: Arquivo Pessoal

    Como professora há mais de 20 anos, Cristiane também acredita que é possível transformar a sociedade por meio da educação. Nascida em uma família de mulheres indígenas integrantes de movimentos sociais, a historiadora vê a necessidade de romper com as narrativas coloniais dentro das escolas, trazendo o protagonismo feminino como estruturantes dentro das comunidades.

    "A gente precisa de mulheres que tenham vez e voz de falar, de lutar pelo seu povo, de lutar pela sua cultura que muitas vezes é discriminada. Essa liberdade que a gente está criando, esse empoderamento é muito importante, mas a gente tem que ter mais espaço porque para a gente viver em uma sociedade não desigual, é preciso saber aceitar e respeitar os espaços da mulher indígena", ressalta Cristiane.

    Sobre o avanço da articulação das mulheres indígenas nos setores sociais, a professora enxerga com esperança o futuro da luta indígena e completa: "A gente não tem nada de sexo frágil, somos mulheres de luta", destaca a potiguar.

    Reflexão

    A necessidade da inclusão também reflete na garantia do direito à vida de corpos e existências historicamente excluídas do movimento feminista, como as mulheres travesti e transexuais. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2021, o Brasil registrou 140 assassinatos de pessoas trans, sendo 135 de travestis e mulheres transexuais e cinco casos de homens trans e pessoas transmasculinas. Os números também revelam um aumento de 141% em comparação a 2008, ano em que o monitoramento foi iniciado.

    Segundo a covereadora da Bancada Feminista do PSOL, Carolina Iara, é preciso que o feminismo siga alerta e traga discursos a partir da vertente interseccional, provocando o debate em torno das pautas de gênero, raça e classe.

    "Pra mim, sendo uma mulher travesti, intersexo e preta, a reflexão e luta se entrecruza com o racismo que minhas ancestrais negras passaram sob a chibata, o meu corpo extremamente sexualizado pela sociedade e visto como algo público, assediável, ao mesmo tempo que convivo com a ameaça constante da violência transfóbica que pode me matar, e que tem relegado a expectativa de 35 anos", reflete a covereadora.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    'Convivo com a ameaça constante da violência transfóbica que pode me matar' | Foto: Instagram/ @acarolinaiara

    Pelo 13º ano consecutivo o Brasil continua na primeira posição do país que mais assassina pessoas transexuais em todo o mundo. No cenário político, o desmonte de políticas públicas em torno da vida e da garantia de direitos para as mulheres travestis e transexuais também é visto como parte das estruturas que violentam os corpos dissidentes.

    "Acredito que enxergar a exploração sexual que travestis e mulheres trans estão submetidas - como a prostituição compulsória, falta de empregabilidade, tráfico humano, procedimentos médicos e modificações corporais clandestinas por falta de acesso à saúde, assim como transfeminicídio expresso no fato de a maioria das mortes de pessoas trans serem de mulheres trans e travestis - são motivos mais que contundentes para que a pauta trans esteja elencada nas lutas feministas do 8M", aponta Carolina Iara.

    Sobre os debates que ainda precisam ser feitos no campo da luta feminista interseccional, a covereadora avalia uma urgência em debater a política sexual em vigência no governo Bolsonaro difundido pelo ultraneoliberalismo no Brasil, que tem negado às mulheres travestis e trans o acesso a direitos básicos, como saúde e segurança.

    "O ultraneoliberalismo no Brasil tem acabado com orçamentos e até direitos no que se refere à saúde sexual, o combate à esterilização forçada de mulheres negras, e à oferta de condições materiais para ajudar as mulheres a escaparem da violência doméstica e pobreza menstrual (assim como demais pessoas com útero). Sem esses avanços mínimos, ainda teremos a vida das mulheres (todas elas, mas majoritariamente as negras e indígenas), e das LGBTQIA+ em risco", avalia Carolina Iara.

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  82. Prefeitura interdita casa da Mulher Negra de Mauá sem dar motivo

    Uma ação sem respaldo jurídico da Guarda Civil Metropolitana de Mauá interditou a ocupação Casa Helenira Preta 2 - Ocupação da Mulher Negra, no bairro da Vila Mercedes, desalojando a zeladora do local com três filhos pequenos e uma neta na tarde do último sábado (5), enquanto representantes de movimentos sociais estavam em negociação com a prefeitura.

    Desde a ação, um grupo de moradores permanece em vigília na porta da ocupação. Para invadir o local, a GCM quebrou um cadeado e ainda revirou os pertences da zeladora.

    A Casa Helenira Preta 2 existe há oito meses e surgiu a partir do movimento popular de luta por mais creches na região. O espaço tem uma horta comunitária, promove saraus, oficinas de recreação para crianças, aulas de defesa pessoal para mulheres, além de funcionar como creche popular e espaço para reuniões e assembleias.

    “Além de um espaço seguro para as mulheres e crianças da periferia, em que  promovemos cultura, educação, lazer, etc, a ocupação é uma denuncia ao abandono do Governo do Estado de uma escola na cidade de Mauá, enquanto mais de três mil crianças estão na fila da creche”, disse Luiza Fegadolli, coordenadora da Casa da Mulher Negra.

    A casa, que fica na rua Cícero Rodrigues da Silva, também apoia as ações de solidariedade para as famílias vítimas das enchentes que atingiram toda a região.

    No final de semana, o pré-candidatoà presidência da República pelo partido UP (Unidade Popular), Leonardo Péricles, esteve em Mauá e visitou as ocupações do movimento por moradia popular.

    “Isso que a CGM fez é uma ação de guerra contra os pobres e é inconstitucional. Era uma área já ocupada e que não cumpria nenhuma função social. O direito absoluto à propriedade é da República Velha, isso acabou. Quer gostem ou não os latifundiários e os ricos, em 1988 foi aprovada a nova Constituição, que também garante o direito à propriedade, mas que garante também o direito à moradia. Quem comete crime é quem deixa a propriedade abandonada”, aponta Péricles.

    A ação da GCM de Mauá foi feita sem mandato judicial. Na manhã de domingo (6), uma equipe da Defesa Civil da cidade fez uma vistoria no local, porém, os advogados da ocupação foram impedidos de entrar na ocupação.

    Também em Mauá, a ocupação Antonio Conselheiro, que fica em um terreno público abandonado há mais de dez anos no Jardim Estrela, conseguiu uma decisão liminar provisória para impedir a reintegração de posse. A ação da GCM na ocupação Helenira Preta 2 ocorreu enquanto acontecia um ato em defesa da ocupação Antonio Conselheiro e uma reunião entre representantes dos movimentos populares e secretários municipais da gestão do prefeito Marcelo Oliveira (PT). Pelas redes sociais, começou uma campanha para que seja liberada a ocupação Helenira Preta 2.

    A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a prefeitura de Mauá para saber qual a situação da ocupação e porque foi feita a interdição pela CGM. Quando a prefeitura se posicionar, a reportagem será atualizada.

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  83. Imobilizado e algemado, adolescente negro é retirado da escola por PMs

    Um adolescente da escola estadual Prof. Antônio Brasílio Menezes da Fonseca, localizada em Suzano (SP), foi imobilizado por três policiais militares e depois algemado. O caso ocorreu no dia 23 de fevereiro, quarta-feira, e foi registrado em vídeo por estudantes da escola.

    Os três policiais se utilizam de técnicas de imobilização para colocar o adolescente contra a parede no corredor da escola. Os demais estudantes pedem para os agentes de segurança pública não agredirem o aluno.

    A co-vereadora da Bancada Feminista, Paula Nunes, se disse “indignada” diante das imagens. “O que mais me indignou foi não só tentar entender a razão pela qual isso aconteceu, e a polícia foi chamada, mas principalmente o que justificaria uma atitude dessas da Polícia Militar dentro de uma escola”.

    “Eu não consigo conceber a entrada de policiais militares dentro da escola, sem que haja autorização da direção da escola, assim como eu não consigo conceber que a direção da escola autorize uma ação dessa, com esse nível de constrangimento, dentro de uma escola pública estadual”, completa.

    Apeoesp, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, enviou um ofício com pedido de reunião com a direção da escola e a Secretaria Estadual de Educação para dialogar sobre o fato. O sindicato também almeja entender como a polícia militar entrou na instituição e se houve consentimento por parte da direção da unidade de ensino. A Apeoesp propôs uma reunião para o dia 2 de março, quarta-feira, mas não obteve retorno da direção da escola.

    Em nota enviada à Alma Preta Jornalismo, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) afirma repudiar “toda e qualquer forma de violência e lamenta o ocorrido na EE Prof. Antônio Brasílio Menezes da Fonseca”. O órgão diz que o aluno foi transferido para outra escola da região, por escolha da mãe.

    A Secretaria também indica que a equipe do Conviva, programa de convivência e segurança da Secretaria, “está à disposição para dar suporte ao aluno, caso a família opte pelo recurso, e o caso foi registrado no Placon, sistema que monitora a rotina das escolas da rede estadual”.

    O órgão, contudo, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o responsável pela autorização da entrada da polícia militar no espaço, os procedimentos da PM para a entrada em escolas, e as razões para a ação dentro da instituição de ensino.

    Questionada sobre as razões da intervenção policial e a avaliação da conduta dos agentes de segurança pública, a Secretaria de Segurança Pública afirma não ter localizado o Boletim de Ocorrência do caso. O órgão aguarda um retorno da Polícia Militar desde 26 de Fevereiro para dar um posicionamento oficial sobre o fato.

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  84. Segurança privada em supermercados reproduz racismo no Brasil

    A morte de João Alberto Silveira Freitas, espancado por seguranças prestadores de serviço do Carrefour, em novembro de 2020, levantou o debate sobre a existência de racismo estrutural no funcionamento do setor de segurança privada no país. 

    Na avaliação de José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, há um olhar seletivo nos vigilantes, quase automático, que se volta contra a população negra. “Ele se sente como sendo o responsável por manter a ordem. No entanto, este conceito de ‘ordem’ exclui a pele negra. A reação é o olhar de suspeita, a perseguição pelos corredores, a postura intimidadora e o constrangimento. Isso acontece mesmo se o vigilante for negro, por conta do racismo enraizado na sociedade contra os corpos negros”, explica 

    O trabalho informal de segurança, realizado normalmente por policiais e chamado de 'bico', é proibido por lei no Brasil. No entanto, diversos policiais militares e civis complementam a renda desta forma. Outro fato comum de se ouvir quando acontece algum caso de violência, que envolva empresas ou prestadores de serviço de segurança, é que os profissionais causadores da agressão são pessoas despreparadas para exercer tal função. 

    No entanto, a pesquisa “Escuta de Policiais e demais profissionais da segurança pública do Brasil'', realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e publicada em novembro de 2021, revela que 6% dos policiais entrevistados declararam fazer atividades de segurança privada para complementar a renda.

    De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública e com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há aproximadamente 687 mil policiais e bombeiros e 99 mil guardas municipais no Brasil em exercício da função. Logo, o percentual de profissionais que fazem 'bico' equivale a pelo menos 47 mil policiais, bombeiros e guardas municipais que também trabalham de maneira informal.

    Dados compilados pela Fenavist (Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores) e publicados na 15ª. Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que o setor formal de segurança privada tem reduzido a quantidade de pessoas contratadas nos últimos anos. Em 2018, havia no país 604.746 seguranças privados aptos a exercer a profissão na ativa. Em 2020, esse número foi reduzido para 526.108. 

    De acordo com esses dados, nos últimos dois anos, 78.638 seguranças privados foram demitidos no Brasil. Esse contingente pode ser explicado, por exemplo, pela retração da economia em função da pandemia, e/ou a adoção de novas tecnologias e sistemas pelas empresas do setor. 

    Outra informação disponível no Anuário é que, segundo a Polícia Federal, as empresas privadas adquiriram, em 2020, 17,8 milhões de novas munições, um total 64,7% superior ao de 2019, quando elas tinham adquirido 10,8 milhões de munições. E isso ocorre em um período de pandemia, com queda de cerca de 29% nos crimes patrimoniais, como roubos de carga, entre outros. 

    A pesquisa ainda mostra que a contratação irregular de seguranças privados só é investigada em casos de repercussão, como ocorreu com o caso de Beto Freitas e a empresa de segurança Vector. 

    Além disso, os cursos de formação de vigilante têm cerca de 200 horas, completadas em 20 dias, com disciplinas como: primeiros socorros, noções de criminalística e técnicas de entrevista, radiocomunicações, gerenciamento de crises, hino nacional, direitos humanos e relações humanas no trabalho, entre outras. 

    “Na prática, as matérias oferecidas são muito fragmentadas e com pouca articulação entre si. Além disso, os conteúdos sobre os Direitos Humanos são demasiados abstratos e sem coordenação sensível com a atividade do dia a dia”, aponta a antropóloga Susana Durão, especializada em Sociedades Complexas pela ISCTE-IUL, de Portugal e coordenadora científica do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança, Igualdade e Justiça Racial da Faculdade Zumbi dos Palmares, de São Paulo. 

    'Bico' representa precarização e racismo 

    O treinamento de policiais militares e civis para a atividade de segurança pública não é compatível com a função de segurança privado do setor de varejo, explica o delegado de polícia e doutor em Direito Público, Fernando Antonio Alves, do Movimento de Policiais Antifascista. 

    “Ser policial é uma atividade que requer dedicação exclusiva. Não deveria haver bico em segurança privada, mas acontece. É inconcebível que um policial seja tão mal pago a ser obrigado a desenvolver uma atividade privada para completar o orçamento familiar e puder sustentar a família”, lamenta Alves. 

    O delegado, que fez mestrado em Ciência Política, aponta que, além da precarização e os baixos salários dos policiais que acabam indo fazer 'bico' como segurança, há ainda um grande problema na estrutura de parte das empresas do setor. 

    “Há casos de oficiais e delegados que montam empresas de segurança privada e colocam laranjas familiares para assumirem e contratam, muitas vezes, ilegalmente ou por meios informais, policiais fora de serviço”, comenta o delegado. 

    Segundo ele, nessas empresas criadas por policiais, assim como em boa parte do setor de segurança privada, são reproduzidas dinâmicas discriminatórias comuns na estrutura da segurança pública. “Muito racismo e preconceito de classe extremo, identificando, tanto em serviço policial, quanto nos 'bicos' o preto e o pobre como bandidos”, continua. 

    Por conta dessa mentalidade racista, a tortura física e psicológica de pessoas suspeitas de furto em supermercados é comum nas chamadas “salinhas do racismo”, onde os suspeitos são detidos ilegalmente e torturados, com o respaldo de policiais que atuam no setor. 

    Um dos seguranças do Carrefour preso por envolvimento na morte do Beto Freitas, na loja de Porto Alegre, em 19 de novembro de 2020, é o policial militar Giovani Gaspar da Silva, 25 anos, que era policial temporário e estava fazendo bico para a empresa contratada, na época, pelo Carrefour. 

    Após a repercussão da morte do Beto Freitas, a rede Carrefour assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com investimentos de até R$ 115 milhões para apoiar a luta antirracista e anunciou que iria romper todos os contratos de terceirização da segurança para contratar equipes próprias, com treinamento interno, para a segurança da rede. A empresa também criou uma programação de treinamento antirracista para todos os funcionários e colaboradores. 

    “Só mudar o modelo de segurança não resolve. Temos que focar na eliminação dos preconceitos, investir em treinamento e mudar esse olhar que os vigilantes aprendem com o reforço de estereótipos”, defende o reitor da faculdade Zumbi dos Palmares. 

    De acordo com o Carrefour,o novo modelo de segurança tem duas frentes distintas. Temos uma equipe de empregados próprios que exercem a função de atendimento aos clientes, atuando no interior das lojas.

    A outra frente é a proteção patrimonial das lojas, clientes e funcionários, feita do lado externo por empresas terceirizadas e registradas na Polícia Federal. Também é exigido, segundo a rede, que essas empresas sigam os protocolos de segurança humanizada do Carrefour.

    Os contratos vigentes foram alterados e uma cláusula antirracista foi incluída. Essa cláusula estabelece tolerância zero a casos de discriminação. Além disso, foi disponibilizado conteúdo de treinamento para que as empresas de segurança capacitem seus colaboradores nas diretrizes do Grupo Carrefour.

    Em nota, o Carrefour afirma também que criou uma programação de treinamento antirracista para todos os funcionários e colabores. Eles passam por um programa de treinamento com aprendizados sobre “Eu Pratico Respeito e Letramento Racial”, no momento da contratação, com reciclagens anuais. Além disso, segundo o Carrefour, a temática da diversidade é abordada constantemente nas comunicações internas do grupo, assim como em eventos.

    Leia também: Após assassinato de homem negro, Carrefour mantém desigualdade racial em cargos de comando

    Expansão da indústria da segurança

    De acordo com o  artigo 'A disseminação da segurança privada no Brasil: pressupostos e motivações', de André Zanetic, Doutor e Mestre em Ciência Política pela USP, os serviços de segurança privada expandiram de forma mais significativa no mundo a partir dos anos 1960, estimulados por mudanças importantes nas dinâmicas sociais, em especial, nos grandes centros urbanos. 

    Ainda nos anos 1960, a indústria da segurança, que até então estava apenas sob o poder das polícias, se encontrava praticamente extinta no Brasil. Isso se explica pela concepção, naquele momento, de que a existência de polícias privadas (ou empresas de segurança privada) traria sérias consequências à paz e aos direitos civis.

    Nesse contexto, enquanto a polícia pública estava identificada diretamente com o interesse público, a polícia privada significava um desacordo com tal interesse. 

    De uma forma geral, as principais causas dessa expansão foram: o incentivo econômico e o espaço legal para o policiamento corporativo, entre os quais o surgimento e a disseminação das "propriedades privadas em massa”; o aumento do crime e da sensação de insegurança; e outros fatores inerentes a esses, como a pressão das companhias de seguros sobre seus clientes para a contratação de serviços especializados de proteção. 

    “Se, por um lado, houve uma série de incentivos para a emancipação desse mercado, por outro, o contexto para tal emancipação foi possibilitado por mudanças importantes na consciência política, que tornaram possível, na esfera da segurança, criar um sistema integrado, público e privado, entre as atividades do Estado e os avalistas corporativos da paz”, diz um trecho do estudo. 

    Posteriormente, na década de 1980, os serviços de policiamento privado passam a ser considerados parte da luta contra o crime, tornando-se “parceiros em pé de igualdade” das forças públicas, para além de suas funções de autodefesa e proteção. 

    Com o êxito dessas colocações, amenizam-se as críticas sobre as polícias privadas, desobstruindo de vez o caminho para seu desenvolvimento sem perturbações, levando o volume desse setor de serviços a atingir números significativos, segundo o artigo. 

    Vigilância patrimonial

    Para compreender a situação da segurança privada no Brasil e por que a prática ainda é bastante presente nos mais diversos segmentos do mercado, o faturamento anual do nicho serve como exemplo: a área representa um faturamento expressivo, com cerca de R$35,7 bilhões movimentados no setor anualmente. 

    O Anuário aponta ainda que o mercado de segurança privada conta com 2.471 empresas do ramo. Essas empresas são as que estão regulamentadas e são fiscalizadas atualmente, bem como prestam os serviços de segurança privada por meio de contratação, em conformidade com o Projeto de Lei 1.043, de 2021. 

    No entanto, existem outras empresas que fazem a segurança privada, de acordo com a pesquisa. Essas prestadoras de serviço de segurança são classificadas como 'orgânicas', ou seja, que contratam os profissionais de forma direta – e compõem 1.154 das organizações brasileiras. 

    As empresas, independentemente de sua natureza, possuem um foco maior em vigilância patrimonial. Essa área é a que mais movimenta o faturamento da segurança privada, sendo responsável por 99,1% das atividades das empresas orgânicas, por exemplo. Além disso, são também comumente direcionadas para atendimentos de segurança pessoal, escolta, transporte de valores, entre outras atividades. 

    A segurança privada no Brasil é quase predominantemente uma área de atuação masculina. Do total de vigilantes, 91% são homens e apenas 9% são mulheres. As idades dos profissionais que atuam no ramo variam entre 30 e 49 anos na maioria dos casos. 

    O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra ainda que 2020 foi um ano muito complexo para o setor. O PIB do país caiu 4,1%. Já no setor de serviços, que contempla a segurança privada, a queda foi de 4,5%. Porém, a grande maioria dos postos de trabalho ainda foram mantidos. 

    Em 2019, o contingente era de 540.738 profissionais nas empresas especializadas e 24.425 nas orgânicas. Já em 2020, esse número passou a ser de 520.179 nas empresas especializadas. Nas empresas orgânicas, o número chegou a 25.298 profissionais em atuação no setor. 

    Em 2021, as empresas especializadas contam com cerca de 502.318 profissionais e as orgânicas com 23.790. Esse número é bastante elevado e demonstra que, mesmo com a pandemia, o setor se mostra uma opção sólida de investimento.

    Leia também: Um ano da morte de Beto Freitas: Movimentos sociais buscam justiça e Carrefour quer limpar seu nome

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  85. Professor com roupa da Klan fica afastado até o fim do processo

    A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo confirmou que o professor da Escola Estadual Amaral Vagner, em Santo André, no ABC, vai continuar longe das salas de aula até a conclusão do processo judicial sobre o crime de racismo.

    O professor de história atua, desde o dia 22 de dezembro, em funções burocráticas na Diretoria de Ensino sem poder voltar à escola onde circulou pelo pátio e entre alunos com roupas da Klu Klux Klan, no horário de expediente. O professor também entrou em salas de aulas gerando revolta em alunos negros, que se recusaram a ficar no mesmo ambiente que ele. A direção da escola tomou uma providência sobre o caso semanas depois do fato, quando o ocorrido ganhou projeção midiática e causou revolta nas redes sociais. A ação do professor ocorreu no dia 8 de dezembro.

    O professor afastado, que excluiu suas contas nas redes sociais, divulgou uma carta se desculpando. Ele disse que queria fazer a divulgação de uma peça de teatro que pretendia apresentar na escola em maio de 2022.

    Em nota, a Secretaria de Educação disse que a punição de afastamento do professor segue conforme a legislação e que ele continua recebendo os salários do Estado. A escola, segundo a nota, não tem conhecimento de nenhum outro caso desta natureza desde o ocorrido. As investigações seguem em curso no 2º Distrito Policial de Santo André, e o professor, de acordo com a nota, foi ouvido pela polícia, porém, os “detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial”.

    A Secretaria de Educação informou também que na Escola Estadual Amaral Wagner, já durante as reuniões de planejamento para 2022, a equipe gestora conversou com os professores sobre o fato, sobre as ações já adotadas e a necessidade de implementação de novas condutas.

    Ainda segundo a diretoria de Educação, todos os professores foram reorientados quanto à postura em sala de aula, atitudes, falas e comportamentos. Na ocasião, foi enfatizado que atitudes discriminatórias não serão aceitas e que é dever de todos trabalhar em prol de uma escola e sociedade sem qualquer tipo de discriminação.

    Mobilização dos movimentos sociais

    “Os ratos saíram do esgoto com essa onda conservadorista e fascista. Santo André é uma cidade racista. Não é à toa que nasceu aqui o movimento dos Carecas do ABC e suas células neonazistas. Todos sabem quem são e onde moram, mas continua”, disse Márcia Raquel Sanches, professora e representante de escola da Apeoesp, o sindicato dos professores do Estado, da cidade de Santo André.

    O que aconteceu na Escola Amaral Vagner, segundo a professora, não é um caso isolado no histórico escolar da região. “Eu tentei montar um plano anual de aulas com conteúdos sobre racismo, sobre a violência contra as mulheres negras e as questões indígenas. A diretora disse que eu teria muita dificuldade porque ‘as pessoas não querem saber dessas coisas que falam de macumba’. Eu respondi que tinham uma lei sobre o ensino de cultura afro-brasileira e africana nas escolas”, disse Márcia.

    A professora relembra uma história que aconteceu há oito anos a respeito da aplicação da lei 10.639, aprovada em 2003. Em Santo André, um grupo de ativistas da cultura negra do bairro Pignatari, que fazia apresentação de jongo, foi ameaçado por neonazistas e teve que encerrar as atividades.

    A antropóloga Adriana Dias, que estuda o neonazismo no país desde 2002, revela que existem cerca de 530 grupos e facções neonazistas e supremacistas brancos com cerca de 10 mil membros. Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, houve um crescimento de 270% no número de membros desses grupos, que fazem apologia a organizações como a Klu Klux Klan, responsável por ataques terroristas e linchamento de milhares de pessoas negras nos EUA desde os anos 40.

    No ato de repúdio convocado pelo Movimento Negro e professores da região, em frente à escola, foram feitas várias denúncias de casos anteriores de racismo na Amaral Vagner e também de falas e atos racistas praticados pelo mesmo professor contra alunos e alunas negras em outras ocasiões. No dia do ato, nenhum representante da escola falou com os manifestantes.

    Os professores do ABC solicitaram então que fosse feita uma jornada de formação contra o racismo na escola com professores e alunos. Além de um plano para que fossem aplicadas as diretrizes da lei 10.639. “É urgente a necessidade de uma formação intensiva para que os professores se reconheçam dentro da estrutura racista, que saibam identificar quando o racismo se manifesta e tenham condições de tomar providências na hora. Já vi professores tratando o racismo como se fosse ‘mimimi’ e silenciando alunos que sofreram racismo. Um professor usando roupas da Klan está claramente mostrando que para ele isso é uma brincadeira, e não é”, disse Márcia.

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    Uso de roupa da Klan gerou revolta entre os alunos.  | Foto: Juca Guimarães/Alma Preta Jornalismo

    A Secretaria de Educação, a diretoria regional de ensino e a direção da escola ainda não sinalizaram se haverá ou não alguma ação para atender às demandas dos professores e alunos. A Alma Preta Jornalismo ouviu relatos que professores negros da região sofreram perseguição após se manifestarem contra o racismo nas escolas públicas de Santo André. Uma professora disse que a direção da escola tentou abafar a repercussão do caso. “Quanto mais mexer nisso, mais vai feder”, teria dito um representante da diretoria para desencorajar os professores.

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  86. Exposição sobre o artista e intelectual Abdias Nascimento ocupa MASP

    A exposição ‘Abdias Nascimento, um artista panamefricano’ foi inaugurada nesta sexta-feira (25) no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) e exibe a faceta artística do intelectual, ativista político, dramaturgo, ator, escritor e diretor. O título parte do termo ‘Améfrica Ladina’, cunhado por Lélia Gonzalez (1935-1994), companheira de luta, interlocutora política e intelectual do artista, que formulou o conceito para se referir à experiência negra e dos povos originários na América Latina.

    A exposição também enfatiza o repertório de ideias, cores e formas do movimento pan-africanista, com noções, fontes e imaginário amefricano, além de reunir 62 pinturas realizadas desde quando Abdias começou a pintar, em 1968, até o ano de 1998. A exibição das obras retoma conceitos formulados por Nascimento, como o quilombismo e a história dos povos escravizados nas Américas.

    Com curadoria de Amanda Carneiro e Tomás Toledo, a mostra é uma colaboração entre o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiro (Ipeafro), fundado por Abdias Nascimento, e o MASP.

    Pintor aos 54 anos

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    Obras de Abdias Nascimento | Crédito: Fernanda Rosário/ Alma Preta Jornalismo

    O ano de 1968 marca o início da pintura de Abdias Nascimento (1914-2011) e sua partida para os Estados Unidos. Na época, o intelectual já era um nome consagrado no Brasil. Ele participou da Frente Negra Brasileira - movimento e depois partido político criado na década de 1930 - e da fundação do Teatro Experimental do Negro (TEN), que foi uma das mais radicais experiências de dramaturgia do país, nos anos 1940.

    Abdias também realizou o concurso ‘Cristo de cor’, que contou com diversos artistas, como Djanira (1914-1979), para representar um Jesus negro em 1955 e, na mesma década, idealizou o Museu de Arte Negra, cujo acervo é referência nos debates sobre museus e comunidades.

    Já seus trabalhos de artes visuais foram mais celebrados em solo estadunidense, onde realizou exposições em locais conceituados como o Studio Museum em Harlem, em Nova York, e no Malcolm X House, na Universidade Wesleyan.

    Parte das pinturas da mostra no MASP apresenta ao público o trabalho de Nascimento com símbolos e bandeiras de projetos e identidades nacionais, ao lê-los a partir de uma perspectiva panafricanista e amefricanista. Os trabalhos Okê Oxóssi e Xangô, ambos de 1970, estabelecem paralelos entre representações do Brasil e dos Estados Unidos por meio de uma recomposição de símbolos nacionais.

    Segundo Amanda Carneiro, curadora da exposição, “ao subverter o sentido das bandeiras, incorporando referências de matriz africana, questionam-se medidas de incorporação (ou seria retomada?) de signos culturais mais plurais, não exclusivamente alicerçados no eurocentrismo, repensando as comunidades imaginadas”.

    'Okê Oxóssi' pode ser considerada um ponto de partida para a mostra individual de Abdias Nascimento no MASP. A pintura doada ao acervo do museu no âmbito da mostra ‘Histórias Afro-Atlânticas’ (2018) por Elisa Larkin Nascimento, cofundadora e atual presidente do Ipeafro, ganha agora novos significados no contexto expositivo dedicado a histórias brasileiras, em conjunção com a extensa produção do artista.

    Abdias Nascimento pintou a obra quando se encontrava havia dois anos no exílio da ditadura militar. O trabalho ressignifica a bandeira nacional, então sequestrada por conservadores e militares. Na faixa da frase 'ordem e progresso' o artista escreveu 'okê', palavra de saudação a Oxóssi, orixá da caça e da cura pelas ervas. Nascimento introduziu o arco e a flecha do caçador em memória da luta dos negros e negras e dos povos orginários no Brasil. 

    Catálogo

    A mostra também será acompanhada por um catálogo com imagens das mais fundamentais obras do artista, incluindo todas as exibidas no museu, que será vendido no MASP. O catálogo foi organizado por Adriano Pedrosa e Amanda Carneiro.

    O volume contém ensaios inéditos de Amanda Carneiro, Glaucea Helena de Britto, Kimberly Cleveland, Raphael Fonseca e Tulio Custódio e uma entrevista histórica com Elisa Larkin Nascimento conduzida por Tomás Toledo, além de republicar textos de Lélia Gonzalez e de Abdias Nascimento. Com design do estúdio Bloco Gráfico, será publicado em capa dura e em um único volume bilíngue, em inglês e português, a R$ 149.

    Serviço

    ‘Abdias Nascimento, um artista pan-amefricano’

    Curadoria: Amanda Carneiro e Tomás Toledo

    Visitação: de 25 de fevereiro até 05 de junho de 2022

    Local: 1o subsolo (galeria e mezanino)

    Endereço: MASP — Avenida Paulista, 1578 - Bela Vista 01310-200 São Paulo, SP

    Horários: terça grátis, das 10h às 20h (entrada até as 19h); quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h); fechado às segundas

    Ingressos: R$ 50 (entrada); R$ 25 (meia-entrada)

    Agendamento online obrigatório por este link. 

    Leia também: Abdias Nascimento questionou arte da Europa e reivindicou modernismo negro

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  87. Trabalhadores ‘invisíveis’ da cultura lutam para serem contemplados na Lei Paulo Gustavo

    Alexandre Magalhães, trabalhador da cultura, acordava às 5h da manhã para estar na produção de eventos às 7h. Tomava café da manhã nos locais de trabalho. Ele montava e desmontava as estruturas como palcos, tendas, mesas e tudo o que era necessário para que um show ou uma festa acontecesse. 

    O trabalho dele era vistoriado com “olhos de lupa”, como costuma falar. Pudera, quem monta palcos e estruturas metálicas de tendas e coberturas “tem uma certa responsabilidade pela vida dos outros,né?”. Caso alguém se acidente durante o evento, o responsável pode vir a sofrer um processo. “Olha, é meia hora escutando sapo e você nunca mais arranja trabalho”, desabafa. 

    Alexandre cursou metade do Ensino Médio. “Não tinha tempo para estudar, trabalhar e cuidar da família”. O maranhense, de 38 anos, já teve diversos empregos e trabalhava de maneira informal no mercado cultural. “Eu aprendi a montar [estruturas para eventos] porque fui pedreiro. Na festa, às vezes dava mais dinheiro”, afirma. 

    A realidade de Alexandre mudou com a pandemia. Pai de três filhos, ele viu seu ganha-pão ir embora com o cancelamento dos festivais, festas e cerimônias. Atualmente, após cerca de dois anos do primeiro lockdown, instituído pelo governo do Distrito Federal em 11 de março de 2020, ele ainda sobrevive com ajuda de amigos e familiares. 

    “Comecei a fazer outros bicos, a vender algumas coisas, a atuar como pedreiro de novo, mas o que ajudou mesmo foi o apoio da comunidade. Os amigos me davam cestas básicas, a gente fazia vaquinha, até hoje a gente se ajuda”, conta. 

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    A associação Backtage Brasília reúne profissionais de produção cultural de todos os setores para lutar por condições dignas de trabalho. O ato aconteceu em 2021, no Eixo Monumental, próximo ao Museu Nacional | Foto: Backstage/Divulgação

    Projetos no Parlamento

    Nesta quinta-feira (24), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 411 votos a 27, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 73/2021, a chamada Lei Paulo Gustavo. A legislação libera R$3,862 bilhões para amenizar os efeitos econômicos e sociais da pandemia de Covid-19 no setor cultural brasileiro. O texto foi proposto pela bancada do PT no Senado, onde foi aprovado por unanimidade, e relatado pelo deputado José Guimarães (PT-CE).

    A proposta altera a Lei de Responsabilidade Fiscal para não contabilizar, na meta de resultado primário, as transferências aos demais entes da Federação, além de constar mudanças na Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, para atribuir outras fontes de recursos ao Fundo Nacional da Cultura (FNC). Do total, R$ 2,79 bilhões deverão ser destinados para ações no setor audiovisual e R$ 1,06 bilhão para ações emergenciais no setor cultural por meio de editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor.

    A Câmara aprovou também, por 378 votos a favor e 29 votos contrários, o PL 1518/2021, conhecido como Lei Aldir Blanc 2. De autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e co-autoria de Alice Portugal (PCdoB/BA) e do líder do PCdoB, deputado Renildo Calheiros (PE). Este projeto propõe transformar o repasse anual de R$3 bilhões de reais conquistados com a Lei Aldir Blanc em um mecanismo permanente de fomento descentralizado à cultura brasileira, transformando essa conquista em um direito dos trabalhadores.

    São propostas complementares, que se somam no sentido de garantir mecanismos emergenciais e permanentes de fomento e manutenção do setor cultural em toda a sua diversidade e complexidade.

    “O setor cultural não apenas tem o direito de receber esse recurso, que já era destinado à cultura por lei, como ele vai desenvolver uma série de outros setores correlacionados com as artes que fazem parte da sobrevivência humana, além de propiciar educação e bem-estar social”, declara Christiane Ramirez, ativista cultural com vasta experiência na área, ex-assessora da presidência da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados e membra do corpo técnico que idealizou a primeira Lei Aldir Blanc. 

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    Max Maciel, idealizador da escola periférica de formação de fazedores da cultura e festival Elemento em Movimento em evento da revista Traços sobre o poder transformador da cultura. Foto: Thais Mallon/Revista Traços

    Impacto da pandemia para o setor

    O setor cultural foi um dos que mais sofreram com o impacto da crise sanitária. Em 2019, o setor contava com mais de 5,5 milhões de profissionais e beneficiava cerca de 130 mil empresas brasileiras. Os dados são do Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). 

    O produtor cultural e pedagogo Max Maciel aponta que a pandemia revelou diversas discrepâncias sociais, incluindo no setor cultural. Segundo ele, as pessoas que montam os palcos, os operadores de luz e som, os técnicos, foram uma camada de trabalhadores muito afetada pela crise sanitária, econômica e política do país. 

    “Isso fez com que houvesse um movimento para o reconhecimento deles como profissionais, para que eles fossem incluídos nos editais de fomento à cultura, e pudessem ter direitos aos auxílios emergenciais, fornecidos pela Lei Aldir Blanc”, comenta Maciel ao citar o quanto o setor de cultura é importante para a geração de empregos, recursos e renda, também na periferia.

    Para ele, tanto a Lei Aldir Blanc como a Paulo Gustavo são importantes para estabelecer o fazer cultural e os agentes de cultura como eixo estratégico do país, mas também mostra a deficiência de políticas públicas e o sucateamento das estruturas como Ministério da Cultura e Secretarias de Cultura.

    Em Brasília, o forte impacto da pandemia na cadeia cultural fomentou o surgimento de uma associação formal dos trabalhadores que ficam atrás das cortinas. A Backstage Brasília começou como um grupo para ajuda mútua entre pares e se tornou uma instituição que luta por qualidade no trabalho, reconhecimento, saúde, segurança e por políticas públicas eficientes. 

    Fazendo coro no Congresso Nacional, os associados da Backstage foram fundamentais para a aprovação da Lei Paulo Gustavo e da renovação da Aldir Blanc. “Só na capital a gente representa cerca de 3 mil pessoas, 70% delas são negras”, afirma a coordenadora Dandara Lima. 

    De acordo com ela, por ser um trabalho de produção as pessoas não dão valor e as pessoas são mantidas à margem da cadeia de trabalho, sendo que “sem técnicos, nem show ou evento acontece”. “Nós existimos em uma peça de teatro ou show, mas não podemos ser vistos, é assim mesmo. Devemos ser invisíveis, mas nunca invisibilizados”, conclui. 

    Leia mais: Artistas negros contam como seus trabalhos são também ferramentas de cura

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  88. PMs descumpriram regra de uso da força letal ao matar comerciante negro

    O comerciante Lucas Vicente, de 27 anos, foi morto por Policiais Militares durante uma abordagem na Brasilândia, na zona Norte de São Paulo, no domingo (20). Os policiais descumpriram as regras do POP (Procedimento Operacional Padrão) da PM que estabelecem os parâmetros para o uso de força letal. Lucas estava imobilizado, no chão, e não tinha nenhuma chance de colocar a vida de alguém em risco, ou seja, não havia motivo para o comerciante negro ser baleado.

    De acordo com o ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, o caso tem fortes indícios de execução por conta do uso injustificado de força letal. Durante a abordagem, que foi gravada em vídeo por testemunhas e as imagens foram divulgadas nas redes sociais, houve uma discussão entre o comerciante e os PMs.

    Ao ver as imagens da discussão, o ouvidor das Polícias disse que vai pedir a prisão preventiva dos policiais militares, uma investigação na Corregedoria e o acompanhamento do caso pelo Ministério Público. Foram disparados, no mínimo, três tiros contra o comerciante, que chegou a ser socorrido, mas morreu no mesmo dia.

    “É preciso investigar profundamente este caso porque há muitos indicativos de que foi uma execução”, afirma Lopes à Alma Preta Jornalismo

    A prisão preventiva é decretada para impedir que os suspeitos de um crime possam interferir nas investigações, por exemplo, coagindo testemunhas, ou mesmo tentar uma fuga para escapar da Justiça.

    Os co-veadores do Quilombo Periférico (PSOL) fizeram um video alertando sobre a gravidade do caso. "Lucas, um homem negro, comerciante, foi brutalmente assassinado pela PM, em plena luz do dia, na frente de seu familiares e vizinhos", dizem os parlamentares. Outro trecho da publicação destaca que o crime não se trata de um caso isolado. "A violência sofrida por Lucas ocorre há anos e cada vez é mais constante para os pretos e pobres deste país". 

    Outro lado

    A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que os PMs envolvidos na ocorrência que resultou na morte do Lucas estão afastados das atividades nas ruas até o final das investigações.

    Segundo a pasta, as circunstâncias do fato e a conduta dos policiais serão apuradas por meio de inquérito policial militar (IPM) sob a responsabilidade da Corregedoria da instituição.

    De acordo com a versão dos PMs, “o condutor foi informado que seria preso por constar como procurado pela Justiça por roubo. Diante disso, ele reagiu e entrou em luta corporal com os policiais, tomando a arma de um deles. Neste momento, houve a intervenção da equipe para contê-lo”. O Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) também investiga o caso.

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  89. Crime tem nome: as diferenças entre injúria, injúria racial e racismo

    No Brasil, existem leis que amparam a população negra contra uma série de violências decorrentes do racismo estrutural. No entanto, é necessário saber do que se foi vítima e como denunciar cada uma delas. Um exemplo prático é a diferença entre injúria, injúria racial e racismo: três tipos de ataque aos pretos e pardos, em que a aplicação da lei para cada um deles muda completamente de acordo com o contexto em que estão inseridos.

    É o que explica a advogada Daniele Campos, líder nacional jurídica e de comunicação do projeto Justiceiras.  Segundo ela, a injúria contra pessoas negras pode muitas vezes passar despercebida ou até mesmo ser regada pela incredulidade.

    “Muitas vezes, no ato, não percebemos, pois estamos distraídos ou não queremos acreditar. Até porque os autores acabam por se desculpar, e afirmam que não tinham a intenção de ofender com o que foi dito. ‘Não foi o que eu quis dizer’ é a frase mais utilizada para auto-defesa quando casos assim vêm à tona”, comenta.

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?
    Ilustração: Alma Preta Jornalismo

    O professor Douglas Galiazzo, especialista em Direitos Humanos da Estácio São Paulo, explica que quando o crime é contra uma pessoa negra – e utilizando esse fato como destaque –, a injúria já se enquadra no artigo 140 do Código Penal, tornando-se injúria racial (ou injúria preconceituosa).

    Injúria racial de cada dia

    A advogada Monalisa Santana de Castro, associada ao Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), ressalta que a justiça considera injúria racial o ato de ofender a dignidade e honra de um indivíduo. Uma pessoa negra pode identificar que sofreu a violência caso receba ofensas decorrentes de sua tonalidade da pele, por exemplo.

    “Uma pessoa é discriminada pela sua cor nas redes sociais ou em alguma loja, utilizando-se de expressões e tons pejorativos, servem como exemplo. Como o caso da atriz Taís Araújo, que foi alvo em uma de suas redes sociais com grandes ofensas decorrentes da cor de sua pele. Houve também um episódio polêmico onde torcedores do Grêmio, insultaram o goleiro chamado de ‘macaco’ durante o jogo”, avalia.

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    Ilustração: Alma Preta Jornalismo 

    Daniele complementa os exemplos de injúria racial ao relembrar o caso da empresária e socialite Val Marchiori, que chamou o cabelo crespo da cantora Ludmilla de “cabelo de Bombril”. A artista negra recorreu na justiça, mas a socialite venceu o processo em última instância.

    A advogada relembra também um episódio pessoal, em que o alvo do crime foi sua própria filha. “Certa vez minha filha estava com 12 anos e me mostrou que uma menina branca a chamou de macaca no Instagram”, relata.

    Ainda de acordo com Daniele, é comum que pessoas vítimas de injúria racial desistam de processar os autores do crime.

    “Em outra ocasião, exatamente no dia 20 de novembro – data em que se comemora o Dia da Consciência Negra – fui procurada por servidor branco da área da educação que, ao pedir para um aluno negro voltar para sala de aula, proferiu a seguinte frase: ‘a Lei Áurea foi escrita a lápis, então posso apagar e te mandar para o tronco novamente’. O servidor, que é descendente de italianos, me procurou para fazer sua defesa. Infelizmente o aluno desistiu do processo, o que é muito comum no Brasil”, lamenta.

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    Créditos: Alma Preta Jornalismo

    Injúria racial x racismo

    “A injúria atenta a autoestima da pessoa, já a injúria racial atenta a dignidade deste indivíduo, a honra e o decoro. O crime se configura quando ele tem uma pessoa determinada para o ataque. Já o racismo discrimina grupos. No caso, um grupo de pessoas negras”, explica Douglas Galiazzo.

    Outra diferença entre os dois crimes, de acordo com o professor, é que injúria é prescritível e o racismo é imprescritível e inafiançável.

    Monalisa Santana destaca que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2021 equiparar o crime de injúria racial ao de racismo. Os ministros do Supremo entenderam que a injúria racial é uma forma de discriminação que se materializa de forma sistemática e, assim, fica configurado o racismo.

    “O que diferencia os crimes é o direcionamento da conduta: enquanto que na injúria racial a ofensa é direcionada a um indivíduo específico, no crime de racismo a ofensa é contra a coletividade, por exemplo, toda uma raça, não há especificação do ofendido”, explica.

    O crime de racismo está previsto na Lei 7.716/1989, elaborada para regulamentar a punição de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, conhecida como Lei do Racismo. A Lei nº 9.459/13acrescentou à referida norma os termos etnia, religião e procedência nacional, ampliando a proteção para vários tipos de intolerância.

    Como o intuito dessa norma é preservar os objetivos fundamentais descritos na Constituição Federal, de promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, as penas previstas são mais severas e podem chegar até a 5 anos de reclusão.

    “Injúria e racismo são crimes diferentes, mas o sentimento de tristeza e humilhação causado por ambos é o mesmo”, destaca Daniele Campos.

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    Créditos: Alma Preta Jornalismo

    Como denunciar e provar

    Monalisa Santana, que atua com o IDPN em prol exclusiva da defesa da população negra, considera que a melhor forma de denunciar os crimes de injúria, injúria racial e racismo é comparecendo às delegacias – comuns ou especializadas em crimes raciais.

    “As provas podem ser testemunhais, alguém que tenha presenciado o fato; provas escritas (texto) ou áudios no Whatsapp ou em qualquer outra rede social também serão aceitos como prova. É importante salvar o material e levar a autoridade policial para fazer a denúncia”, destaca.

    Segundo a jurista, vídeos também podem servir como provas. Caso a pessoa negra esteja sofrendo racismo ou injúria em algum local, como em uma entrevista de emprego, é possível solicitar o consentimento ao entrevistador, por exemplo, para gravar caso haja alguma desconfiança ou o indivíduo escute algum comentário racista ou injurioso naquele momento.

    “Caso não seja autorizada a gravação, seja em uma entrevista ou em qualquer outro contexto, você pode gravar e levar o áudio diretamente para a polícia, lembrando que não pode veicular o áudio”, salienta a advogada.

    No caso de vídeos é possível ainda utilizar o celular para o registro da violência. Se o crime ocorreu em local público, deve-se verificar se há câmeras e informar a autoridade policial, que pode recuperar as imagens para o inquérito.

    “Leve imediatamente o caso às autoridades policiais. A polícia irá apurar um fato, um crime. As provas são sempre importantes. Pelas redes sociais é essencial manter as palavras que foram proferidas, e levar até um tabelião para que ele possa transcrever o que houve. Se tiver alguém que tenha testemunhado ou ouvido, é sempre importante firmar a acusação de uma forma robusta”, finaliza Douglas Galiazzo, especialista em  Direitos Humanos.

    Leia também: 'Racismo estrutural: O que significa e como combatê-lo?'

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  90. Em Franco da Rocha, uma em cada quatro famílias desalojadas não recebe auxílio-aluguel

    Em Franco da Rocha, por conta das piores chuvas dos últimos cem anos no final de janeiro, 18 pessoas morreram em deslizamento de encosta e centenas de famílias ficaram desabrigadas. Quase um mês após a tragédia, um quarto dessas pessoas que perderam suas casas ou estão com a moradia condenada, não receberam ainda a primeira parcela do auxílio-aluguel. Na região, estão acabando as opções de imóveis disponíveis para alugar e a tendência é que o valor da moradia fique mais caro. A casa que ela construiu foi demolida pela prefeitura.

    De acordo com a prefeitura, foram cadastradas 315 famílias para receber o auxílio-aluguel e até agora, dia 21, foram pagas as primeiras parcelas para 76 famílias. Até a sexta-feira passada (18), eram 79 famílias sem casa e sem auxílio-aluguel.

    O valor do benefício é de R$608,94 por seis meses, com a possibilidade de renovação. A prefeitura diz que nem todos receberam porque “o processo demanda um tempo maior em alguns casos devido a entrega e análise documental completa”.

    A tragédia atingiu a rua São Carlos, no Jardim Paulista, mas na cidade existem 300 áreas de risco de deslizamento de terra, que são monitoradas pela Defesa Civil de Franco da Rocha.

    Na sexta-feira, um grupo de moradores de áreas de risco, que ficaram desabrigados pelos deslizamentos e que estão com as casas interditadas parcialmente pela prefeitura, fizeram um protesto exigindo um plano habitacional e soluções para o problema de moradia digna na cidade.

    O chefe de gabinete do prefeito, Marcus Brandino, se reuniu com uma comissão de moradores e prometeu que as famílias não ficarão sem apoio do município. “As chuvas foram muito além do que se podia esperar, mas temos o compromisso de trabalhar para achar uma solução para o problema”, disse Brandino.

    Entre os moradores de Franco da Rocha, a expectativa é grande para que as soluções sejam anunciadas em breve. “Anda não conseguimos uma resposta à altura das nossas necessidades. Ainda não sabemos o que vai acontecer com as pessoas que perderam suas casas na tragédia e na destruição das casas que não precisavam ser demolidas pela prefeitura na segunda passada”, pontua Stefanie Bertholini, moradora do bairro Vila Lemar e instrutora de yoga.

    O morador Cosme Antônio, do jardim Paulista, participou da reunião e também espera que a prefeitura dê assistência aos desalojados. "Ficou certo que não vão demolir mais casas, a não ser que seja necessário, e que vão agilizar o pagamento do auxilio-aluguel", comenta o motorista de aplicativo.

    A prefeitura elaborou um projeto de lei criando um benefício de transferência temporária de renda, chamado 'Força Franco', que deve ser votado nesta terça-feira (22), na Câmara dos Vereadores. “É um benefício que pode ser acumulado com outros benefícios assistenciais e aposentadorias”, diz Brandino.

    O novo programa deve, de acordo com a prefeitura, atender 3.500 famílias por um período de três meses, renováveis por mais três meses e o valor pode chegar a R$600. Além disso, a prefeitura pretende conceder uma isenção de até R$5 mil no IPTU para quem foi atingido pelas enchentes.

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    Protesto de moradores em Franco da Rocha em 18 de fevereiro | Imagem: Juca Guimarães/Alma Preta Jornalismo

    Sobre as famílias que estão sem casa para morar, a prefeitura respondeu que desde a tragédia foram acolhidas 23 famílias, com 77 pessoas, nos abrigos da cidade. Atualmente, quatro famílias, com 19 pessoas, estão no abrigo municipal.

    Na reunião com os moradores, o representante da prefeitura revelou que seria necessário cerca de R$350 milhões, o equivalente a um ano inteiro de arrecadação, para realizar as obras de infraestrutura para impedir novos deslizamentos de terra. O valor de R$8 milhões prometido pelo governo estadual será usado, segundo a prefeitura, nas obras da rua São Carlos.

    No próximo mês, será realizada uma nova reunião entre a prefeitura e os moradores para discutir estratégias para um plano habitacional e de recuperação dos bairros. Uma das ideias, propostas pelos moradores e o MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), é a criação de cooperativas para a construção de casas populares.

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  91. Deputadas negras se destacam na destinação de verbas para populações vulneráveis

    A presença de diversidade na composição das casas legislativas brasileiras mostra-se como uma maior oportunidade para que pautas de grupos sociais mais vulnerabilizados sejam atendidas. Em São Paulo, a existência de deputadas estaduais negras é a possibilidade de um olhar mais atento e ação política sobre a população para a qual se destinam os recursos das emendas parlamentares.

    Segundo Monica Seixas (PSOL), codeputada estadual da Mandata Ativista, a recente chegada de mulheres negras, pessoas periféricas e trans nos parlamentos muda a forma de destinar recursos, como as emendas, e a formulação de políticas públicas, porque essas pessoas trazem vivências e o interesse nas vidas e localidades que as representam também.

    As emendas parlamentares impositivas são parte do orçamento público que permite aos deputados estaduais indicarem aos governos municipais e entidades da sociedade civil que executem políticas públicas para receber recursos ou verbas. Por meio de emendas ao projeto de lei orçamentária, os parlamentares têm a possibilidade de financiar políticas e projetos fundamentais realizados por entidades e prefeituras.

    “Quando você fala de parlamentares periféricos, pessoas pobres, pessoas negras, LGBTs e das mulheres, a formulação e o recurso acabam chegando em lugares que antes não chegavam, porque a gente vai pensar na necessidade da urbanização das favelas, na necessidade do saneamento básico, na limpeza dos rios e córregos que cortam os nossos bairros e que entram nas nossas casas no período de chuva, entre muitas outras coisas”, relata a codeputada.

    Destinação das emendas

    A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL) fechou as indicações de instituições beneficiadas por suas emendas parlamentares para o ano de 2022, a qual se destacam destinação de verbas para mulheres, comunidade LGBTQIA+ e população negra.

    Entre os quase R$6,5 milhões de recursos em emendas da deputada para 2022, há verbas com valores de R$550 mil para preservação e fomento à matriz africana e cerca de R$ 450 mil para comunidades e associações ligadas a quilombos, sendo ao menos R$1 milhão para ações em prol do povo preto.

    Além disso, há mais de R$ 1,7 milhão em recursos para projetos de apoio e acolhimento à comunidade LGBTQIA+ e mais de R$ 1,3 milhão para proteção e desenvolvimento de ações em prol das mulheres.

    “A minha presença no legislativo, junto às tantas nas câmaras municipais e nos movimentos sociais, reforça a visibilidade das pessoas em situação de vulnerabilidade. Diante da crescente mobilização do conservadorismo, essa atuação deve ser ainda mais veemente, com apoio de todos os mecanismos de denúncia e luta por igualdade”, destaca Erica Malunguinho, que chega em 2022 ao último ano de mandato iniciado em 2019 na Assembleia Legislativa.

    A deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) destinou, para o ano de 2022, quase R$6,6 milhões em emendas parlamentares para as áreas de saúde, cultura, esporte, direitos humanos e cidadania, assistência social e educação.

    Entre os projetos e ações realizadas por entidades e organizações a serem contemplados por recursos do mandato, estão programas que têm como foco o combate ao racismo, apoio às comunidades quilombolas e tradicionais de matriz africana, mulheres negras e idosos. São R$830 mil destinados a projetos de cidadania e direitos humanos, além de R$160 mil para assistência social e mais de R$ 1 milhão para a área da cultura.

    O Movimento de Mulheres Negras de Sorocaba (Momunes) é uma das instituições beneficiadas por emendas da deputada Leci Brandão e da deputada Erica Malunguinho, que vão promover oficinas sobre direitos humanos e auxiliar na aquisição de equipamentos, mobiliários e verba para obras na Casa Momunes, respectivamente.

    De acordo com Cláudia Lima, gestora de desenvolvimento técnico e administrativo do Momunes, os recursos conseguidos por meio do mandato da Erica Malunguinho vão auxiliar diretamente no atendimento às mulheres acolhidas pela instituição. Já os recursos conseguidos pelo mandato da Leci Brandão são para a frente de oficinas, que é uma atividade complementar realizada pela entidade.

    “Nós temos uma casa de acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade, que atende mulheres acompanhadas ou não de família, com seus filhos, enfim, em todo os tipos de vulnerabilidade. Nós vamos fazer também oficinas de direitos humanos tanto para a comunidade, para as mulheres, como também para os profissionais que atuam nessa área”, explica a gestora.

    A Mandata Ativista, formada por sete codeputadas com uma diversidade de áreas de atuação, também tem uma política voltada para as populações mais vulnerabilizadas. São, pelo menos, R$800 mil destinados a projetos voltados à comunidade LGBTQIA+, igualdade racial, mulheres, assentamentos rurais e pessoas com deficiência.

    “Na Mandata, tivemos durante os três primeiros anos a política de dividir as decisões entre nós sobre os recursos. Tentamos abarcar todas as pautas que prometemos proteger nas eleições e a Mandata Ativista tem um compromisso com uma pluralidade bastante extensa. São nove causas e a gente tenta dividir e compartilhar recursos entre todas. Se formos fazer um saldo, mandamos proporcionalmente recursos”, explica a codeputada Monica Seixas.

    Quanto mais diversidade no parlamento, mais alcance de recursos

    O tesoureiro e coordenador cultural do Hip Hop Mulher - Ponto de Cultura, Tiely, explica que o processo de conseguir emendas parlamentares depende muito das organizações sociais levarem projetos culturais para parlamentares que apoiam o segmento onde essas entidades atuam.

    “Quanto mais mulheres, mulheres pretas, mais pessoas LGBTs dentro desses espaços de poder, mais vão ser ampliados o alcance dos recursos de emendas parlamentares, de projetos de leis interessantes e importantes para toda a comunidade de forma justa e respeitosa”, explica o coordenador cultural.

    O Hip Hop Mulher é uma das entidades contempladas por emendas da deputada Erica Malunguinho, que vai contribuir com ações da instituição e de outros coletivos acolhidos por ela, por meio da aquisição de equipamentos e verba para projeto de empreendedorismo de mulheres negras.

    “Eu acho que tem todo um diferencial ao chegarmos na assembleia legislativa e ter uma mulher preta e trans para receber a gente. Até o ambiente é diferente. Parece que você está entrando em um espaço que é seu”, também pontua Tiely.

    “Se nós não tivermos pessoas ocupando esses cargos públicos que destinem verbas para nós, não temos acesso. É muito raro algum parlamentar que queira trabalhar com essas demandas. São pautas que não são contempladas por outras pessoas e não são prioridade para todos. Então, quando se tem alguém que tem esse olhar é quem nos apoia”, finaliza Claudia Lima, do Momunes.

    Leia também: A caminho do último ano de mandato, deputadas negras falam dos desafios da legislatura

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

  92. A conta não fecha: jovens negros precisam se desdobrar para pagar despesas mensais

    Entrar para vida adulta, para muitos jovens, é sinônimo também de conquistar maior autonomia. Sobre os desejos desta nova fase, o da independência financeira está entre os principais. No entanto, o cenário de crise econômica tem distanciado cada vez mais os jovens adultos da meta de alcançar a estabilidade financeira. Para a juventude negra, principalmente, é tempo de se desdobrar para garantir o mínimo: as contas do mês pagas. 

    Além de trancista, atendente, bartender, garçonete, artesã de bijuterias, recepcionista em festas e dona do brechó online 'Chama Negra', Ester Bastos, também é bolsista graduanda no curso de Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de Pernambuco. Aos 24 anos, a jovem conta que a multifuncionalidade em que se encontra é fruto do entendimento de que o negro no Brasil tem que ser bom no que faz e tem que saber fazer tudo para conseguir sobreviver. 

    “Além de poucas, as chances de trabalho, para nós, acabam sempre em lugares subalternizados. Quando procuramos ter algo independente e próprio, na maioria das vezes, não ganhamos o valor merecido, seja esse valor físico ou moral. Até quando essas oportunidades são dadas, a sociedade nos coloca sempre em um lugar de servir e, como necessitamos desse dinheiro, mesmo que sendo pouco, acabamos nos colocando nessas circunstâncias”, aponta. 

    Questionada sobre as dificuldades em manter uma renda estável que encontrou ao dar seus primeiros passos sem apoio de familiares, Ester destaca a escassez de oportunidades no mercado de trabalho que sejam compatíveis aos gastos mensais. 

    Ela faz parte da estatística do levantamento mais recente realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, que aponta a realidade de um país com 14,8 milhões de desempregados, com índice maior está entre os jovens. Entre os jovens de 14 até 17 anos, 46% estão à procura de emprego. Já entre 18 e 24 anos, 31% das pessoas estão desempregadas. Em relação ao longo prazo de busca por um trabalho que proporcione renda fixa, o Instituto aponta como predominante a faixa etária entre 17 e até 29 anos. 

    O economista e mestre em economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marcos Henrique do Espírito Santo traça um panorama em que afirma que as dificuldades atuais passadas pela juventude é diretamente relacionamento à uma herança de um país escravocrata. Atualmente, dos 110 milhões de trabalhadores, 100 milhões estão na informalidade, sem qualquer vínculo ou proteção trabalhista. 

    “Quase 90 anos depois da Consolidação das Leis Trabalhistas, o país ainda apresenta dificuldades em formalizar as pessoas, de colocá-las para dentro do sistema e existem motivos para tal. O Brasil é um país extremamente desigual, apesar de ter passado por um processo de crescimento econômico por cinco décadas, tornando-se potência mundial perdendo apenas para o Japão em renda per capita. No entanto, esse crescimento não incluiu as massas e, mesmo com tentativas de repartição desse desenvolvimento, o país sofreu golpes”, dispara. 

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    Ainda segundo o economista, é necessário refletir qual o tipo de vínculo empregatício que se gera em um país de subocupação, com baixa escolaridade, contando com alto contingente de pessoas fora do mercado de trabalho e com as problemáticas de desenvolvimento socioeconômico apontadas anteriormente. 

    “Isso se choca com os altos custos das grandes cidades, com aumento do aluguel, da conta de luz, água, alimentação, que muitas vezes, ultrapassa o que a juventude que busca independência recebe, fazendo com que os gastos com serviços básicos tomem toda sua renda. Isso impede, ainda mais, que acessem suas independências”, afirma. 

    Esforço multiplicado

    Ester também precisa receber cesta básica da instituição de ensino que faz parte, o que acaba, de alguma forma, reduzindo o gasto no seu dia a dia e garantindo o básico, a alimentação. 

    Essa situação também é vivenciada por Luís Henrique que, mesmo aos 27 anos, em outra fase de formação e atuação, ainda sente as dificuldades de se estabilizar financeiramente dentro do cenário atual. Atuando como redator, artista plástico e freelancer em marketing de conteúdo, Luís revela que mesmo tendo uma bolsa de doutorado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF) garantida, ainda se vê refém de cumprir um número alto de demandas para obter retorno financeiro.

    “Está tudo cada vez mais caro. Qualquer coisinha no mercado dá 100 reais. É um absurdo. Basicamente, tem se tornado quase utópico se estabelecer apenas atuando em uma única área. Para começar, a bolsa de doutorado que tenho, que é de R$2.200, não cobre todas as minhas contas. Se você pensar, essa bolsa não sofre reajuste desde 2013. Se, na década de 1990 e 2000, meus orientadores conseguiam bancar uma família inteira, apenas com a bolsa de doutorado, hoje, eu não consigo ir ao supermercado sem ter que pensar em comprar o mínimo e buscar opções de lazer que sejam de graça ou mais em conta”, critica.

    Luís reforça ainda as possibilidades ofertados pelo país à população negra, que requer esforço multiplicado para garantir o básico ou para chegar a um patamar conquistado pelos demais com acessos e privilégios. O doutorando ainda critica a barreira de hiperespecialização para acessar seleções de emprego, tendo em vista o cenário do país que apresenta inúmeras problemáticas quanto ao acesso à educação de qualidade. 

    “Todas as seleções que participei exigiam altos graus de qualificação para ganhar um salário que não condizia com a realidade socioeconômica brasileira. Trabalhei em agência de publicidade e era notável o fato da maioria das pessoas ali serem brancas, morarem com os pais e usarem o salário apenas para usufruto de lazer”, finaliza. 

    Contornando a falta de acessos

    Aos 25 anos, a graduanda em medicina pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Juliana Lima, encontrou nos estudos uma oportunidade de mudar o cenário econômico dela e de sua família. Filha de confeiteiro e de empregada doméstica, a estudante relata que se espelhou na patroa da mãe, que também é médica, como sinônimo de estabilidade financeira.

    Aluna de escola pública no ensino fundamental e médio, Juliana contou com o incentivo e suporte financeiro dos pais para sair de São Paulo para o interior da Bahia, mas, morando há um mês sozinha, já concilia os estudos com as preocupações sobre aluguel. 

    "Vim de classe social baixa e, por diversas vezes, ao longo do curso estive preocupada com a questão financeira, mas, mesmo diante das dificuldades, pensei em mudar de curso, mas sabia que a medicina poderia trazer estabilidade. Anteriormente, conseguia dividir casa e contar com uma bolsa de extensão, mas, agora, tenho que lidar com as contas sozinha e isso, pesa, sim. Ainda conto com a bolsa, mas ela está para acabar e isso já me preocupa sobre o aluguel. O difícil é que, sobre outras fontes de renda, a faculdade impossibilita de trabalhar pela demanda de estudos e os horários que dificultam ter um trabalho", explica Juliana. 

    A estudante ainda reitera o perfil encontrado nas salas de aula, uma maioria de jovens com condições financeiras altas, algo que, para ela, infere diretamente no bom acompanhamento do curso e, por consequência, no bom rendimento na questão das notas. A jovem ainda tende a ter um maior esforço para dar continuidade ao curso devido a responsabilidade que tem com ela e com a família, considerando a possibilidade de ascenção econômica.

    Questionado sobre se há meios que possam ajudar ou, minimamente, contornar a situação de desigualdade atual, principalmente no que diz respeitos aos impactos para aqueles que já se encontraram em um somatório de vulnerabilidades gerais, como é o caso da população negra, o economista Marcos Henrique sugere algumas mudanças.

    “Ao meu ver, a gente precisa de, por um lado, organizar o regime macroeconômico, passar a pensar o futuro a partir do restabelecimento da indústria e da ideia que o Estado tem o papel chave na recuperação da economia e do crescimento econômico junto à população, portanto, precisa gastar e não cortar recursos. Por outro lado, acredito que as políticas públicas, de uma maneira geral, devem forçar e formalizar a ideia de que existe um grande contingente da população que precisa ser atendido. Nesse caso, sempre favorável a inserção de cotas, por ser uma política responsável por diminuir os abismos do acesso que, na minha opinião, precisa ser fortalecida e aprofundada”, finaliza. 

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  93. Ditadura militar: análise das ossadas de Perus termina após 32 anos

    Após 32 anos, os trabalhos de identificação das ossadas encontradas na vala comum do cemitério Dom Bosco, em Perus, em São Paulo, chegam ao fim em abril. A vala foi descoberta no início de setembro de 1990 e os corpos seriam de pessoas perseguidas pela ditadura militar (1964 a 1985), presos políticos e vítimas da violência policial nas décadas de 70 e 80. Ao todo são 1.049 ossadas.

    Desde que foi criado, em 2014, O CAAF (Centro de Antropologia e Arqueologia Forense) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) tem realizado o trabalho de identificação das ossadas, segundo um acordo de cooperação assinado pela Unifesp, o Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.

    Em junho, o CAAF terá que desocupar a sua sede, que fica no bairro da Vila Mariana, na zona Sul, porque o prédio foi vendido. As famílias dos desaparecidos na ditadura querem uma garantia de que as ossadas sejam levadas para um local adequado e que as análises de identificação sejam retomadas.

    “Mas pra além dos presos políticos, nós discutimos o genocídio da juventude preta na época da ditadura e depois também através dessas ossadas. Porque muitos corpos, segundo a análise do CAAF, tem marca de execução de cima para baixo, movimento de defesa, com tiro na mão, o que pode indicar que foram vítimas de ‘esquadrões da morte’, grupos de policiais corruptos que aterrorizavam as periferias”, explica Camila Cardoso, da Agência Queixadas, especializada em turismo periférico e preservação da história do bairro de Perus.

    O ex-deputado estadual Adriano Diogo, que foi perseguido, preso e torturado durante o regime militar, alerta para o prejuízo gerado por uma eventual interrupção dos trabalhos do CAAF.

    “É o único laboratório no Brasil que faz este tipo de investigação de antropologia forense, tanto relacionado a crimes do passado como também mortes em tempos recentes, inclusive para localizar as pessoas desaparecidas”, pontua o ex-deputado estadual.

    Adriano pondera que daqui a alguns anos, o próximo crime de violência do Estado na mira de investigação pode ser a atuação do governo durante a pandemia do Covid-19. “Como teve uma sub-notificação na ordem de 30%, porque as pessoas foram enterradas até sem a ‘causa mortis’, apenas com indicações vagas de moléstia infecciosa ou problemas respiratórios, muitas famílias vão pedir que seja feita a investigação para saber se houve erro no boletim de óbito. Esse tipo de investigação é feito num centro como o CAAF”, esclarece o ex-parlamentar, responsável pelo projeto de lei que determina a investigação das ossadas.

    Em resposta à Alma Preta Jornalismo, a prefeitura de São Paulo informou que haverá uma reunião na próxima sexta-feira (18), com todos os representantes das entidades e grupos envolvidos com as investigações das ossadas de Perus, na sede do TRF-3 (Tribunal Regional Federal) para acertar o destino do material. De acordo com a prefeitura, em março deve ser divulgado alguns resultados do relatório dessas investigações forenses nas ossadas.

    A Assessoria de Imprensa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo informou que o acordo firmado na Justiça Federal prevê ainda a construção de um memorial em homenagem aos mortos pela ditadura. Por sua vez, a Unifesp disse que tem um projeto de construção de um laboratório de Identificação Humana.

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  94. Após denunciar racismo, professora é vítima de assédio moral e sexual por diretor da escola

    No dia 14 de novembro, a professora de geografia Jacqueline dos Santos foi vítima de injúria racial e assédio moral por parte do diretor da Escola Municipal Maria Aparecida de Oliveira Pedroso, em Cotia-SP, Vaguiner Farias. O caso aconteceu em 2019.

    A professora questionou o diretor Vaguiner Farias depois de se deparar com imagens de pessoas negras em condição de escravizadas no pátio do colégio. “Sem qualquer contextualização, as imagens animalizavam as pessoas negras, e isso durante a semana da Consciência Negra”.

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    Imagens retratando a escravidão | Créditos: Acervo Pessoal

    Diante dos questionamentos de Jacqueline, Vaguiner disse: “Não, está certo. A história de vocês negros começou aqui. Foi onde tudo começou”. Depois de Jacqueline refutar a afirmação, o diretor riu e disse que a professora era “burra, ignorante e que não sabia do que estava falando”.

    O diretor da escola também entrou na sala de Jacqueline, enquanto a professora lecionava para o sétimo ano, e a ofendeu novamente. “Você é burra, você não sabe o que você está falando. Quem você pensa que você é? Você não respeita ninguém, eu sou uma autoridade aqui”, disse o diretor.

    “Eu fiquei muito constrangida com os alunos. Porque os alunos nunca me viram passar por uma situação como essa”, relata Jacqueline dos Santos. Alguns estudantes declararam à reportagem que era nítido o embaraço da educadora durante a atitude do diretor. Além disso, nas redes sociais, mães e membros da comunidade se mostraram solidários à indignação de Jacqueline com as imagens expostas.

    A professora deixou a sala de aula, foi para a direção da escola, onde foi novamente insultada pelo diretor. Ela diz que ele tentou intimidá-la. Depois de responder às ofensas e dizer que não ficaria quieta diante das ações do diretor, se dirigiu às demais mulheres da sala. “Vocês deveriam fazer isso quando ele grita com vocês”.

    Em resposta às acusações, o diretor Vaguiner Farias afirmou que as imagens colocadas nas paredes da escola não foram expostas por nenhum membro da gestão escolar. Segundo ele, a professora de artes havia designado esse tipo de trabalho a seus alunos.

    Vaguiner explica que a prosposta do trabalho era mostrar o negro desde o princípio, inicialmente como reis e rainhas. Depois, a atividade visava destacar as condições que o mundo deu à população negra, “tirando suas oportunidades”. Por fim, o trabalho escolar, segundo o gestor da escola, iria exemplificar as celebridades negras da atualidade, “a fim de que as crianças pudessem ver que todos têm o seu valor”.

    “Também tínhamos a ideia de comparar a escravidão negra com o judeu e tentar entender porque o negro ficou com estigma de escravo enquanto o judeu não, sendo que o judeu ficou por muito tempo cativo. Queríamos fazer as crianças pensarem no porquê disso, seria um motivo político por trás”, complementa o diretor.

    Vaguiner disse ainda que não houve discussão com a professora Jacqueline. De acordo com o diretor, “discussão é quando duas pessoas falam, e não ocorreu isso. Ela falou tudo que quis, eu só disse a ela assim: discordo do que você disse, mas é um direito seu dizer”.

    A servidora registrou Boletim de Ocorrência no dia 5 de dezembro de 2019, no DHPP, Decradi, na Luz, São Paulo. A delegada Daniela Branco e a escrivã Juliana dos Santos foram as responsáveis pelo Boletim de Ocorrência.

    O caso foi encaminhado para a Delegacia de Polícia de Cotia. Jacqueline foi convidada para ir à delegacia para confirmar a história meses depois, no dia 2 de Março de 2020. Ela nunca mais foi chamada, e nem recebeu qualquer novidade sobre as investigações.

    Assédio sexual

    Depois de registrar o boletim de ocorrência por injúria racial e passar pela situação de assédio moral, Jacqueline teria ainda de lidar com difamações, de cunho sexual, estimuladas pelo diretor, Vaguiner Farias.

    De acordo com ela, o diretor da escola comentou com outros colegas de trabalho que mantinha relações sexuais com a professora de geografia. Jacqueline nega qualquer relação que não a profissional com o diretor.

    O art. 216-Ado Código Penal Brasileiro configura como assédio sexual o ato de “constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”, o que inclui insinuações explicitas ou veladas e uso de expressões de cunho sexual.

    Além disso, segundo a vítima, outras professoras da mesma unidade sinalizaram o comportamento inadequado do diretor da Escola Municipal Maria Aparecida de Oliveira.

    Uma professora foi chamada para a sala de Vaguiner Farias para explicar uma situação, de que havia um comentário de que os dois eram “amantes”. Ela relatou, no boletim de ocorrência, ter se incomodado com um abraço dado pelo diretor, e a partir de então decidiu por manter maior distância para evitar qualquer contato físico.

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    Fachada da Escola Municipal Maria Aparecida de Oliveira Pedroso, em Cotia (SP) | Créditos: Divulgação

    A professora também disse que, ao chegar na escola, quando foi cumprimentar o diretor, recebeu um beijo próximo da boca, o que a deixou desconfortável. A situação mais grave ocorreu quando a ela precisou imprimir um material didático e a única impressora estava na sala dele. A docente disse que foi agarrada pelo diretor da escola e, naquele momento, ficou sem reação.

    O diretor Vaguiner Farias, por sua vez, afirma que não teve nenhum tipo de comportamento desta natureza com as colegas de trabalho. “Nunca houve denúncias desse tipo, jamais falaria algo sobre a vida de alguém, muito menos com conotação sexual. Tenho um convívio saudável com todos, profissional. Estou há três anos na escola, sempre tratando cada pessoa como da família, atendendo as necessidades de todos quando possível”, ressalta.

    Secretaria de Educação

    A servidora Jacqueline Santos, após todo o episódio ocorrido na escola, se dirigiu à Secretaria de Educação de Cotia, a fim de realizar uma denúncia contra o diretor Vaguiner Farias.

    Ela conta que, em um primeiro momento, o secretário Luciano Corrêa dos Santos lhe prestou apoio e explicou como ela deveria proceder. Era necessário que a professora escrevesse um relato de próprio punho, contando em detalhes de como se deram os fatos. Segundo ela, Luciano lhe garantiu que iria pessoalmente à escola apurar o episódio no outro dia, e que também abriria uma sindicância contra o diretor Vaguiner.

    No entanto, Jacqueline se sentiu desamparada pela entidade. Segundo ela, no dia subsequente à visita à secretaria, a servidora esperou pelo secretário, que não foi à escola. Ela afirma ainda que não chegou ao seu conhecimento se houve investigação do órgão para apurar o ocorrido.

    Como consequência, a geógrafa relata que sua saúde – física e mental – foi afetada, o que a fez ficar internada por um período. Ela afirma que durante este período de afastamento, seus atestados médicos não foram aceitos, logo, os dias foram descontados de sua folha de pagamento, prejudicando sua renda mensal.

    Questionada pela reportagem da Alma Preta Jornalismo, a Secretaria de Educação de Cotia não justificou o motivo da não aceitação dos documentos fornecidos pela servidora ou se uma sindicância foi efetivamente aberta.

    O diretor Vaguiner Farias, no entanto, afirmou que foi convidado a prestar depoimento na secretaria sobre o ocorrido e que membros do órgão estiveram presentes no evento promovido pela escola, o qual as imagens sobre a escravidão estavam expostas. Segundo ele, a mostra causou comoção na comunidade.

    “Muitas crianças choraram e pessoas da comunidade também, foi um marco positivo na escola Maria Aparecida. Trocaria minha vida para dar de novo uma oportunidade dessas às crianças e às pessoas que ali estavam”, disse ele.

    Agressões

    No dia 12 de janeiro, a professora de Geografia diz ter sido agredida na Secretaria de Educação de Cotia. Segundo ela, um homem branco, identificado como Bruno e advogado do órgão, a ofendeu, gritou e lhe deu uma peitada para expulsá-la do prédio, localizado na Rua Jorge Caixe, 306. A agressão foi registrado na Delegacia de Polícia de Cotia como injúria real, ou seja, “quando a lesão corporal empregada não é de natureza grave ou gravíssima''. O delegado responsável se chama Adair Marques Ferreira Júnior.

    Jacqueline recebeu via Whatsapp uma mensagem de André Oliveira, diretor da escola municipal Samuel da Silva Filho, solicitando à servidora a comparecer ao prédio da Secretaria de Educação com “máxima urgência” até o dia 14 de janeiro. A professora foi ao prédio no dia 12 de janeiro, com o filho e o sobrinho, de 10 e 9 anos, respectivamente.

    Os documentos recebidos na secretaria sinalizavam a necessidade de Jacqueline comparecer na delegacia de Cotia no dia 18 de Janeiro, às 10h, para responder perguntas sobre um inquérito de falsificação de documento e falsidade ideológica. Jacqueline pediu para ver os demais documentos da mesma pasta para entender do que se tratava a acusação.

    “Passei a questionar o que significava aquilo. Não sei sobre o que se trata essa acusação. Eu não queria assinar algo que eu não sei sobre o que se refere”, explica a professora.

    A professora teve o acesso negado aos documentos por parte da secretaria e ligou para o advogado, que reiterou a importância de ela ter conhecimento do que se tratava. Sem a possibilidade de visualizar as denúncias, Jacqueline ligou para a polícia para relatar o fato.

    Depois da ligação, um rapaz, que se apresentou como advogado do órgão e de nome Bruno, passou a encostar no ombro da professora e a chamar de “mal-educada”, "descontrolada" e pediu para ela abaixar o tom de voz. Jacqueline disse que não mudaria seu tom de voz e pediu para ele parar de encostar nela.

    Bruno então colocou os braços para trás, deu uma peitada na professora, que foi para trás e depois saiu do prédio. “Se eu não recuo, ele me daria mais peitadas”. Ela saiu do prédio antes da chegada da polícia e se dirigiu para a delegacia.

    Outros problemas junto à gestão municipal

    Além dos percalços que a servidora enfrenta a respeito do ocorrido na escola e na Secretaria de Educação de Cotia, a professora de geografia ainda foi acusada de falsidade ideológica pela prefeitura no ano passado. Formada na Universidade Estadual Paulista em Marília (Unesp), Jacqueline ascendeu na trajetória acadêmica, tornou-se mestre pela Universidade de São Paulo (USP), e atualmente cursa dois doutorados – um na USP e outro internacional, em Bogotá.

    Segundo ela, devido às notas altas e ao número de cursos com certificação que possui, a prefeitura passou a acusá-la de que seus diplomas eram falsos. A gestão municipal de Cotia ainda solicitou o envio de documentações já entregues pela servidora, com a justificativa de que outros professores já haviam entregado diplomas falsos ao órgão.

    Jacqueline, então, em 18 de Janeiro de 2022, acompanhada do advogado Anivaldo dos Anjos, abriu um Termo de Declaração a respeito da veracidade de seus diplomas e certificados acadêmicos na Delegacia de Polícia Municipal de Cotia, sob responsabilidade no momento do delegado Gilson Leite.

    Em um trecho do documento, a professora afirmou: “tive muita dificuldade para apresentar meus diplomas, pois sofro perseguição racial do diretor da escola. Apresentei os diplomas à Secretaria de Educação, contudo, não recebi até o momento progressão funcional por meus cursos”.

    Enquanto o processo ainda está em andamento, a professora afirma – e diz que é possível comprovar com documentos – que não está recebendo o valor compatível com o que deveria receber de acordo com a sua formação e especializações.

    Outro ponto que está sendo discutido neste processo é que Jacqueline afirma ter trabalhado na escola em todas as noites do ano letivo de 2021, mas que não recebe adicional noturno nem qualquer outro benefício, como licença prêmio e plano de carreira, desde a acusação.

    “Fui injustiçado por ela”, diz diretor

    Em resposta ao relato da professora Jacqueline Santos, o diretor Vaguiner Farias afirmou o seguinte à reportagem da Alma Preta Jornalismo:

    “Triste pensar que existem pessoas que não vivem tentando perseguir o outro. Mas Deus ou o mundo, como preferirem, é justo em suas ações. Eu durmo todos os dias tranquilo, pois Deus conhece meu coração. Oro para que ele perdoe a maldade da pessoa que tentou inverter tudo que foi feito”.

    “Foi uma coisa chata, mas não tenho nem mágoa dela [Jacqueline]. Na verdade, quero que ela seja feliz, pois eu durmo em paz com tudo. Sei que não fiz nada de errado, nem falei. No fim, fiquei até orando por ela, que sofreu por uma coisa que saiu dela mesma, não de mim, tanto que fiquei quieto, ouvindo.”

    “Estamos abertos e com vontade de mudança sempre. Hoje mesmo estava ouvindo Protesto do Olodum e pensando em quanta coisa poderia ser feita de social para impactar as pessoas. Uma canção que mostra luta, uma luta da qual faço parte pelas minhas origens e que sempre vou levar comigo”.

    “Minha mãe é negra, e o engraçado de tudo é que, quando eu era criança, eu ficava muito tempo no sol, pois achava que assim ficaria da cor da minha mãe, era um sonho pra mim, mas Deus tinha outro plano, claro”.

    “Infelizmente, eu fui injustiçado por ela [Jacqueline] nessa situação, mas tranquilo. Vida que segue. Eu acredito na bondade do homem, na honestidade, no respeito, na igualdade, e que nada fica impune nesse mundo”.

    Desdobramentos das denúncias

    Todos os documentos acerca do caso podem ser acessados de modo digitalizado. Segundo Jacqueline dos Santos, o diretor rasgou todos os documentos físicos presentes na escola.

    No dia 3 de dezembro, ela procurou a Defensoria Pública para conseguir algum posicionamento acerca das denúncias apresentadas. O Núcleo de Igualdade Racial da Defensoria Pública pediu uma posição em até 20 dias acerca do boletim de ocorrência e providências sobre as denúncias. O caso é acompanhado pelo defensor Vinicius Silva.

    Depois, no dia 25 de Maio de 2020, foi realizada nova reunião com a Defensoria Pública e a Secretaria Municipal de Educação de Cotia para recomendar que o diretor participe de um curso de formação de História e Cultura afro-brasileira com carga horária mínima de 60 horas. O documento também exige a criação de uma nova atividade, com a presença obrigatória de todo corpo docente, para abordar a história positiva de diversas pessoas negras na história brasileira. O prazo de respostas é de 90 dias.

    O defensor público Vinicius Silva explicou à Alma Preta Jornalismo que o caso ainda está em andamento, mas que as solicitações já foram enviadas à Secretaria de Educação de Cotia. A Defensoria Pública comunicou que já foram adotadas providências para o atendimento da professora de forma remota.

    A Secretaria de Educação de Cotia, por sua vez, foi contatada diversas vezes, mas não se pronunciou, bem como a Prefeitura Municipal. A reportagem questionou quais foram as diretrizes adotadas pelo órgão para apurar o caso que envolve o diretor Vaguiner Farias e qual o respaldo que a servidora está recebendo da secretaria.

    Além disso, a secretaria foi questionadas sobre as razões que fizeram duvidar da veracidade dos diplomas apresentados pela professora de geografia e também se o órgão poderia relatar o que houve na data em que Jacqueline disse ter sido agredida por um dos advogados do local. Até a publicação deste texto, o órgão não se pronunciou. Caso responda, a matéria será atualizada.

    Já a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que a ocorrência registrada em dezembro de 2019 na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) foi encaminhada à Delegacia de Polícia de Cotia, que instaurou inquérito policial e, em 2020, ouviu todas as partes relacionadas a ocorrência, inclusive a vítima.

    “No mesmo ano, a unidade concluiu a investigação e relatou o inquérito para análise do Poder Judiciário, que arquivou o caso. Já o registro feito em janeiro deste ano junto à Delegacia de Polícia de Cotia, sob a natureza injúria real, depende do oferecimento de representação criminal por parte da vítima, conforme a legislação”, diz a SSP.

    Segundo o órgão, a autoridade policial tenta contatar a professora a fim de verificar se há interesse ou não na adoção de tal providência e prosseguir com as apurações.

    No mesmo dia em que a reportagem recebeu esse retorno da Secretaria de Segurança, a professora Jacqueline foi notificada por um e-mail da Delegacia de Polícia de Cotia sobre o caso envolvendo o suposto advogado Bruno, da Secretaria de Educação. No texto, a delegacia explica como a servidora deve proceder e que o prazo para ela entrar com a solicitação de Queixa Crime é até julho deste ano.

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  95. Refúgio LGBTQIA+, casas de acolhimento sofrem com falta de apoio financeiro e discriminação

    Diante do desamparo em vários âmbitos vivido por pessoas LGBTQIA+, as casas de acolhimento não-governamentais realizam um trabalho de suprir necessidades que não são acompanhadas pelo poder público. Entretanto, lidam com o desafio diário de criar ferramentas para que haja manutenção e continuidade de suas atividades. À base de doações e campanhas de financiamento on-line, estes espaços revelam um país que, ainda, não voltou os olhos para as especificidades desta população. 

    Recentemente, a Casa Nem, ONG de acolhimento LGBTQIA+ com projetos sociais voltados para comunidade, sediada no Flamengo, no Rio de Janeiro, divulgou em suas redes sociais que poderia fechar as portas por falta de recursos. Fundada em 2016 pelo Grupo Transrevolução, a casa é administrada somente por pessoas trans e acolhe, em média, 25 pessoas. 

    Com trabalhos de impacto social, como a ‘KuzinhaNem’, projeto de empregabilidade e geração de renda à população trans e travesti no mercado alimentício, e o ‘PreparaNem’, curso preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), voltado para incluir pessoas T nas universidades, a casa de referência poderá ter suas portas fechadas por não bater a meta de doações para a sua manutenção.

    Dados disponibilizados no site da campanha oficial revelam que, em um mês, a Casa Nem gastou o montante de R$21.389 para se manter. Até o momento, apenas 47% do financiamento necessário foi batido. Hoje, ao morar na Casa Nem, todos trabalham para um lar limpo, funcional e acolhedor sem taxa obrigatória para permanecer no espaço. 

    A coordenadora administrativa da Rede Nem, Ágatha Maria Chavier, reafirma que o maior desafio para dar continuidade ao trabalho e as atividades realizadas na casa é o fator renda.

    “Nós contamos com algumas doações fixas mensais, mas o valor não cobre o custo de tudo que a gente gasta por mês, incluindo as contas, as ajudas para aquelas pessoas que estão construindo sua renda, alimentação, produtos de higiene e limpeza e mais outras demandas. Um processo que, a cada mês, nos coloca na responsabilidade de encontrar maneiras para que o trabalho siga acontecendo”, pontua. 

    A coordenadora ainda ressalta que, apesar da função social desempenhada, os órgãos públicos ainda não reconhecem a casa oficialmente. Acionada constantemente para atender pessoas encaminhadas pela prefeitura, a casa não recebe nenhum tipo de apoio institucional. 

    Ainda segundo Ágatha Maria, além dos desafios de manutenção da casa, a falta de segurança desponta como um dos fatores de risco para a continuidade das atividades e, principalmente, a permanência de pessoas trans e travestis no espaço.

    “A casa sofre constantes ameaças, sejam elas de violência ou até morte, e isso é um fator que acaba atrapalhando as pessoas quererem viver na casa. A partir daí, nós contamos com o trabalho de psicólogos para que as pessoas assistidas entendam que, apesar das questões que nós enfrentamos, a Casa Nem é um local de segurança para elas e de resiliência LGBTQIA+”, revela e finaliza a coordenadora. 

    Ausência do poder público

    Atualmente, ativistas da causa LGBTQIA+ apontam que efetivamente não há leis que tenham sido discutidas, votadas e implementadas pelo legislativo para garantir direitos básicos, como moradia e segurança deste grupo. Para Iran Giusti, organizador da Casa 1 -  centro social e cultural de acolhida de jovens LGBTs expulsos de casa pela família, localizado na cidade de São Paulo - o desafio diário de manter as casas de acolhimento é fruto de irresponsabilidade do sistema para com a população em questão. 

    “Nossos e nossas parlamentares ainda se recusam sistematicamente a construir ferramentas para para população LGBTQIA+, e temos que fazer um caminho mais longo de demandar que o judiciário estabeleça uma proteção mínima do Estado aos nossos corpos e corpas”, dispara. 

    Hoje, a Casa 1 conta uma residência para jovens LGBTs expulsos de casa, uma biblioteca comunitária pública e uma sala de atendimento para população em situação de rua com distribuição de roupas e produtos de higiene pessoal. Além disso, conta com mais um espaço chamado ‘Galpão Casa 1’, que funciona diariamente com programações socioeducativas - como aulas de inglês, espanhol, curso preparatório para o ENEM, lutas, costura, modelagem, canto e outras atividades -, além de contar com a ‘Clínica Social’, responsável com atendimentos psicoterápicos gratuitos e de baixo custo. 

    Por que Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime quais foram as consequências desse crime para a história brasileira?

    Entre as maiores dificuldades em manter as atividades das casas, estão a falta de responsabilização do poder público, escassez de recursos e garantia de segurança, afirmam representantes (Imagem: Reprodução/Casa Neon Cunha)

    Questionado sobre quais são os maiores percalços para manutenção e funcionamento do espaço, que contempla 3.500 pessoas mensalmente, Iran Giusti afirma que a falta de recursos e burocracias são as maiores barreiras. Ele avalia que, mesmo com o visibilidade e apoio que a Casa 1 tem atualmente, os problemas e as violências que acometem a população LGBTQIA+ são maiores, resultando em uma busca constante de garantir permanência e expansão de sua atuação. 

    “Existe uma ideia de que organizações não governamentais e projetos de sociedade civil se mantém de voluntariado e amor, porém estamos falando de uma iniciativa que, infelizmente, está inserida em um sistema capitalista e os recursos são sempre necessários e a conta em geral não fecha. Além disso, também estamos sujeitos a todas as burocracias, seja do Estado, seja do mercado, portanto, para que consigamos atender às 3500 pessoas que atendemos mensalmente temos, hoje, uma equipe contratada de 30 pessoas, e um terço delas se dedica à questões burocráticas”, explica Giusti. 

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    Projeção sobre melhorias 

    Denominador comum entre as frentes que discutem as problemáticas e melhorias sobre o suporte e acolhimento às pessoas LGBTQIA+, a falta de escuta por parte dos parlamentares é um dos fatores que dificultam a implementação de novas políticas. 

    Ainda segundo Giusti, mesmo com o avanço de candidaturas que se debruçam sobre o tema, o processo de efetivação das políticas ainda é “moroso e burocrático”.

    “De modo mais amplo e até um pouco idealista, para além dos investimentos financeiros, o ideal é que consigamos visibilizar e fortalecer o SUAS, o Sistema Único de Assistência Social, que é o responsável por frentes fundamentais do combate às desigualdades, como proteção e atenção integral à família, proteção a pessoas com deficiência e idosas, erradicação de trabalho infantil, serviço de acolhimento, entre outros”, sugere e finaliza. 

    A Casa Neon Cunha, organização não governamental sem fins lucrativos de atuação em São Bernardo do Campo (SP), presta serviços de atendimento psicológico, além de nivelamento educacional e articulação de rede à pessoas LGBTI+ e seus familiares, é outro exemplo disso. Seu presidente Paulo Araújo aponta que a falta de dados sobre esta população também é um obstáculo ao pensar em melhorias.

    “Nós fazemos parte de um processo de violência que vai desde a falta de pesquisa e informação até a falta de produção de políticas públicas efetivas. Nós não temos um mapeamento consistente, por exemplo, para que possamos identificar o perfil das pessoas em vulnerabilidade e apontar as ausências dessa população com qualidade. Não há como pensar em melhorias sem o diálogo do legislativo junto a nós”, afirma. 

    Araújo ainda destaca a importância do reconhecimento da sociedade e poder público da diferença que as casas fazem na vida da população LGBTQIA+, tendo em vista a sua relevância dentro de um projeto que assegura não só a sobrevivência de muitas pessoas, mas que traz perspectiva de desconstrução das narrativas pré-estabelecidas à comunidade. 

    “Se faz sempre necessário pontuar que estamos fazendo o trabalho do estado, produzindo esta política pública não em um modo quantitativo, mas, sim, qualitativo. Por isso, é de extrema importância a continuidade dessas casas, para o acompanhamento que atende às especificidades das pessoas acolhidas, com atendimento psicológico, orientações jurídicas, qualificação profissional, além do abrigo. É um projeto coletivo que acredita que, para além de qualquer coisa, nós devemos trazer de volta a humanidade, algo que a população LGBTQIA+ merece ter”, finaliza.

    Como ajudar

    Inúmeras são as casas que necessitam de apoio e que podem estar em um raio de distância próximo. Buscar informação junto a coletivos de apoio ou representantes da causa pode ser uma forma de contribuir para com que o mínimo do que seja feito continue em funcionamento.

    Para isso, a Alma Preta Jornalismo destaca campanhas veiculadas pelos três projetos citados na publicação e sugere a procura de mais casas que dependem de doações e recursos financeiros: 

    Casa Nem

    Casa 1 

    Casa Neon Cunha 

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  96. Quase metade das crianças negras de 6 e 7 anos não sabem ler e escrever no Brasil

    Isaac Levi estuda o terceiro ano na Escola Classe 302, na Asa Norte, em Brasília. Devido à pandemia, o menino de nove anos vai precisar refazer a série e não sabe ler fluentemente. De acordo com a mãe, a gestora de Recursos Humanos, Caroline Nascimento, de 30 anos, ele entende apenas as letras básicas do alfabeto. Ele é apenas mais uma das milhões de crianças com dificuldade de alfabetização no país.

    Segundo uma nota técnica feita pela pela organização não-governamental Todos Pela Educação, entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos de idade que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever. O número passou de 1,4 milhão em 2019 para 2,4 milhões em 2021. A pesquisa foi realizada com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) desde 2012. 

    O Todos pela Educação mostra que o impacto da pandemia na alfabetização reforçou a diferença entre crianças brancas e crianças negras. Os percentuais de crianças pretas e pardas de 6 e 7 anos de idade que não sabiam ler e escrever passaram de 28,8% e 28,2% em 2019 para 47,4% e 44,5% em 2021, sendo que entre as crianças brancas o aumento foi de 20,3% para 35,1% no mesmo período.

    Também é possível visualizar uma diferença relevante entre as crianças residentes dos domicílios mais ricos e mais pobres do país. Dentre as crianças mais pobres, o percentual das que não sabiam ler e escrever aumentou de 33,6% para 51,0%, entre 2019 e 2021. Dentre as crianças mais ricas, o aumento foi de 11,4% para 16,6%.

    Isaac tem um irmão mais novo, de 7 anos, que faz o 2° ano este ano e está se desenvolvendo dentro da normalidade, de acordo com com a família. “A pandemia dificultou muito porque somos uma família com pais separados e o Isaac teve que ficar um tempo com o pai, já que a escola não estava funcionando e eu estava trabalhando normalmente”, disse Caroline. 

    A mãe conta que, apesar de o garoto ter tido acompanhamento particular, o tempo de reclusão causou muitos problemas emocionais o que fez com que ele não conseguisse manter os estudos. “Ele tinha total desinteresse pelas matérias básicas dadas na escola”, conta. 

    A família de Issac mora em Sobradinho, bairro a 25 km do centro da capital federal e tem acesso à internet e aos aparelhos eletrônicos necessários para as aulas. Essa não é a realidade de muitas das casas no país. 

    Acesso a internet

    De acordo com o IBGE, apesar do crescimento do acesso à internet entre estudantes maiores de 10 anos, 4,3 milhões ainda não utilizavam o serviço no último trimestre de 2019. A maioria desses estudantes, 95,9%, eram alunos da rede pública de ensino. Na rede privada de educação, apenas 174 mil alunos não tinham conexão à rede mundial de computadores no mesmo período. 

    No Norte e Nordeste, o percentual de estudantes da rede pública que utilizaram a internet foi de 68,4% e 77,0%, respectivamente. Nas demais regiões esse percentual variou de 88,6% a 91,3%.

    Uma das saídas possíveis para ajudar a resolver a deficiência no acesso à rede para os estudantes seria a utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para conectar escolas, professores e também permitir a compra de equipamentos eletrônicos.

    Na lei do Fust, publicada no Diário Oficial da União (DOU) no final de março de 2021, está prevista a conexão das escolas públicas até 2024 e a garantia que os recursos do fundo sejam investidos em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Porém, os recursos foram bloqueados.

    Além do Fust, o Congresso aprovou o PL 3.477/2020, que previa o repasse de R$3,5 bilhões do Fundo para estados, municípios e o Distrito Federal para garantir serviços de internet para alunos e professores da rede pública de ensino. Mas o governo Bolsonaro vetou integralmente o texto. 

    Políticas públicas

    Segundo o Todos Pela Educação, “o aumento expressivo no número de crianças não-alfabetizadas e o maior impacto entre alunos negros e mais pobres são dois dos principais desafios”, afirma o líder de políticas educacionais Gabriel Corrêa.

    Este mês entrou na pauta do Senado Federal a criação do Sistema Nacional de Educação (SNE). De autoria do senador Flávio Arns (Podemos-PR), o PL 235/2019 seria apreciado em plenário, nesta quarta-feira (9), mas foi retirado de pauta a pedido do próprio relator da matéria, senador Dário Berger (MDB-SC), para que possa avaliar sugestões que lhe foram encaminhadas pelo Ministério da Educação. 

    Com o SNE haverá o alinhamento de políticas, programas e ações entre União, estados e municípios, em articulação colaborativa dos entes da Federação na área educacional. A ideia é universalizar o acesso à educação básica e garantir seu padrão universal e integral, assim como foi feito com o Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta também tramita na Câmara dos Deputados.

    A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), relator da pauta na Câmara, para entender melhor o andamento da matéria no parlamento e os desafios que a impedem de ser levada adiante. De acordo com o parlamentar, essa semana se conquistou as assinaturas para o requerimento de urgência na Casa, para que seja apreciado no plenário.

    "Estamos conversando com os líderes e com o MEC para chegarmos a um texto que seja aprovado nas duas Casas. Não creio que as coisas estejam difíceis, é o tempo normal de tramitação de um projeto tão importante e complexo", afirmou Alencar.

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  97. Censo desconsidera raça de 3 a cada 10 pessoas em situação de rua em São Paulo

    Na terceira fase do censo da população de rua da cidade de São Paulo, prevista para ser concluída ainda em 2022, deve ser apresentado um relatório temático de identificação das necessidades, segundo os dados socioeconômicos, das cerca de 31,8 mil pessoas estão desabrigadas na capital. Porém, o censo não tem informações sobre cor ou raça de aproximadamente 9,5 mil pessoas em situação de rua, o que representa 30% do total.

    A Prefeitura pagou R$ 1,7 milhão pelo censo feito pela empresa Qualitest Inteligência em Pesquisa, de acordo com critérios e metodologia científica, no final de 2021, por cerca de 220 recenseadores contratados pela empresa.

    “Não ter recorte de raça de 30% é um descompromisso muito grande com o combate ao racismo estrutural. É um número significativo de pessoas em vulnerabilidade e que continuam invisibilizadas. Como pode haver alguma perspectiva séria de implantação de políticas públicas se não tem o mínimo de dados sobre a identificação dessas pessoas”, questiona o advogado Flávio Campos, que também é militante da luta antirracista.

    Segundo o edital da prefeitura, o objetivo do censo seria: a identificação quantitativa e espacial da população em situação de rua na cidade; o perfil socioeconômico completo dessa população; e as necessidades específicas encontradas com base nos resultados detalhados dos dois primeiros levantamentos.

    “Ao meu ver essa pesquisa foi equivocada ao desprezar a importância do recorte racial no planejamento. Foi uma metodologia errada. Será mais difícil aplicar recursos públicos, por exemplo, na área da saúde para a população negra, que tem uma política específica, se não tem o recorte racial de três em cada grupo de dez pessoas na rua”, diz Robson César Correia Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo.

    A Qualitest Inteligência em Pesquisa, que segundo a prefeitura é uma empresa especializada em levantamentos do gênero, foi contratada no mês de setembro de 2021 por meio de pregão eletrônico para fazer o censo da população de rua. De acordo com a própria prefeitura, o resultado geral do censo será importante para a elaboração de políticas assistenciais, aplicação de recursos públicos e planejamento dos programas do governo.

    “Sem o dado racial completo não tem informação qualitativa ou quantitativa suficiente para implementação das medidas necessárias. O dinheiro público foi usado em um censo que não contempla a realidade da população negra”, explica o advogado Campos.

    O levantamento anterior, de acordo com a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), foi feito em 2019 e apontou que existiam 24.344 pessoas vivendo nas ruas. Agora, os dados do censo da Qualitest mostram 7.540 pessoas a mais em dois anos de intervalo.

    Das cerca de 22,6 mil pessoas em situação de rua que declaração a cor ou raça na pesquisa da Qualitest, foram 10,9 mil pardos e 5,5 mil negros. Pela legislação municipal, o próximo censo deveria ser feito apenas em 2023, porém, a prefeitura antecipou o estudo para que também pudesse ser analisado o impacto da pandemia de Covid-19.

    A Alma Preta Jornalismo questionou a SMADS sobre a falta de informações completas sobre a cor e a raça da população de rua da capital. A pasta informou que o critério de autodeclaração de cor e raça é usado desde o início da série histórica dos censos de população de rua, iniciada em 2000. Além disso, os resultados obtidos na série histórica identificam maioria preta e parda nas ruas.

    Em nota a secretaria diz que "entende o racismo como estrutural também na cidade e, neste sentido, todos os profissionais da rede socioassistencial que atuam na abordagem de pessoas vivendo em situação de rua e/ou nos centros de acolhida estão preparados para atender às demandas da população negra".

    A pasta também destacou que existem condições específicas em torno de um levantamento que envolve a população de rua. "Um censo demográfico, ou mesmo de uma pesquisa de fundo eleitoral, por exemplo, público alvo e condições de abordagem, têm características diferentes das encontradas durante o trabalho de pesquisa de campo com pessoas em situação de rua", diz a nota. Em 2019, o percentual de pessoas que não responderam à pergunta de raça e cor foi de 26%.

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  98. Pelo menos oito bairros de Franco da Rocha ainda correm risco de deslizamento

    A maioria dos bairros de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, têm áreas de encosta com casas ameaçadas de desabamento. Nas áreas planas do centro, onde fica a prefeitura, as chuvas fortes trazem alagamentos acima de 1,5 metro. Os moradores estão apreensivos com o risco de vida.

    Foram 15 mortes no deslizamento na rua São Carlos, no jardim Paulista, na manhã do dia 30 de janeiro. “Teve um estrondo bem forte e a rua ficou toda cinza. Comecei a gritar para avisar as pessoas, ainda estava chovendo muito, a lama derrubou o poste e explodiu o transformador. Algumas pessoas se salvaram, mas muitos conhecidos morreram”, lembra o auxiliar de manutenção Gilmar Moreira dos Santos, 40 anos, que mora a poucos metros do deslizamento e teve a casa interditada pela Defesa Civil.

    No Jardim Paulista, foram 188 casas interditadas e as famílias só puderam retirar os seus móveis, documentos, roupas e objetos pessoais na última sexta-feira (4), quando a equipe do Alma Preta Jornalismo esteve no local.

    O analista jurídico Alexander Pereira da Silva, 27 anos, mora também na rua São Carlos e é voluntário para ajudar os desabrigados, como ele, desde o primeiro dia da tragédia. “Vivo aqui há dez anos e a única coisa que a gente vê é a prefeitura vir retirar a lama depois das chuvas. Não foi por falta de aviso, eu mesmo já tinha telefonado para a Defesa Civil. Os governos do município, do estado e federal nunca apresentaram uma proposta real para resolver o problema dos deslizamentos ou dar uma alternativa digna de moradia”, conta Silva.

    Além do Jardim Paulista, as casas de centenas de moradores estão com risco de desabamento porque o volume de chuva está maior que o normal para esta época do ano. A situação é mais grave nos bairros do Lago Azul, Vila Bazu, Jardim Cruzeiro, Parque Vitória, Parque Pretória, Vila Palmares e Vila Lemar.

    A instrutora de Yoga e arte-educadora Stefani Bertolize Santos, 27 anos, mora na Vila Lemar, onde 26 casas foram interditadas. “Não nos deram nenhuma explicação do que será feito ou quando, apenas disseram que era para os moradores saírem de suas casas”, comenta.

    O bairro existe há quase 50 anos e já passou outros deslizamentos de terra. As casas ficam ao lado das encostas de um vale, com nascentes e árvores nativas. Os moradores querem que sejam feitas obras de contenção nos barrancos para proteger as casas e um parque para preservar a área verde e o meio-ambiente.

    “Com as últimas chuvas já houve algum deslizamento e diversas árvores caíram. A situação é mesmo de bastante perigo”, diz Deogracia Souza, a professora Graça, que mora no bairro desde 2009.

    Em 2019, a prefeitura chegou a fazer uma pequena obra de reforço no barranco, na rua Canárias, perto do local onde já tinha acontecido o desmoronamento de uma casa. A obra, porém, não foi suficiente e outras casas da rua e também da rua Madagascar, que circunda a boca do vale, continuam ameaçadas.

    O coletivo Barroka, formado por artistas da região, organizou um abaixo-assinado para que sejam feitas novas obras. Na  sexta-feira, dia 18, os moradores de diversos bairros com risco de deslizamento farão um ato no estacionamento da prefeitura de Franco da Rocha, a partir das 9h.

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    Local com risco de desabamento de terra na Vila Lemar, em Franco da Rocha I Imagem: Juca Guimarães

    A prefeitura de Franco da Rocha informou aos moradores que vai liberar o auxílio-aluguel de R$608 por um período de 12 meses por familia desalojada. “O valor de R$600 é inferior aos valores médios do aluguel na região. Uma casa com três cômodos custa de R$ 700 a R$ 800. Até agora, o que deram de alternativa é o auxílio-aluguel por pouco tempo ou o abrigo, que também é temporário”, aponta uma moradora que pediu para não ser identificada.

    Algumas das famílias da rua São Carlos, que não podem voltar para as suas casas e ainda não conseguiram um local para ficar estão recebendo donativos pelo pix 11 99841 4835 (no nome de Evelin).

    Na quinta-feira passada (30), o governador João Doria esteve em Franco da Rocha para conhecer o local do deslizamento e anunciou a liberação de R$3 milhões para obras emergenciais de problemas crônicos urbanos que tenham ligação com deslizamentos e alagamentos na cidade. Ao todo, segundo o governo do estado, a verba liberada para a recuperação urbana e social da cidade é de R$8 milhões. Além de Franco da Rocha, as chuvas causaram estragos em outras nove cidades da região, com cerca de 800 pessoas desalojadas e 4.700 desabrigadas.

    Outro lado

    Em resposta à Alma Preta Jornalismo, a prefeitura de Franco da Rocha explicou que existem 300 áreas de risco na cidade, segundo levantamento concluído em 2021. Essas áreas são monitoradas pela Defesa Civil. 

    A diretoria de habitação informou ainda que trabalha na regularização fundiária de 37 núcleos habitacionais do município, em um total de cerca de oito mil moradias irregulares. Cerca de 600 títulos de propriedade definitiva foram entregues em 2020 e outros 300 já estão em fase final de escrituração.

    A obra da rua Canárias, na Vila Lemar, foi projetada em 2016 e concluída em 2018, em parceria com o governo federal, com a contenção da encosta e a recomposição do pavimento. Mas em 2019, com a obra já concluída, houve outro deslizamento mais adiante, na rua Madagascar, cujo projeto aguarda disponibilidade de recursos para ser executado.

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  99. Conheça Valter Sedano, jovem de Niterói é número um no parataekwondo

    Com apenas 21 anos, Valter Sedano, morador de Niterói (RJ, já é o número um do Brasil no ranking de parataekwondo para ingressar na seleção brasileira da modalidade. Em apenas um ano, o jovem conseguiu disputar campeonatos e vencê-los, o que o fez tornar-se a aposta nacional em sua categoria. Para isso, além da disciplina com os treinos, Sedano alterna sua rotina entre o esporte, a faculdade e os trabalhos que exerce junto ao pai. 

    Ainda em seu nascimento, Valter sofreu uma lesão do plexo braquial devido ao uso do fórceps durante complicações no parto, o que implicou em uma mobilidade reduzida do braço direito. A paixão pelos esportes se apresentou cedo e ele passou por modalidades como futebol e karatê, mesmo não vendo futuro na área, já que as medidas de inclusão dentro dos espaços de treino não se mostravam suficientes para seu desenvolvimento.

    Enquanto isso, Sedano se dedicou aos estudos e ajudou a família nos afazeres dentro e fora de casa, onde mora com o pai, mãe e um irmão mais novo. Para ajudar no sustento, após sua maioridade, passou a dividir seu tempo entre as aulas de educação física na faculdade e o apoio no trabalho do pai, que atua como pedreiro e pescador.

    Foi em uma das visitas a obras que Sedano percebeu o cenário para desenvolver suas habilidades por esportes mudar. Junto ao seu pai, o jovem foi surpreendido por um convite de um treinador que o chamou para uma aula de parataekwondo e assim aceitou. O que Valter não esperava é que iria se identificar com a modalidade e que teria como mentor Pedro Neves, paratleta que, hoje, ocupa o 14º lugar do ranking mundial do esporte. 

    “Primeiro que eu não imaginava que seria chamado assim e segundo que foi engraçada a insistência do treinador. Ele estava correndo na área onde estávamos e, por coincidência, eu e meu pai também estávamos no mesmo lugar caminhando para fazer um orçamento de obra com um cliente. Foi assim que comecei e não parei mais”, conta Sedano.

    Hoje, o jovem treina duas vezes na semana com tempo de duração entre duas a três horas por dia. Com a iniciação na arte marcial durante a pandemia, o jovem relembra que, mesmo com toda vontade de se dedicar ao esporte, passou por desafios ao enfrentar um período que, além do medo de ser acometido pela Covid-19, ainda tinha o de diminuir a renda da família.

    “Houve uma grande preocupação, principalmente, com os custos dentro de casa. Antes a gente já se preocupava, mas com a evolução da pandemia a escassez ficou ainda maior. Eu, meu pai e meu irmão mais novo tivemos que trabalhar ainda mais, principalmente, com a pescaria para garantir o dinheiro do mês. Isso me fez reduzir meus treinos para apenas um dia, um treino restrito, que não podia aglomerar”, conta. 

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    Valter Sedano e seu técnico, Pedro Neves, responsável por fazer o convite para ingressar na modalidade (Imagem: Divulgação/Acervo)

    Com a rotina voltando aos poucos ao normal, Sedano revela que ainda enfrenta alguns desafios, mas que se mobiliza pelas conquistas que já teve em pouco tempo no parataekwondo. “Os treinos vão ficando cada vez mais puxados, mas eu foco nas conquistas. Interessante que outra dificuldade é se destacar entre os demais paratletas da modalidade. Por mais que seja nova, tendo seu surgimento em 2015, o parataekwondo tem, sim, uma quantidade grande de paratletas de alto rendimento, algo que as pessoas não imaginam. Isso, principalmente do ano passado para cá”, ressalta o paratleta. 

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    Conquistas

    Sedano, em setembro de 2021, foi medalha de ouro no campeonato regional Sul. Já em outubro do mesmo ano, levou a medalha de ouro no Parajáps, no Paraná, onde é confederado. E, fechando o ano, em novembro foi medalha de prata no campeonato brasileiro de parataekwondo. 

    Com tantas conquistas em sua curta trajetória, o jovem afirma que as vitórias são fruto dos incentivos diários e revela guardar consigo, orgulhoso, um episódio importante entre as competições que fez parte. 

    “Não tem como esquecer do primeiro campeonato que participei. Estava nervoso, mas contei sempre com o incentivo do treinador, dos colegas de treino, dos amigos, da família, que me diziam que não tinha pressão para eu ganhar, mas eu sentia isso. Era um sentimento de querer retribuir todo o apoio e eu só pensava nessas pessoas que me fizeram chegar lá. Por isso, assim que terminou a competição, que tinha dado certo, tentei ligar para todo mundo para agradecer”, relembra Sedano.

    Incentivo

    Destaque nas competições regionais e nacionais, o jovem não quer parar e traçou a meta de, além de representar os seus incentivadores, quer representar seu país integrando a seleção brasileira. Um dos 14 paratletas convocados, em todo o país, Sedano precisa competir no ‘Draft 2022 Parataekwondo’, disputa que irá definir a seleção do ano de 2022.

    O paratleta tem grandes chances de se qualificar, mas para chegar ao Centro de Treinamento Paraolímpico Brasileiro em São Paulo, onde deve ficar de 4 a 7 de março, precisa vencer uma batalha fora do tatami: arrecadar uma quantia de aproximadamente R$3.200, até o final do mês de fevereiro, para cobrir gastos com exames médicos, taxas para competições nacionais e internacionais e equipamentos de proteção que atendam aos padrões internacionais da modalidade. 

    Por isso, o jovem abriu campanha nas redes sociais para arrecadar fundos através do seu pix, que pode ser feito para a chave de e-mail ou [email protected] ou chave por telefone (21) 995975442.

    Questionado sobre seus próximos passos caso alcance sua meta, o jovem promete melhorias para ele, enquanto paratleta e para quem acredita no seu potencial e torce para seu desenvolvimento.

    “No futuro, já penso em ajudar ainda mais minha família e investir na minha carreira, já que um paratleta, quando quer sobreviver disso, deve pensar mesmo como um trabalho. Pretendo investir nos meus treinos e em ferramentas que aumentem o meu rendimento. Para isso, preciso ter condições e estou batalhando atrás delas”, finaliza. 

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  100. Saiba como ajudar as famílias atingidas pelas chuvas em São Paulo

    As fortes chuvas que atingiram o estado de São Paulo nos últimos dias de janeiro causaram deslizamentos, alagamentos, além de deixar vítimas fatais e obrigar centenas de famílias a saírem de suas casas. 

    Em todo o estado, a Defesa Civil de São Paulo confirmou a morte de 29 pessoas, sendo que o município de Franco da Rocha é o que mais tem óbitos confirmados. Um desabamento na região deixou pelo menos 13 vítimas fatais, número que pode aumentar já que ainda há cinco desaparecidos. 

    A Defesa Civil do estado também estima um número de mais de 1500 famílias desabrigadas ou desalojadas nos municípios atingidos. João Doria (PSDB), governador de São Paulo, disse que R$15 milhões foram liberados para auxiliar as cidades impactadas pelas fortes chuvas. Prefeituras, instituições e organizações não governamentais também estão arrecadando doações de forma presencial ou por transferências bancárias para auxiliar as pessoas afetadas pelos estragos.

    Confira alguns locais que recebem doações para ajudar as famílias atingidas:

    Cruz Vermelha - A instituição recebe doações de diversos itens, como roupas, sapatos e colchões, em sua sede na Avenida Moreira Guimarães, 699, no bairro Indianópolis da cidade de São Paulo. Também estão aceitando transferências bancárias por crédito, boleto ou pix em seu site.

    Cufa, FNA e Band - A Central Única das Favelas (Cufa), junto à Frente Nacional Antirracista (FNA) e a emissora Band, estão arrecadando itens como roupas, materiais de limpeza, higiene e eletrodomésticos.

    • Cufa Paraisópolis: Rua Major José Marioto Ferreira 12 - Vila Andrade. São Paulo/SP.
    • Cufa Heliópolis: Rua Coronel Silva Castro 151 - Heliopolis- São Paulo/SP.
    • Cufa Parque Santo Antônio: Rua Antônio Amaral Ferreira, 74. Pq Santo Antônio - São Paulo/SP.
    • Sede da Band - Morumbi - Rua Radiantes, 13 (entregar na van da Luft Logistics).
    • Sede da Luft Logística em Barueri: Rodovia Presidente Castelo Branco, 11.100 - Km 30,5 - Barueri/SP.
    • Sede da Luft Logística em Cajamar: Condomínio DCC CAJAMAR - Rodovia Anhanguera, km 31,7, bloco 300, galpão 21 e 22 - Cajamar/SP.
    • Doações em dinheiro podem ser feitas por meio de pix ([email protected]), site, Paypal ([email protected]) e pelo Vakinha.

    Prefeitura de Francisco Morato - O Fundo Social de Solidariedade do município está arrecadando itens como colchões, toalhas, cobertores, produtos de higiene e de limpeza, água mineral, fraldas e alimentos não perecíveis, não sendo necessário a doação de roupas.

    • Rua Vereador Pedro Bueno de Oliveira, 139 (atrás da igreja matriz). Funcionamento das 7h às 19h.
    • CSU - Rua Virgilio Martins de Oliveira, 798. Funcionamento das 8h às 17h.

    Prefeitura de Franco da Rocha- Foram disponibilizados dois pontos de arrecadação para doações, sendo que o foco neste momento é a entrega de fralda, produtos de limpeza e produtos de higiene.

    • Grêmio Desportivo Garoa, na Rua Coronel Fagundes, 280, Centro. Funcionamento das 8h às 20h.
    • Fundo Social de Solidariedade, na Rua Bernardino dos Passos, 72B, Jardim Cruzeiro. Funcionamento das 8h às 19h.
    • Para doar diretamente para a conta do Fundo Social de Solidariedade, a chave pix é [email protected].

    Prefeitura de Jaú- A Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social precisa de doações com urgência de escovas de dente, creme dental, travesseiros, itens de higiene pessoal, sabão em pó, fraldas e ração para animais de estimação. Não é necessária a doação de roupas. O ponto de arrecadação é o Ginásio de Esportes Luiz Liarte, na rua Dom Pedro I, s/nº, na Vila Netinho.

    Prefeitura de Várzea Paulista- Estão aceitando doações, sobretudo de produtos de limpeza, produtos de higiene pessoal, colchões, roupas de cama, vassouras e rodos. As entregas devem ser feitas no Fundo Social de Várzea Paulista, na Rua Pedro Poloni, 36. Funcionamento das 8h30 às 16h.

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Por que o Cais do Valongo e segundo a reportagem lida a marca de um crime?

Resposta verificada por especialistas O Cais de Valongo é uma marca de um crime terrível, a escravidão. Lá eram embarcados e desembarcados escravos vindos da África para serem "comercializados" no Brasil para os povos que viviam aqui na época.

Qual é a relevância do Cais do Valongo para a história da escravidão no Brasil?

O Cais do Valongo foi encontrado em 2011 durante escavações feitas para a reforma da zona portuária do Rio de Janeiro. Construído em 1811, o local foi o principal porto de entrada de escravos africanos no Brasil até 1831, quando o tráfico de escravos entre continentes foi proibido.

O que acontece no Cais do Valongo?

O Brasil recebeu perto de quatro milhões de escravos, durante os mais de três séculos de duração do regime escravagista. Pelo Cais do Valongo, na região portuária da cidade, passou cerca de um milhão de africanos escravizados em cerca de 40 anos, o que o tornou o maior porto receptor de escravos do mundo.

É possível dizer que o título de patrimônio da humanidade atribuído ao Cais do Valongo?

O Cais do Valongo, no Centro do Rio, pode perder o título de patrimônio da humanidade, concedido em 2018 pela UNESCO, por conta do abandono da região. O principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas está em condições precárias e sem manutenção.