Por que o título a filha perdida?

Por Tatiane de Sousa*

.

O filme A Filha Perdida, adaptação de Maggie Gyllenhaal do romance homônimo de Elena Ferrante e disponível na Netflix desde o final do dezembro, aborda de modo nada sutil a intensidade da relação entre mães e filhas, uma pedida a reflexão sobre essa ligação tão arrebatadora, transformadora e indelével. A proposta não serve apenas para quem passa pela maternidade como para todas as mulheres como filhas. 

.

Na trama, a protagonista Leda relembra as emoções vividas com as filhas quando ainda eram pequenas a partir da observação de uma jovem às voltas com sua pequena durante o veraneio. As cenas observadas mostram uma mãe sufocada pela necessidade de atenção permanente da criança. Diante dos cuidados, a personagem acaba por anular seus desejos enquanto espera por dias mais tranquilos. Apesar do amor que sente pela criança, parece que não há espaço para o desempenho do papel materno com satisfação. Os flashbacks de Leda mostram igualmente uma mãe oprimida e dividida entre as possibilidades profissionais e os desejos como mulher, e as obrigações maternas.

A personagem principal da trama está em férias, sozinha e conversa eventualmente com as filhas de 23 e 25 anos pelo telefone. Apesar de os diálogos aparentarem uma relação normal, de cumplicidade e preocupação mútua, Leda se prende à culpa de não ter sido mais presente na infância das meninas. O título “A Filha Perdida”, aponta mais na direção do rompimento que se dá na relação da mãe com as filhas do que na perda física da coadjuvante com a criança que acontece durante determinado ponto da trama.

Para entender um pouco mais sobre essa relação, vale lembrar o livro A Relação Mãe e Filha, (Ed. Campus), da psicanalista Malvine Zalcberg. A autora aponta que, mesmo quando há a intervenção paterna constituída no Complexo de Édipo, as dificuldades da filha de separar-se da mãe existem. Principalmente quando a mãe confunde os cuidados com o dom do seu amor e oferece à filha algo sufocante, alimentando-a em demasia, impedindo que a filha chegue a formular uma demanda em função de alguma falta ressentida. Sem falta, não há como fazer emergir um desejo próprio. O livro interpreta estas dificuldades que expressam uma ligação profunda entre mãe e filha e têm como efeito o ressentimento e a ambivalência da filha em relação à figura materna, conjuntura emocional já constatada e balizada por Lacan com o neologismo “hainamoration”, isto é, haine (ódio) énamoration (enamoramento) para demonstrar o que se passa em uma menina que ama e odeia sua mãe: um processo catastrófico e devastador.

No filme o sofrimento mostrado está todo na mãe responsável pelo rompimento. Mas o telefonema no final a uma das filhas mostra que, afinal, apesar das culpas, tudo ficou bem. A culpa materna não se justifica com filhas felizes e capazes de construir suas vidas.

Em dado momento da trama, Leda, que se dedica à carreira e impõe-se a separação das filhas, diz ao marido ser uma ameaça falar que deixará as crianças com sua progenitora caso ela não volte. Para o pediatra e psicanalista Donald Woods Winnicott, “para toda mulher, há sempre três mulheres: ela mesma, sua mãe e a mãe de sua mãe” (WINNICOTT apud ZALCBERG, p. 6). É nas dificuldades dessa relação – da “catástrofe” e da “devastação à mascarada” – que cada menina construirá o seu caminho como mulher, em um processo de invenção e criação da feminilidade. De qualquer modo, a construção de uma mãe satisfeita é fundamental para a construção de uma filha capaz de criar sua individualidade e feminilidade. O rompimento no entanto, não precisa ser dramático como em um filme para apresentar um final esperançoso ou feliz, digno de um romance.

.

Parafraseando a própria personagem , “não são apenas as coisas inefáveis a que me refiro, mas as inesperadas.”

.

*Jornalista, pós graduada em comunicação e marketing pela Unisinos. Profissional inquieta sempre aberta a novos desafios na reportagem, produção e assessoria de comunicação. Atualmente, consultora de comunicação no Tesouro do Estado. Na vida, mãe de adolescentes full time. Para descontrair, brinco de escrever e cozinhar.

Final de A Filha Perdida deixou dúvida sobre morte de personagem; entenda tudo o que aconteceu.

Por que o título a filha perdida?

ATENÇÃO: O texto contém spoilers do filme A Filha Perdida, da Netflix

Um dos últimos lançamentos de 2021 da Netflix, A Filha Perdida trouxe uma história dramática e reflexiva protagonizada pela atriz vencedora do Oscar Olivia Colman (The Crown). Adaptado do livro de Elena Ferrante, autora de A Amiga Genial, o longa dirigido por Maggie Gyllenhaal traz uma reflexão tocante sobre maternidade, individualidade e culpa, com um desfecho que deixou em aberto muitas possibilidades de interpretação. Achou o final confuso? Vamos te ajudar a entender melhor!

Leda morre no final A Filha de Perdida?

Nos últimos momentos do filme, Nina (Dakota Johnson) vai até o apartamento de Leda (Olivia Colman) e as duas conversam - a protagonista, aliás, enxerga em Nina muito do que ela era quando mais jovem, uma mãe angustiada e com o sentimento de estar sendo privada do que realmente queria fazer. Leda revela que foi ela quem roubou a boneca de Elena e Nina, revoltado, fura a barriga de Leda com o grampo de cabelo que usava em seu chapéu.

Ao sair de lá, Leda faz as malas, pega o carro para ir embora e sofre um acidente. Vemos a personagem andar em direção à praia e, na cena seguinte, ela acorda à beira do mar. Assim, o que realmente aconteceu com ela não fica claramente explicado, mas podemos tirar daí alguns caminhos possíveis para interpretação.

Por que o título a filha perdida?

O primeiro é que Leda, de fato, morreu: quando a protagonista acorda e fala com as filhas ao telefone, elas dizem que estavam preocupadas com a mãe. “Achávamos que você tinha morrido”, dizem - o que já pode ser uma pista para revelar que isso realmente aconteceu. Há também algo de sobrenatural na cena, já que Leda aparece segurando uma laranja nas mãos, símbolo de sua conexão com as filhas, mesmo após o drama do abandono. 

Além disso, não é incomum que paisagens paradisíacas, como uma praia, sejam utilizadas para representar o “pós-morte” na ficção e, aqui, a aposta é de que o golpe que Leda levou com o grampo e o acidente de carro tenham sido fatais. Em seus últimos momentos, a fruta simboliza uma volta ao passado das filhas.

Por outro lado, é possível que ela tenha apenas dormido na praia após o acidente com o carro. Com tantos dias de reflexão ao acompanhar Nina e a família, Leda poderia ter encontrado alguém com quem se identificar e refletir sobre si mesma. Nesse sentido, a fruta em suas mãos no final do filme pode significar que Leda, finalmente, conseguiu se perdoar pelas escolhas do passado e seguir adiante na relação com as filhas.

Quem é a filha perdida?

Por que o título a filha perdida?

Quando Elena desaparece por alguns momentos no início do filme, a impressão é de que ela seria a “a filha perdida” ou, então, de que Leda teria perdido da própria filha no passado, já que um dos flashbacks mostra a personagem na mesma situação de Nina. Adiante, vemos que, aparentemente, as duas filhas de Leda estão bem, apesar de não ficar claro qual é a relação delas com a mãe no presente.

Ao longo da história, vemos que Bianca, a primogênita, parecia ter uma dinâmica mais complicada com Leda e são diversos os conflitos que podem nos levar a interpretar que a conexão entre elas se perdeu, especialmente após o abandono da mãe. Se esticarmos um pouco mais, podemos dizer também que a boneca de Elena é a filha perdida, já que é comum que crianças tratem seus brinquedos como seus próprios bebês.

O que significa a boneca em A Filha Perdida?

O primeiro significado que podemos atribuir à boneca é o de proteção: em um dos flashbacks, vemos que a filha de Leda quebrou uma boneca antiga que ganhou da mãe. No presente, a protagonista quer evitar que o mesmo aconteça com a boneca de Elena e a rouba. Isto é, ao perder o registro da própria infância, Leda se apropria da infância da filha de Nina roubando sua boneca.

Por outro lado, podemos interpretar este roubo como vingança: no flashback, Leda fica furiosa quando vê que a filha quebrou a boneca e, no presente, se vinga, roubando o brinquedo de outra criança. Podemos acrescentar também a própria justificativa da personagem: quando Nina pergunta por que Leda faria uma coisa dessas, ela responde apenas “estava brincando”, como uma criança faria.

Porque o livro se chama a filha perdida?

A narrativa deixa muitas brechas para a interpretação do título. A filha perdida poderia ser Bianca, uma das filhas de Leda, que desaparece brevemente em uma das memórias da trama. Poderia ser também Nani, a boneca de Elena, que ganha ares e protagonismo como os de uma filha em determinados momentos da narrativa.

Qual significado do filme A Filha Perdida?

Sob a direção e roteiro de Maggie Gyllenhaal, o longa A Filha Perdida retrata os desafios e diferenças da maternidade para cada mulher, baseado no romance de mesmo nome da escritora Elena Ferrante – pseudônimo de uma italiana cuja identidade permanece em segredo.

Qual é a moral do filme filha perdida?

A empatia em relação à sobrecarga de uma mãe, o incômodo diante do abandono da família e a preocupação sobre a vulnerabilidade das crianças em meio a turbulências sem nome são alguns dos sentimentos despertados pelo filme “A filha perdida”.