A cidadevive sem o campo por que

ILUSTRADO

Sábado, 16 de Março de 2013, 13h:27

EVALDO DE BARROS

A CIDADE VIVE DOS QUE VIVEM E VIVERAM NELA Júlio Müller: O maior Prefeito de Cuiabá EVALDO DE BARROS (Especial para o Diário de Cuiabá Ilustrado) Há quem diga que Pedro Pedrossian, como governador, foi o melhor Prefeito de Cuiabá. Outros apostam que Fragelli, com a visão do Centro Político e Administrativo superou Pedro. Falam também em Manoel José de Arruda, Manoel Antonio Rodrigues Palma e Roberto França, cujas gestões foram marcadas com obras que mudaram a fisionomia da cidade. Todos os palpiteiros, é de justiça reconhecer, têm alguma dose de acerto, convenhamos. Há, porém, uma definição de política atribuída ao saudoso senador Filinto Müller que sentenciava: “em política vale tudo, menos a ingratidão”. Pois bem. Diante do exposto e, se bem examinado, a conclusão inevitável salta aos olhos do mais medíocre observador ou fazedor de história: o maior e melhor Prefeito de Cuiabá de todos os tempos foi Júlio Müller! Senão vejamos: Gastávamos um dia inteiro para, de balsa, ir e voltar de Várzea Grande. E Júlio Müller construiu a primeira ponte sobre o rio Cuiabá; Não possuíamos hotel para receber os visitantes e Júlio Müller construiu o Grande Hotel de Mato Grosso – o maior, melhor e mais requintado do centro oeste brasileiro -; A Assembléia Legislativa e o Tribunal de Justiça não possuíam sede e Júlio Müller construiu o magnífico prédio – Palácio da Justiça – na Avenida Presidente Vargas que durante décadas abrigou os dois poderes do Estado; O Serviço Público estava sem espaço e Júlio Müller ergueu o belo prédio que sediou a Secretaria Geral do Estado e, posteriormente, a Secretaria de Fazenda e o Tesouro do Estado; Para dar educação eficiente à juventude cuiabana Júlio Müller edificou o Colégio Estadual de Mato Grosso, atual Liceu Cuiabano D. Maria de Arruda Müller, cuja arquitetura moderna é modelo de escola até hoje em todo o Brasil; Construiu o Hotel Águas Quentes; Para dar cultura e entretenimento ao povo construiu o Cine Teatro Cuiabá cuja beleza de projeto fez escola; Objetivando dar saúde ao povo ergueu o Centro de Saúde do Estado que tantos relevantes serviços prestou aos cuiabanos; Construiu a residência oficial dos governadores; Edificou a primeira estação de tratamento de água de Cuiabá, o Hospital Geral, a Usina do rio da Casca que conseguiu da Alemanha, etc., etc. Depois do maravilhoso conjunto de sua obra, disse Júlio Müller, com vivo orgulho e plena convicção: “Se tudo isso que construí não tiver valor algum ao povo de minha terra, pelo menos essas obras servirão para fixar, definitivamente, em Cuiabá, a capital de Mato Grosso”. Para focalizar a figura singular de Júlio Müller fomos conversar com sua neta, Dra. Marina Müller, uma das mais respeitáveis inteligências de Mato Grosso e com a mãe dela, D. Helena Müller de Abreu Lima, que é uma das duas de suas filhas vivas. DC ILUSTRADO: Conte-nos sobre seus pais, D. Helena. D. Helena: Papai nasceu em Cuiabá, na Fazenda Bom Jardim, no dia 06 de janeiro de 1898 e era filho de Júlio Frederico Müller e D. Rita Corrêa Müller. Teve quatro irmãos: Frederico, Frederica, Fenelon e Filinto, o caçula. Em 26 de abril de 1919 casou-se com minha mãe, D. Maria de Arruda Müller e o casal teve os seguintes filhos: Helen, Augusto, Hugo, Helena, Terezinha, Deli e Julinho. Somente eu e a Terezinha estamos vivas. Papai faleceu em Cuiabá no dia 04 de março de 1977 e a mamãe nasceu em 09 de dezembro de 1898 e o seu falecimento ocorreu em Cuiabá no dia 04 de dezembro de 2003, às vésperas de completar 105 anos de vida. DC Ilustrado: E os cargos D. Helena? D. Helena: Papai foi Prefeito, Chefe de Polícia, Deputado Estadual, Governador eleito pela Assembleia Legislativa e, sem interrupção, foi nomeado Interventor Federal. Ele era grande amigo de Getúlio Vargas. DC Ilustrado: A professora D. Maria de Arruda Müller também foi uma mulher de grandes realizações, não? D. Helena: Realmente! E Marina interveio: vovó era uma mulher que viveu intensa e laboriosamente à frente de sua época. Desenganadamente era uma ativista política. Vejam-se: foi a primeira mulher a ingressar na Academia Mato-grossense de Letras, em 1930; criou o Abrigo Bom Jesus de Cuiabá; criou o Abrigo dos Velhos; criou a Sociedade de Proteção à Maternidade e à Infância de Cuiabá; foi a única professora de Mato Grosso a receber a comenda da Ordem Nacional do Mérito Educativo, que lhe foi entregue pessoalmente pelo Ministro da Educação Paulo Renato de Souza; ensinou dos 16 aos 96 anos, como professora dedicada e incansável. Há uma particularidade nisso tudo: as realizações dos meus avós não só marcaram época como, principalmente, ficaram para a posteridade. Vovô, por exemplo, abriu a Avenida Getúlio Vargas e pavimentou, com concreto armado, dois trechos dela: entre a Rua Comandante Costa e a Batista das Neves e entre a presidente Marques e o Bosque Municipal. Até hoje o transito flui por sobre esses pavimentos, assinalando que foram bem feitos como, aliás, todas as obras de Júlio Müller. DC Ilustrado: Todas as obras realizadas por Júlio Müller tiveram ajuda financeira do Governo Federal? D. Helena: Nem sempre. Quase tudo papai fez com recursos próprios. Mato Grosso tinha uma dívida enorme com o Banco do Brasil e a empresa Mate Laranjeiras. Papai negociou essas dívidas e com a diminuição delas e a eliminação de juros revolucionou a administração pública em Cuiabá. DC Ilustrado: Júlio Müller morreu com alguma mágoa que o tivesse perturbado? D. Helena: A única e incurável mágoa que o papai levou para o túmulo foi ter perdido a eleição para Prefeito de Cuiabá. Papai achava que o povo não lhe fez justiça, elegendo um jovem engenheiro agrônomo, Helio Palma de Arruda, sem nenhum passado político. DC Ilustrado: Alguns escritos de Júlio Müller e D. Maria? D. Helena: Papai era muito reservado. Nem por isso deixou de escrever, do próprio punho, uma carta histórica ao então Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, pedindo a sede da Universidade Federal de Mato Grosso em Cuiabá. Tenho de mamãe um poema que ela dedicou ao papai e alguns comentários que ela fez de uma entrevista. Para Júlio “Viemos da mesma Galáxia Você preferiu descer no altiplano, onde pululam as cachoeiras e os saltos cantam de alturas imponderáveis a sinfonia das águas, eu vim para a planície onde águas apenas murmuram, correndo em volteios até chegarem às lonjuras do mar. Lá, no alto da serra, onde os lusos ‘Corrêa da Costa’, como também os ‘Moreira Serra’, os ‘Pinto de Castro’ ergueram a Fazenda ‘Bom Jardim’, estenderam suas terras pelo planalto abaixo e construíram o casarão colonial que ainda até a pouco impunha sua imponência, você conheceu a terra formosa da Chapada Cuiabana. Eu vim de lusos e espanhóis, os ‘Arruda Sá’, os ‘Paes de Barros’, os ‘Ponce de Leon’, e dos ‘Falcões’, que preferiram a baixada. Onde em eras passadas foi o mar de Xaraés, mais tarde este Pantanal famoso e rico que nos envaidece, conhecido como ele é no mundo inteiro. Encontramo-nos, unimos nossas almas e também os nossos corações. A prole que formamos, numerosa e inteligente, rica de talento, vai estadeando pela Pátria toda a fama e o valor da gente cuiabana. “Um dia chegará que nos devolverá de novo juntos, à mesma galáxia de onde viemos.”” Maria Cuiabá, 23 de novembro de 1998 “Minha longa vida, cheia de sensações boas e más, dá-me uma dimensão clara do profundo valor da existência. Somos, como sabemos, o arquiteto do próprio destino e isso, essa certeza, nos consola quando as arestas nos ferem as mãos, quando os espinhos nos penetram a pele, quando os desenganos nos batem à porta. Uma entrevistadora curiosa fez-me umas perguntas: 1º - Qual foi a maior sensação de felicidade que você experimentou? 2º - Qual a maior frustração? 3º - O sentimento de dor mais profundo? 4º - A sensação maior de triunfo? 5º - Sua maior tristeza? Minhas respostas foram estas: 1º - A de plenitude de felicidade foi quando meus pais anunciaram-me o seu assentimento ao pedido de casamento com aquele que seria o meu companheiro na vida. 2º - A de maior frustração é a que me domina presentemente com a minha intensa falta de visão e diminuição auditiva. Meus passos vacilantes mostram-me o iminente fim da viagem para o desconhecido!! 3º - A dor mais profunda foi a perda de duas filhas, principalmente daquela que viveu mais, deixando imperecíveis recordações de bondade, dedicação e amor. 4º - A de triunfo foi o convite de dois dos meus professores, José de Mesquita e Filogônio Corrêa, convidando-me em minha casa para ocupar a cadeira do Cônego José da Silva Guimarães no então Centro hoje Academia Mato-grossense de Letras 5º - A sensação de vazio, aquela que se me afigurava a amputação de um membro, foi a perda do meu grande companheiro, por quase 58 anos de vida compartilhada Assim foram, alternativas de tristeza e alegria comuns à vida material de toda a humanidade. A âncora da fé na convicção de uma vida imortal, sem incertezas, sem dores; é como se me iluminasse uma luz imaterial guiando-me em busca da perfectibilidade a finalidade do ser.” Conclusão: 1. - Sinceramente não dá para escrever sobre Júlio Müller no resumido espaço desta página. A história dele e da esposa D. Maria é rica de fatos inúmeros, todos eles ligados à história de Mato Grosso e, principalmente, de Cuiabá. Na carta de próprio punho ao então Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, escreveu Júlio Müller “... Cuiabá Sr. Ministro é o pórtico de acesso à Amazônia e os nossos antepassados sempre viveram à parte do Brasil, como enteados da grande Pátria, mas nem por isso deixamos de dar o melhor dos nossos esforços .... mas o abandono continuado, o descaso pelos nossos problemas ... sobretudo pelos anseios da Mocidade podem levar à descrença e até ao desespero ... não decepcione os cuiabanos e concorra para o êxito da Integração Nacional da Amazônia criando a Universidade Federal de Mato Grosso com sua sede na Capital eterna, centro e cérebro de Mato Grosso ....” 2. - A família não quer vender ou destruir o casarão onde morou Júlio Müller e D. Maria na rua Comandante Costa esquina com a rua Campo Grande. Os descendentes de Júlio Müller e D. Maria gostariam que a Prefeitura tomasse conta do imóvel e nele edificasse, por exemplo, o Museu da Cidade. Todos os moveis e documentos seriam doados ao município para que a nossa história fosse preservada. Uma maravilha de projeto histórico cultural. 3. Por fim, a família de Júlio Müller tem uma grave queixa a fazer. Essa queixa é a definição mais eloquente do que seja ingratidão. Cuiabá, a terra que ele tanto amou, onde construiu obras que até hoje enfeitam a cidade e atestam a boa qualidade delas, não possui uma única rua com o nome de Júlio Müller. É o cumulo dos absurdos, convenhamos. O pior de seus adversários, se é que ele deixou algum inimigo, não concordará com essa ingratidão. - Deste nosso cantinho vamos fazer duas sugestões ao Prefeito Mauro Mendes: a primeira é visitar D. Helena e ultimar os entendimentos para assumir o Casarão da Rua Comandante Costa e a segunda é denominar de Rodoanel Júlio Müller a avenida em construção de contorno da nossa cidade. Antes tarde do que nunca! Quem sabe um goiano que ama Cuiabá e aqui fixou suas raízes venha corrigir essa gravíssima injustiça. Estamos juntos Prefeito Mauro Mendes!