A deficiencia da participação popular nos atos da gestão administrativa

Resumo: Diante da crise de representatividade, o cidadão tem se interessado cada vez mais em participar da vida pública e o acesso à informação pública tem sido um estímulo. O Direito Administrativo, com seu processo de constitucionalização, tem ampliado a publicização e a transparência dos atos administrativos e a audiência pública é um importante papel na tomada da decisão administrativa e na administração consensual. Entretanto, esta vontade externada não vincula o ato administrativo, mas impõe sua motivação. O presente artigo estudou um caso concreto em que havia viabilidade técnica e jurídica para se adotar a decisão popular manifestada em audiência pública, mas o Governo tomou outra decisão, não atuando dentro dos preceitos da boa administração.

Sumário: Introdução. 1. Transformações do Direito Administrativo. 1.1 Constitucionalização do direito administrativo. 1.2 Princípio da participação popular. 1.3 Processualização do direito administrativo. 2. Administração Consensual e o papel do administrado nas decisões administrativas – participação popular. 3. O papel da audiência pública no ato administrativo. 4. Estudo de caso: Linha 4 do Metrô. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Foi-se o tempo em que os papeis do cidadão e da Administração Pública eram delimitados e não se confundiam. Ao cidadão, cabia votar e só se manifestar quando fosse chamado para tanto – por plebiscito ou referendo, por exemplo -, e ao Poder Público cabia tomar as decisões administrativas e definir as políticas públicas.

Agora, com o acesso às informações públicas, os cidadãos não se contentam mais em só participar das escolhas administrativas na época da eleição. Cada vez mais, a população busca pela transparência na Administração Pública para acompanhar a tomada de decisão dos administradores. Mas a simples publicização dos atos não é, por si só, satisfatória.

Em busca de novos instrumentos de participação administrativa, tem-se que a realização de audiências públicas para indicar a decisão que originará o ato administrativo é um mecanismo de boa administração e participação popular. Para tanto, é preciso que a vontade popular, viabilizada por justificativas técnicas e jurídicas, vincule o ato administrativo. Este é um dos instrumentos de participação administrativa.

Desta forma, o trabalho procura analisar o que justifica a manifestação de vontade que resulta no ato administrativo e sua legitimidade, presumida pela autoridade administrativa de que dispõe os administradores públicos, conferida pela lei; e efetiva, por meio da administração participativa, consensual. Portanto, pretende-se contextualizar a legitimação das decisões administrativas, por meio da participação popular em audiência pública na formulação dos atos administrativos.         

Objetiva-se, ainda, analisar os fundamentos de legitimidade das fontes do administrador público, para a realização do ato administrativo. Além de contextualizar os mecanismos de participação popular na Administração Pública, e analisar se eles são aplicados na prática e se a vontade popular influencia na realização do ato administrativo.

Como estudo empírico, o presente trabalho pretende analisar um caso concreto, qual seja, a audiência pública realizada pelo Ministério Público Estadual do licenciamento ambiental para obra da Linha 4 do Metrô. Neste caso, é possível encontrar fundamento técnico e jurídico em consonância com vontade da população, para realização do ato administrativo, afastando a discricionariedade da decisão do administrador. Com isso, objetiva-se defender a vinculação da vontade popular nos casos em que tal subsunção seja possível.

Por fim, o estudo que se pretende realizar seguirá a metodologia do tipo bibliográfica e histórica, qualitativa, parcialmente exploratória, com análise de caso concreto.

1. TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Em uma sociedade organizada, existe um sistema formado por instituições políticas que regem as manifestações de vontade da comunidade. Assim, o poder que antes era baseado na vontade do monarca, do líder religioso ou do mais forte, agora é instrumentalizado em um poder institucional, que não serve mais a vontade de um só, mas de todos. Como é inviável que os cidadãos governem por si próprios, a sociedade recorreu à representação, a escolha de determinados cidadãos que poderiam governar a sociedade em nome de todos.

Este poder político institucionalizado deu origem ao Estado, tal qual como conhecemos hoje. Ocorre que, findos os conflitos das duas Grandes Guerras Mundiais e toda a crise econômica e, principalmente, social; observou-se um agigantamento do Estado, uma grande concentração institucional de poder, tal qual vimos no Estado de Bem-Estar Social. O que resultou dessa experiência foi um distanciamento entre a sociedade e o Estado, em razão da concentração acelerada e indiscriminada do poder. Assim, notamos uma hipertrofia do Estado contemporâneo.

Como consequência, cotidianamente se observa uma crise de representatividade. As manifestações de Junho de 2013 em todo o país demonstram essa realidade. A Administração Pública é a interface entre a sociedade e o Governo. Se este presta serviços públicos de baixa qualidade, se não justifica ou não dá publicidade às razões que o levou a editar determinado ato administrativo ou política pública, se conduz os assuntos públicos com excesso de personalização do governante, está atuando como antítese da democracia.

Entretanto, face ao movimento de constitucionalização do direito administrativo e somado à publicização das informações públicas, é preciso romper com o velho conceito administrador x administrado e garantir maior legitimidade às decisões administrativas, com isso, trazendo o cidadão para esfera de tomada da decisão, contando com sua participação, não só no momento das eleições, mas na gestão da coisa pública.

1.1 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Os estudos sobre a evolução do Estado e do Direito Administrativo dão conta da transição estatal do Estado Liberal de Direito, para o Estado Social de Direito, chegando ao Estado Democrático de Direito. Sobre este último nos deteremos neste texto.

No Estado Democrático de Direito, o Direito Administrativo brasileiro sofreu consideráveis mudanças. Com o agigantamento que se viu no Estado de Bem-Estar Social e sua ineficiência, no Estado Democrático de Direito a opção política que se fez foi da devolução de atividades econômicas e a delegação de serviços públicos à iniciativa privada, isto porque essas atividades não envolvem o poder de autoridade e porque essa opção concede à sociedade civil o desempenho de atividades socialmente relevantes. Observamos a transição do Estado burocrático para o Estado gerencial, principalmente com a Emenda Constitucional nº 19/1998.

Hodiernamente, com o movimento de adequação de todo o ordenamento jurídico ao texto constitucional, a constitucionalização do Direito Administrativo tem sido objeto de grande debate entre os doutrinadores. Muito resumidamente, o processo de constitucionalização é caracterizado pela aproximação entre a moral e o Direito, principalmente pelo reconhecimento da normatividade dos princípios constitucionais e da crescente valorização dos direitos fundamentais[1].

Segundo leciona o professor Rafael Oliveira, o processo de constitucionalização do direito administrativo renovou o entendimento sobre alguns de seus dogmas, como a reinterpretação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, a vinculação do administrador direto à Constituição, a possibilidade de controle judicial da discricionariedade do mérito administrativo e “a releitura da legitimidade democrática da Administração, com previsão de instrumentos de participação dos cidadãos na tomada de decisões administrativas (consensualidade da Administração)”[2].

1.2 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

O processo de constitucionalização possibilitou uma releitura do Direito Administrativo a partir de princípios que estão explícita ou implicitamente incluídos na Constituição da República.

Embora não esteja positivado no texto constitucional, o princípio da participação popular encontra respaldo na doutrina pátria e estrangeira, e na jurisprudência[3].

Devido à crise de representatividade, pode-se dizer que a participação dos cidadãos na gestão administrativa é considerada um instrumento de legitimação do Direito Administrativo Moderno e este se relaciona com a democratização da atuação administrativa.

Assim, o Poder Público está submetido à cláusula do Estado Democrático de Direito, que exige respeito à Constituição e à lei, além de pautar a atividade administrativa na legitimidade reforçada. Essa perspectiva leva ao surgimento de novos mecanismos de participação popular na elaboração de normas e na tomada de decisões administrativas, por meio de consultas e audiências públicas. “Ademais, a participação aumenta a probabilidade de aceitação dos destinatários das decisões administrativas, construindo, por isso, importante fator de legitimidade democrática da atuação da Administração Pública”[4].

1.3 PROCESSUALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Com o menor distanciamento entre a sociedade e o Estado, observa-se a necessidade de publicizar os modos de atuação do Poder Público e de viabilizar ocasiões em que o cidadão possa ser ouvido. Além do mais, devem ser fixados parâmetros para a atividade administrativa, sobretudo a discricionária; ainda, devem ser apontadas as garantias prévias dos cidadãos na atuação administrativa. Assim, cai por terra a ideia de que a atividade administrativa é uma atividade quase totalmente livre, sem que se deva atentar para os procedimentos que precediam o ato administrativo. Surge, então, a ideia de processo administrativo.

Ressalte-se que, em que pese à divergência doutrinária sobre o uso do termo processo ou procedimento, considerando o processo como um instrumento de exposição de todos os fatos, provas, documentos, argumentos, interpretações, poderes, faculdades, deveres, sujeições e ônus que, conciliado com a participação do sujeito, visa à obtenção de uma decisão administrativa; e o procedimento como o a sucessão ordenada de atos e fatos que acarretam na decisão final e não conta com a participação do administrado; neste trabalho adotaremos o conceito de processo administrativo.

Salienta-se que a Constituição da República utiliza a expressão processo no seu texto, nos art. 5º, LV e LXXVIII; 37, XXI; 41, § 1º, II; o que traduz a ideia de que o fenômeno processual é característico das várias funções do Estado; que inclusive levou para o processo administrativo algumas garantias, como desdobramentos da ampla defesa e do contraditório, dentre as quais se pode citar: a necessidade de informação geral do processo administrativo e seu conteúdo; a obrigatoriedade de motivação da decisão por parte da Administração; a possibilidade de manifestação prévia a edição do ato; o direito de notificação do início do processo, da acusação e as bases legais (lembrando que para o Supremo Tribunal Federal a ausência desses elementos acarreta vício de natureza insanável); e que as formas não podem ser um fim em si mesmo. 

2. Administração Consensual e o papel do administrado nas decisões administrativas – PARTICIPAÇÃO POPULAR

A mudança de paradigma da Administração Pública, com a inclusão da perspectiva de participação popular, é um caminho sem volta. Cabe ao sistema jurídico criar mecanismos de participação popular efetiva.

Segundo o nobre doutrinador Marçal Justen Filho,

Por força da democracia republicana, as decisões estatais devem resultar da participação de todos os possíveis interessados, que são tratados como titulares de direitos equivalentes de participação na formação da vontade estatal. Devem existir mecanismos pelos quais os governantes são constrangidos a prestar esclarecimentos e a responder por seus atos. Como decorrência, devem ser respeitados os interesses de todos os grupos sociais (inclusive das minorias), afastando-se a concepção puramente majoritária para a tomada de decisões. A democracia republicana traduz o governo fundado nas leis e no reconhecimento dos direitos mínimos a todos os cidadãos, entre os quais o de participar na formação da vontade estatal[5].

E a participação popular não está afastada do interesse público. Hodiernamente, pode-se dizer que o conceito de interesse público foi aproximado do conceito de interesse privado. Para o professor Rafael Oliveira[6],

O conceito de interesse público não necessariamente se opõe ao de interesse privado. A aproximação entre Estado e sociedade demonstra bem isso, notadamente quando se verifica que a atuação do Poder Público deve pautas-se pela defesa e promoção dos direitos fundamentais e, obviamente, pelo respeito à dignidade humana. A promoção estatal dos direitos fundamentais representa a satisfação das finalidades públicas estabelecidas pela própria Constituição.

Assim, a Administração Pública não pode mais se afastar da vontade da população, além de viabilizar sua participação na tomada da decisão administrativa.

Se a legitimidade do ato administrativo decorre da lei, é preciso lembrar que a legitimidade da lei decorre da legitimidade dos parlamentares que a elaboraram, que por sua vem têm legitimidade porque foram eleitos diretamente pelos cidadãos.  Nessa retrospectiva da cadeia de legitimidade, pode-se observar que a primeira vontade legitimadora é do cidadão.

Além do mais, a atuação administrativa serve para melhor gerir o interesse público, repita-se, do cidadão. Por isso, indaga-se: como se pode supor que o cidadão não participe da administração da coisa pública se é ele que confere legitimidade aos representantes que gerem a coisa pública? Se tirar o cidadão da esfera de participação popular, para quem se irá legislar e administrar?

Esse silogismo traduz a importância da participação popular na Administração Pública e o papel do administrado nas decisões administrativas.

3.O papel da audiência pública no ato administrativo E NA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Dentro do processo administrativo, para realização de determinados atos e funções administrativos, a lei prevê a convocação de audiência pública nos casos específicos que versam sobre meio ambiente, licitações e contratos administrativos, concessão e permissão de serviços públicos, serviços de telecomunicações e agências reguladoras, pelos Órgãos e Poderes da União competentes para o ato.

A audiência pública é requisito obrigatório para validade do ato administrativo em algumas hipóteses previstas em lei, sem ela o ato administrativo é eivado de nulidade. Como por exemplo, pode-se citar o disposto nos seguintes artigos: art. 39 da Lei 8666/93; art. 31 a 34 da Lei 9784/1999; art. 2º, XIII, art. 4º, III, f, art. 40, § 4º, I, e art. 44, todos da Lei 10257/2001; art. 10, VI da Lei 11079/2004; art. 4º, § 3º da Lei 9427/1996; art. 3º, X e XI e art. 89, II da Lei 9472/1997; e art. 19 da Lei 9478/1997.

A audiência pública também é realizada com bastante frequência no Ministério Público e, muitas vezes, como instrumento do processo legislativo e do processo judicial nas ações de controle concentrado da constitucionalidade das normas.

Por isso, a audiência pública não é só um requisito formal para dar validade ao ato. Ela é garantida pela Constituição da República, é uma das formas de participação e de controle popular da Administração Pública do Estado Democrático de Direito e tem o papel de promover o diálogo entre os vários atores sociais em diversas questões de interesse público relevante, como instrumento de colheita de provas, de troca de informações, de formulação de políticas públicas e, até, de debate sobre empreendimentos que podem gerar potenciais danos à saúde, à vida, à cidade e ao meio ambiente.  

Outros dispositivos também preveem a audiência pública, tais como: art. 27, parágrafo único, IV da Lei 8625/1993, que prevê que o Ministério Público pode promover audiência pública durante suas atividades de defesa dos direitos assegurados pela Constituição; e o art. 58, § 2º, II da Constituição da República Federativa do Brasil, que prevê a audiência pública para debater as matérias discutidas nas comissões temáticas do Congresso Nacional e suas Casas.

Cumpre ressaltar que, apesar da imposição da realização de audiência pública para determinados atos administrativos, quando impostos pela lei, sob pena de invalidação da decisão tomada, em caso de descumprimento, “a decisão administrativa que contrarie o resultado dos debates não é inválida. Não obstante a função de condicionar as decisões administrativas no processo decisório, a audiência pública não é vinculante à autoridade administrativa. A discussão e as conclusões dela extraídas, ainda que condicionantes, não vinculam o órgão decisório”[7].

O professor Justen Filho ensina que “a equivocada indicação do motivo é falha, mas o grave reside na ausência de atuação orientada a satisfazer as necessidades coletivas, com observância de um processo democrático”[8].

Não obstante ao fato da decisão administrativa não estar vinculada a vontade popular expressa na audiência pública, não significa que o Poder Público pode agir ao bel prazer. Este instrumento de participação popular impõe um ônus argumentativo à autoridade. Assim, o administrador tem o dever de fundamentação da sua decisão, de motivação do ato administrativo. Então, a teoria dos motivos determinantes explica que a validade do ato administrativo dependerá da correspondência entre os motivos expostos e a sua existência fática, que resultou na sua edição. Por isso, apesar não da vontade popular expressa na audiência pública não vincular a decisão do ato administrativo, o administrador têm o ônus argumentativo e estará vinculado aos motivos determinantes para expedição daquele ato, além do dever de publicizá-lo.

4. Estudo de caso: Linha 4 do Metrô

Para melhor compreender o estudo de caso, faz-se necessária uma breve introdução sobre o histórico do Metrô no Rio de Janeiro.

Em 1979 foi implantado o serviço de transporte público metroviário no Rio de Janeiro, construído e operado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.  Entretanto, em 09 de dezembro de 1997 a operação e manutenção das Linhas 1 e 2 foi concedida à iniciativa privada. Atualmente, a empresa MetrôRio administra esse serviço.

Na década de 1990, foi projetada a Linha 4, que ligaria uma estação no Morro de São João, próximo ao Shopping Rio Sul, às estações no Humaitá, Gávea, São Conrado e Jardim Oceânico. Depois, foi incluída no percurso a estação Jardim Botânico e uma ligação entre a estação Humaitá com Botafogo, Laranjeiras e Largo da Carioca. Este projeto foi licitado e concedido à Concessionária Rio-Barra S/A, em 1998, no Governo Marcelo Alencar.

No entanto, o projeto original foi alterado. Estão em construção seis estações: Jardim Oceânico, São Conrado, Gávea, Antero de Quental, Jardim de Alah e Nossa Senhora da Paz[9], sem que a licitação para esta obra tivesse sido realizada.

Como é sabido, em regra, para toda obra pública é necessário a realização de processo licitatório. Por ser uma obra potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente e com inúmeras intervenções urbanísticas, foi exigido o licenciamento ambiental e a apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA). No processo de elaboração do EIA/RIMA estão previstas realizações de audiências públicas para a sociedade avaliar os impactos do empreendimento, como prevê o artigo 11, § 2º, da Resolução CONAMA n° 01/86.

A Concessionária Rio Barra S/A requereu a Licença Prévia ao Instituto Estadual do Ambiente para as obras da interligação da Linha 4 com a Linha 1, com inicio da conexão da Estação Ipanema – General Osório, passando pelas estações Nossa Senhora da Paz, Jardim de Alah e Antero de Quental, até se conectar no trecho entre a estação São Conrado e Gávea.

Em dezembro de 2011 foi apresentado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente, que apontou como principais impactos negativos tensões sociais, perda de bens materiais e culturais, risco de acidente com a população, aumento do fluxo do trânsito, interferência na paisagem local e cultural protegidos e pressão sobre a linha já existente. A valorização imobiliária, a geração de emprego e a melhoria na oferta de transporte público foram apontadas como pontos positivos.

Segundo o Parecer Técnico n. 001/2012 do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, foram identificadas algumas falhas no cumprimento do EIA/RIMA, tais como falha no atendimento do Termo de Referência no que tange a uma efetiva análise comparativa entre as alternativas de traçado; deficiência nas justificativas do projeto; falta de compatibilidade do projeto com planos e programas governamentais; conflito com o planejamento urbano dos bairros afetados pela obra; aumento no fluxo das linhas existentes em curto prazo[10].

Foram realizadas duas audiências públicas para licenciamento ambiental da Linha 4 do Metrô. A primeira em 13/02/2012, no Centro Esportivo da Rocinha[11]. E a segunda no dia 27/02/2012, na Escola Estadual André Morruah[12].

Estavam presentes representantes das associações de moradores dos bairros do entorno da obra, autoridades públicas do Governo, parlamentares municipais, estaduais e federais, técnicos e especialistas que elaboraram o EIA/RIMA. Na audiência pública os moradores, os parlamentares presentes e o Ministério Público questionaram, principalmente, a alteração do projeto original, que tinha um traçado diferente do atualmente executado, antes a Linha 4 estaria interligada com as demais Linhas por rede, agora a Linha 4 é um prolongamento da Linha 1; a saturação do sistema com o novo traçado; solicitaram mais informações sobre o traçado da Linha 4, exatamente por onde passará o metrô; e indagaram sobre a publicização do EIA/RIMA, que os presentes afirmaram não terem tido acesso, bem como dos custos da obra. A conclusão da fala dos cidadãos presentes é de que a obra não é a mais eficiente, não é a mais barata, não respeita as leis a e Constituição, nem a vontade popular.

As associações de moradores dos bairros afetados pelo empreendimento e insatisfeitos com o traçado alterado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro se organizaram e criaram o Movimento Metrô que o Rio Precisa, que conta com o apoio de 14 associações de moradores, 24 parlamentares municipais, estaduais e federais. São pleitos da população, que foram apresentadas nas audiências públicas, mas que não interferiram na decisão administrativa: a implementação no conceito de rede (e não prolongamento da Linha 1); o atendimento ao interesse público (e não o atendimento da necessidade artificial e injustificada de se concluir a execução da Linha 4 até os Jogos Olímpicos de 2016); construção da Estação Gávea em dois níveis, para permitir o cruzamento da Linha 1 com a Linha 4; a ligação da Estação Antero de Quental com a Estação Gávea (e não um By-pass com uma estação em São Conrado, o que seria mais oneroso); retirada do projeto a construção de uma nova plataforma na Estação General Osório para servir de ponto final dos trens da Linha 2 (já que encarece a obra e resultaria no fechamento da estação por 6 meses); e a implementação da Linha 4 até a Alvorada[13]. Exceto este último pleito, todos os demais constavam do projeto original, têm o apoio popular e do Ministério Público e têm viabilidade técnica, mas o Governo do Estado não atendeu aos anseios da população, mas cumpriu a exigência de realizar a audiência pública, apenas pro forma.

Em 17 de maio de 2012, o Grupo de Apoio Técnico Especializado apresentou o Parecer Técnico-Jurídico nº 003/2012[14] do Estudo de Impacto Ambiental e demais documentos do licenciamento, que concluiu pela ausência de cumprimento dos requisitos normativos obrigatórios, de conteúdo e processo. Foram apontadas falhas como restrição de publicidade e participação pública, falta de fundamentação adequada sobre as questões ambientais relevantes, além de incorreções quanto à previsão e avaliação dos impactos viários e ao patrimônio histórico e cultural.

O Ministério Público Estadual ajuizou a Ação Civil Pública nº 0386458-56.2011.8.19.0001 em face do Estado do Rio de Janeiro, da Companhia de Transportes sobre Trilhos do Estado do Rio de Janeiro, Instituto Estadual do Ambiente, Concessionária Rio-Barra S/A, CBPO Engenharia, por vícios no licenciamento e descaracterização do traçado original da Linha 4 do Metrô, “para evitar que sejam consumados danos irreparáveis, decorrentes das alterações impostas pelo governo do Estado que desfiguraram cerca de 50% do traçado original da Linha 4 e colocam em risco a eficiência e segurança futura do próprio sistema metroviário”[15]; com o apoio de 18 Associações de Moradores dos bairros diretamente afetados pela obra.  Segundo aduz na inicial,

A implantação atualmente em curso da Linha 4 do Metrô, no trecho compreendido entre o Jardim Oceânico a Zona Sul da cidade, afronta às normas legais de licenciamento ambiental. Elementos fundamentais do projeto, como o traçado, a localização das estações e seus impactos ambientais e urbanísticos foram completamente alterados, depois da elaboração do EIA/RIMA, da realização da audiência pública e até mesmo depois da própria concessão da licença ambiental prévia. As modificações não foram precedidas ou sucedidas de nova audiência pública, de novos estudos de impacto, análise das alternativas em processo de licenciamento, circunstâncias que caracterizam em violação direta à legislação ambiental e à Constituição[16].

Assim, em que pese a decisão administrativa não estar vinculada à vontade popular e terem sido realizadas duas audiências públicas como exige a lei, neste presente caso é possível observar que (1) o Governo licitou o traçado Jardim Oceânico-Morro de São João, submeteu o traçado à audiência pública, licenciou parcialmente o empreendimento (trecho Jardim Oceânico-Gávea), decidiu unilateralmente implantar um terceiro projeto, que jamais havia sido sequer cogitado, discutido ou analisado publicamente; (2) a vontade popular ia ao encontro do projeto original, que possuía estudos técnicos que atestavam a sua viabilidade e menor impacto, (3) o EIA/RIMA do novo projeto não logrou atestar que o mesmo era mais eficiente que o anterior e menos oneroso, além de não ter cumprido uma série de exigências e ter sido omisso em série de informações; (4) uma série de dispositivos legais foram descumpridos o que ensejou o Ministério Público a propor uma Ação Civil Pública fundada em risco de colisão, redução da capacidade operacional, risco de colapso no sistema.

Conclui-se que neste caso a vontade popular não foi capaz de influenciar na tomada da decisão administrativa, mesmo sendo possível encontrar fundamentos técnicos e jurídicos em consonância para realização do ato administrativo.

CONCLUSÃO

Novos paradigmas se apresentam para o ordenamento jurídico, principalmente em razão do processo de leitura constitucional dos diversos ramos do Direito.

O Direito Administrativo, que orienta muitas regras de governança, passa pelo mesmo processo. Debate-se acerca das decisões dos administradores públicos e sua recepção pela sociedade.

Com mais acesso à informação pública e com a crise de representatividade, os cidadãos estão se interessando mais em participar da vida pública, da tomada de decisão. É a transição da democracia representativa para a participativa. E o Direito deve regulamentar os instrumentos de participação popular.

A audiência pública é um espaço de debate de ideias, de informação e de expressão da vontade popular. No entanto, o administrador não está vinculado à essa vontade, apesar de ter o ônus argumentativo de motivar suas decisões.

Entretanto, se é a população quem elege seus representantes para os cargos do Poder Executivo, como pode ser excluída da esfera de deliberação sobre os atos administrativos? A legitimidade do ato administrativo decorre da lei elaborada pelos parlamentares eleitos diretamente pelos cidadãos. Assim nos casos em que a lei exigir a realização da audiência pública, a decisão do administrador deve ser vinculada a vontade popular, quando esta for pautada por fundamentos técnicos e jurídicos.

Por derradeiro, estudamos um caso concreto de realização desse instrumento de participação popular. No caso da audiência pública para o licenciamento das obras da Linha 4 do Metrô, foi possível observar que a população apoiava o traçado original do projeto, que tinha viabilidade técnica e jurídica, mas o Governo decidiu unilateralmente alterar o traçado e seguir com as obras de um projeto menos eficaz e mais oneroso para o Poder Público. Este caso representa uma hipótese em que caberia vincular a vontade popular à edição do ato administrativo.

Portanto, é possível afirmar que para uma real administração consensual, a participação popular deve ter mais respaldo jurídico, e que seus instrumentos devem ser vinculantes da vontade administrativa para edição do ato administrativo. Só assim poderemos falar em democracia participativa.          

REFERÊNCIAS

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______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 224. Relator: Ministro Paulo Brossard. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=911>. Acesso em: 05 nov. 2014.

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OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014.

[1] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Resende. Curso de direito administrativo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método. 2014. p. 6.

[2] Idem. p. 8.

[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2558. Relator: Ministro Cezar Peluso. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=614439>. Acesso em: 05 nov. 2014.

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[4] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Resende. Op. Cit. p. 41.

[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 207.

[6] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Resende. Op. Cit. p. 37.

[7] CABRAL, Antônio. Os efeitos processuais da audiência pública. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-13-FEVEREIRO-2008-ANTONIO%20CABRAL.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2015. pp. 05-06.

[8] JUSTEN FILHO. Op. Cit. p. 446.

[9] METRORIO. Disponível em: <http://www.metrolinha4.com.br/ >. Acesso em: 06 jan. 2015.

[10] MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Parecer técnico-jurídico GATE/MPRJ nº 001/2012. Disponível em: <http://rap.gov.br/?p=88>. Acesso em: 17 out. 2014.

[11] Id. Audiência pública para o licenciamento ambiental para as obras da Linha 4 do Metrô, 2012, Centro Esportivo da Rocinha. Notas taquigráficas. Disponível em: <http://rap.gov.br/?p=88>. Acesso em: 17 out. 2014.

[12] Id. Audiência pública para o licenciamento ambiental para as obras da Linha 4 do Metrô, 2012, Escola Estadual André Morruah. Notas taquigráficas. Disponível em: <http://rap.gov.br/?p=88>. Acesso em: 17 out. 2014.

[13] MOVIMENTO METRÔ QUE O RIO PRECISA. Disponível em: <http://www.metrolinha4queorioprecisa.com.br/o-movimento/>. Acesso em: 06 jan. 2015.

[14] ______. Parecer técnico-jurídico GATE/MPRJ nº 003/2012. Disponível em: <http://rap.gov.br/?p=88>. Acesso em: 17 out. 2014.

[15] MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Petição inicial da Ação Civil Pública nº 0386458-56.2011.8.19.0001. Disponível em: <http://rap.gov.br/?p=88>. Acesso em: 17 out. 2014. p. 4.

[16] Idem.

Texto publicado originalmente na Revista do Curso de Especialização em Direito Administrativo da EMERJ n°2 – 2015.