Como a população basileira reage com a crise

O grupo mais atingido é a população que tem o menor rendimento

O aumento recorde no preço dos alimentos é global, afeta não só o Brasil, mas outros países do mundo, por várias razões: economia pós-pandemia, guerra na Ucrânia, choque de ofertas de alimentos e commodities. Mas, a forma como cada governo reage à crise, faz muita diferença. 

O economista Valter Palmieri Júnior explica que, por enquanto, o cenário não é nada animador e não há previsão de melhora para alta dos alimentos. Se o Brasil esbanja áreas agricultáveis e se destaca na produção de alimentos, por que aqui os preços da cenoura, do tomate e alimentos in natura em geral cresceram tanto nos últimos meses?

“O governo Bolsonaro não está tomando nenhuma medida, ao contrário, tem contribuído nos últimos anos para uma piora na inflação do preço dos alimentos. O importante para o brasileiro é o poder de compra real, a crise econômica que se aprofundou nos últimos três anos junto o preço dos alimentos que está acima da média de outros países, resulta em um cenário de caos que causa grande preocupação para a segurança alimentar do Brasil”. 

Para além dos problemas externos relacionados à guerra, que aumenta o risco de falta de alimentos no planeta, segundo alerta relatório divulgado nesta segunda-feira (23) pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil foi citado no relatório como o país que além de sofrer e propaga os efeitos da guerra, por conta da cadeia de commodities. 

“Como maior produtor mundial de soja, o Brasil importa cerca de metade do fertilizante de potássio da Ucrânia e Rússia. A China, então, importa a soja do Brasil para alimentar a pecuária, o que pode afetar o preço da carne na China e no mundo”, cita o documento.

::No Brasil, quem recebe salário mínimo trabalha metade do mês ou mais para comprar cesta básica::

Palmieri divulgou na sua página ‘Comida e Economia’ uma pesquisa recente mostrando que a inflação no Brasil é superior a dos Estados Unidos, porque é um problema estrutural. E por que isso ocorre? Nos últimos anos estamos com um problema de "reprimarização" da economia, ou seja: o modo de crescer está ligado à exportação de commodities pelo agronegócio, um agro que o economista considera latifundiário e monocultor. 

“Cada vez mais as terras são destinadas a produzir produtos para exportação e aí ficam menos alimentos no mercado interno para o Brasil. Então, além desse setor de exportação não desenvolver o país, não gerar bons empregos, ela dificulta a oferta de alimentos interna e contribui para que os preços subam num ritmo muito maior”.

“O especialista lembra que o grupo mais atingido é a população que tem o menor rendimento, empregos informais, ou famílias que perderam emprego "ou que conseguiram trabalhos, mas com valor mais baixo tem sido bastante comum nos últimos anos e isso fez crescer em pouco tempo os dados de insegurança alimentar no país”, acrescenta. 

Segundo outra pesquisa feita por Palmieri, os alimentos in natura, mais saudáveis estão ficando cada vez mais caros. Com isso o brasileiro passa a se alimentar pior, gerando um prejuízo à saúde no médio e longo prazo. É o que afirma a nutricionista Janine Coutinho, coordenadora do programa de Alimentação Saudável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). 

“Infelizmente aquela comida que deveria estar no nosso prato todos os dias,  in natura ou minimamente processada com a referência do Guia Alimentar da População Brasileira, ela tem aos poucos se tornado mais caras o que favorece do ponto de vista da acessibilidade financeira que o consumidor tenha menos possibilidade de fazer a escolha desses alimentos”, avalia.

::Vá à feira: comprar frutas da época é um dos caminhos pra driblar alta dos preços::

Os tubérculos, as raízes, como mandioca e os legumes, como chuchu e cenoura, foram os que mais tiveram o percentual aumentado, seguido dos óleos e gorduras, as hortaliças, frutas e cereais, estão entre os alimentos saudáveis que ficaram mais caros nos últimos meses.

Por outro lado, o consumo de ultraprocessados tem crescido cada vez mais, o que aumenta as chances de doenças crônicas.

“O consumo de produtos ultraprocessados tem uma relação direta com o aumento da das doenças crônicas não transmissíveis, como pressão alta, obesidade, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer e até depressão”, alerta a nutricionista. 

A coordenadora do programa de Alimentação Saudável do Idec ressalta ainda que o país já foi uma referência na segurança alimentar, mas nos últimos anos vive um cenário de retrocessos.  

“Ações de segurança alimentar e nutricional foram fragilizadas com a redução de recursos, precarização de serviços e aí cada vez mais a gente precisa da sociedade civil mais forte e mais aguerrida para que os direitos sejam mantidos. Desde 2019 a gente não tem um Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e nem uma ação organizada do ponto de vista governamental”, conclui Coutinho.  

Mais da metade da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).  E a tendência é que esses dados atualizados se tornem ainda mais preocupantes.

Edição: Douglas Matos


Crise econômica, recessão, depressão, desemprego, PIB. Você com certeza já teve dúvidas sobre esses conceitos tão comuns quando se fala em economia, não é mesmo? Mas afinal, o que é uma crise na economia? Por que de tempos em tempos ouvimos falar sobre isso? O Politize! preparou esse texto para te explicar de uma maneira simples esses temas que parecem tão complicados.

Como a população basileira reage com a crise
A Grande Depressão causou pobreza geral nos Estados Unidos e em diversos países do mundo. Aqui, família desempregada, vivendo em condições miseráveis, em Elm Grove, Oklahoma, Estados Unidos. Foto: Domínio Público.

Crise econômica, isso é normal?

Antes de mais nada, precisamos explicar que a economia é cíclicaapesar de apresentar períodos de certa estabilidade. Isso significa que, em alguns momentos há crescimento e em outros há queda da atividade econômica, o que é um padrão normal do sistema capitalista. Ou seja, de tempos em tempos passaremos por crises, isso é inevitável. O que pode variar são as razões que levam às crises, os setores da economia que serão mais afetados e a intensidade delas, é claro. Em geral, grandes crises afetam de alguma forma todos os países do sistema capitalista, pois as economias são dependentes entre si.

Como a população basileira reage com a crise
Foto: Marcello Casal Jr – Agência Brasil

Certo, mas o que acontece durante uma crise, afinal?

Durante uma crise econômica há declínio da atividade econômica. A demanda por consumo diminui, o que leva à diminuição da taxa de lucro das empresas. Como as empresas passam a lucrar menos, muitas delas acabam demitindo funcionários e isso leva ao aumento de taxas de desemprego. Com mais pessoas desempregadas, a renda diminui, o que leva a um menor consumo das famílias, ou seja, menor demanda. Como podemos ver, esse ciclo tende a se reproduzir e se intensificar. Para frear o ciclo, é necessário adotar políticas econômicas de estímulo à economia e o sucesso – ou não – dessas medidas, vai determinar a intensidade e duração dessas crises.

Veja também nosso vídeo “Quem é o culpado pela crise econômica?”

Intensidade diferente, como assim?

A intensidade de uma crise econômica para outra varia. Você provavelmente já ouviu falar sobre a crise de 1929, não é mesmo? Essa é a crise mais famosa do sistema capitalista, ela foi tão grave que é considerada uma depressão. Há duas classificações de crise conforme sua força e duração: recessão e depressão, veja abaixo a diferença entre elas.

  • Recessão: as recessões são crises relativamente curtas, são fases nas quais há retração da atividade econômica, aumento do desemprego, diminuição da produção, nas taxas de lucro e nos investimentos. Considera-se em recessão uma economia que apresenta queda no PIB por dois trimestres consecutivos.
  • Depressão: são crises duradouras – um estado de agravamento da recessão – com forte redução da atividade econômica, falências, altas taxas de desemprego e grandes quedas de produção e investimentos. Geralmente considera-se depressão uma recessão que ultrapassa 3 ou 4 anos de duração ou então, uma queda drástica no PIB.

PIB, é com ele que se mede a produção econômica?

Isso mesmo, o Produto Interno Bruto é a soma de toda a riqueza – conjunto de bens e serviços – produzidos internamente no país durante um determinado período de tempo. É um dos indicadores mais utilizados para medir o tamanho de uma economia, bem como seu crescimento ou recessão.

Há duas formas de calcular o PIB: pela oferta e pela demanda. Na ótica da oferta, soma-se o valor do que é produzido pela indústria, serviços e agropecuária. Na ótica da demanda, calcula-se o que é gasto: o consumo das famílias em bens e serviços, gastos do governo, investimentos das empresas e as exportações, descontadas as importações.  

Para saber mais: o que é PIB?

Saiba mais em formato de vídeo:

Crise econômica: no Brasil e no mundo

Para você entender melhor o fenômeno das crises econômicas, vamos explicar brevemente o que aconteceu antes, durante e depois de três crises importantes da história: a  depressão de 1929, a crise econômica mundial em 2008 e a recessão brasileira entre 2014 e 2016.

Depressão de 1929

Para entender a crise econômica de 1929, vamos relembrar o que estava acontecendo antes desse período. Com o final da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham a Europa como um grande consumidor dos seus produtos, afinal, a indústria europeia tinha sido afetada pela guerra e boa parte dos produtos tinham que vir de fora. Mas, aos poucos, a indústria dos países europeus foi se recuperando, a necessidade de importar produtos diminuiu e esses países passaram a comprar menos dos Estados Unidos.

Os Estados Unidos – devido a essa demanda externa – estavam produzindo muito, mas com a redução das exportações para a Europa, sofreram uma crise de superprodução. Isso significa que havia muito produto, mas não havia comprador. Com muitos produtos parados, as empresas passaram a demitir funcionários, o que teve como consequência taxas altas de desemprego e crescimento da pobreza. Como as empresas estavam ameaçadas, a compra de suas ações reduziu drasticamente, o que levou à famosa quebra da bolsa de valores.

A crise de 1929 foi uma crise do liberalismo. O liberalismo defendia o Estado mínimo, ou seja, a menor intervenção possível do Estado na economia. Segundo essa corrente de pensamento, o mercado se ajustaria conforme a lei de oferta e demanda. Porém, o mercado não foi capaz de se auto regular e a economia entrou em crise. Para a recuperação do país, foram adotadas medidas de intervenção do Estado na economia, como estímulos às indústrias e programas assistencialistas.

Saiba mais: Liberalismo: entenda essa corrente política

Crise econômica mundial de 2008

A crise global de 2008 também foi iniciada nos Estados Unidos, mas diferente do que aconteceu em 1929, essa foi uma crise financeira. Foi um colapso no sistema de especulação, decorrente da chamada bolha imobiliária. Antes do estouro dessa crise, os juros estavam baixos e havia crédito abundante no mercado americano. Isso significa que as pessoas tinham facilidade em conseguir empréstimos e os juros que pagariam por eles era baixo. Atrativo, não?

A forma desses empréstimos era a hipoteca. Ou seja, ao pegar um empréstimo, as pessoas davam seus imóveis como garantia e, geralmente, usavam o crédito para investir em outros imóveis. Esses empréstimos eram considerados de alto risco, pois muitas dessas pessoas não tinham condições de pagar suas dívidas. Desconsiderando esse risco, os bancos de investimento vendiam essas dívidas e as classificavam como seguras, ou seja, com baixo risco de calote.

Como a inflação no país estava aumentando, o governo precisou aumentar a taxa de juros. Isso levou ao “esfriamento” da economia e à desvalorização dos imóveis. Assim, grande parte das pessoas que havia realizado empréstimos não conseguiu mais pagar suas dívidas. Como essas dívidas estavam sendo negociadas pelos bancos de investimento no mundo todo, essa crise econômica gerou um efeito dominó, que levou ao colapso de diversos bancos. A crise atingiu em princípio os Estados Unidos, depois de algum tempo atingiu a Europa e até mesmo os países em desenvolvimento, embora em menor intensidade. Para evitar uma crise ainda maior, novamente o Estado teve que intervir para salvar os bancos. O plano de socorro de George W. Bush foi de R$ 2,6 trilhões.

Crise econômica brasileira

A recessão no Brasil foi de abril de 2014 a dezembro de 2016, ao longo desse período houve retração do Produto Interno Bruto do país. Dentre as causas dessa crise, podemos destacar a crise global de 2008, que afetou o mercado internacional como um todo; e as políticas adotadas pela equipe econômica do governo em resposta à crise internacional. O Brasil é um grande exportador de commodities –  produtos cujos preços são determinados no mercado internacional. Como o mundo estava em crise, o valor desses produtos caiu. Essa queda de preços afetou as exportações brasileiras e, apesar da adoção de políticas econômicas por parte do governo, não foi possível evitar a recessão econômica.

Nesse período, o setor que mais sofreu no Brasil foi a indústria, você talvez lembre de situações em que as indústrias realizaram demissões em massa, não é mesmo? O desemprego aumentou, atingindo a taxa de 13,7% em março de 2017 e a capacidade de consumo das famílias caiu. Nesse período também houve baixa Formação bruta de capital fixo, que são os investimentos que podem gerar mais produção e riqueza e aumentar o PIB, como por exemplo, novas plantas industriais.

A gravidade da situação se intensificou com uma crise política que culminou no impeachment da presidente Dilma Rousseff. Para conter a crise, seu sucessor, Michel Temer, adotou várias medidas econômicas, como a PEC do teto dos gastos, a reforma trabalhista e a Lei da terceirização. Muitas dessas medidas se tornaram impopulares por seus riscos de precarização do trabalho e das possíveis consequências para a população diante das dificuldades que educação, saúde e segurança pública enfrentarão nos próximos anos com o congelamento dos gastos.

Entendeu um pouco sobre crise econômica?

Esperamos que esse texto tenha te ajudado a entender o que são as crises econômicas em um sistema capitalista. Como você pode ver, há diferentes tipos de crise, seja pela origem, pelos setores que mais são afetados e pela intensidade e duração. Em geral, as crises produzem cenários de precarização da condição da vida da população, especialmente daquelas camadas mais pobres, que são diretamente afetadas pelo desemprego e diminuição da sua capacidade de consumo. Para ajudar a entender ainda melhor o assunto, o Politize! preparou um infográfico para você, confira!

Como a população basileira reage com a crise
O desemprego é uma das mais graves consequências para a economia durante uma crise. Foto: Marcello Casal Jr – Agência Brasil

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Referências do texto: confira aqui onde encontramos dados e informações!

Parabólica – Crise de 1929 para o ENEM

Mundo Educação – Crise financeira do capitalismo

NEXO – Dez anos da crise de 2008: colapsos, consequências e lições

Wikipedia – Crise econômica no Brasil

NEXO – Qual foi a gravidade da recessão no Brasil e qual a força da recuperação  

PRADO, Luiz Carlos Delorme. A grande depressão e a grande recessão: uma comparação das crises de 1929 e 2008 nos EUA. Revista Econômica. Niterói – RJ. Dezembro/2011.