O que é estudo de intervenção

Segundo a Lei n.º 21/2014 de 16 de abril, que aprova a lei da investigação clínica, um estudo clínico com intervenção é qualquer investigação que preconize uma alteração, influência ou programação dos cuidados de saúde, dos comportamentos ou dos conhecimentos dos participantes ou cuidadores, com a finalidade de descobrir ou verificar efeitos na saúde, incluindo a exposição a medicamentos, a utilização de dispositivos médicos, a execução de técnicas cirúrgicas, a exposição a radioterapia, a aplicação de produtos cosméticos e de higiene corporal, a intervenção de fisioterapia, a intervenção de psicoterapia, o uso de transfusão, a terapia celular, a participação em sessões de educação individual ou em grupo, a intervenção com regime alimentar, a intervenção no acesso ou organização dos cuidados de saúde ou a intervenção designada como terapêutica não convencional;

De acordo com a mesma Lei, um ensaio clínico é qualquer investigação conduzida no ser humano, destinada a descobrir ou a verificar os efeitos clínicos, farmacológicos ou outros efeitos farmacodinâmicos de um ou mais medicamentos experimentais, ou a identificar os efeitos indesejáveis de um ou mais medicamentos experimentais, ou a analisar a absorção, a distribuição, o metabolismo e a eliminação de um ou mais medicamentos experimentais, a fim de apurar a respetiva segurança ou eficácia.

Podemos considerar que os ensaios clínicos são conduzidos em 4 fases:

O que é estudo de intervenção

Os ensaios de Fase 1 testam pela primeira vez um possível novo medicamento ou tratamento.

A Fase 1 realiza-se habitualmente em indivíduos não afetados pela doença, ou seja, indivíduos saudáveis. Tem por principal objetivo verificar se o tratamento produz efeitos no organismo. Para além disso, visa estudar a tolerância clínica e biológica, permitindo definir a dose máxima tolerada pelo organismo. Os estudos de fase 1 têm também como objetivo avaliar a farmacodinâmica e a farmacocinética dos novos fármacos:

Farmacodinâmica: permite definir os efeitos no organismo e determinar a dose mínima com atividade terapêutica.

Farmacocinética: permite definir o destino da molécula no organismo de acordo com o modo de administração (oral, intravenosa, etc.)

O que é estudo de intervenção

A Fase 2 corresponde à primeira administração do tratamento em indivíduos doentes. Nesta fase envolve-se apenas um número limitado de indivíduos e durante um curto período de tratamento, tendo por objetivo avaliar a eficácia terapêutica, avaliando em simultâneo a sua segurança a curto prazo. Por exemplo, a dose adequada a administrar é um dos parâmetros avaliados nesta fase, assim como a resposta fisiológica obtida com essa dosagem.

O que é estudo de intervenção

A Fase 3, também denominada de “estudo fundamental”, é a fase final antes do medicamento ser comercializado, com objetivos terapêuticos pré-autorização de introdução no mercado (AIM). Estes estudos tornam possível medir a eficácia terapêutica da molécula e a sua segurança em condições mais próximas da vida real.

Esta etapa envolve normalmente um grande número de pessoas doentes durante um longo período de tratamento. As condições de administração são próximas das condições de uso do futuro medicamento. Para se poderem retirar conclusões fidedignas do estudo, os participantes são submetidos a um processo de randomização, onde, de um modo aleatório, são selecionados para receberem o tratamento inovador, o placebo ou o tratamento convencional.

Os ensaios de Fase 3 são os mais frequentes e muitos deles incluem centenas ou mesmo milhares de doentes de vários centros de investigação e muitas vezes de vários países.

Os medicamentos com provas de eficácia e segurança nesta fase podem ser submetidos a aprovação pelas autoridades reguladoras, seguindo-se a fase de autorização de introdução no mercado (AIM) e comercialização.

O que é estudo de intervenção

Depois do medicamente aprovado e comercializado, já numa fase pós-AIM, são feitos estudos por longos períodos que visam garantir a eficácia e a segurança do medicamento. Nesta fase estuda-se, num âmbito mais alargado e já de acesso à população em geral, a sua eficácia, benefícios e possíveis acontecimentos adversos. É também nesta fase que se poderá otimizar a utilização do medicamento, assim como avaliar interações medicamentosas e acontecimentos adversos adicionais (farmacovigilância).

PÓS-GRADUAÇÃO

Curso de epidemiologia básica para pneumologistas

3ª parte – estudos de intervenção

Ana M.B.MenezesI; Iná da S. dos SantosII

IProfessoraTitular de Pneumologia, Faculdade de Medicina – UFPEL; Professora do Curso de Pós-Graduação em Epidemiologia – UPFEL; Presidente da Comissão de Epidemiologia da SBPT

IIProfessora do Curso de Pós-Graduação em Epidemiologia – UFPEL

Endereço para correspondência

A terceira parte do "Curso de Epidemiologia Básica para Pneumologistas" terá como enfoque os estudos "experimentais analíticos", que podem ser classificados em:

I) ensaio clínico randomizado

II) estudo de intervenção comunitária

I. ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO

A. DELINEAMENTO: o ensaio clínico randomizado é um tipo de estudo de intervenção em que se parte da causa em direção ao efeito (ver Figura 1)(1). Os participantes são divididos, aleatoriamente, em dois grupos: o grupo da intervenção e o grupo dos controles. Essa alocação aleatória tem como principal finalidade tornar os dois grupos semelhantes entre si. Idealmente, os ensaios clínicos devem ser randomizados, controlados e duplo-cegos(2).

Randomizados: significa que os pacientes são alocados para um dos dois grupos de forma aleatória, como, por exemplo, lançando-se uma moeda(3).

Controlados: significa que além do grupo que vai receber o tratamento novo que se quer testar, um outro grupo (o grupo controle) receberá placebo ou o tratamento até então consagrado (se houver) para aquela doença.

Duplo-cegos: significa que nem o paciente, nem o profissional que irá avaliar a ocorrência do desfecho que se quer prevenir (complicação da doença) deverão ter conhecimento do grupo ao qual o paciente pertence (intervenção ou controle).

É o estudo de melhor delineamento para investigar a relação causa-efeito. O fato de serem dois grupos semelhantes, cuja única diferença é a intervenção, e o uso de técnicas de avaliação duplo-cega e de placebos tornam esse tipo de estudo o menos sujeito a vieses e o mais semelhante a um estudo experimental de laboratório.

O ensaio clínico randomizado é semelhante ao estudo de coorte, onde também se parte da causa para o efeito. O estudo de coorte, entretanto, não permite a alocação aleatória da exposição.

B. PRINCÍPIO LÓGICO DO ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO: o princípio lógico do ensaio clínico randomizado é saber se a incidência de complicações da doença ou de outros desfechos como a morte, nos expostos (grupo de intervenção), é menor do que a incidência nos não expostos (grupo controle). A pergunta feita nesse tipo de estudo é a seguinte: será que o tratamento surtiu algum efeito? Na área da pneumologia, podem ser citados, como exemplos, estudos com a vacina antiinfluenza(4-6). Uma metanálise sobre a eficácia da vacina antiinfluenza, nos idosos, mostrou que 53% dos que receberam a vacina apresentaram menos infecções respiratórias e 50% hospitalizaram menos do que aqueles que não receberam vacina(4).

C. VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS ENSAIOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS:

Vantagens:

– Não devem ser influenciados por variáveis de confusão

– Permitem estudar a história natural da doença

Desvantagens:

– Podem ser muito caros

– Podem não ser generalizáveis

– Podem ser eticamente inaceitáveis

– Muitos pacientes podem desistir do tratamento

O ensaio clínico randomizado é considerado o delineamento padrão-ouro(7-9), pois é o que menos sofre a influência de fatores de confusão e vieses.

Algumas desvantagens, entretanto, devem ser lembradas. Além de ser um estudo de custo geralmente elevado e, sob o ponto de vista ético, muitas vezes inaceitável, apresenta, como uma das principais desvantagens, as perdas e recusas de acompanhamento. Para que isso não aconteça é preciso que o grupo de participantes seja cooperativo, o que muitas vezes é extremamente difícil. O estudo também exige muita cautela na seleção dos grupos, pois eles podem não ser representativos da população devido às exigências dos critérios de inclusão.

D) MEDIDAS DE OCORRÊNCIA E DE EFEITO: uma das maneiras de analisar esse tipo de estudo é através da medida do Risco Relativo (RR), ou seja, a razão entre a incidência de um grupo dividida pela incidência do outro grupo. Se o grupo da intervenção tiver menor incidência de complicações da doença do que o grupo controle, isso significa que a intervenção apresentou efeito (no caso de uma vacina, por exemplo, poderia ser concluído que o grupo que recebeu a vacina teve menor incidência de doença do que o grupo que não recebeu a vacina).

Uma outra maneira de avaliar esses estudos utiliza as chamadas Tábuas de Sobrevivência, que se aplicam não apenas à sobrevivência em si, mas também ao tempo até a ocorrência de uma determinada complicação (que não a morte) ou a cura do paciente. As Tábuas de Sobrevivência calculam a taxa de sobreviventes entre os pacientes que receberam um tratamento novo, comparada a dos que receberam placebo (ou o tratamento convencional), após decorrido um determinado espaço de tempo. Essas taxas podem ser expressas visualmente através de curvas(10).

II. INTERVENÇÕES COMUNITÁRIAS

Nesse tipo de estudo geralmente se utiliza uma intervenção preventiva. Assim, selecionam-se indivíduos "sadios", expõe-se a metade à intervenção preventiva e, decorrido um período de tempo, mede-se a incidência nos dois grupos da doença ou problema que se quer prevenir. Exemplos de intervenções comunitárias são os estudos sobre eficácia de vacinas e sobre a fluoretação da água para prevenção de cáries(11).

  • Endereço para correspondência

    Ana Maria Menezes, Av. Domingos de Almeida, 2.872 – Areal