Show Com o passar dos anos foi cada vez mais promovido pela Igreja Católica o culto dos mortos, e a tradição de reservar lugar à mesa, e também de deixar comida para os mesmos. As oferendas aos mortos nestas alturas do ano são comuns em diversas culturas pagãs, incluindo as celtas que habitaram o que é hoje Portugal. Começou também o costume de deixar o primeiro pão de uma fornada nesta altura à porta da casa tapado por um pano. Seria para honrar os mortos, mas a intenção era também que quem de mais pobre por ali passasse tomasse a parte física para si. Assim este pão para os fiéis defuntos começou a ter a vertente de partilha com quem necessitava. O Pão Por Deus é uma tradição bem Portuguesa, mas a sua origem evolução e história até hoje é algo fascinante. Por vezes no entanto pensamos que poderá estar ameaçado por um Halloween que até poderá ter raízes longínquas partilhadas. A globalização tem cada vez implementado mais o Halloween entre os Portugueses. O fenómeno da televisão, e mais recentemente a Internet, trazem até nós esta festividade anglo-saxónica. Pão por Deus em Portugal. Foto: Site NCulturaPão por Deus nos AçoresNos Açores a expressão Pão por Deus, expandiu-se pela necessidade de ajuda à população pobre. Poesia composta de uma ou mais estrofes, quase sempre de quatro versos, era usada inicialmente na literatura oral do Brasil, depois manuscrita em papel, que continha sempre as palavras Pão por Deus. Até o século XIX eles não eram assinados. O Pão-por-Deus é uma forma artística folclórica de “pedir-os-reis”, ou seja, uma contribuição cultural trazida pelos imigrantes açorianos. Nos arquipélagos dos Açores e Madeira, tais pedidos eram feitos nos dias 1 e 2 de novembro, enquanto que aqui no Brasil, acontecia nos meses anteriores. Lá, eram as crianças que pediam pão e guloseimas. Pão por Deus nos Açores. Foto: Site ofportugal.comPão por Deus no Litoral CatarinenseAqui, em nosso litoral, graças à dinâmica do folclore, passou a ser utilizada, entre os enamorados, para pedir amor. Aliás, sabemos que não só de pão vive o homem! A pureza destes costumes davam à vida simples do nosso povo, o mais belo dos encantos, com o envio do Pão por Deus. Esta comunicação singela e romântica em forma de mensagens de amor, simpatia e amizade eram escritas em lindos papéis rendilhados, coloridos, em forma de coração, ou de acordo com a sensibilidade artística de cada um. As mensagens em versos circulavam entre os namorados, parentes e pessoas amigas e os pedidos de prendas traduziam os mais caros sentimentos dos autores. Quem recebe um pedido de “Pão por Deus”, fica na obrigação de responder até o Natal, enviando uma oferta ao solicitante. Pão por Deus. Foto: Site Prefeitura de São JoséO “Pão por Deus” tem sido motivo de interesse e pesquisa de historiadores, jornalistas, escritores, folcloristas, no passado e no presente. Nomes como: Crispim Mira e Lucas Alexandre Boiteux, no início do século XX; Osvaldo Rodrigues Cabral e Henrique da Silva Fontes, em um passado recente, e Doralécio Soares, no presente, deram a sua contribuição ao tema, seja pela discussão de suas origens ou pela coleta de quadrinhas e tipos de corações. Henrique da Silva Fontes realizou a síntese dessa discussão: “Os corações-missivas de simpatia, de amizade ou de amor, a que se dá o nome de Pão por Deus constituem velho uso da população do litoral catarinense. É, entretanto, o uso que está em vias de desaparecimento, pois só é mantido, e sem a antiga gentileza e generalidade, em pobres localidades rurais. O pedido é feito em verso, comumente numa quadrinha setessílaba. O papel da missiva, branco ou de cor, é rendilhado a bico de tesourinha, ou também entrançado, podendo ser ainda variadamente colorido e ornamentado. Arma-se, às vezes, como cestinha e pode apresentar-se com outras formas. Em regra, porém, na configuração e nos recortes, estiliza um coração símbolo que dá o nome à missiva”. Quanto às origens, diz Henrique da Silva Fontes, “os corações” não vieram de Portugal e suas ilhas povoadoras do litoral catarinense. “O que recebemos dos portugueses e dos açorianos foi a expressão Pão-por-Deus, corresponde, é certo, a um pedido e a uma dádiva, mas com forma e objetivo diferente” e acrescenta, transcrevendo Osvaldo Rodrigues Cabral: “É evidente que o Pão por Deus sofreu com a viagem através do Atlântico e dos séculos que passaram, modificações que poderão ser assim resumidas:
Em nossa região do Lagos, mais precisamente em Sant’Anna de Villa Nova, Mirim, Guaiúba, dente outros locais, essa prática do Pão por Deus tinha ainda, grande desenvolvimento até pelos anos 40. Iniciava-se na primavera, mais precisamente no mês de setembro e outubro. Minha avó centenária, diz que encaminhou um Pão por Deus quando era moça e ganhou “um core de fazenda”, um pedaço de tecido para fazer alguma peça de roupa. Poeta Vevé. Foto: Roni RonaldoMeu avô, deixou vários versinhos de Pão por Deus escritos:Tu sabes que eu te amoIsso eu não posso negarSe me mandar Pão por Deus Cada vez mais vou te amar. Meu coração vai voandoIgual uma ave feridaVai pedir um Pão por Deus Para a paixão da minha vida. Lá vai meu coraçãoNa asa de um gaviãoManda pedir Pão por Deus Meu amor, minha paixão. Promessa também é dívidaQuem deve tem que pagarSe me mandar Pão por Deus Claro que eu vou perdoar. Estou escrevendo essas linhasEm prova de nossa amizadeMando pedir pão por Deus Para matar minha saudade. Pão por Deus é uma dívidaQue tem que ser retribuídaPor favor não vai deixar Minha esperança perdida. A Casa Açoriana freguesia Sant’Anna de Villa Nova, em 2018 nas suas oficinas culturais, desenvolveu a prática do Pão por Deus. Confecção Pão por Deus, Foto: Roni Ronaldo Confecção Pão por Deus. Foto: Roni Ronaldo Oficina de Pão por Deus – Casa Açoriana. Foto: Roni RonaldoTemos que cada vez mais propagar essa cultura literária do Pão por Deus. Um dos motivos pelos quais o Pão por Deus foi desaparecendo deve-se ao alto índice de analfabetismo no Brasil. Muitas pessoas em todas as épocas deixaram de escrever e enviar missivas por desconhecimento da leitura e da escrita. Apesar disso, essa tradição não desapareceu. Esses versos continuam vivos na memória do povo do litoral catarinense. Vivos também em nossa cidade de Imbituba. Então, devemos cada vez mais difundir essa prática. Fontes:
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